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Maria Eduarda S. Santos APG SOI – Sistemas Orgânicos Integrados Broncoaspiração Morfofisiologia das Vias aéreas O sistema respiratório consiste em vias respiratórias e vasos sanguíneos que os irrigam. Além disso, esse sistema contém estruturas responsáveis pela mecânica ventilatória, isto é, gradil costal e músculos respiratórios, inclusive diafragma, músculo respiratório principal. Sob o ponto de vista funcional, o sistema respiratório pode ser dividido em duas partes: vias aéreas de condução, através das quais o ar circula entre a atmosfera e os pulmões; e tecidos respiratórios dos pulmões, onde ocorre a troca de gases. As vias aéreas de condução consistem em vias nasais, boca e faringe, laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos. Além de funcionar como conduto do fluxo de ar, as vias aéreas de condução também ajudam a “condicionar” o ar inspirado. O ar que respiramos é aquecido, filtrado e umidificado à medida que passa por essas estruturas. O calor é transferido ao ar pelo sangue que flui pelas paredes das vias respiratórias. A cobertura mucociliar remove materiais estranhos e a água liberada pelas mucosas é usada para umidificar o ar. Os pulmões são as estruturas funcionais do sistema respiratório. Além de sua função na troca de gases, esses órgãos inativam substâncias vasoativas como bradicinina, convertem angiotensina I em angiotensina II e funcionam como reservatório para armazenar sangue. As vias respiratórias são aquelas onde ocorre as trocas gasosas: bronquíolos respiratórios e alvéolos. Alvéolos são os espaços aéreos terminais do sistema respiratório e o local onde a troca de gases entre o ar e o sangue realmente ocorre. Cada alvéolo é uma dilatação diminuta formada de bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e espaços alveolares A função principal do sistema respiratório, que consiste em vias respiratórias e pulmões, é realizar a troca de gases. TROCA GASOSA: O oxigênio do ar é transferido ao sangue, enquanto o dióxido de carbono do sangue é eliminado na atmosfera. PROTEÇÃO: Além da troca de gases, os pulmões atuam como linha de defesa do hospedeiro formando uma barreira entre o ambiente exterior e as estruturas internas do corpo. SÍNTESE DE METABÓLITOS: Por fim, os pulmões também atuam como órgão metabólico capaz de sintetizar e metabolizar diversos compostos. Etiologia A aspiração pulmonar pode ser aguda (acidental) ou crônica (habitual). A aspiração aguda pode ocorrer desde o período neonatal até a adolescência. Os casos de aspiração crônica podem ocorrer devido a refluxo gastroesofágico com aspiração do conteúdo gástrico e alimentos, em função de distúrbios da deglutição com predomínio de alimentos, saliva e secreções brônquicas. Doenças neurológicas - coma e epilepsia – onde são aspirados saliva e conteúdo gástrico podem ocasionar casos de aspiração crônica. Outra causa é a síndrome adeno-tonsilo-sinusal, com aspiração de secreções infectadas. A síndrome de aspiração também pode ser classificada de acordo com o tipo de material aspirado em: irritativa, infecciosa e obstrutiva. Como síndrome irritativa tem-se as pneumonites químicas por ácido, hidrocarbonetos, óleo vegetal, mecônio, álcool e gordura animal. Na síndrome de aspiração infecciosa ocorre aspiração de saliva e secreções contaminadas, enquanto que as síndromes aspirativas obstrutivas são causadas por afogamento e aspiração de corpo estranho. Broncoaspiração o Maria Eduarda S. Santos APG SOI – Sistemas Orgânicos Integrados Fisiopatologia O tipo de corpo estranho terá um impacto significativo no grau de reação do tecido nas vias aéreas. Por exemplo, alguns materiais inorgânicos, como itens de metal ou vidro, podem causar pouca inflamação nos tecidos, mas podem resultar em lesão direta das vias aéreas se forem pontiagudos. Em contraste, alguns materiais orgânicos, como nozes e uma variedade de pílulas, podem causar inflamação significativa, formação de tecido de granulação e estenose das vias aéreas. O material orgânico aspirado também pode se expandir devido à umidade das vias aéreas e piorar a obstrução. A aspiração de medicamentos em forma de pílula, como comprimidos de ferro, aspirina e cloreto de potássio, também pode causar inflamação e ulceração graves das vias aéreas. As vias aéreas superiores apresentam como mecanismo de defesa, o movimento coordenado entre respiração e a deglutição. A coordenação entre o fechamento laríngeo, a deglutição e o espasmo da laringe ou tosse responde à estimulação da faringe ou laringe. Nas vias inferiores a tosse e o clearence mucociliar desempenham este papel de defesa. A resposta inflamatória local é alterada pela aspiração de partículas alimentares, havendo influxo de leucócitos polimorfonucleares e formação de granulomas. A obstrução das vias respiratórias é um dos problemas mais comuns encontrados em serviços de atendimento médico pediátrico e resulta em morbidade significativa em todo o mundo. Lactentes e crianças maiores são mais suscetíveis ao comprometimento das vias respiratórias por estes motivos: (i) as vias dessa população são mais estreitas e complacentes em relação às do adulto; e (ii) a laringe das crianças é mais cefálica. O paciente apresenta hipoventilação devido à redução do volume corrente, a qual compensa com o aumento da frequência respiratória. Na gasometria, encontram - se o aumento do gás carbônico e a redução do oxigênio. Ao ofertar oxigênio, obtém-se a melhora da oxigenação; entretanto, em relação ao gás carbônico, somente há melhora com a ventilação. HIPOVENTILAÇÃO; Do ponto de vista fisiopatológico, na obstrução da via respiratória superior, o paciente apresenta hipoventilação devido à redução do volume corrente, a qual compensa com o aumento da frequência respiratória. Na gasometria, encontram-se o aumento do gás carbônico e a redução do oxigênio. VASOCONSTRIÇÃO HIPÓXICA: Um mecanismo compensatório para a hipoventilação é a vasoconstrição hipóxica, caracterizada pela vasoconstrição na circulação para os alvéolos com baixa tensão de oxigênio, na tentativa de desviar o sangue para capilares cujos alvéolos estão ventilados, melhorando a ventilação/perfusão (V/Q). Este mecanismo, entretanto, pode vir a ser deletério quando as áreas de baixa V/Q são extensas, pois a vasoconstrição será intensa na circulação pulmonar, gerando hipertensão pulmonar, comprometendo a ejeção do ventrículo direito, caracterizando o cor pulmonale agudo. Manifestações clínicas As manifestações clínicas da aspiração de objetos pelas vias aéreas seguem, geralmente, três estágios de sintomas: o evento inicial agudo, o intervalo assintomático e as complicações. O evento inicial caracteriza-se pela aspiração acidental de um corpo estranho e a manifestação clínica clássica é a presença de tosse intensa, sibilância, vômito, palidez, cianose. Dependendo da idade do paciente, do tipo de corpo estranho e da sua localização nas vias aéreas, pode ocorrer obstrução total ou parcial das vias aéreas. Após os sintomas iniciais, há um intervalo assintomático ou oligossintomático, que varia de poucas horas a dias ou mesmo semanas, até o reaparecimento dos sintomas. Um corpo estranho alojado na laringe pode ocasionar a obstrução completa do trato respiratório e, consequentemente, a morte da criança. Se a obstrução é parcial, pode ocasionar roncos, rouquidão, afonia, odinofagia, hemoptise e dispneia de intensidade variável, sendo que esses objetos podem permanecer impactados por períodos prolongados. A instalação na traqueia também é potencialmente fatal, sobretudo nas crianças menores de um ano, dependendo, evidentemente, do grau de obstrução. Pode-se auscultar o choque do mesmo contra a parede da região subglótica e carina principal durante sua movimentação, ou mesmo sentir seu impacto napalpação do tórax. A presença de sibilos difusos é percebida na maioria dos casos. MariaEduarda S. Santos APG SOI – Sistemas Orgânicos Integrados Quando sua impactação é na árvore brônquica, os principais sinais e sintomas são semelhantes às apresentadas por corpos estranhos na laringe e traqueia. O paciente apresenta tosse e sibilos, que geralmente são unilaterais, diminuição dos ruídos respiratórios localizados e dispneia de intensidade variável a cianose também pode estar associada. Observa-se no quadro clínico de aspiração de corpo estranho em árvore brônquica desde sibilos, hiperinsuflação até atelectasias. A diversidade de manifestações clínicas também está relacionada à natureza, orgânica ou inorgânica, do corpo estranho aspirado. Como os objetos orgânicos desencadeiam com mais frequência reações inflamatórias, podem elas acelerar o grau de obstrução ao fluxo de ar e, assim, encurtar a duração da fase assintomática. Nos pacientes em que ocorre a aspiração pulmonar, quatro tipos básicos de sintomas podem ocorrer: apneia, pneumonia aspirativa aguda, doença pulmonar crônica e distúrbios da deglutição. Diagnóstico Avaliação do risco A sequência de avaliação e tratamento depende das características clínicas do paciente na apresentação e durante a investigação inicial. Os pacientes com obstrução completa ou iminente das vias aéreas passam imediatamente para a intervenção, enquanto os pacientes estáveis com suspeita de aspiração de corpo estranho (ACE) são submetidos a avaliações adicionais. PACIENTES ESTÁVEIS: Todas as crianças e adultos com suspeita de ACE que estão estáveis devem ser submetidas a uma história detalhada e exame físico, seguido por radiografia simples do tórax. Os cuidadores devem ser questionados especificamente sobre a história de um episódio de engasgo nas horas ou dias anteriores ao início dos sintomas. PACIENTES INSTÁVEIS CONSCIENTES: Se uma criança apresentar obstrução completa das vias aéreas (ou seja, não conseguir falar ou tossir), deve-se tentar o deslocamento com golpes nas costas e compressões torácicas em bebês e a manobra de Heimlich em crianças mais velhas e adulto. Em contraste, essas intervenções devem ser evitadas em crianças que são capazes de falar ou tossir, uma vez que podem converter uma obstrução parcial em completa. Pela mesma razão, a varredura "às cegas" da boca deve ser evitada. PACIENTES INSTÁVEIS INCONSCIENTES: Devese posicionar o paciente em decúbito dorsal em uma superfície rígida; Checar pulso, caso pulso ausente realizar RCP; Caso pulso presente, realizar compressões torácicas com objetivo de remoção do corpo estranho; Abrir vias aéreas e realizar inspeção; Remover corpo estranho se possível; Caso corpo estranho não possa ser localizado, realizar uma insuflação; Caso de insucesso no momento da insuflação, posicionar melhor a cabeça e considerar laringoscopia direta e remoção com pinça (se disponível, utilizar pinça de Magill); Casos de insucesso no meio extra hospitalar, manter compressões torácicas até expulsão dos corpo estranho ou caso evolua para PCR, realizar manobras de reanimação cardiopulmonar. Logo que possível, transportar para hospital logo que possível. Em ambiente intra- hospitalar, considerar cricotireoidostomia por punção. O primeiro passo, se possível, é determinar se é obstrução está acima das pregas vocais, ou seja, na supraglote, ou nas vias aéreas inferiores. É essencial observar e registrar as seguintes características: Estridor ou estertor audível; Uso de músculos acessórios; Cor: pálido, rubor, cianose; Oximetria; Monitor de pulso; Sialorreia; Cansaço ou sonolência; pCO2. Exame Para pacientes com suspeita de ACE que são assintomáticos ou sintomáticos, mas estáveis, a primeira etapa na avaliação é realizar uma radiografia simples do tórax. As etapas subsequentes dependem do grau de suspeita clínica de ACE e podem incluir TC ou outras modalidades. RAIO-X: O estudo radiológico é bastante empregado nos casos de ACE, confirmando, muitas vezes, a hipótese diagnóstica. Os achados radiológicos mais frequentes são: hiperinsuflação, atelectasias, infiltrados e consolidações. Essas alterações geralmente são localizadas e estão diretamente relacionadas ao período de permanência do corpo Maria Eduarda S. Santos APG SOI – Sistemas Orgânicos Integrados estranho nas vias aéreas, assim como o grau de obstrução provocado pelo mesmo. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA: TC ou (em menor extensão) imagem por ressonância magnética (RNM) são opções diagnósticas possíveis para pacientes assintomáticos ou sintomáticos, mas estáveis, que têm radiografias convencionais normais ou inconclusivas, mas com suspeita clínica contínua de ACE. Ao contrário da radiografia convencional, a TC geralmente pode detectar corpos estranhos radiotransparentes, como vegetais. A TC pode indicar a localização exata do CE e detectar complicações associadas. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: A ressonância magnética é uma boa ferramenta para imagens de CE devido às suas propriedades multiplanares e de diferenciação de tecidos. A ressonância magnética é particularmente útil para identificar amendoins aspirados devido ao seu alto teor de gordura, que fornece uma diferenciação de alto contraste. No entanto, a ressonância magnética raramente é usada para a avaliação de ACE em crianças pequenas devido à necessidade de sedação. Medidas preventivas Crianças Mármores, pequenas bolas de borracha e balões de látex devem ser evitados especificamente, pois a aspiração desses itens pode ser fatal. Balões de látex são a principal causa não alimentar de episódios fatais de asfixia entre crianças. Alimentos duros e / ou redondos não devem ser oferecidos a crianças menores de quatro anos; estes incluem (mas não estão limitados a) rebuçados e outros doces, amendoins, pedaços de carne, cachorros-quentes, uvas, passas, pedaços de maçã, nozes, pipoca, sementes de melancia e cenouras cruas. Entre esses itens, o amendoim é o alimento mais comum, causando ferimentos, e cachorrosquentes e doces são as causas mais comuns de ferimentos fatais. Bebês devem ser alimentados com alimentos sólidos apenas por adultos e somente quando o bebê está sentado em pé; todas as refeições para crianças pequenas devem ser supervisionadas por um adulto. As crianças devem ser ensinadas a mastigar bem a comida; gritar, falar, brincar, correr, chorar e rir enquanto se come deve ser desencorajado Adultos Alimentar-se em posição confortável, de preferência sentado. A alimentação deve ocorrer em ritmo e velocidade confortáveis e seguros. Manter a prótese dentária bem adaptada, se houver Referências Cramer N, Jabbour N, Tavarez MM, et al. Foreign Body Aspiration. [Updated 2021 Aug 3]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Oliveira, Cláudio Flauzino de et al. Complications of tracheobronchial foreign body aspiration in children: report of 5 cases and review of the literature. Revista do Hospital das Clínicas [online]. 2002, Sumanth TJ, Bokare BD, Mahore DM, Ekhar VR, Sakhare PT, Gawarle SH. 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