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Paixao-ressurreicao de Cristo em Mt

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PAIXÃO E RESSURREIÇÃO DE JESUS NO EVANGELHO DE MATEUS
O evangelista Mateus não está preocupado em descrever acontecimentos históricos, mas oferece-nos um relato eclesial e doutrinário a respeito da Paixão-ressurreição de Cristo. Isto se manifesta no próprio estilo, que tende a clareza e torna-se bastante esquemático, um estilo que se adequa à liturgia. Manifesta-se, porém, ainda mais na apresentação dos fatos: iluminados pela fé da Igreja, os acontecimentos se tornam inteligíveis. Mateus está menos interessado que Marcos nos detalhes concretos e nunca perde a oportunidade de insistir no “cumprimento” das Escrituras e na presciência de Jesus a respeito de sua autoridade. Mostra, por outro lado, o extravio do povo de Israel através de seus dirigentes. 
A Prisão
Mateus está preocupado com explicações. Sua narrativa é menos concreta. Para designar Jesus, Marcos simplesmente diz “Judas se aproximou dele”, “os outros colocaram as mãos nele”. Mateus, ao contrário, menciona várias vezes o nome de Jesus: “aproximando-se de Jesus”, “Jesus disse a eles”. Mateus, acima de tudo, ilumina os fatos com as palavras: Jesus fala a Judas, fala ao discípulo que empunhou a espada e explica-lhe extensivamente os modos do agir de Deus, enfim, fala à turba que foi prendê-lo. 
Os princípios que guiam o comportamento de Jesus no momento do aprisionamento iluminam todo o mistério da Paixão. Mateus nos mostra que Jesus escolhe, com pleno conhecimento de causa e com plena liberdade, o caminho da humilhação, porque nele reconhece o caminho que corresponde ao plano de Deus. Jesus se recusa a se opor à violência com violência, porque essa atitude, longe de salvar os homens, os encerra em um círculo infernal (26,52). Ele também se recusa a recorrer a uma intervenção milagrosa do poder divino: ele não duvida que possa obter uma intervenção desse tipo do Pai (26,53), mas ele sabe bem que esse não é o caminho que levará ao objetivo do Reino. Chegou a hora em que as Escrituras devem ser “cumpridas”. A expressão retorna duas vezes, primeiro nas palavras endereçadas ao discípulo (26,54), depois às turbas (26,56).
O leitor cristão é informado, desde o início, sobre o significado dos acontecimentos. Quando a Igreja primitiva mencionava a Paixão, a contemplava através da Escritura. Sabia que há uma perfeita correspondência entre o desígnio de Deus, prefigurado no Antigo Testamento, e esses eventos, à primeira vista, desconcertantes. Mas, os discípulos não haviam percebido isso naquele tempo. As palavras e atos de Jesus eram desconcertantes para eles, e eles reagiram de maneira equivocada, manejando a espada, em um primeiro momento, e depois, fugindo e negando-o. Era necessário que toda a Paixão fosse cumprida, que terminasse na Ressurreição, para que a luz finalmente invadisse suas mentes e corações. Então a memória entre o evento e a Escritura tornou-se totalmente perceptível. No entanto, uma vez adquirida essa percepção, é necessário recordar de tudo para nutrir a fé. É o que o Mateus faz. Sua apresentação não é histórica, no sentido estrito da palavra; é fruto de uma meditação que atinge o âmago dos fatos.
O Processo Judaico
Mateus mantém os mesmos elementos e a mesma disposição que Marcos. No entanto, antes de passar para o processo romano, Mateus acrescenta uma perícope própria, o das moedas de Judas, o preço do sangue (Mt 27,3-10).
Mateus quer mostrar o significado do processo judaico. A evocação do dinheiro amaldiçoado permite que Mateus nos dê a chave dos acontecimentos, é evidente, em primeiro lugar, que o processo é injusto: as moedas de prata testemunham isso abertamente. Judas confessa: “Eu pequei entregando o sangue inocente”, e joga no chão o dinheiro da traição. Até mesmo os sacerdotes admitem isso quando dizem: “É preço de sangue”.
Manifesta-se, então, através do complô de Judas e dos sacerdotes, o “cumprimento” das Escrituras: os profetas falaram destes ciclos de prata (27,9-10). Demonstra-se, ao mesmo tempo, a realização do julgamento de Deus: Judas não se beneficia de seu dinheiro infame, e mesmos os líderes judeus escrevem sobre o terreno de sua propriedade o testemunho do crime que cometeram: o campo comprado se chama “campo de sangue”.
O Processo Romano
A contribuição particular de Mateus se acha no episódio de Barrabás. Consiste em dois elementos: a intervenção da esposa de Pilatos e a cena em que Pilatos lavou as mãos. Não se trata de simples elementos agregados. Mateus retorna ao todo e nos apresenta uma nova composição otimamente construída, na qual a intenção doutrinal e eclesial aparece claramente. Os laços de Cristo com o povo de Israel são definidos. Enquanto a esposa do pagão intercede pelo “justo”, a Filha de Sião (Israel) exige em alta voz a morte do seu messias, do seu cristo. “Todo o povo” toma sobre si a responsabilidade que Pilatos recusa (27,25). Essa tomada da posição do povo da antiga aliança marca um momento decisivo na história da salvação.
O Calvário
Mateus segue uma exposição semelhante à de Marcos, contudo nos traz maiores luzes. Mais do que Marcos, Mateus enfatiza o cumprimento das Escrituras no decorrer da narrativa (por exemplo, nos escárnios: 27,43, Sl 22,9). O leitor pode assim entender que tudo tem um sentido dentro do plano de Deus. As repercussões da morte de Jesus estão coordenadas de modo impressionante até que se torne evidente o alcance escatológico do evento. A ruptura do véu do Templo é agregada a um terremoto, simbolizando o fim da antiga era, da antiga aliança.
O início do novo tempo é imediatamente indicado pela menção simbólica de algumas ressurreições, as quais servem para enfatizar que Jesus é o primogênito entre os mortos. Por outro lado, a confissão de fé do centurião, que se estende aos seus companheiros (27,54) serve aos propósitos missiológicos do evangelista, pois tanto os ressurretos quanto os gentios romanos testemunham a identidade de Jesus como filho de Deus. A orientação doutrinal e eclesial de Mateus também se revela em um episódio suplementar, o da guarda do sepulcro, dificilmente há exatidão nesse episódio, mas serve ao propósito de focar nossa atenção na ressurreição já esperada. 
A Ressurreição
Em seguida, Mateus apresenta seu relato sobre a ressurreição de Cristo. Os destaques são dados para as mulheres no sepulcro, o dilema dos guardas, a conspiração dos sacerdotes, as implicações do roubo de sepulturas e o encontro final na Galileia
As mulheres no sepulcro (28,1-10).
Na sociedade judaica do primeiro século as mulheres não eram aceitas como testemunhas, exceto se nenhum homem tivesse presenciado os eventos em questão. Mas, aqui temos Mateus escrevendo como judeu e, particularmente, para leitores judeus o testemunho sobre a ressurreição de Jesus realizado por duas mulheres: Maria de Magdala e outra Maria. Mulheres também haviam sido testemunhas do sepultamento (27,61). Para Mateus bastam as duas testemunhas, ele omite a informação “mãe de Tiago, e Salomé” (Mc 15,40; 16,1). Essa passagem parece fazer um paralelo com as mulheres na genealogia de Jesus no início do Evangelho. 
Marcos (seguido por Lucas) afirma que as mulheres levaram especiarias para ungir o corpo, isso mostra claramente que não se esperava que mais nada acontecesse. Mateus omite essa informação, pois a menção aos guardas no sepulcro já mostra que algo era esperado.
Os terremotos mencionados em 27,51 e 28,2 fazem parte de uma série de elementos que servem para enfatizar a natureza escatológica da morte de Jesus na cruz e sua ressurreição. Isso se confirma com a aparição do anjo e o terror sentido pelos guardas do sepulcro. 
O anjo revira a pedra e senta-se nela. Curiosamente, o anjo não abre a tumba para deixar Cristo sair, pois ele já ressuscitou. Em vez disso, ele abre o sepulcro para que as mulheres possam entrar: “vinde ver o lugar onde ele estava” (28,6).
 Mateus segue Marcos a respeito das instruções dadas pelo anjo para que anunciem aos apóstolos que Jesus está vivo e que o verão na Galileia. Em seguida, Mateus acrescenta uma aparição de Jesus. Os relatos sobre as aparições do Ressuscitadosurgiram no final do século I e têm por objetivo mostrar as diversas possibilidades de se fazer uma experiência com Cristo ressuscitado.
Os guardas (28, 11-15)
A cena agora se move para as outras testemunhas do evento, os guardas. Tendo se recuperado de seu profundo choque (28,4), os guardas foram informar o assunto aos chefes dos sacerdotes, pois reportar esses fatos a Pilatos admitindo incompetência por meio de uma história tão improvável poderia custar-lhes a vida. 
Os sacerdotes consultaram o conselho dos anciãos e elaboraram um plano astuto (28,12).  Antes eles haviam considerado o roubo do corpo e a reivindicação da ressurreição como o pior cenário possível (27,62-66). Agora eles o promovem como sua melhor opção. 
Um plano sem sentido porque dificilmente os guardas dormiriam com o barulho da tumba sendo aberta e, se estavam tão profundamente adormecidos, como saberiam que foram os discípulos que fizeram isso (28,13). Além disso, como os supostos ladrões puderam tão facilmente transportar um corpo enrijecido? E como deram sumiço no corpo tão rapidamente e sem deixar vestígios? Esse tipo de argumento era levantado pelos adversários da comunidade de Mateus no final do primeiro século e o evangelista está mostrando que é um argumento absurdo.
Na narrativa de Mateus, a única coisa em que todos (os soldados romanos, os anciãos e os sacerdotes e os discípulos) estavam concordando é que o corpo do Crucificado havia sumido. As mulheres eram as únicas que sabiam o porquê do sumiço. 
O encontro final (28,16-20)
Mateus segue Marcos afirmando que o encontro se deu na Galileia. Em um monte (montanha) como sempre acontece neste evangelho, pois foi no monte que Deus se manifestou a Israel. Na Galileia porque foi lá que aconteceu o ministério público de Jesus. 
Jesus, a quem os sábios acreditavam ser o rei dos judeus (2,2), agora afirma: “toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide a todas as nações do mundo e fazei discípulos, ensinando-os a guardar tudo o que eu vos ensinei e batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (28,18-19).
Mateus havia afirmado desde o início (1,23) que ele seria chamado “emanuel”, que significa “Deus conosco”. Deus esteve com eles durante o ministério de Cristo. Agora, por causa de sua ressurreição, estará presente em todas as gerações até o fim dos tempos (28,20).

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