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PONTA GROSSA - PARANÁ 2009 LICENCIATURA EM Denise Puglia Zanon Maiza Taques Margraf Althaus EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA U N ID A D E IContextualização da didática OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Conceituar Didática, avaliando sua importância para a atuação do educador. Compreender a Didática no âmbito da Pedagogia e das práticas educativas. Refletir sobre os desafios frente ao trabalho de ensinar, em sua complexidade. ROTEIRO DE ESTUDOS SEÇÃO 1 – A Didática em suas origens: concepções e pressupostos teóricos SEÇÃO 2 – O ensino, objeto da Didática e seus elementos SEÇÃO 3 – O trabalho de ensinar: desafios contemporâneos U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE 1 PARA INÍCIO DE CONVERSA Prezado estudante! Leia as notícias abaixo, publicadas no Jornal Folha de São Paulo: “A secretária de Ensino Fundamental do Ministério da Educação, Iara Prado, alertou [...] que os professores precisam dar mais qualidade didática ao ensino.” (16/10/01) “Este livro pretende ser um guia para acabar com as dúvidas referentes às novas normas ortográficas. Ele não só as expõe de forma muito elucidativa e didática [...]” (01/03/09) “Os participantes serão avaliados por meio de cinco tópicos: prova escrita de conhecimento, prova de títulos, prova didática (aula ministrada sobre a disciplina em que concorre) [...]” (04/11/03) Você percebeu, em todas as notícias mencionadas, o enfoque à Didática? Ora envolvendo o livro didático, ora a prova ou ainda a qualidade didática. Poderíamos, então, perguntar: o que significa cada um dos sentidos acima atribuídos à Didática? Ou ainda: quais as contribuições da Didática para você, neste curso de Licenciatura em Pedagogia? O propósito desta primeira unidade direciona-se para a compreensão do que é a Didática, qual seu objeto de estudo e, acima de tudo, os desafios que se apresentam ao trabalho de ensinar. Você estudará as origens da Didática, bem como as contribuições dos estudos desenvolvidos por autores na área. D id á ti ca 1 13 UNIDADE I SEÇÃO 1 A DIDÁTICA EM SUAS ORIGENS: CONCEPÇÕES E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Dessa ótica, o ensino – objeto nuclear da didática -, estendido para as outras dimensões em sua globalidade, confirma o significado e a projeção da docência como o ensino em ato. Assim, a didática fortalece o valor global de seu objeto – o ensino – ampliando seus marcos teóricos e fundamentando-se positivamente em outros temas emergentes.[...] O domínio do conhecimento da didática é essencial para o exercício da docência e apresenta-se como uma das disciplinas nucleares do campo pedagógico; é imprescindível para o processo de formação e desenvolvimento profissional de professores. (VEIGA, 2006, p. 8 – grifo nosso). Classicamente, a Didática é um campo de estudo, uma disciplina de natureza pedagógica aplicada, orientada para as finalidades educativas e comprometida com as questões concretas da docência, com as expectativas e os interesses dos alunos. Para tanto, requer um espaço teórico-prático a fim de compreender a multidimensionalidade da docência, entendida como ensino em ato. A compreensão do ensino como prática social concreta, complexa e laboriosa, leva-nos a considerar a Didática como teoria da docência. É evidente que a docência está em íntima relação com as dimensões de ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. Integram-se, são complementares. Não apenas coexistem, mas se interpenetram. O ensino não existe por si mesmo, mas na relação com as outras três dimensões. Observando os termos destacados na citação acima, o que significa ensinar para você? U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE 1 Algumas palavras e suas origens Nesta seção, você conhecerá a origem de algumas palavras que envolvem a ação didática do professor. É tempo de parar e refletir sobre os termos que, muitas vezes, utilizamos sem realmente aprofundarmos seus significados e sentidos. Você lembra alguma situação da escola em que estudou? Lembra-se até hoje de algum professor, fato ou acontecimento significativo? O que marcou em você? Analisando a etimologia do vocábulo ensinar, percebemos o sentido das marcas, dos sinais que um professor um dia já imprimiu em nossa formação, ou aquilo que nós, como professores, indicamos ou designamos aos nossos alunos através do contato que estabelecemos na prática pedagógica escolar. Surge no século XI, na língua francesa (enseigner), e no século XIII, na língua portuguesa; do baixo latim insignare, alteração de insignire, que significa indicar, designar, e que pode chegar a ser compreendido como ‘marcar com um sinal’. Note que marcar pode transmitir uma ideia de imposição, mas pode, por outro lado, indicar o nascimento do caráter do estudante, uma vez que, em grego, sinal é Karakter. (LIMA et al., 2006, p. 240). Instrução é outro termo que também revela vínculos com o ensino. Em latim, o verbo struere, agregado à preposição in, remete-nos para o verbo instruere, significando erguer, levantar, construir, por em ordem, formar, dispor. Quanto ao sentido dos verbos aprender e apreender, Anastasiou e Alves (2006, p.14) afirmam: D id á ti ca 1 15 UNIDADE I O apreender, do latim apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Não se trata de um verbo passivo; para apreender é preciso agir, exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar- se, entre outros fatores. O verbo aprender, derivado de apreender por síncope, significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação de... Nessa perspectiva, Freire (1996, p. 77) é quem muito contribui, ao dizer: “[...] aprender é uma aventura criadora, algo, por si mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar [...]”. E DIDÁTICA, O QUE SIGNIFICA? A palavra didática deriva da expressão grega - techné didaktiké -, que se traduz por arte ou técnica de ensinar. Foi apresentada oficialmente por Ratke, em 1617, na obra Introdução geral à didática ou arte de ensinar. A expressão foi, entretanto, consagrada através de Comênio, quando escreveu a Didática Tcheca, obra esta que foi traduzida para o latim (1633) com o título Didactica Magna: tratado universal de ensinar tudo a todos (publicada em 1657). Essa obra é considerada um marco significativo no processo de sistematização da Didática, popularizando-se na literatura pedagógica. O qualificativo Magna expressa o caráter universal das conquistas do homem no início da Idade Moderna. Já o termo tratado refere-se a um conjunto de princípios que orientariam o novo ensino. Arte em referência à imitação que os artesãos faziam, segundo os modelos da natureza. Universal: a didática adquire a amplitude dos conhecimentos sociais para que fossem ensinados. Por fim, uma didática para ensinar tudo a todos (mulheres, homens, crianças e jovens, não privilegiando somente os filhos da nobreza). (GASPARIN, 2004; OLIVEIRA, 1988). U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE 1 A etimologia da palavra didática indica que a sua essência está no ensinar, isto é, “na ação de fazer sinais, de comunicar. Comênio explicita essa posição ao afirmar que didática significa arte de ensinar, em que todos os termos dessa expressão trazem, entre seus vários sentidos, o de ação, exercício, atividade.” (GASPARIN, 1994, p. 64). “A didática possui uma história no processo de sua constituição como campo de saber, pois no século XVII este campo significou uma expressão e uma resposta às novas necessidades humanas emergentes.” (GASPARIN, 2004, p. 85-86). Leia os quadros abaixo para compreender ainda melhor: A constituição da didática comeniana como uma expressão pedagógica da transição da Idade Média à Idade Modernafundamenta- se, em ambos os períodos, ao mesmo tempo, traduzindo o término de um e o início de outro. Para sermos mais precisos, representa aquele momento específico em que do velho modo de ensinar se passa ao novo. Não significa, todavia, que Comênio deixe o velho e se utilize somente do novo, mas que na essência constitutiva da sua arte de ensinar há princípios de um e de outro concomitantemente. (GASPARIN, 1994, p.41). A concepção de homem subjacente à didática comeniana e à sua educação se traduz melhor na ideia de um ser criado à imagem e semelhança de Deus e dependente dele, mas igualmente como um ser que busca construir a si mesmo, pelo seu trabalho, sem dependência direta de Deus. Da mesma forma, os princípios gerais da didática exprimem o espírito conservador e renovador do momento, ou seja, enquanto por um lado, há ênfase na memorização, na diretividade total do professor, na exposição docente do conteúdo, na passividade do aluno a quem cabe apenas ouvir, destaca-se, por outra parte, como nova forma de ensino, a imitação da natureza, a observação e experimentação, os processos das artes mecânicas, os métodos da nova forma de trabalho e da ciência. (GASPARIN, 1994, p.41). D id á ti ca 1 17 UNIDADE I Como você percebeu, o núcleo do pensamento didático-pedagógico de Comênio é o ENSINO. A partir do sentido etimológico, ensinar significa (Ibid., p. 66): _ fazer sinais ou marcas _ caracterizar _ indicar _ gravar _ imprimir Como você viu nesta seção, a Didática surgiu, com Comênio, como arte de ensinar. Seria possível pensar na Didática, nos tempos atuais, numa perspectiva artística? Veiga contribui neste aspecto, ao dizer: “O ensino concebido como arte requer ser pensado da ótica da ‘originalidade’, que situa o docente como um artista que planeja sua ação como uma tarefa inconclusa, porém, orientada pela estética criadora e de bom gosto e de deleite poético”. Segundo a autora, “da perspectiva artística, a tarefa docente encontra na metáfora da arte o seu referente: É arte o modo de entender, transformar e perceber a realidade como estética poética e de forma bela. O ato de ensinar é, portanto, uma tarefa de dupla face artística: estética e poética”. (2006, p.15). Leia agora o poema de autoria de Clarissa Borba Prieto, que, após interpretar a perspectiva artística presente no texto de Veiga, revela sua arte com as palavras que seguem abaixo! DIDÁTICA: o trabalho de ensinar em sua dimensão artística Clarissa Borba Prieto Estética , porque não se abstém da forma, não renega a importância do que se vê, do que se toca, do que se mostra e se revela; Estética, porque não faz do quadro, apenas um aparato do giz, não faz da porta, U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE 1 apenas um lugar de passar verniz, não faz da janela, apenas uma olhadela para as plantas do jardim; Estética, porque não faz das carteiras apenas lugar de rabiscar o que se diz, não faz das cadeiras, apenas um encosto para o corpo cansado; não faz dos cartazes, apenas um recurso para memorizar o ensinado; Estética, porque inclui sentidos e percepções; porque pressupõe orientações; porque implica planejamento para não apenas embelezar o processo de ensino, mas... Perpetuá-lo! Todavia, ensinar também se revela numa tarefa de caráter poético. Poético, para que as palavras não se esqueçam dos conceitos; Para que a essência não se perca no dever; Para que a profissão não se desvaneça no cansaço. Poético, para que o discurso tenha também melodia; Para que a crítica tenha também, sabedoria; Para que o fazer, seja bem mais que bem fazer. Poético, para que o professor saiba ver o que não existe, para que possa cantar, canções sem letra e, para que o professor possa acreditar em sonhos, paixões, esperança, coragem, docência, educação e... Em seu próprio trabalho. Na seção seguinte, você terá oportunidade de aprofundar questões relativas ao objeto de estudo da Didática. Siga em frente! SEÇÃO 2 O ENSINO, OBJETO DA DIDÁTICA E SEUS ELEMENTOS Veremos agora outras contribuições de pesquisadores que se dedicam à Didática. Parafraseando Placco (2008), não temos o objetivo de esgotar as discussões sobre o que seja – ou deva ser – a Didática hoje, mas sim indicar algumas questões que consideramos essenciais, além de indicar relações possíveis e necessárias entre esta disciplina e a Formação de Professores. O quadro seguinte expressa algumas referências que consideramos importantes em relação ao conceito de Didática, na ótica dos autores e pesquisadores da área: D id á ti ca 1 19 UNIDADE I AUTOR(A) / ANO DA PUBLICAÇÃO O QUE É DIDÁTICA? CANDAU, 1988 O objeto de estudo da didática é o processo de ensino- aprendizagem. Toda proposta didática está impregnada, implícita ou explicitamente, de uma concepção do processo de ensino-aprendizagem. MOURA, 2001 A Didática é um elemento da formação do professor. Regula, num sentido amplo, o comportamento de ser professor. AZZI; CALDEIRA, 1997 A Didática é uma disciplina que, tendo como ponto de partida a reflexão sobre uma prática, ou, mais especificamente, o processo de ensino-aprendizagem, busca, na compreensão deste, elementos que subsidiem a construção de projetos de ação didática. CASTRO, 2001 Ensinar algo é sempre desafiar o interlocutor a pensar sobre algo. Toda a Didática apoia-se no conceito de ensino. A Didática tem como um dos seus propósitos a orientação do ensino, e para tal, necessita recorrer à reflexão de caráter teórico e à pesquisa científica. LIBÂNEO, 1998 Didática é uma disciplina pedagógica. Tem como objeto o ensino como mediação da relação ativa dos alunos com o saber sistemático. Preocupa-se com os processos de ensino e aprendizagem, em sua relação com as finalidades educacionais. PIMENTA, 2008 Sendo uma área da Pedagogia, a Didática tem no ensino seu objeto de investigação. O ensino é uma prática social complexa. Considerá-lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva . Quais, entre as definições acima, que melhor traduzem para você o que é Didática? Cordeiro situa a Didática como disciplina que discute um conjunto de problemas e questões comuns que envolvem quase todos os tipos de ensino, em especial o que se pratica nas escolas. São as chamadas questões de ensino (2007, p.33). Tais temas aparecem em todas as ocasiões de ensino cujas respostas não dependem apenas dos conteúdos. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE 1 Os sujeitos que são professores aprendem a lidar com pessoas, colocando-se em posição de aprendizes. Desenvolvem atitudes de ensinadores. E a estes pode-se qualificar como os que tem ou não Didática. Isto é, existe um senso comum sobre o que pode ser considerado um bom professor: ter didática. Esta entendida como um certo modo de organizar o ensino que favorece a aprendizagem [...] para chegarmos a nos considerar professor de uma área de conhecimento, primeiramente, devemos nos identificar como professores. É por isso que inicialmente nos identificamos com uma categoria mais geral, que é a de professor. A Didática é este elemento comum. Poderíamos dizer ainda que a didática geral é o elo comum da profissão professor. (MOURA, In: CASTRO; CARVALHO, 2001, p. 145). Outro aspecto importante refere-se à multidimensionalidade do processo de ensino e aprendizagem. O que isso significa? Significa que toda proposta didática contempla – implícita ou explicitamente – uma concepção de ensino e de aprendizagem (CANDAU, 1988, p.13), isto é, para ser adequadamente compreendido, o processo ensino-aprendizagem precisa ser analisado de tal modo que articule consistentemente as dimensões: humana técnica política Candau, na década de 80, ao criticar a visão exclusivamente instrumental da didática, afirmou quenão se pode reduzir ou negar que a competência técnica é necessária. Porém, destacou que todas as dimensões se exigem reciprocramente, pois “a prática pedagógica, exatamente por D id á ti ca 1 21 UNIDADE I ser política, exige a competência técnica.” Procurava, então, apresentar o desafio do momento (CANDAU, 1988): superar a didática exclusivamente instrumental e construir uma didática fundamental. Porém, ainda hoje (século XXI), nos debatemos com os significados e a utilização desses conceitos, na formação de professores e na sala de aula. (PLACCO, 2008, p. 735). Veiga (1991; 2004) esclarece que a Didática configura-se como a mediação entre o quê, como e para quê do processo de ensino. A autora entende que, enquanto teoria geral do ensino, a Didática generaliza o que é comum e fundamental para a prática pedagógica. Aqui ficam algumas interrogações: quais os desafios que se impõem ao trabalho de ensinar na atualidade? Afinal, qual é o meu papel como professor? Provavelmente você já se questionou frente a essas questões. Por muito tempo, a ênfase no ensino como transmissão dominou as práticas didáticas escolares. O que mudou nas concepções didáticas do ensino? Vamos à seção 3 para conferir! U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE 1 SEÇÃO 3 O TRABALHO DE ENSINAR: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Iniciaremos destacando a contribuição de Nadal e Papi (2007, p. 18; 19-20), ao afirmarem: Diferentemente do que se pensa, ensinar não é algo natural, uma tarefa simples. Ao contrário, o trabalho de ensinar é complexo, pois envolve o elemento humano em situações únicas, imprevisíveis [...] o ser professor constitui uma profissão complexa, pois é uma atividade imprevisível, realizada com seres humanos, cujas reações não podem ser cientificamente controladas, nem mesmo pressupostas. A ideia de ensino – atividade central da docência – é por si só contraditória, uma vez que ensinar é garantir a transmissão, a perpetuação do conhecimento, mas tal perpetuação não pode se fazer de modo apenas transmissivo. Na tentativa de retomar as bases dessa contradição, vale lembrar que sempre houve um certo consenso de que era tarefa da escola ensinar no sentido de transmitir, repassar os conhecimentos acumulados pela humanidade às novas gerações. A partir do momento em que esse papel da escola e, consequentemente do professor, passou a ser questionado e criticado como tradicional e ultrapassado, novas pedagogias foram surgindo, sem que se desenvolvesse, no entanto, os processos de formação necessários para que os professores pudessem construir sua própria síntese. A mesma lacuna pode ser constatada em relação à organização da escola, que permaneceu inalterada. D id á ti ca 1 23 UNIDADE I Consequentemente, esse processo de mudança levou muitos professores à falsa concepção de que “o professor hoje não ensina mais”, em função do mito da oposição entre transmissão e construção do conhecimento. (AMARAL, 2000). Levou-os ao “temor” de ensinar, pelo medo de serem tachados de tradicionais, como se a metodologia que privilegia a construção do conhecimento pelo aluno excluísse totalmente o momento da transmissão pelo professor. Tal distorção é agravada pela “falácia de que ninguém ensina nada a ninguém e que cada um deve construir o seu próprio conhecimento”. (AMARAL, 2000, p. 141). Diante disso, muitos professores perderam suas referências e não sabem mais o que é ensinar e, muito menos, como ensinar. Não se pode negar que é papel do professor trazer ao aluno as informações e conhecimentos produzidos historicamente e disponíveis. Entretanto, não se trata simplesmente de repassá-los mecanicamente aos alunos, uma vez que o papel social da escola é permitir a apropriação crítica, criativa, significativa e duradoura do conteúdo. Tal compreensão permite redefinir a essência da atividade de ensino como um processo de mediação. O professor assume, nesse contexto, o papel de mediador entre o sujeito e o objeto de conhecimento, criando possibilidades para que o aluno chegue às fontes do conhecimento que estão à sua disposição na sociedade. Frente às considerações das autoras, importa compreender que compete ao professor a transmissão dos conteúdos histórica e socialmente produzidos, necessários à formação dos alunos na escola. Ou seja, entendemos que é papel do professor transmitir aos alunos aquilo que eles não são capazes de aprender por si só, pois, como mediador, o professor valoriza e interpreta a informação a transmitir. Ele atua como agente cultural externo, possibilitando aos educandos o contato com a realidade científica. (GASPARIN, 2002, p. 108). Existe, portanto, uma mediação intencional do saber. Na Unidade II deste livro (seção 3), você estudará sobre as relações pedagógicas e a mediação docente. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE 1 O trabalho de ensinar – num processo dialético – desenvolve- se através de ações intencionais que conduzem os alunos à reflexão sobre os conceitos que estão sendo propostos. A função do professor é apresentar, explicitar, explicar, demonstrar os conceitos científicos, social e historicamente elaborados. (Id., p. 120-121). Além disto, no trabalho de ensinar compete ao professor assumir o lugar de instigar e desafiar o aluno para que este avance, isto é, para que vá além do ponto em que está e aprenda. O professor precisa alavancar o conhecimento do aluno (PLACCO, 2008) e, nesse contexto, os procedimentos didáticos em sala de aula expressam a intencionalidade de colocar o outro em situação de aprendizagem. Ser professor significa exercer uma profissão que tem um campo de atuação específico, que não se esgota na sala de aula, mas que tem nela o seu lugar privilegiado. Imaginar-se como o responsável por tudo o que afeta a vida dos alunos pode levar à tomada de decisões equivocadas. (CORDEIRO, 2007, p. 135). O trabalho do professor não se configura como uma atividade individual, que se limita à sala de aula e às interações com os alunos (AMIGUES, 2004, p.45), ao contrário, o trabalho docente é um ofício como qualquer outro, sendo uma atividade regulada (explícita ou implicitamente), coletiva e também contínua de invenção de soluções. E você, como vê e percebe o trabalho do professor atualmente? Quais os desafios que se apresentam ao nosso ofício? [...] o professor é, ao mesmo tempo, um profissional que prescreve tarefas dirigidas aos alunos e a ele mesmo; um organizador do trabalho dos alunos, que ele deve regular ao mesmo tempo em que os mobiliza coletivamente para a própria organização da tarefa; um planejador, que deve reconceber as situações futuras em função da ação conjunta conduzida por ele e por seus alunos, em função dos avanços realizados e das prescrições. (AMIGUES, p. 49). Pensando sobre as questões desta seção, que referenciam os desafios contemporâneos e que se impõem no processo de ensinar, observa-se a D id á ti ca 1 25 UNIDADE I complexidade que caracteriza o ensino, que não corresponde a uma ação mecânica e marcada pela atividade em si. De acordo com Veiga (2006), o ensino, o ato de ensinar, busca o aparato em uma diversidade de ações, exige do professor saberes consistentes sobre sua disciplina, requer o domínio das formas pelas quais os alunos se apropriam dos conhecimentos e também traz a necessidade da compreensão das metodologias de ensino, investigação e avaliação. Refletindo ainda sobre o ato de ensinar, Veiga (2006) novamente contribuiu, apontando os desafios que se impõem à prática docente, vinculados aos escritos de Nadal e Papi (2007). O ensino é complexo e requer um marco teórico cada vez mais indagador e rigoroso para investigar os fundamentos e as práticas formativas. Desse modo, o ensino estabelece relações com os fatores contextuais ao refletirsobre os valores mais amplos da sociedade em que vivem os alunos, mas também aqueles que são mais próximos e localizados. Concebido dessa forma, o ensino responde a três desafios: em primeiro lugar, é uma tarefa humana, pelo fato de trabalhar com ‘seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos’ como afirmam Tardif e Lessard (2005, p. 31); tem em seguida o desafio da dimensão afetiva, do compartilhamento, da interação; apresenta, enfim, o desafio de seu papel cognitivo, pelo fato de permitir que cada aluno construa seu conhecimento [...]. Em suma, o ensino é carregado de razão e emoção, é o espaço para a vida, para a vivência das relações entre professores e alunos, para a ampliação da convivência socioafetiva e cultural dos alunos. (VEIGA, 2006, p. 31-32). A questão que norteou o estudo desta primeira unidade voltou-se para a especificidade da didática. Compreender as questões de ensino, presentes na prática pedagógica, implica necessariamente ter como horizonte maior a aprendizagem escolar, porque, como Placco acentua, e muito bem, “tenho entendido didática como a aproximação sistemática e circunstanciada aos processos de ensino e aprendizagem”. (2008, p. 738). Reconhecer que o professor didático é aquele que articula as dimensões humana, técnica e política na prática pedagógica escolar, implica assumir que, como docente, é, ao mesmo tempo, um sujeito - com suas características pessoais -, um representante da escola e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano e também suas experiências às gerações mais novas. (CHARLOT, 2005, p.77). U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE 1 “Ensinar, portanto envolve uma disponibilidade para lidar com o outro e compreendê- lo. Ensinar envolve gosto e identificação com a docência. Ensinar pressupõe construção do conhecimento [...]”. (VEIGA, 2006, p. 24-25). 1) Consulte o site: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/didaticamagna.pdf . Acesse a obra Didática Magna, de Comênio. 2) Para ampliar seus conhecimentos sobre as origens da Didática e seu desenvolvimento no Brasil, leia: SANTOS, L. L. C. P.; OLIVEIRA, M. R. N. S. Currículo e didática. In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Confluências e divergências entre didática e currículo. Campinas: Papirus, 1998, p. 9-32. FARIAS, I. M. S. et al. Didática e docência: aprendendo a profissão. Brasília: líber Livro, 2009. p. 13-28. 3) Assista ao documentário PRO DIA NASCER FELIZ, de João Jardim, que retrata o dia-a-dia de alunos em seis escolas, testemunhando a complexidade e os desafios do ensino brasileiro. Veja também o trailer do filme no endereço http://www.prodianascerfeliz.com/ 4) Sugestão de leitura: DUARTE, Newton. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. Cad. CEDES, Campinas, v. 19, n. 44, Apr. 1998. Disponível em: < h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 1 0 1 - 32621998000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: jan. 2009. 1) Elabore um conceito de didática, destacando o papel desta disciplina em sua formação docente. 2) Interprete a frase: “Sendo uma área da Pedagogia, a didática tem no ensino seu objeto de investigação. O ensino é uma prática social complexa. Considerá-lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva.” (PIMENTA, 2008).