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Aula01 provisória

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Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Por	que	“administrar”	um	conflito	socioambiental?		
	
CEDER J 	
Nesta	 aula	mostraremos	 que,	 apesar	 de	 tentador,	 eliminar	 todo	 e	 qualquer	
conflito,	 fazê-los	 desaparecer	 ou	 restabelecer	 de	 imediato	 uma	 possível	
ordem	pretérita	são	caminhos	que	levam,	paradoxalmente,	à	perenização	de	
alguns	tipos	de	conflito.	
Apresentaremos	 algumas	 teorias	 sociológicas	 sobre	 conflitos,	 sem	 procurar	
fechar	o	conceito,	entretanto.		
Ao	 contrário,	 procuraremos	 abrir	 os	 horizontes	 cognitivos	 para	 que	 seja	
possível	 reconhecer	 as	 múltiplas	 naturezas	 do	 conflito	 em	 várias	
dimensões/momentos	da	vida	em	sociedade.	
Apresentaremos,	 inicialmente,	 a	 ideia	 que	 “administrar”	 um	 conflito	 é	 uma	
forma	mais	eficaz	de	se	encontrar	soluções	para	disputas	que	aparentemente	
nunca	 têm	 fim,	 tais	 como	 os	 conflitos	 socioambientais,	 ou	 como	 os	
definiremos	na	próxima	aula,	os	conflitos	“intratáveis”.		
Pronto	para	começar?	
1. “O	fim	do	Direito	é	a	paz,	o	meio	de	atingi-lo	é	a	luta”	
A	 vida	 social	 é	 naturalmente	 ordenada	 ou	 é	 através	 da	 explicitação	 dos	
diferentes	pontos	de	vista	que	se	alcança	a	ordem,	ou	a	paz?		
Um	jurista	alemão	do	século	XIX,	Rudolph	von	Jhering,	em	uma	palestra	logo	
após	a	unificação	da	Alemanha,	abriu	sua	fala	dizendo:	“O	fim	do	Direito	é	a	
paz;	o	meio	de	atingi-lo	é	a	luta”.	
Várias	teorias	sociais	contemporâneas	partem	de	visões	que	tanto	se	opõem	a	
essa	concepção,	quanto	buscam	reforçá-la.		
Em	 todas	 elas	 há	 diferentes	 determinantes	 culturais	 que	 justificam,	 tanto	 a	
aversão	ao	conflito	e	a	necessária	intervenção	imediata	para	sua	eliminação,	e	
o	consequente	restabelecimento	da	ordem,	quanto	seu	oposto,	a	explicitação	
clara	das	divergências	para	se	alcançar	algum	consenso	social.	
Como	 exemplo,	 podemos	 citar	 a	 noção	 de	 sociação.	 Pensado	 como	 uma	
forma	de	sociação,	um	conflito	possui	 causas	–	ódio,	 inveja,	necessidade	ou	
desejo	–	que	conduzem	à	busca	de	uma	unidade,	mesmo	que	para	 isso	seja	
necessário	eliminar	uma	das	partes	conflitantes.	 Isto	porque,	nesta	 teoria,	a	
INTRODUÇÃO	
Consenso	
Diferente	de	uma	decisão	
por	maioria,	um	consenso	
implica	necessariamente	
a	adesão	de	todos	ao	
acordado,	mesmo	que	em	
graus	diferentes.	Se	a	
democracia	pode	ser	vista	
como	a	tirania	da	maioria	
sobre	a	minoria	e,	
portanto,	instável;	o	
consenso,	por	seu	alto	
grau	de	agregação,	teria	
maior	potencial	de	
estabilidade	ao	longo	do	
tempo.	Entretanto,	os	
diferentes	graus	de	
adesão	e	as	divergências	
anteriores	ao	consenso,	
podem	se	reagrupar	e	o	
consenso	ser	rompido,	
uma	vez	que	não	teria	
havido	um	compromisso	
formal	com	o	acordado.	
	
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vida	 em	 sociedade	 seria	 o	 resultado	 de	 um	 equilíbrio	 entre	 harmonia	 e	
desarmonia,	 da	 associação	 e	 da	 competição	 entre	 grupos,	 de	 tendências	
favoráveis	e	desfavoráveis	a	um	interesse	ou	outro.		
A	eliminação	dos	opostos,	ou	seja,	a	supressão	de	energias	de	repulsão,	teria	
um	efeito	contrário	ao	desejado,	pois	privaria	os	grupos	de	forças	necessárias	
para	 uma	 vida	 social:	 cooperação,	 afeição,	 ajuda	mútua	 e	 convergência	 de	
interesses.		
Por	outro	lado,	quando	nos	opomos	a	alguém	ou	a	algo	e	reagimos	à	alguma	
opressão,	colocamo-nos	como	protagonistas	do	processo,	não	apenas	vítimas	
das	circunstâncias.		
Entretanto,	 não	 seria	 o	 conflito,	 por	 si	 só,	 que	 produziria	 a	 boa	 vida	 em	
sociedade.	 É	 necessário	 que,	 sobre	 uma	 estrutura	 social,	 atuem	 não	 só	 as	
relações	 de	 conflito,	 mas	 forças	 unificadoras	 agindo	 de	 forma	 cooperativa,	
mesmo	 quando	 esta	 cooperação	 acontece	 de	 forma	 pouco	 evidente	 ou	
aparentemente	confusa.	
Um	 caso	 limite	 pode	 ser	 descrito	 quando	 uma	 ação	 de	 João,	 inicialmente	
pensada	 para	 beneficiar	 José,	 tem	 como	 resultado	 o	 benefício	 do	 próprio	
João,	sem,	entretanto,	prejudicar	José.	Tal	ação	poderia	ser	qualificada	como	
uma	 ação	 egoísta	 por	 parte	 de	 João,	 uma	 ação	 antissocial,	 eticamente	
reprovável,	 pois	 o	 resultado	 positivo	 para	 João	 foi	 alcançado,	 em	 alguma	
medida,	às	custas	de	José,	mesmo	sem	prejudicá-lo.		
Porém,	 se	 José	 começar	 a	 agir	 no	mesmo	 sentido,	 sem	 repetir	 as	 mesmas	
ações	de	João,	em	forma	e	intensidade,	mas	em	outras	dimensões	sociais,	são	
criadas	 múltiplas	 combinações	 de	 convergência	 e	 divergência	 nas	 relações	
sociais	que	podem	maximizar	o	 interesse	 individual	produzindo	o	bem	estar	
social.		
O	conflito	terá,	na	competição,	um	forte	aliado	na	construção	das	estruturas	
socais.		
Sob	 o	 liberalismo,	 será	 na	 competição	 pela	 maximização	 dos	 interesses	
individuais,	 que	 todos	 lutarão	 contra	 todos,	 mas	 ao	 mesmo	 tempo,	 esta	
competição	corresponderá	a	uma	luta	de	todos	para	o	bem	de	todos.	Os	laços	
Para	saber	mais!	
A	sociação	é	um	dos	
conceitos	chave	da	
sociologia	de	Georg	
Simmel,	autor	alemão	do	
início	do	século	XX.	Há	um	
pequeno	artigo,	“O	conflito	
como	sociação”,	publicado	
na	RBSE	–	Revista	Brasileira	
de	Sociologia	da	Emoção,	
volume	10,	número	30	-	
que	pode	ser	acessado	
através	do	endereço	
http://www.cchla.ufpb.br/
rbse/Index.html		
	
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sociais	 impedirão	 a	 aniquilação	 do	 Outro,	 e	 já	 que	 todos	 maximizam	 seus	
interesses,	o	bem	estar	será	geral.		
	
	
Você	sabe	o	que	é	Maximizar	o	Interesse	Individual?	
	Este	 é	 um	 elemento	 central	 da	 tese	 de	 Adam	 Smith	 para	 a	 “Riqueza	 das	
Nações”:	a	maximização	dos	interesses	em	um	mercado	autorregulado.		
O	Homem	Econômico	 Racional	 seria	 aquele	 que	maximiza	 seus	 interesses	
no	mercado	e,	se	todos	agissem	assim,	o	resultado	seria	maior	prosperidade	
para	a	nação.		
Quando	houvesse	algum	desequilíbrio,	Adam	Smith	previra	a	existência	de	uma	mão	 invisível	
que	atuaria	no	sentido	de	restabelecer	o	equilíbrio.	E	nunca	é	demais	lembrar	que,	nesta	teoria	
econômica	liberal,	esta	mão	não	seria	a	mão	do	Estado,	mas	a	mão	do	próprio	mercado	e,	por	
isso,	a	denominação	“autorregulado”.	
Fonte	da	imagem:	https://pt.wikipedia.org/wiki/Adam_Smith#/media/File:AdamSmith.jpg	
	
	
Nessa	concepção	liberal,	é	este	modelo	que	permite	o	melhor	controle	sobre	
o	nível	de	hostilidade/cupidez	que	os	 integrantes	de	um	determinado	grupo	
social	 podem	 aplicar	 em	 busca	 de	 seus	 interesses.	 No	 liberalismo,	 a	
estabilidade	do	sistema	será	atingida	ao	 longo	do	tempo,	e	o	 individualismo	
deve	 ser	 incentivado,	 pois	 em	 grupos	 coesos,	 a	 competição	 entre	 seus	
membros	pode	ensejar	consequências	imprevisíveis.	
Tomemos	 como	 exemplo	 alguns	 grupos	 de	 pescadores	 profissionais	
artesanais	na	beira	da	praia.	Todos	competem	pelo	mesmo	peixe,	e	o	peixe	
que	um	pescar	não	 será	pescado	por	outro.	Quanto	mais	 regulação	externa	
for	 aplicada	 ao	 grupo,	 diminuindo	 a	 competição	 interna,	 pior	 será	 o	
desempenho	 do	 grupo	 ao	 longo	 do	 tempo,	 podendo	 inclusive	 vir	 a	
desaparecer.		
Entretanto,	 em	 lugares	 onde	 houve	maior	 autonomia	 quanto	 a	 competição	
entre	os	pescadores	 locais,	 como	em	Arraial	 do	Cabo	e	em	 Itaipu/Niterói,	 a	
atividade	revelou-se	economicamente	produtiva	e	bastante	longeva.		
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Figura	1.1:	Pescaria	de	Espada	na	Praia	de	Itaipu/RJ	(Foto	de	Luciana	Loto)	
	
	
A	 Fábula	 das	Abelhas,	 ou	Vícios	 Privados	&	Benefícios	 Públicos,	 de	
Bernard	Mandeville	
	
Em	 1714,	Mandeville	 publicou	 a	 Fábula	 das	 Abelhas,	 um	 dos	 textos	
mais	 polêmicos	 da	 história,	 na	 qual	 os	 vícios	 privados	 foram	
considerados	como	benefícios	públicos.		
	
A	 imagem	é	simples:	É	uma	colméia,	onde	cada	abelhaage	de	forma	
egoísta,	competindo	incessantemente	entre	si	na	coleta	do	pólen.	Do	
ponto	 de	 vista	 de	 cada	 abelha,	 tal	 atitude	 pode	 ser	 considerada	 um	 “vício	 privado”.	 Entretanto,	 o	
resultado	 coletivo	 de	 todas	 as	 ações,	 o	 somatório	 de	 todos	 os	 vícios,	 quando	 tomado	 ao	 nível	 da	
colmeia,	produz	“benefícios	públicos”,	já	que	todos	se	beneficiam	do	pólen	coletado	privadamente.		
Adam	 Smith,	 pai	 da	 economia	 liberal,	 escreveu	 a	 Teoria	 dos	 Sentimentos	 Morais	 contestando	 a	
posição	 de	 Mandeville.	 Em	 seguida	 Smith	 publicou	 A	 Riqueza	 das	 Nações,	 marco	 do	 modelo	
econômico	vigente.		
Para	ver	um	resumo	do	livro	de	Mandeville,	em	forma	de	um	poema	escrito	por	seu	autor,	acesse:		
http://economiapoliticabrasil.blogspot.com.br/2009/03/fabula-das-abelhas-de-bernard.html	.	
	
	
	
	
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Sessão	Pipoca!	
Para	 entender	melhor	 os	 conceitos	 apresentados,	 que	 tal	 assistir	 a	 dois	 filmes	
bastante	diferentes?		
O	primeiro	é	“Um	Violinista	no	Telhado”,	que	mostra	um	processo	de	mudança	e	
resistência	 em	 uma	 sociedade	 tradicional,	 tipicamente	
hierárquica.		
Em	 seguida,	 assista	 ao	 filme	 “Oliver	 Twist”,	 que	 retrata	 o	
livro	 homônimo	de	Charles	Dickens,	 e	 veja	 um	processo	de	mudança	 social	
devastador,	que	corresponde	à	sociedade	inglesa	observada	por	Karl	Marx.		
Depois	 de	 assisti-los,	 reflita	 sobre	 as	 diferenças	 ou	 semelhanças	 entre	 às	
sociedades	retratadas	na	época	e	a	sociedade	contemporânea.	
	
	
	
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Devemos	 reconhecer	 que	 em	 diversas	 sociedades	 as	 disputas	 ocorrem	
somente	 em	 uma	 pequena	 parcela	 das	 atividades	 humanas	 que,	
potencialmente,	podem	ser	objeto	de	conflitos.		
Por	 outro	 lado,	 nas	 sociedades	 contemporâneas,	 há	 apenas	 um	 número	
limitado	 de	 instituições	 que	 se	 encarregam	 de	 prevenir	 ou	 solucionar	 tais	
conflitos.	 Assim,	 podemos	 afirmar,	 logicamente,	 que	 cada	 sociedade	 exerce	
uma	escolha	preferencial	sobre	o	modelo	de	resolução	de	conflitos	que	adota.	
Por	 outro	 lado,	 uma	 disputa	 não	 visa	 apenas	 encontrar	 um	 resultado	
favorável;	 diz	 respeito	 também	 à	 formação	 de	 ideologias	 que	 conformarão	
grupos	mais	coesos.		
Nos	 Estados	 Unidos	 da	 América,	 alguns	 intérpretes	 do	 universo	 de	
resolução/administração	de	conflitos,	descreveram	a	ocorrência	de	mudanças	
dirigidas	de	cima	para	baixo,	com	alcance	dos	objetivos	desejados	através	de	
diversas	decisões	judiciais.		
Na	área	 comercial,	por	exemplo,	no	 século	XIX	prevalecia	a	 regra	do	caveat	
emptor	que	determinava	que,	a	não	ser	com	garantias	explícitas,	o	comprador	
seria	 integralmente	 responsável	 por	 sua	 decisão.	 A	 compra	 de	 um	 lote	 de	
madeira	 que	 não	 correspondesse	 integralmente	 à	 descrição	 anunciada	 não	
poderia	 ser	 desfeita	 posteriormente,	 ao	 ser	 constatado	 o	 equívoco.	 O	
comprador	deveria	 ter	 inspecionado	 sua	 compra	antes	de	 fechar	o	negócio.	
Prevalecia	a	 regra	da	eficiência	econômica	 frente	ao	desejo	de	 igualdade	de	
condições	entre	as	partes.		
Ao	longo	do	século	XX,	os	tribunais	foram	gradativamente	construindo	outra	
jurisprudência,	 e	 hoje	 se	 busca	 uma	 equiparação	 entre	 comprador	 e	
vendedor,	 ambos	 portadores	 dos	 princípios	 de	 boa	 fé,	 objetiva	 e	 subjetiva,	
como	prevê	nosso	Código	de	Defesa	do	Consumidor.	Podemos	dizer,	então,	
que	o	que	prevalece	é	o	caveat	vendor!	
Uma	 interpretação	 sobre	 o	 desenvolvimento	 do	 modelo	 de	 Resolução	
Alternativa	de	Disputas	(RAD)	defende	que,	a	partir	do	final	do	século	XX,	os	
Estado	Unidos	teriam	passado	de	uma	sociedade	preocupada	com	a	“Justiça”	
para	 uma	 sociedade	 preocupada	 com	 a	 defesa	 da	 harmonia	 social	 e	 da	
2.	O	conflito	como	
expressão	dos	
interesses	das	
classes	dominantes	
	
Disputas	X	Conflitos	
É	importante	fazer	uma	
distinção	entre	conflito	e	
disputa.	Tomamos	o	
conflito	como	um	
processo	duradouro	no	
qual	ocorrem	
incompatibilidades	que	
mantêm	as	partes	
essencialmente	
afastadas	uma	das	
outras,	enquanto	
disputas	
corresponderiam	a	
episódios	atualizados	ou	
repetidos	em	eventos	e	
questões	específicas.		
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eficiência	econômica.	Deixaram	de	ser	uma	sociedade	preocupada	com	uma	
ética	 do	 bem	 e	 do	 mal,	 do	 certo	 e	 do	 errado,	 para	 adotar	 uma	 “ética	 do	
tratamento”.	Nesta	ética,	os	reclamantes	e	reclamados	não	são	tratados	em	
termos	 de	 quem	 tem	 direito,	 quem	 está	 certo,	 mas	 como	 “pacientes”,	 e	
ambos	necessitam	de	“tratamento”,	de	um	projeto	de	pacificação.	Tomadas	
em	 conjunto,	 as	 demandas	 da	 sociedade	 têm	 como	 resposta	 políticas	 de	
governo	que	são	inventadas	para	o	bem	do	paciente/cidadão.	
Entre	 nós,	 esse	 modelo	 (RAD)	 está	 cada	 vez	 mais	 presente,	 sob	 a	
nomenclatura	de	“mediação”,	conciliação	e	arbitragem.	Mas,	como	veremos,	
“abrasileiramos”	 tais	 conceitos,	 produzindo	 uma	 síntese	 que	 não	 afasta	 a	
presença	do	Estado	para	o	restabelecimento	da	ordem.	
Nos	Estados	Unidos,	tal	política	teve	como	resultado	a	redução	do	papel	dos	
tribunais	em	favor	da	Resolução	Alternativa	de	Disputas.	Nesta	concepção	os	
tribunais	 deixaram	 de	 ser	 a	 única	 forma	 de	 se	 alcançar	 a	 justiça	 ou	 dos	
conflitos	serem	adequadamente	solucionados.	
Nesse	 processo	 a	 Suprema	 Corte	 norte-americana	 estaria	 se	 comportando	
como	 indutora/catalisadora	 do	 processo	 de	mudança.	 Diversas	 reformas	 de	
procedimentos	lograram	promover	mudanças	culturais,	para	além	das	leis.	O	
interesse	pela	harmonia	 foi	priorizado	no	 lugar	da	 justiça,	não	 se	buscou	as	
causas	das	desavenças,	e	sim	sua	expressão	e,	para	tal,	valeram-se	de	todos	
os	meios	possíveis	para	criar	consenso,	homogeneidade.		
Os	 pares	 em	 associação	 e	 oposição	 eram	 RAD,	 significando	 a	 Paz,	 versus	 o	
Processo	 Judicial,	 representando	 a	 Guerra.	 Esta	 última	 estaria	 calcada	 no	
enfrentamento,	 na	 insensibilidade,	 na	 desconfiança.	 Em	 síntese,	 um	
procedimento	 no	 qual	 todos	 perdem	um	pouco,	 enquanto	 em	uma	 RAD	 as	
disputase	 o	 conflito	 poderiam	 ser	 facilmente	 cicatrizados	 e	 seu	 resultado	
produzir	 ganhadores	 e	 assim,	 a	 economia	 como	 um	 todo	 seria	 a	 maior	
beneficiada.	
Este	 modelo	 chegou	 às	 disputas	 sobre	 o	 meio-ambiente,	 desviando	 uma	
ênfase	em	um	conflito	com	ganhadores	e	perdedores,	para	um	processo	de	
discussão	 que	 alcançasse	 uma	 proposta	 com	 equilíbrio	 dos	 diversos	
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interesses.	 Tais	propostas,	no	 lugar	de	uma	disputa	 judicial,	 na	qual	haveria	
um	vencedor	e	um	perdedor,	 aquele	que	 teria	 razão	enquanto	o	outro	não	
teria,	foram	objetivadas	através	uma	retórica	de	“ganhador-ganhador”.		
E	não	deve	restar	dúvida	sobre	o	fato	de	que	quem	controla	a	retórica	preside	
a	resolução	alternativa	de	disputas:	quem	controla	o	aparelho	do	Estado!	
	
	
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Autores	como	Roberto	Da	Matta	e	Roberto	Kant	de	Lima	mostraram	que	em	
nossa	sociedade	o	conflito	pode	ser	percebido	como	uma	ruptura	da	ordem	e,	
portanto,	indesejável.	Havendo	um	conflito,	cabe	ao	Estado	o	papel	de	trazer	
para	si	a	resolução	e	eliminação	desse	conflito	o	mais	rapidamente	possível,	
uma	vez	que	o	caos	é	uma	disfunção	e	uma	ameaça	à	própria	sociedade.	Aqui,	
cada	coisa	deve	ficar	em	seu	lugar,	porque	há	um	lugar	para	cada	coisa.		
Mas	para	essa	representação	ser	factível	é	preciso	reconhecer	que	em	nossa	
sociedade	 existem	 dois	 princípios,	 ou	 valores,	 quea	 organizam.	Mas	 antes	
vejamos	um	conceito	importante,	o	de	modelo	de	organização	social:	
Nas	sociedades	contemporâneas	podemos	encontrar	dois	padrões	relacionais,	
aquele	 que	 orientam	 as	 relações	 entre	 os	 segmentos	 que	 compõem	 a	
sociedade:	o	hierárquico	e	o	igualitário.		
Estes	padrões	relacionais	devem	ser	pensados	como	tipos	ideais	weberianos,	
ou	seja,	não	existem	“puros”	no	mundo	empírico,	mas	servem	para	pensar	e	
compreender	a	sociedade.		
No	modelo	hierárquico,	a	sociedade	é	composta	por	segmentos	que	agrupam	
coletividades.	 Estes	 agrupamentos	 seguem	 um	 princípio	 hierárquico,	 que	
coloca	 um	 segmento	 em	 relação	 ao	 todo	 e	 não	 entre	 si	 (caso	 assim	 fosse,	
estaríamos	 diante	 de	 um	modelo	 de	 estratificação	 social,	 que	 veremos	 um	
pouco	mais	adiante).		
A	 seguir	 temos	 uma	 imagem	 deste	 modelo.	 É	 razoável	 supor	 que,	 neste	
modelo,	 cada	 segmento	 –	 identificado	 pelas	 letras	 –	 tem	 um	 papel	
fundamental	na	estrutura	social.	A	eliminação	de	um	segmento	pode	causar	
desequilíbrio	 no	 conjunto	 e	 nem	 sempre	 o	 maior	 segmento	 é	 o	 mais	
importante.	O	que	mantem	a	coesão	do	sistema	é	o	princípio	hierárquico,	que	
pode	ser	prestígio,	pureza,	status,	informação,	ou	riqueza.		
A	sociedade	hindu	clássica	serviu	de	inspiração	para	a	descrição	do	modelo.	O	
sistema	 de	 castas	 hindu	 se	 organiza	 em	 termos	 de	 pureza,	 no	 qual	 o	mais	
elevado,	os	brâmanes,	não	são	nem	os	mais	ricos,	nem	os	mais	numerosos.		
	
3.	O	conflito	como	
ruptura	da	ordem	
Tipos	Ideais	Weberianos	
Os	‘tipos	ideais’	de	
dominação	weberianos	
devem	ser	vistos	como	
categorias	analíticas,	que	
ajudam	a	compreensão	
da	sociedade.		
O	primeiro	tipo	ideal	de	
dominação	corresponde	
à	legitimação	tradicional.	
Weber	justifica	esta	
forma	de	dominação	
pela	ideia	de	um	“ontem	
eterno”,	um	passado	
que	atualiza	no	
presente,	em	geral	
associada	a	uma	figura	
patriarcal.	
	A	segunda	forma	de	
legitimação	da	
dominação	é	a	
carismática.	
Corresponde	ao	“o	
senhor	da	guerra”	eleito	
por	seus	comandados	
por	seus	feitos,	ou	pelo	
governante	plebiscitário,	
o	grande	demagogo	ou	o	
líder	de	um	partido	
político	de	massas.		
A	terceira	corresponde	à	
dominação	legal,	
fundada	na	fé	na	
validade	da	lei	positiva	e	
pelo	estatuto	legal	da	
competência	funcional	
de	quem	as	enuncia,	por	
estarem	fundadas	em	
regras	racionalmente	
criadas.		
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Figura	3.1:	Modelo	Hierárquico	
	
O	segundo	modelo	relacional	existente	nas	sociedades	é	o	individualista.	Este	
corresponde	ao	modelo	construído	a	partir	da	Revolução	Francesa,	de	1789,	
que	pôs	fim	ao	Antigo	Regime,	à	sociedade	estamental,	e	inaugurou	uma	nova	
unidade	social,	o	indivíduo.	Em	uma	definição	no	Código	Civil	Napoleônico	de	
1804,	o	 indivíduo	seria	aquele	capaz	de	dispor	de	si	mesmo,	contratar	e	ser	
proprietário.	 Além	 disso,	 por	 estar	 liberto	 dos	 estamentos,	 o	 indivíduo	
poderia	estabelecer	livremente	as	relações	sociais	que	desejasse.		
Honoré	de	Balzac	
Procure	 conhecer	mais	 sobre	 os	 impactos	 da	 revolução	 francesa	 sobre	 a	 organização	
social	moderna.		
Com	o	fim	da	sociedade	estamental,	um	novo	personagem	social	passou	a	ser	portador	
de	direitos:	o	indivíduo.		
Para	 a	 França,	 um	 importante	 cronista	 destas	 transformações	 foi	 Honoré	 de	 Balzac.	
Procure	ler	alguns	de	seus	livros,	ou	veja	o	filme	O	Coronel	Chabert.		
	
	
A	 imagem	 deste	 modelo,	 apresentada	 na	 Figura	 a	 seguir,	 sugere	 que	 a	
unidade	 do	 sistema,	 o	 indivíduo,	 não	 está	 contido	 em	 um	 princípio	
englobante	(círculo	externo	da	figura	anterior)	e	a	eventual	supressão	de	um	
elemento,	 (representado	 pela	 letra	 M,	 por	 exemplo),	 não	 ameaça	 a	
integridade	e	equilíbrio	do	sistema.	
	
Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Por	que	“administrar”	um	conflito	socioambiental?		
	
CEDER J 	
	
	
Figura	3.2:	Modelo	Individualista	
	
Nos	 dois	 modelos	 há,	 como	 vimos,	 sistemas	 de	 valores	 que	 organizam	 a	
sociedade.	Estes	sistemas	podem	ser	também	enfeixados	em	dois	conceitos,	a	
saber:	estratificação	e	igualdade.		
Isso	 significa	 que	 as	 sociedades	 podem	 ser	 organizadas	 de	 acordo	 com	 as	
representações	 dos	 princípios	 estratificado	 ou	 igualitário,	 acionadas	 por	
relações	sociais	particulares	de	cada	valor.		
A	representação	de	uma	sociedade	estratificada	corresponde	a	uma	pirâmide	
formada	 por	 camadas	 dispostas	 uma	 acima	 da	 outra,	 de	 forma	 que	 as	
camadas	 superiores	 sejam	 menores	 que	 as	 inferiores.	 Uma	 base	 ampla	 e	
subordinada	confere	estabilidade	ao	modelo.		
Outra	característica	desta	representação	é	que	não	é	desejável	a	passagem	de	
um	estrato	para	outro,	sob	pena	de	transfigurar	o	sistema	e	possibilitar	que	
ele	seja	instável	no	futuro,	pois	o	topo	pode	se	tornar	maior	que	a	base.		
Por	outro	 lado,	o	potencial	de	controle	através	da	visão	do	 todo	aumenta	a	
cada	 camada,	 de	 forma	 que	 o	 controle	 da	 informação,	 ou	 dos	 meios	 de	
comunicação,	assume	um	papel	fundamental	para	a	estabilidade	do	sistema.	
	
	
Figura	3.3:	Lógica	Estratificada	
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Em	 outra	 representação,	 como	 ilustra	 a	 imagem	 a	 seguir,	 vemos	 como	 se	
organiza	o	sistema	de	valores	individualista	igualitário.		
Aqui	temos	como	figura	geométrica	representativa,	um	paralelepípedo.	Nele,	
a	base	 tem	a	mesma	dimensão	que	o	 topo,	o	que	 sugere	que	 todos,	desde	
aqueles	 que	 se	 encontram	 na	 base	 ou	 no	 meio,	 e	 em	 qualquer	 posição,	
podem	chegar	ao	topo,	dependendo	apenas	de	seu	desempenho	no	mercado.		
É	claro	que	há	posições	iniciais	mais	ou	menos	favorecidas,	trajetos	menores	a	
serem	 percorridos,	 mas,	 em	 tese	 e	 por	 princípio,	 todos	 podem	 chegar	 ao	
topo.	
	
Figura	3.4:	Lógica	Igualitária	
	
Neste	sistema	de	valores,	o	conflito	é	inerente	ao	modelo.	As	posições	sociais,	
acessíveis	a	todos,	estão	em	constante	disputa.	A	ordem	deve	ser	negociada	
pelos	 participantes	 a	 cada	 momento	 e,	 pode-se	 afirmar	 que	 o	 conflito	 é	
produtor	ou	constitutivo	da	ordem.		
A	 informação	 não	 pode	 ser	 apropriada	 particularizadamente	 por	 nenhum	
grupo	 ou	 agente.	 O	 ensino	 deve	 ser	 universalizado,	 a	 sociedade	 deve	 ser	
escolarizada	para	que	a	competição	seja	leal	e	aqueles	que	chegarem	ao	topo	
sejam	exemplos	para	os	demais	que	“ainda”	não	atingiram	o	topo.	
Ambos	 autores	 citados	 indicam,	 entretanto,	 que	 em	 nossa	 sociedade	
contemporânea	ocorre	 um	aparente	paradoxo,	 ou	 seja,	 convivemos	 com	os	
dois	modelos	relacionais	e	das	duas	lógicas	organizacionais.		
Os	 personagens	 de	 cada	 sistema,	 a	 “pessoa”,	 no	 sistema	 hierárquico-
estratificado;	 e	 o	 “indivíduo”,	 no	modelo	 igualitário-individualista	 coexistem	
em	nosso	modelo	social.		
Para	o	 texto	da	 lei,	 todos	somos	 iguais.	Para	a	aplicação	da	 lei	 todos	somos	
desiguais,	visto	que	há	garantias	legais	que	explicitamente	desigualam,	como	
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a	prisão	especial	ou	o	foro	privilegiado	por	exercício	de	função.		
Em	 outras	 palavras,	 em	 determinadas	 situações	 somos	 todos	 iguais.	 Em	
outras,	nossas	relações	sociais	determinam	quem	somos.		
	
Este	 “paradoxo”	 recebeu	 a	 imagem	 de	 uma	 pirâmide	 engastalhada	 em	 um	
paralelepípedo,	 em	 um	 sistema	 que	 ora	 iguala,	 ora	 estratifica.	 A	 figura	 a	
seguir		exemplifica	esse	“paradoxo”:	
	
Figura	3.5:	Uma	pirâmide	engastalhada	em	um	paralelepípedo		
	
Nesse	sistema	híbrido,	o	conflito	acaba	por	ser	indesejável.	Não	por	ameaçar	
o	equilíbrio	do	sistema,	mas	por	evidenciar	seu	paradoxo.	O	conflito	denuncia	
que	 seu	modelo	de	administração	é	hierarquizado	e,	portanto,	deve	 ter	 sua	
resoluçãoo	mais	rápida	possível,	como	se	desejássemos	que	nosso	paradoxo	
não	ficasse	explícito.	
Em	 resumo,	nem	sempre	há	um	 lugar	para	 cada	 coisa,	nem	cada	 coisa	está	
em	seu	 lugar.	Coisas	podem	ser	criadas	sem	ter	um	lugar,	e	nem	sempre	os	
lugares	comportam	todas	as	coisas.		
Neste	 sentido,	muitas	 vezes	 é	 o	 próprio	 Estado	 que	 não	 suporta	 o	 conflito,	
mas	 não	 porque	 este	 seja	 um	 desejo	 da	 sociedade,	 mas	 porque	 suas	
estruturas	não	comportam	um	novo	elemento	fundado	em	outros	princípios,	
que	poderia	gerar	uma	nova	relação	dialética	entre	as	coisas	e	seus	lugares	no	
conjunto	da	vida	em	sociedade	como	um	todo.		
No	 modelo	 dual	 de	 nossa	 sociedade,	 todos,	 por	 serem	 substantivamente	
iguais,	 poderiam	 chegar	 ao	 topo.	 As	 desigualdades	 são	 decorrentes	 de	
desempenhos	 individuais,	 não	 de	 constrangimentos	 estruturais.	 A	 vertente	
estratificada	 se	 encontra	 organizada	 em	 patamares	 sociais,	 que	 vão	 se	
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estreitando	 em	 direção	 ao	 topo.	 Neles	 a	 igualdade	 é	 apenas	 formal,	 e	 as	
pessoas	 são	 estruturalmente	 diferentes.	 É	 claro	 que	 estas	 figuras	 são	
representações	 da	 vida	 social	 brasileira	 como	 tipos	 ideais,	 que	 não	
correspondem	 à	 realidade.	 Porém,	 tais	 imagens	 podem	 ser	 utilizadas	
alternadas	 e	 alternativamente,	 ou	 seja,	 seu	 paradoxo	 consiste	 em	 igualar	
todos	em	num	plano	e	hierarquizá-los	em	outro.		
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Em	nosso	modelo	social	podemos	observar	que	há	algumas	peculiaridades	do	
nosso	 sistema	 híbrido	 que	 devem	 ser	 evidenciadas:	 O	 tratamento	 dado	 ao	
conflito	 não	 é	 isonômico	 em	 todos	 os	 contextos	 e	 há	 momentos	 em	 que,	
tanto	 o	 conflito	 não	 é	 tolerado,	 quanto	 há	 episódios	 onde	 ele	 não	 é	
combatido.		
Nos	momentos	 onde	 a	 hierarquia	 é	 enfatizada,	 a	 aversão	 ao	 conflito	 se	 dá	
porque	é	 vista	 como	uma	ameaça	 à	 organização	estrutural	 dada.	O	 conflito	
não	 pode	 acontecer	 no	 sentido	 da	 quebra	 da	 hierarquia,	 da	 higidez	 da	
pirâmide.	
Lembremos	do	caso	de	um	episódio	acontecido	em	Santa	Teresa.	Um	policial	
do	Batalhão	de	Operações	Especiais	confundiu	à	distância	uma	furadeira	com	
uma	 arma	 letal,	 matando	 com	 um	 tiro	 de	 longa	 distância	 o	 rapaz	 que	
segurava	a	ferramenta.	Em	termos	formais,	o	acontecido	foi	 legitimado	pelo	
contexto	da	operação,	um	local	de	risco,	ocupado	por	elementos	perigosos	e	
a	reação	do	representante	do	Estado	foi	adequada.	
Tal	episódio	poderia	 ter	ocorrido,	 com	os	mesmos	elementos	de	distância	e	
uma	furadeira,	mas	em	uma	avenida	litorânea	da	Zona	Sul	da	cidade,	ou	seja,	
um	policial	militar	atiraria	à	distância	em	um	banqueiro	instalando	uma	planta	
com	uma	furadeira	em	sua	cobertura	de	Ipanema?	Certamente	não.	
O	 conflito	 é	 aceito	 pelo	 Estado	 quando	 ocorre	 em	 um	 lugar	 e	 entre	 atores	
predeterminados.	Não	em	qualquer	lugar	e	entre	qualquer	um...	
	
	
	
	
Figura	4.1:	A	higidez	da	pirâmide	é	garantida/	controlada	pelo	Estado	
	
	
4.	O	conflito	como	
quebra	do	princípio	
hierárquico	
	
Isonomia	
Rui	Barbosa,	o	grande	jurista	
brasileiro,	cunhou	uma	
interessante	definição	para	
“isonomia”.	Na	Oração	aos	
Moços,	Rui	diz	que	“a	
verdadeira	regra	da	isonomia	é	
tratar	de	forma	desigual	os	
desiguais”.	Até	aí,	seguia	uma	
máxima	Aristotélica,	que	
buscava,	entre	outras	coisas	
legitimar	a	escravidão	na	
Grécia	Clássica.	O	problema	
contemporâneo	desta	visão	de	
isonomia,	é	que	Rui	Barbosa	
completa	sua	máxima,	com	o	
“na	medida	em	que	se	
desigualam”.	
Lida	em	conjunto,	a	regra	da	
isonomia	não	visa	a	igualdade,	
mas	a	reprodução	da	
desigualdade,	tal	como	na	
Grécia	Clássica,	onde	homens,	
mulheres,	estrangeiros	e	
escravos	tinham	direitos	
diferenciados.	
Uma	das	mudanças	sociais	em	
curso	é	reverter	esse	sentido	
de	isonomia,	e	pensar	que	o	
tratamento	desigual	só	se	
justifica	na	medida	em	que	se	
busca	a	igualdade	ou	a	
diminuição	da	desigualdade	
social,	como	é	o	caso	do	
sistema	de	cotas	nas	
universidades,	por	exemplo.	
	
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Entretanto,	quando	a	ênfase	é	dada	no	eixo	da	igualdade,	ou	seja,	em	um	dos	
patamares	da	pirâmide,	a	natureza	competitiva	do	modelo	igualitário	permite	
que	o	 conflito	 seja	visto	 como	constitutivo	daquele	patamar	de	organização	
social.		
	
Figura	4.2:	Nos	planos	a	ação	do	Estado	é	indesejada	
	
O	papel	do	Estado	neste	sistema	é	evidente:	Ele	deve	agir	quando	ocorre	um	
conflito,	não	porque	ele	ameaça	a	vida	em	sociedade,	mas	porque	o	conflito	
no	eixo	hierárquico	ameaça	o	próprio	Estado,	que	é	apropriado	por	aqueles	
que	se	encontram	no	topo	da	pirâmide.		
Outra	evidência	do	nosso	“dilema”	é	a	existência	de	uma	vertente	ao	mesmo	
tempo	hobbesiana	e	estatofóbica	em	nossa	sociedade.		
O	 “estado	de	natureza”	de	Thomas	Hobbes,	ou	 seja,	 a	 luta	de	 todos	 contra	
todos,	 só	 existe	 no	 plano	 das	 igualdades,	 e	 não	 no	 eixo	 das	 estratificações,	
pois	este	é	o	império	da	ordem.	
Assim,	o	caráter	estatofóbico	só	ocorre	no	plano	da	igualdade,	pois	como	é	a	
competição	a	responsável	pela	produção	ordem,	a	presença	do	Estado	pode	
trazer	a	desordem.	
Porém,	 no	 eixo	 da	 estratificação,	 a	 lógica	 hierárquica	 deve	 romper	 com	 a	
dimensão	estatofóbica,	pois	 a	 relação	entre	Estado	e	Sociedade	é	 vital	para	
conservação	do	modelo.	Nesta	vertente,	a	competição	seria	desagregadora	e	
a	presença	do	Estado	é	fundamental	para	a	manutenção	da	ordem.		
	
	
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O	 modelo	 de	 Resolução	 Alternativo	 de	 Disputas	 (RAD)	 foi	 incorporado	 ao	 nosso	 repertório	 de	
administração	de	conflitos	na	década	de	90.	A	primeira	iniciativa	foi	a	criação	do	Programa	de	Defesa	
do	 Consumidor	 (PROCON),	 pelo	 goveo	 do	 Estado	 de	 São	 Paulo	 em	 1976.	 Na	 segunda	 metade	 da	
década	de	80,	o	“Plano	Sarney”	difundiu	a	ideia	de	que	a	população	poderia	também	ser	a	fiscal	das	
leis,	como	a	que	estabeleceu	o	congelamento	de	preços	ao	consumidor	para	combater	a	inflação.		
Com	 a	 aprovação	 do	 Código	 de	 Defesa	 do	 Consumidor	 (Lei	 8.078/1990)	 houve	 a	 proliferação	 de	
programas	de	defesa	do	consumidor	em	todos	os	estados,	vinculados	ao	poder	executivo.		
	
	
Figura	4.3:	Botom	dos	‘Fiscais	do	
Sarney”(fonte:	
http://desciclopedia.org/wiki/Plano_
Cruzado)	
	
Para	se	aprofundar	mais	no	assunto,	 faça	uma	pesquisa	sobre	a	evolução	do	modelo	alternativo	de	
disputas	entre	nós,	buscando	conhecer	as	leis	que	instituíram	os	modelos	de	arbitragem,	conciliação	e	
mediação.	Procure	conhecer	as	diferenças	entre	elas	e	reflita	sobre	o	grau	de	eficácia	destas.	
	
	
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Em	 um	 “manual”	 sobre	 a	 legislação	 ambiental	 elaborado	 para	 distribuição	
entre	 as	 forças	 policiais	 do	 Estado	 do	 Rio	 de	 Janeiro,	 em	 quase	 todas	 as	
situações	 apresentadas	 como	 ilícitos	 ambientais,	 aparece	 a	 seguinte	
orientação	de	 comportamento	do	agente:	 “isole	a	área	e	 chame	o	Batalhão	
Florestal”.	 A	 ideia	 por	 detrás	 desta	 recomendação	 era	 que,	 tanto	 os	
procedimentos	 previstos	 na	 legislação	 vigente,	 quanto	 os	 desdobramentos	
processuais	 eram	 tão	 complexos,	 que	 o	 melhor	 a	 fazer	 seria	 chamar	 os	
“especialistas”.	
Não	 é	muito	 difícil	 perceber	 o	 quanto	 essa	 orientação	 era	 inadequada,	 até	
porque	a	tipificação	do	conflito	como	um	“crime	ambiental”,	ou	um	conflito	
ambiental	 é	 plural	 e	 contextual,	 visto	 que	 até	 o	 próprio	 conceito	 de	 Meio	
Ambiente	é	polissêmico.	
Então,	a	 Lei	de	Crimes	Ambientais	 (Lei	9.605/1995)consolidou	um	conjunto	
de	 dispositivos	 esparsos	 e	 de	 difícil	 aplicação	 e	 como	 resultado	 dessa	
consolidação,	as	penas	foram	uniformizadas,	com	gradação	adequada	e	estão	
bem	definidas.		
Entre	esses	dispositivos	podemos	destacar:		
ü o	Código	Florestal	(Lei	4.771/1965),		
ü o	Código	de	Pesca	(Decreto-Lei	221/1967),		
ü a	Lei	de	Proteção	à	Fauna	(Lei	5.197/1967)		
ü a	Lei	da	Política	Nacional	do	Meio	Ambiente	(Lei	6.938/1981).		
Por	outro	lado,	devemos	lembrar	que	vários	dos	dispositivos	consolidados	na	
Lei	de	Crimes	Ambientais	já	foram	reformulados	pelo	Congresso	Nacional.		
Desde	 sua	 aprovação,	 em	 1998,	 já	 temos	 um	 Novo	 Código	 Florestal	 (a	 Lei	
12.651/2012),	 a	 regulamentação	 para	 a	 pesca	 é	 constantemente	 atualizada	
(Lei	10.779/2003	–	que	regulamentou	a	concessão	do	seguro	defeso	para	os	
pescadores;	 Lei	 11.959/2009	 –	 que	 estabeleceu	 a	 Política	 Nacional	 de	
Desenvolvimento	 Sustentável	 da	 Aquicultura	 e	 da	 Pesca,	 revogou	 alguns	
dispositivos	 do	 Decreto-Lei	 no	 221/1967;	 Decreto	 8.424/2015	 –	 que	
regulamentou	 a	 lei	 10.779;	 Decreto	 8.425/2015	 –	 que	 regulamentou	 a	 lei	
11.959;	entre	outros)	e	a	Política	Nacional	do	Meio	Ambiente	recebeu	novas	
5.	“Isole	a	área	e	chame	
o	Batalhão	Florestal!”	
	
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leis	como	o	Sistema	Nacional	de	Unidades	de	Conservação	(Lei	9.985/2000)	e	
a	 nova	 regulamentação	 do	 Licenciamento	 Ambiental	 (Lei	 Complementar	
140/2010).		
No	 lado	 das	 inovações	 da	 Lei	 de	 Crimes	 Ambientais,	 temos	 a	 previsão	 da	
responsabilidade	criminal	de	pessoas	jurídicas	e	a	possibilidade	de	associação	
destas	com	pessoas	físicas	autoras	ou	coautoras	das	infrações.	No	campo	nas	
penalidades,	foram	criadas	punições,	tanto	penais	quanto	administrativas.	
O	estatuto	das	penas	alternativas	com	a	prestação	de	serviços	à	comunidade	
foi	 ampliado	 para	 crimes	 cuja	 pena	 privativa	 de	 liberdade	 seja	 no	 máximo	
quatro	anos	–	contemplando	a	maioria	das	penas	previstas	na	lei.		
Se	 na	 legislação	 anterior,	 qualquer	 abate	 de	 animal	 da	 fauna	 silvestre	
constituía	 crime	 inafiançável,	 na	 nova	 lei,	 foi	 descriminalizado	 o	 abate	 para	
saciar	a	fome	do	agente	ou	de	sua	família.		
Vários	 atos	 ilícitos	 que	 eram	 considerados	 de	 ordem	 administrativa	 foram	
elevadas	 ao	 estatuto	 de	 crime,	 como	 por	 exemplo:	 os	 maus	 tratos	 contra	
animais	 domésticos;	 a	 pesca	 durante	 o	 período	 de	 defeso	 ou	 piracema	
(reprodução)	 de	 espécies	 protegidas;	 o	 desmatamento,	 a	 comercialização	 –	
em	todas	suas	etapas	–	de	madeira,	 lenha	ou	carvão	com	origem	em	matas	
nativas;	 a	 construção,	 reforma,	 instalação,	 etc.	 de	 estabelecimentos	
potencialmente	 poluidores	 sem	 licença	 ou	 autorização	 ou	 contrariando	 as	
normas	legais	passou	a	ser	crime	ambiental.		
Em	resumo,	os	crimes	ambientais	foram	divididos	em:	
ü Crimes	contra	a	Fauna;		
ü Crimes	contra	a	Flora;		
ü Poluição	e	outros	Crimes	Ambientais;		
ü Crimes	contra	o	Ordenamento	Urbano	e	o	Patrimônio	Cultural;		
ü Crimes	contra	a	Administração	Ambiental.	
Há	 ainda	 os	 casos	 de	 infrações	 administrativas	 ambientais,	 sendo	 estas	
definidas	 como	 toda	 ação	 ou	 omissão	 que	 viole	 as	 regras	 jurídicas	 de	 uso,	
gozo,	promoção,	proteção	e	recuperação	do	meio	ambiente.	(Lei	9605/98,	art.	
70).		
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Uma	definição	ampla	de	Meio	Ambiente	poderia	ser,	então,	enunciada	como	
correspondendo	 ao	 conjunto	 de	 condições,	 leis,	 influências	 e	 interações	 de	
ordem	física,	química	e	biológica,	que	permite,	abriga	e	rege	a	vida	em	todas	
as	suas	formas.	Entretanto,	nunca	é	demais	lembrar	que	as	pessoas	não	vivem	
em	 sistemas,	 mas	 em	 lugares	 que	 lhes	 são	 familiares,	 que	 lhes	 são	
experimentados,	vividos.		
Nesse	sentido,	pode-se	apresentar	esquematicamente	uma	definição	de	Meio	
Ambiente	 que	 inclui	 a	 diversidade	de	 ecossistemas,	 variando	desde	 aqueles	
com	 grande	 predominância	 de	 aspectos	 naturais	 e	 pouca	 presença	 humana	
até	 aqueles	 já	 bastante	 transformados	 e	 com	 predominância	 da	 presença	
humana	e	sua	diversidade	cultural.	Observe:	
	
O	Meio	Ambiente	Amplo	
	
	
	
Figura	5.1:	O	Meio	Ambiente	Amplo	
	
Apesar	de	a	 Lei	 9.605	 ser	 clara,	 sua	aplicação	não	é	 tão	 fácil.	 Por	dispensar	
laudos	 técnicos	 para	 sua	 tipificação,	 o	 treinamento	 e	 conhecimento	
adequados	são	fundamentais.		
Como	 o	 flagrante	 é	 fundamental,	 vários	 processos	 acabam	 sendo	 nulos	 ou	
ineficazes	em	função	de	enquadramentos	e	procedimentos	inadequados.		
	
	
	
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Alguns	casos	concretos	apresentam	melhor	esse	problema.	Veja	só:		
Caso	1:	Eu	sou	autoridade	federal!		
Eu	sou	poder	municipal!		
Chamem	a	polícia	estadual!	
Nosso	primeiro	caso	trata	das	dificuldades	que	podem	ocorrer	na	delimitação	
dos	espaços	a	serem	protegidos	por	unidades	de	conservação,	a	superposição	
de	responsabilidades	ou	de	legislação	ou	até	um	jogo	de	interesses	por	parte	
de	vários	atores,	que	muitas	vezes	não	são	bem	identificados.	
Em	Arraial	 do	 Cabo	 foi	 decretada,	 em	 1997,	 a	 primeira	 Reserva	 Extrativista	
Marinha	 (Resex)	do	estado.	Ela	é	 formada	por	um	cinturão	marinho	de	 três	
milhas	 ao	 longo	 da	 costa	 do	 município.	 Inclui	 em	 sua	 área	 os	 terrenos	 de	
marinha,	as	praias	e	os	costões	rochosos.		
Para	 arrecadar	 fundos	para	 a	 gestão	da	Unidade	de	Conservação	 Federal,	 o	
Ministério	do	Meio	Ambiente	publicou	uma	Portaria	com	os	valores	a	serem	
cobrados	a	título	de	Taxa	de	Visitação	à	unidade,	por	quaisquer	embarcações	
que	ancorassem	no	interior	da	Resex.		
Para	 os	 agentes	 do	 Instituto	 Brasileiro	 do	 Meio	 Ambiente	 e	 dos	 Recursos	
Naturais	Renováveis	(Ibama)	responsáveis	pela	Unidade	de	Conservação	(que	
hoje	é	de	responsabilidade	do	Instituto	Chico	Mendes	para	a	Conservação	da	
Biodiversidade	 –	 ICMBio)	 ,	 o	 ponto	 base	 de	 fiscalização	 seria	 um	 trailer	
estacionado	na	Marina	dos	Pescadores	de	Arraial	do	Cabo.		
Segundo	 os	 agentes	 federais,	 a	 Marina	 dos	 Pescadores	 de	 Arraial	 do	 Cabo	
seria	um	“acréscimo	de	marinha”	e,	como	está	localizada	no	interior	da	Resex,	
estaria	sob	a	jurisdição	do	Ibama.		
Para	a	administração	municipal,	a	Marina	estaria	vinculada	ao	Porto	de	Arraial	
do	 Cabo,	 que	 havia	 sido	 municipalizado.	 E,	 nesse	 sentido,	 somente	 a	
autoridade	municipal	deveria	prevalecer	nos	cais	existentes.		
Os	operadores	de	turismo	eram	contra	a	medida,	pois	viam	a	cobrança	como	
indevida	e	a	consideravam	mais	um	encargo	sobre	sua	atividade.	Além	disso,	
eles	tinham	a	prefeitura	ao	seu	lado.		
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Os	acontecimentos	acompanharam	uma	escalada	típica	de	um	conflito	(como	
veremos	melhor	na	Aula	2):		
Em	 um	 primeiro	 momento,	 agentes	 federais	 e	 operadores	 de	 turismo	
pareciam	 ignorar	 o	 problema,	 como	 se	 fosse	 uma	 fuga,	 onde	 cada	 lado	
parecesse	ignorar	o	outro.		
Em	seguida,	os	fiscais	buscaram	se	afirmar	mantendo	sua	posição	de	exigir	a	
apresentação	 das	 taxas	 pagas	 ou	 a	 emissão	 de	 guias	 para	 pagamento	
posterior.		
A	 próxima	 fase	 foi	 dialógica,	 ou	 seja,	 tentou-se	 uma	 negociação.	 Os	
operadores	 reivindicavam	 o	 pagamento	 na	 própria	 Marina,	 sob	 os	 mais	
diversos	argumentos.	Aparentemente	se	pretendia	chegar	a	um	resultado	não	
em	acordo	com	as	regras,	mas	através	de	mecanismos	locais	e	momentâneos	
onde	poderiam	organizar	suas	relações	mútuas.		
Pouco	 depois	 chegaram	 ao	 cais,	 de	 carro,	 o	 Vice-Prefeito	 e	 o	 Secretário	
Municipal	 de	 Segurança	 Pública,	 acompanhados	 por	 guardasmunicipais.	 O	
Vice-Prefeito	 interpelou	 Gerente	 da	 Reserva	 dizendo	 que	 o	 Prefeito	 fora	
informado	que	o	Ibama	estava	“cobrando	taxa	de	visitação	no	cais	da	Marina”	
–	 que	 para	 a	 prefeitura	 seria	 um	 espaço	 sob	 sua	 jurisdição	 –	 sem	 prévia	
notificação	ao	poder	público	municipal.		
Esta	 cobrança	 não	 poderia	 ser	 feita,	 segundo	 o	 Vice	 Prefeito,	 pois	 a	
Constituição	 Federal	 estabelecera	 prerrogativas	 aos	 municípios	 quanto	 à	
administração	dos	espaços	públicos	sob	sua	responsabilidade.		
O	Diretor	da	Reserva	alegou	que	a	Marina	não	estava	sob	a	administração	da	
Prefeitura,	 que	era	um	 “acréscimo	de	marinha”	 e,	 portanto,	 a	 gestão	desse	
espaço	seria	de	responsabilidade	do	Governo	Federal.	Neste	sentido	ele	não	
estava	obrigado	a	notificar	a	prefeitura	de	nada	que	fosse	ser	feito	em	termos	
de	 fiscalização	 naquele	 local.	 Para	 ele,	 na	 verdade,	 eram	 as	 autoridades	
municipais	 quem	 deveriam	 mostrar	 a	 documentação	 que	 legitimasse	 sua	
jurisdição	sobre	aquela	área.		
O	Vice-Prefeito	e	o	Secretário	de	Segurança	Pública	municipal	alegaram	que	
não	 tinham	 que	 comprovar	 nada	 ao	 Diretor	 da	 Reserva,	 e	 que	 não	
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CEDER J 	
permitiriam	 que	 a	 cobrança	 continuasse	 a	 ser	 realizada	 naquele	 local,	 e	 se	
afastaram.	
A	questão	em	disputa	estava	sendo	explicitada	como	a	 falta	de	 legitimidade	
da	 atuação	 do	 Ibama,	 órgão	 vinculado	 à	 esfera	 federal	 de	 governo,	 em	um	
espaço	público	submetido	ao	poder	público	municipal.		
Pouco	depois	voltaram	aos	cais	o	Vice-Prefeito	e	o	Secretário	de	Segurança,	
acompanhados	de	um	escolta	maior	da	guarda	municipal,	que	incluía	agentes	
não	fardados,	e	uma	viatura	da	Polícia	Militar	que	trazia	dois	soldados	e	um	
sargento	 à	 paisana.	 O	 Vice-Prefeito	 anunciou	 que	 o	 Prefeito	 dera	 ordens	
expressas	 para	 a	 retirada	 do	 trailer	 da	marina	 e	 pediu	 à	 Polícia	Militar	 que	
procedesse	à	retirada.		
O	 Sargento,	 acompanhado	 pelos	 dois	 soldados,	 se	 dirigiu	 ao	 Gerente	 da	
Reserva	um	pouco	rispidamente,	dizendo	que	não	ia	querer	confusão.	Dirigiu-
se	 para	 o	 grupo	 onde	 estava	 o	 Vice-Prefeito	 e	 o	 Secretário	 de	 Segurança,	
conversou	com	eles	e	voltou	para	dar	a	ordem	de	proceder	com	a	retirada	o	
trailer.	Logo	após	chegou	um	trator,	aplaudido	pelos	operadores	de	turismo	e	
seus	partidários	e	rebocou	o	trailer	para	o	depósito	municipal.	
Finda	 a	 cena	 na	marina	 e	 uma	parte	 do	 drama	 se	 desenrolou	 em	um	novo	
cenário:	a	delegacia	de	Cabo	Frio.	Lá	o	Gerente	da	Reserva	deu	queixa	contra	
o	Prefeito,	o	Vice-Prefeito	e	o	Secretário	de	Segurança	de	Arraial	do	Cabo	por	
abuso	 de	 autoridade,	 impedimento	 da	 autoridade	 de	 cumprir	 a	 legislação	
ambiental,	e	outros	delitos	previstos	na	legislação	ambiental.		
O	agente	de	plantão	na	delegacia	lembrou	que	os	policiais	militares	também	
poderiam	 ser	 citados	 por	 não	 intimarem	 a	 outra	 parte	 a	 comparecer	 à	
delegacia,	 inclusive	 dando	 voz	 de	 prisão	 àqueles	 que	 se	 recusassem	 a	
obedecer.	Por	 fim,	o	Gerente	da	Reserva	estava	de	posse	de	documentação	
hábil	para	solicitar	um	mandato	de	reintegração	de	posse	na	Justiça	Federal	
de	São	Pedro	da	Aldeia.		
O	processo	judicial,	que	teve	início	na	Delegacia,	não	impediu	que	os	conflitos	
na	Marina	 continuassem	 a	 acontecer.	 O	 trailer	 foi	 recolocado	 no	 lugar	 por	
força	 de	 um	 mandado	 judicial,	 mas	 a	 cobrança	 da	 Taxa	 de	 visitação	 foi	
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CEDER J 	
suspensa,	por	uma	 intervenção	da	Superintendência	do	 Ibama	do	Estado	do	
Rio	de	Janeiro.		
Por	fim,	um	ano	depois,	o	trailer	foi	incendiado	por	“pescadores”,	revoltados	
com	a	 falta	de	 fiscalização	da	 integridade	da	Resex	por	parte	do	 Ibama.	Em	
outras	 palavras,	 pelo	 fato	 de	 pescadores	 de	 “fora”	 estarem	 pescando	
“dentro”	da	Resex.	
Esse	 é	 um	 relato	 extenso,	 mas	 importante	 para	 se	 compreender	 as	
dificuldades	de	atuação	em	conflitos	envolvendo	Unidades	de	Conservação	de	
Uso	 Sustentável,	 como	 as	 Reservas	 Extrativistas,	 e	 a	 responsabilidade	 de	
vários	órgãos	e	esferas	de	governo	no	papel	de	 responsáveis	pela	 tutela	de	
um	bem	difuso,	como	o	Meio	Ambiente.		
Caso	2:	Nem	todo	dono	de	passarinho	em	gaiola	é	criminoso	
Um	segundo	relato	diz	respeito	a	uma	ação	açodada	no	cumprimento	da	Lei	
da	Vida.		
Uma	patrulha	da	Polícia	Militar	em	ação	na	Rodoviária	Novo	Rio	abordou	uma	
senhora	que	se	dirigia	para	o	embarque	com	um	conjunto	de	gaiolas	cobertas	
com	pano	branco.	Ao	 levantarem	o	pano,	constataram	se	tratar	de	pássaros	
vivos	e	imediatamente	deram	voz	de	prisão	à	senhora,	 levando-a,	junto	com	
sua	bagagem	e	gaiolas	para	a	delegacia	mais	próxima.	Lá	chagando	os	agentes	
de	plantão	não	 foram	capazes	de	 identificar	os	pássaros	para	 terem	certeza	
que	sua	posse	em	gaiolas	seria	crime	ambiental.	
Depois	de	esperar	muito	tempo	para	obter	orientação,	os	policiais,	a	suspeita	
e	as	provas	 foram	encaminhados	à	delegacia	especializada,	que	na	época	se	
chamava	 Delegacia	Móvel	 do	Meio	 Ambiente	 e	 que,	 como	 o	 nome	 sugere,	
não	 tinha	 um	 local	 fixo.	 Lá	 chegando,	 constatou-se	 que	 os	 pássaros	 eram	
canário-belgas,	que	não	fazem	parte	da	fauna	silvestre	brasileira,	nem	estão	
em	 listas	 de	 espécies	 em	 extinção,	 não	 gozando,	 portanto,	 de	 proteção	
especial,	além	daquela	que	impede	maus	tratos	–	o	que	não	se	caracterizava,	
pela	observação	dos	animais.		
Ao	 final	 do	 dia,	 os	 policiais	 tiveram	 que	 levar	 a	 senhora,	 sua	 bagagem	 e	
pássaros	de	volta	à	Rodoviária	–	que	obviamente	já	havia	perdido	seu	ônibus	
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CEDER J 	
–	 e	 negociar	 junto	 à	 companhia	 uma	 nova	 vaga	 em	outro	 horário,	 além	de	
pedir	desculpas	à	senhora,	que	além	de	perder	o	ônibus	e	atrasar	sua	viagem,	
havia	passado	por	um	grande	constrangimento.	
Esse	exemplo	pode	ser	ampliado	para	outras	situações,	como	a	prisão	de	um	
catador	 de	 caranguejo	 de	 Gargaú,	 norte	 fluminense,	 que	 não	 cumpria	 o	
período	 do	 defeso	 (quando	 não	 se	 pode	 catar	 ou	 pescar	 determinadas	
espécies).	 Este,	 de	 fato,	 não	 cumpria	 a	 lei,	mas	 sua	 prisão	 na	 Delegacia	 de	
Campos	acabou	por	se	tornar	um	drama	muitas	vezes	superior	ao	esperado,	
pois	eclodiu	uma	rebelião	na	delegacia,	e	o	pescador	ficou	três	dias	à	mercê	
de	elementos	com	alto	grau	de	periculosidade,	e	em	estado	de	descontrole,	
que	não	era	compatível	com	o	delito	que	ele	cometera.		
Os	contextos	dos	delitos	ambientais	e	as	incertezas	sobre	o	dano	sugerem	um	
cuidado	maior	na	sua	imputação.	Nunca	é	demais	lembrar	que	já	foi	solicitado	
por	um	Juiz	a	devolução	de	5	gaiolas	que	haviam	sido	legalmente	apreendidas	
quinze	anos	antes!		
		
Você	sabe	quem	foi	Chico	Mendes?	 	
Assista	ao	vídeo	“Chico	Mendes,	o	preço	da	floresta”,	e	procure	construir	a	
sua	 própria	 imagem	 sobre	 o	 Meio	 ambiente	 e	 a	 definição	 para	 conflitos	
socioambientais.		
Dirigido	por	Rodrigo	Astiz,	este	documentário	foi	produzido	em	2008	para	o	
Discovery	 Channel.	 	 "Chico	Mendes	 –	O	Preço	da	 Floresta",	 foi	 o	 primeiro	
documentário	sobre	Chico	Mendes	dirigido	por	um	brasileiro	e	realizado	no	
local	onde	os	fatos	aconteceram.		
Com	muita	pesquisa,	 entrevistas	e	boas	 imagens,	o	documentário	atualiza	
uma	 história	 de	 vinte	 anos	 atrás	 para	 a	 realidade	 de	 hoje.	Mostra	 a	 luta	 de	 Chico	Mendes	 contra	 a	
destruição	da	floresta	e	a	favor	de	sua	preservação,	os	inimigos	que	ele	adquiriu,	as	vitórias	e	o	preço	
pago	por	essa	luta.	(Duração,	43	minutos).		
Disponível	em:	https://www.youtube.com/watch?v=_c-BfipCgig	
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CEDER J 	
Nessaaula	 analisamos	 a	 dificuldade	 de	 construir	 um	 conceito	 de	 “conflito	
socioambiental”	que	englobe	 todos	os	 contextos,	bem	como	vimos	que	não	
há	 como	 “eliminar”	 este	 tipo	 de	 conflito	 e	 que	 a	 melhor	 alternativa	 é	
administrá-lo!	
Esperamos	 que	 neste	 ponto	 você	mesmo	 já	 tenha	 chegado	 à	 conclusão	 de	
que	não	há	um	conceito	de	Meio	Ambiente,	 	ou	de	Conflito	Socioambiental	
que	 dê	 conta	 de	 todos	 os	 contextos	 e	 situações	 que	 permeiam	 a	 nossa	
realidade.		
Nesta	 mesma	 direção,	 precisamos	 concordar	 que	 nossa	 sociedade	 segue	
princípios	hierárquicos,	nos	quais	a	rede	de	relações	é	mais	importante	que	o	
valor	 do	 indivíduo	 que	 avalia	 os	 sujeitos	 através	 de	 sua	 honra	 (que	 é	
necessariamente	 desigual	 entre	 as	 diversas	 posições	 sociais),	 ao	 invés	 de	
assegurar	 a	 todos	 o	mesmo	 patamar	 de	 dignidade	 (que	 é	 necessariamente	
igualitária,	independente	da	posição	social	do	sujeito).		
Mas	 também	 devemos	 reconhecer	 que	 em	 outros	 momentos,	 nosso	
comportamento	segue	regras	gerais,	que	parecem	terem	sido	acordadas	por	
todos,	e	que	por	isso	devem	ser	seguidas	e,	quando	não	são,	as	leis	e	punições	
são	aplicadas	a	todos	de	forma	equânime.		
Ao	reunirmos	as	duas	conclusões,	podemos	propor	uma	síntese	que	define	o	
conflito	 socioambiental	 como	 um	 conflito	 de	 difícil	 resolução,	 que	 não	
corresponde	 nem	 a	 uma	 ruptura	 da	 ordem,	 nem	 a	 quebra	 de	 um	 princípio	
hierárquico,	 nem	 aos	 interesses	 de	 uma	 classe	 dominante,	 ou	 seja,	 é	 um	
conflito	que	deve	ser	administrado,	pois	dificilmente	será	eliminado.		
Desta	maneira,	propomos	pensar	os	conflitos	socioambientais	como	conflitos	
intratáveis	e	em	nossa	próxima	aula	aprofundaremos	mais	este	conceito.	
	
Conclusão	
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CEDER J 	
Nesta	 aula	 vimos	 como	 em	 algumas	 sociedades	 liberais,	 o	 conflito	 é	 visto	
como	 o	 produtor	 da	 ordem	 e,	 portanto,	 tem	 um	 sinal	 positivo	 nestas	
sociedades.	Em	geral,	as	sociedades	que	seguem	uma	ideologia	individualista	
igualitária	se	enquadram	neste	grupo.	Por	outro	lado,	vimos	também	que	em	
outras	 sociedades,	 o	 conflito	 é	 visto	 como	uma	 ruptura	 da	 ordem,	 o	 que	 o	
coloca	com	um	sinal	negativo.		
As	 sociedades	 hierárquicas	 relacionais	 são	 enquadradas	 neste	 grupo.	
Paradoxalmente,	a	sociedade	brasileira	apresenta	características	tanto	de	um	
grupo	quanto	de	outro,	o	que	torna	o	problema	da	ordem	central	e	de	difícil	
acesso.			
Em	outra	dimensão,	vimos	que	a	noção	de	Meio	Ambiente	é	polissêmica	em	
nossa	 sociedade,	 o	 que	 torna	 a	 conceituação	 conflito	 socioambiental	 quase	
que	 inatingível	 e,	 consequentemente,	 sua	 eliminação	 inexequível,	 pois	
sempre	dependeria	do	lugar	do	intérprete	sobre	o	fim	do	conflito.	
Assim,	 terminamos	 a	 aula	 com	 a	 proposta	 de	 pensar	 os	 conflitos	
socioambientais	 como	 conflitos	 intratáveis,	 o	 que	 desenvolveremos	melhor	
na	 aula	 seguinte.	 Como	 sugestão	 geral	 do	 curso,	 o	 melhor	 a	 fazer	 em	 um	
conflito	intratável	é	buscar	administra-los!		
	
Resumo	
	
Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Por	que	“administrar”	um	conflito	socioambiental?		
	
CEDER J 	
	
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Referências	
Bibliográficas

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