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Funções Matemáticas Sua história contada por meio da evolução de suas definições Verônica Gitirana1 Veronica.gitirana@gmail.com 1 Verônica Gitirana Gomes Ferreira. O conceito de função matemática até a década passada era introduzida em nossa escola de uma forma abstrata, apesar de suas inúmeras aplicações do cotidiano. Sua introdução se dava, convencionalmente, após o estudo de relações binárias, de pares ordenados e do sistema Cartesiano. Função era, finalmente, introduzida como um caso especial de relação binária. Posteriormente, algumas famílias de funções são exploradas. Cada família de funções é definida por meio de sua fórmula geral, seguida por um suporte gráfico. Desconsiderava-se, assim, toda a utilidade de funções e o conhecimento intuitivo do aluno sobre função. De fato, e em sintonia com resultados sobre a representação social do professor (MAIA, 1997), função é abordada na escola como parte da Matemática abstrata. Chama-se função de 2o. grau ou função quadrática a função f(x)=ax2+bx+c (a, b, c reais e a não nulo) definida para todo x real. (IEZZI et al, 1990). É assim que, após uma rápida exemplificação de relações quadráticas por meio de sua relação, o livro-texto de Matemática (IEZZI et al, 1990), bastante utilizado na década de 90 no antigo segundo grau, introduzia o conceito de função quadrática. Assim como para outras famílias de funções, tradicionalmente, funções afins (em nosso currículo denominada polinomial de 1o. grau) e quadráticas (denominada em nosso currículo também por função do 2o. grau) têm sido introduzidas por sua fórmula (sua representação algébrica) e os estudantes são desafiados a associar as regras para estas funções com situações que envolvem uma rotina. A representação algébrica de uma função tem sido em nosso currículo sinônimo de função, ou ao menos a sua essência, como apontou o estudo desenvolvido em meu trabalho de doutoramento (GOMES FERREIRA, 1997), que é compatível com o mesmo resultado investigado por vários educadores matemáticos. Em vez de discutirmos as várias famílias de funções pelos padrões que elas são capazes de modelar, nos preocupamos, tão e somente, com sua definição algébrica. mailto:Veronica.gitirana@gmail.com Apesar desta abordagem, alguns tipos de funções aparecem no dia a dia como invariantes relacionais (VERGNAUD, 1991). Um exemplo é o cálculo da idade de um amigo mais velho. Em geral, relacionamos a idade de um amigo com a nossa por um fator que é constante (a diferença entre as duas idades (A)) ou decoramos sua data de nascimento. Atribuímos, assim, uma relação funcional entre nossa idade (x) e a do amigo (f(x)), como forma fácil de memorizar e que nos permite calcular em qualquer ano sua idade, bastando saber a nossa (f(x)=x+A)2. Antes de iniciarmos qualquer discussão sobre o ensino de função precisamos discutir a evolução da concepção de função. Esse texto aborda as concepções sobre função na história, por meio da evolução da história das definições de função. HISTÓRIA DAS DEFINIÇÕES A história da Matemática mostra que o estudo de função tem tido diferente ênfases. Desde tempos pré-históricos, a civilização se interessa por entender o comportamento funcional dos processos da natureza (BOYER, 1946), tal como a relação entre as fases da lua e os dias do mês. A matemática medieval, mesmo sem abstração nem definição, estudou a funcionalidade como ciência dos 2 Tal função possui um erro dado que depende também de uma segunda variável - a data do ano que estivermos calculando a idade do amigo. O resultado depende se na data do ano em questão: ambos fizeram aniversário, um fez e o outro não, ou se ambos fizeram aniversário. dinâmicos. Taxa de variação tal como velocidade e aceleração foram focos de discussão. Note que neste estudo o interesse principal era como a variação em uma quantidade afetaria a variação em outra quantidade - tomando-se uma visão variacional. Segundo Malik (1980), esta ênfase foi fundamental para a origem do conceito de função. Posteriormente, o conceito evoluiu de uma perspectiva geométrica, no século 17, passando por uma perspectiva algébrica no século 18, e chegando a uma perspectiva de teoria de conjuntos nos tempos modernos. Em 1692, Leibniz e Bernoulli adotaram o termo função “para designar certa quantidade geométrica variável, tais como ordenadas, tangentes, e raios de curvatura...” (BOYER, 1946: 12). Ao ser conectada com curvas, o termo recebeu uma perspectiva geométrica. Apesar de se estudar a variação, o aspecto pictórico da figura também estava envolvido no conceito. No século 18, matemáticos desenvolveram outra definição que trata o conceito essencialmente como equações. Para eles função era: “uma expressão analítica representando uma relação entre duas variáveis cujo gráfico não tem quinas” (MALIK, 1980: 490). A perspectiva geométrica novamente determinou uma mudança da definição de função “Euler viu que qualquer curva desenhada a mão-livre no plano determina uma relação funcional que pode não ser representável, tanto implícita quanto explicitamente, de forma analítica ordinária” (BOYER, 1946: 12). Tal observação foi usada por Lacroix para dar uma nova definição ao termo: “qualquer quantidade, o valor que depende de uma ou mais quantidades é dito ser uma função das demais, caso ou não se saiba por qual operação passa-se das demais para a primeira” (op.cit.: 12-13). Em 1837, Dirichlet revisou a definição de função para: “y é uma função de x, para um domínio dado de valores de x, sempre que uma lei precisa pode ser dada relacionando x e y” (op.cit.: 13) onde ele usa ‘lei precisa’ referindo-se a uma regra do tipo: ‘dado x, um e somente um valor de y pode ser obtido’. A unicidade de uma função foi enfatizada. Com a introdução da Topologia e espaços métricos, matemáticos notaram que as propriedades de um conjunto eram de fundamental importância no estudo de funções (domínio e conjunto imagem). A definição de Dirichlet- Bourbaki surgiu como: ‘Uma função ƒ de A em B é definida como um subconjunto do produto Cartesiano de A e B, tal que, para todo aA existe exatamente um bB tal que (a,b)ƒ’. Nesta definição, função é enfatizada como uma entidade matemática. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES… A matemática escolar seguindo uma ênfase tradicional tem introduzido o conceito de função segundo a definição de Dirichlet-Bourbaki. Apesar disto, os exemplos explorados, em geral, consistem de funções que podem ser expressas algebricamente. Como demonstra Vinner e Dreyfus (1989) e argumenta Malik (1980: 490-491), estudantes não se utilizam da definição para articularem suas idéias. “Um estudante retém um conceito somente se este é usado no curso; se somente uma forma particular do mesmo é usada, o estudante inconscientemente aceita essa forma particular...”. Vinner e Dreyfus (1989) mostrou que as concepções dos estudantes de função também dependem da representação usada. Através de gráficos, função é usualmente percebida como uma curva bem comportada. Pesquisas apontam que estudantes usualmente interpretam subconceitos de função a partir de gráficos tendo por referência seu formato como uma figura estática (GOLDENBERG, 1988; CLEMENT, 1985) - pictoricamente. Por exemplo, o subconceito de monotonicidade (Crescente, decrescente e constante) é usualmente reconhecido pela ‘direção da linha reta’ (GOMES FERREIRA3, 1997). Com esta percepção pictórica, pode-se dizer que ƒ1 é uma função crescente e ƒ2 é decrescente (figura 1). Porém, como se poderia caracterizarƒ3? Seu gráfico nem reta é! Ou ainda, como os estudantes fazem a generalização de tal percepção para ƒ3? 3 Tese de doutoramento, também de Verônica Gitirana GOMES FERREIRA. Ou, será que tal generalização simplesmente não é feita? Fig. 1: Exemplos de funções crescentes e decrescentes Fonte: Gomes Ferreira (1997) Ao ser introduzida e enfatizada por equações, como no caso do currículo seguido pelos estudantes brasileiros analisado em Gomes Ferreira (1997), a função é essencialmente percebida como um processo, onde dado x e uma relação ƒ obtém-se a imagem de x, ƒ(x). Percepção esta que tem sido denominada de procedural. Note que quando os estudantes não vêm x como variável, essa ênfase pode levar os estudantes a uma visão pontual, uma relação entre pontos isolados. Preece (1983) detectou que alguns estudantes não eram capazes de responder questões advindas de subconceitos relacionados com variáveis. Como Goldenberg (1993) argumenta, ao analisarem um “... gráfico Cartesiano e declararem uma função como crescente sobre uma parte do domínio...” os especialistas em matemática estão “...vendo movimento numa figura estática, e usando considerável habilidade interpretativa que os novatos não parecem trazer” (p.13). Como argumenta Tierney et al (1992), para analisar subconceitos de função tais como derivada e valores extremos, os estudantes precisam adotar uma visão variacional — considerando na função a relação entre a ‘variação de x1 a x2’ e a ‘variação de ƒ(x1) a ƒ(x2)’. Em outras palavras, x tem que ser considerado como uma variável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOYER, C. Proportion, equation, function: three steps in the development of a concept, Scripta Mathematica, Vol.16, pp.5-13, 1946. CLEMENT, J. Misconceptions in Graphing, Proceedings of PME 9, Vol.I, pp.369-75, 1985. GOLDENBERG, E.P. Mathematics, Metaphors and Human Factors: Mathematical, Technical and Pedagogical Challenges in the Educational Use of Graphical Representation of Functions, The Journal of Mathematical Behavior, Vol.7, No.2, pp.135-73, 1988. GOLDENBERG, E.P. Ruminations about dynamic imagery, In NATO Advanced Research Workshop - Exploiting Mental Imagery with Computers in Mathematics Education, Oxford, Institute of Education University of London and The Open Unversity, May 20-25, 1993. GOMES FERREIRA, Verônica Gitirana. Exploring Mathematical Function through Dynamic Microworlds. Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática e Tecnológica, 1997. IEZZI, G.; DOLCE, D.; TEIXEIRA, J.C.; MACHADO, N.J.; GOULART, M.C.; CASTRO, L.R.DA D. e MACHADO, A.DOS S. Matemática: 1ª Serie; 2º Grau , Actual Editora Ltda., São Paulo, Revised 10th edition, 1990. MALIK, A.M. Historical and pedagogical aspects of the definition of function, International Journal of Mathematical Education in Science and Technology, Vol.11, No.4, pp.489- 92, 1980. PREECE, J. Graphs are not Straightforward, In T.R.G. Green, S.J. Payne and G.C. van der Veer (Eds.) The Psychology of Computer Use, Academic Press, London, pp.41-56, 1983. MAIA, L., Les représentations des mathématiques et de leur enseignement: exemple des pourcentages. Tese de doutorado. Presses Universitaires du Septentrion, Lille, 342 pp., 1997. TIERNEY, C.C.; WEINBERG, A.S. e NEMIROVISKY, R. Telling stories about plant growth: Fourth grade students interpret graphs, Proceeding of PME 16, Vol.III, pp.66-73, 1992. VINNER, S. e DREYFUS, T. Images and Definitions for the Concept of Function, Journal for Research in Mathematics Education, Vol.20, No.4, pp.356-66, 1989. VERGNAUD G. El Nino las Matematicas y la Realidad. Mexico, Trillas, 1991.
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