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Atenção no SUAS à Criança e ao Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência Módulo 2 Escuta Especializada Significado dos Ícones da Apostila Para facilitar o seu estudo e a compreensão imediata do conteúdo apresentado, ao longo de todas as apostilas, você vai encontrar essas pequenas figuras ao lado do texto. Elas têm o objetivo de chamar a sua atenção para determinados trechos do conteúdo, com uma função específica, como apresentamos a seguir. Texto-destaque: são definições, conceitos ou afirmações importantes às quais você deve estar atento. Glossário: Informações pertinentes ao texto, para situá-lo melhor sobre determinado autor, entidade, fato ou época, que você pode desconhecer. SAIBA MAIS! Se você quiser complementar ou aprofundar o conteúdo apresentado na apostila, tem a opção de links na internet, onde pode obter vídeos, sites ou artigos relacionados ao tema. Quando vir este ícone, você deve refletir sobre os aspectos apontados, relacionando- os com a sua prática profissional e cotidiana. SUMÁRIO Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 2 4 Aula 1: Introdução à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência 5 Aula 2: Princípios norteadores da execução da escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 12 2.1 A escuta especializada no âmbito do SUAS 12 2.2 Acessibilidade: garantir a escuta especializada de crianças e/ou adolescentes com deficiência 23 2.3 A Escuta de povos e culturas tradicionais 31 2.4 O ambiente de realização da escuta especializada. 34 2.5 Boas práticas para realização da escuta especializada 37 2.6 Encaminhamento: o compartilhamento de informações com a rede de atendimento e proteção 44 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 47 4 Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 2 Neste módulo, vamos iniciar o estudo da Escuta Especializada pela compreensão de alguns termos utilizados na Lei 13.431/2017 e que são de fundamental importância para o entendimento desta prática. Em seguida, passaremos para os princípios que norteiam a execução da escuta especializada, ou seja, apresentaremos sugestões de boas práticas para a realização de uma escuta especializada no âmbito do SUAS. Para aprimorar os seus estudos, siga a seguinte ordem de estudos: • Leia, na apostila, a Aula 1 do Módulo 2. • Assista à aula narrada 1. • Faça os exercícios de fixação da Aula 1. • Faça o Jogo Interativo 2. • Leia, na apostila, a Aula 2 do Módulo 2. • Assista à aula narrada 2. • Faça os exercícios de fixação da Aula 2. • Ouça o Podcast 1. Bons estudos! 5 Aula 1 Introdução à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência Nós vimos no Módulo 1 que a Lei 13.431/2017 complementou o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo para o ordenamento jurídico brasileiro novos elementos e garantias de proteção para crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, com o desafio de prevenir, entre outras questões, a revitimização. Mas você sabe o que é revitimização? De acordo com o Decreto 9.603/2018, a revitimização é: Decreto 9.603/2018, Art. 5º, II - discurso ou prática institucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem. Já o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes1 entende que a revitimização é: O processo de ampliação do trauma vivido pela vítima de violência, em função de procedimentos inadequados realizados sobretudo nas instituições oficiais, durante o atendimento da violência notificada. Também é chamada de dupla vitimização. Em outros países, a literatura utiliza a mesma expressão em sentido outro: como a manutenção e repetição da conduta violenta contra a mesma vítima. (BRASIL, 2007, p.6) Observe que, nos dois conceitos, a revitimização está atrelada às práticas de instituições oficiais e, por esta razão, pode ser considerada como uma prática de violência institucional. Ora, se um/a agente da Rede de Proteção realiza um procedimento inadequado e ocasiona uma revitimização, ele/ela pode ser responsabilizado por ato de violência institucional, afinal de contas, ele/ela é parte da instituição que deveria garantir a proteção às vítimas ou testemunhas de violência. 1 BRASIL. Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contras Crianças e Adolescentes. Renato Rorlario (Coord.) Proteger e responsabilizar: o desafio da resposta da sociedade e do Estado quando a vítima da violência sexual é criança ou adolescente. Brasília, 2007. 6 Mas, na prática, o que poderia causar um episódio de revitimização no SUAS? Por exemplo, quando uma criança relata a um/uma profissional não capacitado/a que sofre violência sexual intrafamiliar e este/esta profissional faz questionamentos desnecessários ou repetitivos sobre o comportamento da criança com o/a autor/autora da violência, por exemplo. O fato de fazê-la repetir os fatos muitas vezes ou a forma como as perguntas são colocadas faz com que a vítima se sinta culpada, responsabilizada e acabe por reviver o trauma, sendo, portanto, revitimizada. Perguntas do tipo “mas você tem certeza que ele fez isso?”; “será que você não está exagerando?”; ou “por que você estava sozinha com ele?”, nunca devem ser feitas, pois, além de demonstrar que o/a profissional põe em dúvida os fatos relatados, podem acarretar sentimento de culpa. Então, a ausência de capacitação porventura ocorrida com os/as profissionais para lidar com situações complexas, nem sempre claramente identificáveis, associada às possíveis dificuldades de integração com a Rede de Proteção, podem ocasionar esses episódios de repetição do relato que revitimizam a criança ou o adolescente, pois ao serem encaminhados para outros serviços, serão novamente submetidos a questionamentos. E é por isso que a lei trata com tanta especificidade essa questão, porque a vítima ou testemunha de violência deve receber a devida assistência e acolhida nos diferentes órgãos que têm responsabilidades no atendimento às situações de violência, assim como pelos diferentes serviços do SUAS, mas não devem ser obrigados a relatar a situação de violência. Por ora, você deve compreender que a lei instituiu dois procedimentos que deverão ser implementados pelos órgãos integrantes do SGDCA a fim de se evitar os processos de revitimização. Um deles é a Escuta Especializada que se configura como um dos elementos mais importantes no âmbito das políticas de proteção e está expressamente definida no art. 7º da Lei 13.431/2017: Lei 13.431/2017 - Art. 7º: Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade. Apesar desta definição, o texto legislativo deixou margem para algumas dúvidas. Afinal, como será realizada essa entrevista? Qual órgão da rede de proteção e quais os/as profissionais que realizarão a escuta especializada? Neste sentido, o Decreto 9.603/2018, que regulamenta a Lei 13.431/2017, detalhou um pouco mais essas questões nos artigos 19 ao 21: Decreto nº 9.603/2018 Art. 19. A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados. 7 § 1º A criança ou o adolescente deve ser informado, em linguagem compatível com o seu desenvolvimento, acerca dos procedimentos formais pelos quais terá que passar e sobre a existênciade serviços específicos da rede de proteção, de acordo com as demandas de cada situação. § 2º A busca de informações para o acompanhamento da criança e do adolescente deverá ser priorizada com os profissionais envolvidos no atendimento, com seus familiares ou acompanhantes. § 3º O profissional envolvido no atendimento primará pela liberdade de expressão da criança ou do adolescente e sua família e evitará questionamentos que fujam aos objetivos da escuta especializada. § 4º A escuta especializada não tem o escopo de produzir prova para o processo de investigação e de responsabilização e fica limitada estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade de proteção social e de provimento de cuidados. Art. 20. A escuta especializada será realizada por profissional capacitado conforme o disposto no art. 27. Art. 21. Os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos da rede de proteção adotarão procedimentos de atendimento condizentes com os princípios estabelecidos no art. 2º Em outras palavras, podemos dizer que a escuta especializada é um procedimento, no formato de entrevista ou em outros formatos, inclusive utilizando recursos lúdicos, realizado pelos/pelas profissionais dos órgãos da rede de proteção (educadores, assistentes sociais, profissionais da saúde, conselheiros tutelares) sobre uma possível situação de violência vivenciada pela criança ou pelo adolescente. O objetivo principal da escuta especializada é a acolhida e o acompanhamento da criança ou do adolescente que sofreu ou testemunhou uma situação de violência. Consequentemente, deve estar claro que a escuta especializada não tem por finalidade produzir provas, pois os serviços da rede de proteção não têm a finalidade de responsabilizar os autores de violência, mas obter informações que possibilitem avaliar riscos, bem como as medidas de proteção que devem ser adotadas para cessar a violência, prevenir agravamentos ou novas ocorrências e enfrentar as sequelas ou consequências da violência, considerando as atribuições específicas da rede de proteção e o dever comum de proteger crianças e adolescentes com prioridade. Ela poderá ocorrer nos momentos iniciais de acolhida da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência ou durante o processo de acompanhamento. Pode ser que a vítima ou testemunha de violência fale sobre o episódio violento de maneira natural, de forma a se caracterizar como uma revelação espontânea. Por isso, é muito importante que o/a profissional que realizará o atendimento da criança ou adolescente atente-se para os cuidados que se deve ter para não incorrer em revitimização. Para tanto, esse/essa profissional, conforme previsto em lei, deve ser capacitado/capacitada para desempenhar com competência, conhecimento e sensibilidade a escuta especializada durante o atendimento na rede de proteção. 8 É pensando nesta capacitação e no dia a dia dos/das profissionais do SUAS que destacamos alguns detalhes da Lei 13.431/2017 e do Decreto 9.603/2018 que servirão como ponto de partida para a realização de uma escuta especializada cercada dos devidos cuidados. Vejamos: • O/A profissional que for realizar o atendimento deve informar à criança ou adolescente sobre os procedimentos formais pelos quais ele/ela irá passar, utilizando uma linguagem compatível com o desenvolvimento da vítima e com a situação em questão. Isto significa estar atento para as questões mais peculiares dessa criança ou desse adolescente, levando em consideração sua faixa etária, aspectos culturais, deficiência, aspectos quanto ao nível de compreensão e fala. Por exemplo, se a testemunha ou vítima é uma criança indígena, deve-se utilizar uma linguagem compatível com sua idade e sua cultura, inclusive deixando-a à vontade para relatar os fatos no idioma de sua escolha. • A liberdade de expressão da criança ou do adolescente deve ser respeitada e questionamentos que fujam aos objetivos e finalidades da escuta especializada devem ser evitados. Aqui, a atenção deverá ser redobrada para crianças e adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais ou com deficiência a fim de garantir que seu direito à expressão seja preservado. • A criança ou o adolescente deverá ser resguardado de qualquer contato (visual, físico, virtual, auditivo) com o/a suposto/suposta autor/autora ou com qualquer outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento. • A escuta especializada deverá ser realizada em local que proporcione à vítima acolhimento e privacidade. Mais adiante, vamos falar um pouco mais sobre este local (ELABORAÇÃO PRÓPRIA COM BASE EM INFORMAÇÕES CONTIDAS NA LEI 13.431 DE 2017 E DECRETO 9.603 DE 2018). Na próxima aula, traremos mais detalhes sobre os princípios que norteiam a escuta especializada e como realizá-la no âmbito do SUAS, buscando inserir casos da rotina de trabalho. No momento, vamos conhecer outro procedimento que, embora não seja realizado pelos/pelas profissionais do SUAS, é muito importante no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente. Trata-se do Depoimento Especial, uma ação que não deve se confundir com a Escuta Especializada. Mas o que é o Depoimento Especial? De acordo com a Lei 13.431/2017, o Depoimento Especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária, tendo por objetivo principal a produção de provas contra o/a suposto/suposta autor/autora. 9 Observe que a finalidade dessa oitiva é diferente da Escuta Especializada, isto é, no Depoimento Especial, o objetivo não apenas acolher a vítima, mas sim a responsabilização do/da autor/autora da violência. Mas também não significa que a criança ou o adolescente não deva ser acolhido/ acolhida. Por esta razão, o Depoimento Especial possui protocolos específicos para sua execução, regulamentados pela lei. Vamos conhecer alguns deles: • O/A profissional deve informar à criança ou adolescente sobre seus direitos e os procedimentos formais pelos quais ela irá passar, sempre utilizando uma linguagem de acordo com o desenvolvimento da vítima ou testemunha. • Não é permitido ler o conteúdo da denúncia ou de qualquer outra peça processual na presença da criança ou do adolescente. Isso garante que a vítima ou testemunha de violência não tenha que rememorar a situação que a levou até ali. • A narrativa da criança ou do adolescente deve ser respeitada e o/a profissional pode fazer questionamentos utilizando técnicas que não revitimizem a vítima. Mais uma vez, a idade e a cultura da vítima ou testemunha de violência deve ser levada em consideração. • A criança ou o adolescente deverá ser resguardado de qualquer contato (visual, físico, virtual, auditivo) com o/a suposto/suposta autor/autora ou acusado/acusada ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento. • O Depoimento Especial deverá ser realizado em local que proporcione à vítima acolhimento e privacidade e deverá ser gravado em áudio e vídeo. Observem que a lei não menciona que a Escuta Especializada deve ser registrada em meios audiovisuais, pois não tem objetivo de produzir provas. • Durante o processo judicial, o Depoimento Especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo. • A vítima ou testemunha de violência tem o direito de prestar o depoimento diretamente ao juiz, se assim o desejar. Ou seja, ela/ele pode optar por não prestar depoimento à autoridade policial. • O juiz tomará as medidas necessárias para a preservação da intimidade e da privacidade da mesma. Inclusive o processo poderá correr em segredo de justiça (ELABORAÇÃO PRÓPRIA COM BASE EM INFORMAÇÕES CONTIDAS NA LEI 13.431 DE 2017 E NO DECRETO 9.603 DE 2018). 10 Ademais, você sabia que o Depoimento Especial só poderá ser repetido se a autoridade competente julgar extremamente necessário e houver concordância da criança ou do adolescente ou de seu/sua representante legal? Essadeterminação é uma das formas de garantir que, em razão das formalidades processuais, as crianças e os adolescentes vítimas ou testemunhas de violência não sejam revitimizados ao repetir sua narrativa desnecessariamente. De acordo com a Organização Childhood2, crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual são ouvidos, em média, oito vezes durante os trâmites processuais, acarretando, por consequência, a revitimização ou rememoração do trauma sofrido, além de outros prejuízos. Além disso, a Lei 13.431/2017 estabelece que quando a criança ou adolescente tiver menos de 7 anos ou for um caso de violência sexual, o Depoimento Especial obedecerá ao rito cautelar de antecipação de prova. Vamos entender o que é isso? SAIBA MAIS: O rito cautelar de antecipação de prova visa dar celeridade ao procedimento e não expor a criança e adolescente a rememorar os fatos em momentos futuros. Assim, mesmo em fase de investigação policial, já se realiza o Depoimento Especial da criança ou adolescente em juízo, tendo validade tanto para a investigação criminal, realizada na Delegacia de Polícia, quanto para o procedimento judicial, realizado no Fórum. Para facilitar ainda mais a compreensão desses dois procedimentos, sem confundir os conceitos, observe a imagem a seguir: Escuta Especializada Depoimento Especial O que é? Quem realiza o procedimento? Finalidade Procedimento de escuta sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão de proteção. Profissionais da rede de proteção capacitados para executá-lo Proteção social e provimento de cuidados Oitiva de criança ou adolescente sobre situação de violência perante a polícia ou autoridade judicial Autoridade policial ou judicial Proteção social e produção de provas. Fonte: Elaboração própria a partir de informações da Lei 13.431/2017 2 SANTOS, Benedito Rodrigues dos., et al. (Org.) ESCUTA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL: Aspectos Teóricos e Metodlógicos. Brasília: EdUCB, 2014, 348p. Disponível em: <https://www. childhood.org.br/publicacao/guia-de-referencia-em-escuta-especial-de-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de- violencia-sexual-aspectos-teoricos-e-metodologicos.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2021. https://www.childhood.org.br/publicacao/guia-de-referencia-em-escuta-especial-de-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-violencia-sexual-aspectos-teoricos-e-metodologicos.pdf https://www.childhood.org.br/publicacao/guia-de-referencia-em-escuta-especial-de-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-violencia-sexual-aspectos-teoricos-e-metodologicos.pdf https://www.childhood.org.br/publicacao/guia-de-referencia-em-escuta-especial-de-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-violencia-sexual-aspectos-teoricos-e-metodologicos.pdf 11 E por que é tão importante conhecer e diferenciar esses dois procedimentos? Porque são procedimentos com objetivos e finalidades distintos e executados por diferentes unidades/ serviços do Sistema de Garantias e Direitos da Criança e do Adolescente. Sabemos que os órgãos da Rede de Proteção devem se comunicar, mas não devemos confundir a integração com a troca de papéis. O profissional do SUAS deve estar sempre atento para o seu papel dentro da Rede de Proteção e não assumir atribuições que cabem à autoridade policial, como investigações, e à autoridade judiciária, como a responsabilização dos autores de violências. É por essa razão que os/as profissionais do SUAS não realizam e, tampouco, participam do Depoimento Especial. Entendendo a diferença entre a Escuta Especializada e o Depoimento Especial, o/a profissional da rede socioassistencial compreenderá que: • Jamais deve assumir qualquer atribuição de investigar a violência que lhe foi relatada. Este papel é da autoridade policial. • Durante a Escuta Especializada, não devem interrogar a vítima ou testemunha de violência. Isso ocasiona episódios de revitimização e o/a profissional pode ser responsabilizado/responsabilizada por violência institucional. • Não é função do/da profissional do SUAS fornecer provas, laudos ou pareceres da situação que lhe foi narrada. 12 Aula 2 Princípios norteadores da execução da escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 2.1 A ESCUTA ESPECIALIZADA NO ÂMBITO DO SUAS Como vimos na aula anterior, a escuta especializada é um procedimento de caráter protetivo, realizado no âmbito da rede de proteção à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência e que abarca múltiplos sistemas, equipamentos, instituições e atores. Entretanto, o foco principal deste módulo é o procedimento de escuta especializada realizado no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tendo em mente que o que estamos propondo são sugestões de boas práticas e não uma orientação finalizada ou protocolo validado por estudos, consultorias ou publicações. Nossa intenção é mostrar um caminho para a realização do trabalho in loco, o que não significa que é o único possível. A revelação da situação de violência envolvendo criança e adolescente pode ocorrer em diversos espaços, tais como: escolas, unidades de atendimento socioassistencial, disque denúncia, Conselho Tutelar, delegacia de Polícia etc. Porém, o atendimento à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência não ocorre, necessariamente, no local no qual foi feita a denúncia ou revelação da situação de violência (ROMEU; ELIAS; SILVA, 2014). Além disso, é necessário frisar que o atendimento deve ser realizado por profissionais capacitados/capacitadas que atuarão como uma porta de entrada. Em se tratando da rede socioassistencial, o atendimento à criança e adolescente vítima ou testemunha de violência é de responsabilidade de todos os serviços do SUAS, mas o atendimento e acompanhamento especializado se dará no âmbito da Proteção Social Especial e deve ser realizado preferencialmente pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), mais especificamente, pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos 13 (PAEFI). Na ausência deste equipamento3, o atendimento deve ser realizado pelo/pela profissional de referência de Proteção Social Especial local (BRASIL, 2004; 2017, 2020). Contudo, é importante destacar que a inclusão da criança e/ou do adolescente e sua família no PAEFI, não significa que os mesmos não devem ser atendidos nos demais serviços ofertados pelo SUAS. Dessa maneira, cabe ao CREAS, mais precisamente ao PAEFI, atender e acompanhar a situação de violência, sendo que a criança e/ou adolescente e suas famílias podem apresentar outras necessidades que justifiquem seu atendimento e acompanhamento por outras unidades e serviços. Os casos apresentados no decorrer dessa aula exemplificam essa situação. É importante destacar que a escuta especializada está incluída como atribuição do trabalho social executado nas unidades, serviços, programas e projetos do SUAS. Sendo assim, devem estar em conformidade com os objetivos da Assistência Social (BRASIL, 2020), dentre os quais destacamos aqueles presentes na Lei Orgânica da Assistência Social: A proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos; A vigilância socioassistencial, que visa analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos; e A defesa de direitos, que visa garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. Fonte: Lei Orgânica da Assistência Social (Lei. 8.742 de 1993) 3 A legislação brasileira, especialmente, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993) e a Política Nacional de Assistência Social, prevê a municipalização da assistência social, de modo que todo o município deve ofertar a proteção social básica e especial. Entretanto, municípios de pequeno porte, isto é, de até 20.000 habitantes não,necessariamente, devem possuir o CREAS (unidade de referência da proteção social especial média complexidade). Desse modo, a legislação aponta que, em caso de inexistência do equipamento, o município deve conter um profissional de referência da Proteção Social Especial (BRASIL, 2004; 2011a; 2011b). 14 Mas, afinal, como as situações de violência envolvendo crianças e adolescentes chegam ao conhecimento dos/das profissionais do SUAS? Podemos apontar quatro formas: 1) Revelação Espontânea; 2) Revelação de terceiros; 3) Identificação pelo/pela profissional de sinais de violência ou suspeita; 4) Encaminhamento de algum equipamento ou instituição. Essas formas serão explicadas a seguir. 1) Revelação espontânea: No processo de atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes e suas famílias, em qualquer unidade e/ou serviço da rede socioassistencial, pode ocorrer que a criança ou o adolescente revele, de forma espontânea, que vivenciou um episódio de violência4, seja na condição de vítima ou de testemunha. Ocorrendo, assim, o que chamamos de revelação espontânea da situação de violência. Essa revelação pode acontecer para qualquer trabalhador/trabalhadora do SUAS, inclusive para aqueles/aquelas que não compõem a equipe de referência das unidades e serviços5, pois, muitas vezes, a revelação espontânea é feita para quem a criança ou adolescente já estabeleceu um vínculo de confiança (BRASIL, 2020). Dessa forma, torna-se fundamental que todo/toda profissional do SUAS esteja capacitado/capacitada para identificar e acolher crianças e adolescentes em possível situação de violência. Em caso de revelação espontânea, recomenda-se que o/a profissional envolvido/envolvida siga os seguintes procedimentos6: • Acolhida da revelação espontânea: O/A profissional ao qual a criança ou adolescente manifestou o interesse de comunicar a situação de violência deve criar um ambiente de proteção e privacidade, que permita à criança e/ou adolescente relatar a situação, caso demonstre interesse. Também deve mostrar-se disposto/disposta a ouvir e passar confiança, utilizando uma linguagem acessível. Para tanto, deve informar a criança ou adolescente, e o seu/sua responsável, os procedimentos formais que serão realizados, levando em consideração seu estágio de desenvolvimento e suas condições psicológicas. Durante esta etapa, é preciso consultar, separadamente, a criança ou o adolescente se desejam ser ouvidos desacompanhados. Caso optem por ser acompanhados deve ser permitido aos mesmos escolher seus acompanhantes, não se restringindo aos familiares (BRASIL, 2017). 4 É importante pontuar que essa revelação espontânea pode ser verbal ou não, devemos considerar a diversidade de sujeitos e estar atento às formas de comunicação. 5 As equipes de referência das unidades e serviços do SUAS estão previstas na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social de 2006. O material se encontra disponível em <http://www. assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-RH.pdf> . 6 A descrição das etapas do atendimento está sendo realizada com base em: Lei 13. 431 de 2017; Parâmetros de Atuação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência (BRASIL, 2020); e Escuta de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência sexual: Aspectos Teóricos e Metodológicos (BRASIL, 2017); Parâmetros de Escuta de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência (BRASIL, 2017). http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-RH.pdf http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-RH.pdf 15 • Escuta do livre relato: Nesta etapa do atendimento, há dois caminhos possíveis, dependendo do/da profissional para quem a criança realizou a revelação espontânea: a) Em caso da revelação não ocorrer perante profissional da equipe de referência deve ser feito: - É possível acionar a equipe de referência imediatamente? Sim → O processo de escuta do livre relato deve ser feito em conjunto por ambos os/as profissionais (profissional de equipe de referência e profissional que acolheu a revelação). Não → O/A profissional que acolheu a revelação espontânea deve escutar o relato e, posteriormente, acionar a equipe de referência. A comunicação à equipe de referência deve ser feita conforme o protocolo e fluxo local (BRASIL, 2020). b) Em caso da revelação ocorrer perante profissional da equipe de referência deve ser feito: Realizar o procedimento de escuta e dar sequência ao atendimento. Seja qual for a origem, e, consequentemente, o caminho a ser seguido, é imprescindível que o/a profissional/profissionais escutem sem realizar interrupções ou julgamentos. Deverão ser feitas apenas perguntas que objetivem a conclusão dessa etapa do atendimento. É preciso respeitar o ritmo e vocabulário da criança ou do adolescente; identificar se o relato já foi feito a mais alguém de forma que evite desgastes com indagações já feitas anteriormente e previna a violência institucional; verificar quais ações já foram tomadas e quais os possíveis responsáveis da criança ou do adolescente que podem exercer a proteção no espaço familiar ou comunitário. • Identificação de demandas de cuidados imediatos ou urgentes: O/A profissional que estava presente no momento da escuta deve identificar as necessidades da criança ou do adolescente que requer encaminhamento urgente, como em casos de violência sexual, quando não se trata de uma violência antiga, no qual o encaminhamento ao serviço de saúde deve ser feito o mais rápido possível. Observação: Caso a escuta do livre relato tenha sido realizada sem a presença de profissional da equipe de referência, é necessário que este seja acionado para realizar os encaminhamentos necessários. 16 SAIBA MAIS: A Lei 13.431 de 2017 em seu Art. 14 prevê a celeridade do atendimento, especialmente, nos casos de violência sexual. Você sabe o porquê dessa celeridade do atendimento? Vejamos: A celeridade do atendimento tem como objetivo garantir que rapidamente sejam tomadas medidas profiláticas e contraceptivas, de modo, a proteger integralmente essas vítimas. Além disso, conforme orientação expressa em Portaria GM/MS nº 1.271, de 6 de junho de 2014, a violência sexual deve ser notificada imediatamente (24 horas) pela Secretaria Municipal de Saúde. Há ainda a questão da coleta de provas e vestígios. Veja mais em: BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. PREVENÇÃO E TRATAMENTO DOS AGRAVOS RESULTANTES DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES E ADOLESCENTES. Brasília: Ministério da Saúde, 2014, 126p. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2021 • Comunicação ao Conselho Tutelar: Após a equipe de referência tomar conhecimento da situação, seja em razão da escuta do livre relato ou mediante outro/outra profissional, a mesma deve comunicar o fato ao Conselho Tutelar do território. • Busca por informações e identificação de demandas: O/A profissional da equipe de referência deve recolher informações complementares sobre a situação com familiares e outros sujeitos a fim de garantir um atendimento integral e evitar a revitimização da criança e/ou do adolescente. Neste momento, devem ser identificadas as necessidades da criança ou do adolescente e sua família/responsáveis. • Encaminhamento para atendimento e acompanhamento: Nesta etapa, devem ser realizados os encaminhamentos, conforme os fluxos estabelecidos localmente, para as unidades, serviços, programas e benefícios que componham o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência que possam atender as necessidades da criança ou do adolescente e seus familiares. Observação: Caso todo esse processo não tenha sido realizado no âmbito do CREAS, hánecessidade de encaminhar a criança ou o adolescente em situação de violência e suas famílias para esse equipamento e, especialmente, para o PAEFI, tendo em vista a competência do CREAS em atender situações de violação de direitos. O fluxograma abaixo demonstra, de forma ilustrativa, esse processo de escuta em caso de revelação espontânea: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf 17 REVELAÇÃO ESPONTÂNEA ACOLHIDA DA REVELAÇÃO ESPONTÂNEA ESCUTA DO LIVRE RELATO O/A PROFISSIONAL DEVE CRIAR UM AMBIENTE DE PROTEÇÃO E PRIVACIDADE O/A PROFISSIONAL DEVE SE MOSTRAR DISPOSTO A OUVIR E PASSAR CONFIANÇA O/A PROFISSIONAL DEVE INFORMAR A CRIANÇA OU ADOLESCENTE E AO SEU RESPONSÁVEL, OS PROCEDIMENTOS FORMAIS QUE SERÃO REALIZADOS ACIONAR EQUIPE DE REFERÊNCIA E FAZER A ESCUTA DO RELATO EM CONJUNTO FAZER A ESCUTA DO RELATO E, EM SEGUIDA, ACIONAR EQUIPE DE REFERÊNCIA O /A PROFISSIONAL DEVE ESCUTAR SEM REALIZAR INTERRUPÇÕES OU JULGAMENTO O /A PROFISSIONAL DEVE RESPEITAR O RITMO E VOCABULÁRIO DA CRIANÇA OU DO ADOLESCENTE IDENTIFICAÇÃO DE DEMANDAS DE CUIDADOS IMEDIATOS OU URGENTES E ENCAMINHAMENTO COMUNICAÇÃO AO CONSELHO TUTELAR BUSCA POR INFORMAÇÕES E IDENTIFICAÇÃO DE DEMANDAS ENCAMINHAMENTO PARA ATENDIMENTO E ACOMPANHAMENTO O/A PROFISSIONAL DEVE FAZER APENAS PERGUNTAS QUE OBJETIVEM A CONCLUSÃO DESSA ETAPA DO ATENDIMENTO O/A PROFISSIONAL DEVE IDENTIFICAR SE O RELATO JÁ FOI FEITO A MAIS ALGUÉM O/A PROFISSIONAL DEVE VERIFICAR QUAIS AÇÕES JÁ FORAM TOMADAS E POSSÍVEIS RESPONSÁVEIS DA CRIANÇA OU DO ADOLESCENTE QUE PODEM EXERCER A PROTEÇÃO NO ESPAÇO FAMILIAR OU COMUNITÁRIO O/A PROFISSIONAL DEVE CONSULTAR, SEPARADAMENTE, A CRIANÇA OU O ADOLESCENTE SE DESEJAM SER OUVIDOS DESACOMPANHADOS OU ACOMPANHADOS O RELATO OCORREU PERANTE PROFISSIONAL DA EQUIPE DE REFERÊNCIA? É POSSÍVEL ACIONAR A EQUIPE DE REFERÊNCIA IMEDIATAMENTE? NÃO NÃO SIM SIM Fonte: Fluxograma elaborado pelos autores, tendo como referência BRASIL (2017) e BRASIL (2020). Para ilustrar, trouxemos um caso de Revelação Espontânea e os procedimentos que foram adotados. Carlos Eduardo é uma criança de 07 anos que participa do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, em uma instituição de atendimento a crianças e adolescentes que tem parceria com a política de assistência social municipal. Certa vez, enquanto participava de uma das atividades propostas, relatou à orientadora/ educadora social Cecília que, nos finais de semana, ele ficava sozinho na casa que reside com a mãe e o padrasto. Em uma dessas noites, ao tentar fazer um lanche para comer, acabou se cortando. A orientadora/educadora social o levou a uma das salas da instituição, que não estava sendo utilizada no momento, e lhe garantiu que, naquele espaço, ele poderia contar o que quisesse e que ninguém brigaria com ele. Ao questioná-lo se gostaria de conversar sobre o que havia lhe contado, Carlos Eduardo disse que sim. 18 Em seguida, Cecília tentou contato com profissionais do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS)7 do território em que Carlos Eduardo reside. Entretanto, não foi possível acionar a equipe de referência naquele momento. Diante dessa indisponibilidade, retornou para a conversa com Carlos Eduardo e lhe perguntou se gostaria de estar acompanhado, por algum adulto de sua confiança, para continuar a conversa. Carlos Eduardo disse que não, pois sua mãe estava trabalhando e seu padrasto era muito bravo e ele não queria irritá-lo. Então, Cecília deixou que ele relatasse livremente a situação vivenciada. O menino contou que fica sozinho, no período da noite dos finais de semana, quando sua mãe e seu padrasto saem. Ele fica assistindo televisão e, algumas vezes, sua mãe deixa sua janta pronta, em outras, não. A profissional perguntou se havia muito tempo que isso ocorria e ele disse que sim. Cecília também perguntou se ele já havia contado isso a mais alguém e obteve resposta negativa. Questionou se mais alguma coisa acontecia que o incomodava e Carlos Eduardo disse que às vezes apanhava do padrasto. Após o relato, Cecília informou à criança que teria de contar essa situação para uma outra profissional e que ela teria de tomar algumas atitudes, mas que não era para ele se preocupar, pois ninguém brigaria com ele. Depois de encerrar a conversa com a criança, Cecília voltou a ligar no CRAS, onde conseguiu agendar uma conversa com um profissional da equipe de referência, naquele mesmo dia, e comunicou toda a situação que lhe foi revelada. Tendo a profissional da equipe de referência tomado conhecimento sobre o caso, providenciou um relatório para o Conselho Tutelar da região. Além disso, realizou uma visita domiciliar onde constatou outras necessidades da família, como o acesso do padrasto à rede de atenção psicossocial da saúde. A partir de então, seguindo o fluxo estabelecido localmente, a profissional, por meio de relatório, encaminhou o padrasto para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do município e a criança e família para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), uma vez que a situação se configurava como violação de direitos e, portanto, necessitava de atuação do serviço especializado. 2) Revelação de terceiros: Uma situação de violência envolvendo criança ou adolescente, também pode ser comunicada à rede socioassistencial por terceiros, como familiares, vizinhos, professores, etc. Neste caso, cabe ao profissional do SUAS: 7 A escolha de Cecília para procurar o CRAS se deve ao fato de que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos no qual trabalha é referenciado a essa unidade. 19 REVELAÇÃO DE TERCEIROS ACOLHIDA O/A PROFISSIONAL DEVE CRIAR UM AMBIENTE QUE PERMITA AO INDIVÍDUO REALIZAR O RELATO DE FORMA SEGURA E COM PRIVACIDADE O /A PROFISSIONAL DEVE INFORMAR SOBRE O SIGILO PROFISSIONAL O/A PROFISSIONAL DEVE INFORMAR SOBRE OS PROCEDIMENTOS QUE SERÃO REALIZADOS E POSSÍVEIS ENCAMINHAMENTOS O /A PROFISSIONAL DEVE ESCUTAR SEM REALIZAR INTERRUPÇÕES OU JULGAMENTO O /A PROFISSIONAL DEVE FAZER APENAS PERGUNTAS QUE OBJETIVEM A CONCLUSÃO DESSA ETAPA DO ATENDIMENTO COMUNICAÇÃO AO CONSELHO TUTELAR E DEMAIS ÓRGÃOS DO SGDCA VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA ESCUTA Fonte: Fluxograma elaborado pelos autores a partir de informações BRASIL (2020). Vamos ver um exemplo de Revelação por Terceiros. Zélia é assistente social do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e, em uma terça-feira, recebeu em sua sala um homem chamado Antônio. Ele se identificou como tio de Camila, uma adolescente de 13 anos que reside em um dos bairros que pertencem ao território de referência da unidade. Antônio relatou que, devido ao seu processo de divórcio, está passando uns dias na casa onde Camila reside com a mãe e a avó. Neste meio tempo ele tem percebido uma situação estranha entre Camila e o namorado da mãe, que, frequentemente, visita a casa. A profissional comunicou a Antônio que aquele espaço era seguro, que ele poderia relatar a situação, caso desejasse, e informou sobre o seu compromisso ético de garantir o sigilo profissional. Antônio relatou que o namorado da mãe de Camila tem atitudes possessivas referente a adolescente e que, em muitas de suas visitas, ele se dirige ao quarto de Camila ou fica conversando com ela pelos cantos da casa. Nas últimas semanas, ele tem observado mudanças de comportamento na menina, como a perda de apetite, isolamento social e até mesmo agressividade. Zélia informou a Antônio que ela precisaria repassar essa informação para outros profissionais, de outras instituições, que atuam na rede de proteção da criança e do adolescente. Em seguida, por meio de relatórios, como determina o fluxo local, informou a situação ao Conselho Tutelare solicitou aos demais órgãos da rede de proteção o agendamento de uma reunião para que pudessem discutir a situação e pensar em estratégias coletivas. 20 3) Identificação pelo/pela profissional de sinais de violência ou suspeita: No dia a dia no SUAS, pode acontecer do/da profissional que acompanha determinada criança ou adolescente suspeitar que possam vivenciar algum episódio de violência. Neste sentido, é importante destacar que a violência é um fenômeno multidimensional e multifacetado, isto é, se expressa de diversas formas e abarca diferentes dimensões da vida. Assim, identificar uma situação de violência requer ter clareza de que se trata de um processo complexo, pois suas manifestações não são excludentes e nunca ocorrem de forma isolada. Por essa razão, o/a profissional deve levar em consideração o contexto social e familiar da criança ou do adolescente (BRASIL, 2017). Embora muitos dos sinais de violência sejam de mais fácil percepção para os/as profissionais da área da saúde, é necessário que, no cotidiano da rede socioassistencial, os/as trabalhadores/ trabalhadoras estejam atentos/atentas aos menores indícios, tais como: • Existência de hematomas, queimaduras e fraturas pelo corpo; • Tendência ao isolamento social e à introspecção; • Regressão a comportamentos infantis, como chupar dedo, urinar na roupa; • Lesões incompatíveis com o estágio de desenvolvimento da criança; • Comportamento agressivo; • Uso de substâncias como álcool, drogas lícitas e ilícitas; • Vergonha excessiva, culpa e autoflagelação, entre outros. Fonte: Elaboração própria com base em informações da Sociedade Brasileira de Pediatria, et al (2001) Em caso de suspeita ou identificação de sinais de violência, o que se deve fazer? Antes de mais nada, o/a profissional deverá comunicar o fato, imediatamente, ao Conselho Tutelar, que acionará os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. Paralelamente, deve manter o acompanhamento socioassistencial da criança ou do adolescente e suas famílias, com as adequações necessárias. Vamos conhecer um caso que ilustrará esse tipo de situação. 21 Durante o atendimento socioassistencial no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), a profissional Neide observou que Felipe, uma criança de 10 anos, com diagnóstico de Transtorno de Espectro Autista (TEA) e que estava acompanhando a avó naquele atendimento, apresentava hematomas pelo corpo. A profissional, então, decidiu acompanhar a família com mais frequência e constatou que a criança residia com os avós e o pai. No decorrer do processo de acompanhamento, a profissional observou sinais de violência contra a criança como hematomas frequentes, comportamento introspectivo e uma dinâmica familiar que indicava risco social, já que o pai era usuário de drogas ilícitas e apresentava comportamento agressivo, conforme informado pelos avós da criança. A avó disse, também, que, algumas vezes, “dava umas palmadas” em Felipe porque perdia a paciência com ele e precisava educá-lo. A partir dessa situação, a profissional pediu à família para levar Felipe ao CREAS, onde, após conversar com a criança, realizou o processo de escuta na presença do avô, conforme o desejo de Felipe. A criança contou que, às vezes, era agredido pela avó quando demorava a comer, a tomar banho ou se negasse a algo que ela pedisse. Disse, também, que o pai às vezes chegava estranho em casa e que brigava com ele, às vezes batendo também. Diante desses elementos, a profissional decidiu comunicar a situação ao Conselho Tutelar do território e, por meio de relatório, informou a situação aos demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. Também encaminhou o pai para o serviço de atenção psicossocial e, a fim de manter o acompanhamento e atendimento da família diante da especificidade da nova situação levantada, a profissional realizou algumas adequações no Plano de Atendimento e inseriu a família no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). Além disso, conversou com a família sobre a existência de um grupo formado por familiares de pessoas com TEA, que se reúne, semanalmente, e debate, junto de uma equipe multidisciplinar de profissionais do município, alguns assuntos pertinentes a essas realidades familiares. 4) Encaminhamento feito por algum equipamento ou instituição: A situação de violência também pode chegar para o/a profissional do SUAS a partir de algum encaminhamento de outro/outra profissional da Rede de Proteção. Neste caso, o/a profissional do SUAS deve: 22 • Identificar se o procedimento de escuta especializada já foi realizado para evitar que a criança ou o adolescente tenha de repetir o relato. O objetivo é evitar episódios de revitimização. • Identificar, seja através do encaminhamento realizado, contato com o/a profissional que realizou o atendimento ou através de busca de informações com a família, quais são as necessidades da criança ou do adolescente e seus familiares. Após essa identificação, dentro das competências da unidade de atendimento e do profissional, buscar responder às demandas desses sujeitos. • Verificar se a família da criança ou o adolescente encontra-se incluída no PAEFI. Caso essa inserção ainda não tenha acontecido deve ser providenciada. • Realizar acompanhamento socioassistencial dentro da sua competência. Vamos conhecer mais um exemplo ilustrativo: Mariana é profissional da equipe de referência do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Em um dia de trabalho, recebeu a ligação de Tereza, coordenadora de uma escola municipal do território, que pediu para que agendasse uma reunião. No dia da reunião, Tereza estava junto a Célia, monitora no Programa Escola Integrada, e ambas relataram a Mariana que estavam com uma situação de violência na escola em que trabalhavam. Célia explicou que, em uma das turmas que acompanhava, havia uma criança, Arthur, de 11 anos, que apresentava uma significativa mudança de comportamento. De uma criança ativa, curiosa e comunicativa, o menino, nas últimas semanas, se isolava do restante da turma, tinha episódios de agressividade e a frequência e rendimento escolar apresentava queda. Diante dessa situação, ela procurou Tereza e, juntas, conversaram com a criança, que relatou que os pais estavam se separando e que presenciava bastante brigas e agressões físicas entre eles. Logo, Mariana identificou que o processo de escuta já havia sido realizado e que outras informações constavam no relatório que a escola havia entregado. A escola também já havia encaminhado relatório ao Conselho Tutelar. A partir da conversa com Célia e Tereza, Mariana decidiu buscar a família de Arthur para conversar e, consequentemente, ter mais informações. Nesse processo, verificou que a família vivenciava uma situação de vulnerabilidade socioeconômica e que a mãe se sentia mal, frequentemente, necessitando de avaliação e acompanhamento médico. Diante dessa situação, Mariana incluiu a família no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), encaminhou a mãe para atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência do território e os encaminhou para atendimento referente a benefícios, especialmente, o Programa de Transferência de Renda. 23 No módulo IV deste curso, apresentaremos os protocolos e fluxos de atendimento de forma mais detalhada. 2.2 ACESSIBILIDADE: GARANTIR A ESCUTA ESPECIALIZADA DE CRIANÇAS E/OU ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA Nós já aprendemos um pouco sobre como é feita a Escuta Especializada no âmbito do SUAS, chegou a hora de darmos atenção a uma especificidade deste procedimento. Estamos falando da acessibilidade, um conceito importantíssimo para que possamos garantir a Escuta Especializada de crianças e adolescentes com deficiência. Falamos tanto emacessibilidade nos serviços socioassistenciais e, muitas vezes, esquecemos de buscar o sentido dessa palavra. Vejamos o que nos explica o Estatuto da Pessoa com Deficiência: Art. 3º, inciso I: acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, LEI 13.146 DE 2015) A BUSCA INDIRETA DE INFORMAÇÕES Como vimos no decorrer desse estudo, em algumas situações é necessário que o/a profissional do SUAS busque por informações complementares a fim de qualificar o seu atendimento, tendo como objetivo assegurar um atendimento integral, isto é, que responda às necessidades da criança e/ou do adolescente em situação de violência e sua família. Com o intuito de prevenir a revitimização, essa busca é feita de forma indireta, ou seja, não envolve diretamente a criança ou o adolescente. Geralmente, a conversa ocorre com familiares, vizinhanças e outras pessoas próximas a esses. Como pode ser feito esse processo? A busca indireta de informações pode ser realizada de diversas maneiras, a depender do instrumental técnico-operativo do/da profissional, por exemplo, o mesmo pode escolher realizar uma visita domiciliar, convidar as pessoas do núcleo familiar da criança para uma conversa na entidade ou equipamento ou realizar uma entrevista social. O/A profissional deve ter autonomia para escolher os seus instrumentos e técnicas de trabalho, de forma que realize um atendimento qualificado e resolutivo. 24 Em outras palavras, podemos dizer que acessibilidade é dar atenção às necessidades especiais de adaptação das crianças e adolescentes com alguma deficiência que implicam em outra forma de comunicação, seja por restrições de longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, ou questão linguística. Isto é, necessita-se garantir a acessibilidade quando essas condições em interação com uma ou mais barreiras, interferem de forma significativa no direito de igualdade de crianças e adolescentes. A Lei 13.431/2017 e o Decreto 9.603/2018 relacionam acessibilidade com a criação de espaços. Entendemos, no entanto, que ESPAÇO vai além da estrutura física e abarca o sentido de acolher a pessoa sem limitações e barreiras, atendendo às especificidades de cada criança e adolescente. É neste seguimento que precisamos trazer, também, o conceito de deficiência da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência: Art. 1º: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (DECRETO 6. 949 DE 2009). Com base nesta definição, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de 2015) estabelece uma tipologia das deficiências: 25 De�ciência Física Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam di�culdades para o desempenho de funções. De�ciências Múltiplas Associação de duas ou mais de�ciências. De�ciência Auditiva Perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. De�ciência IntelectualDe�ciência Visual Funcionamento intelectual signi�cativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho. Cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que signi�ca acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. Tipos de De�ciência (Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004 e Lei 13. 146 de 2015) 26 Ainda de acordo com a Lei 12.764/2012, as pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo são consideradas pessoas com deficiência Diante do exposto, compreendemos que o "autismo é um distúrbio do desenvolvimento que se caracteriza por alterações presentes desde idade muito precoce, tipicamente antes dos três anos de idade, com impacto múltiplo e variável em áreas nobres do desenvolvimento humano como as áreas de comunicação, interação social, aprendizado e capacidade de adaptação" (MELO, 200, p.16). As crianças e adolescentes precisam ser orientadas sobre seus direitos e deve ser reconhecida e valorizada sua fala para romper e enfrentar ciclos de violações de direitos fundamentais. Em se tratando de crianças e adolescentes com deficiência, a lei é mais sucinta e aborda esse assunto no Artigo 5º da Lei 13.431/2017: Lei nº 13.431/2017- Art. 5º: IV - ser protegido contra qualquer tipo de discriminação, independentemente de classe, sexo, raça, etnia, renda, cultura, nível educacional, idade, religião, nacionalidade, procedência regional, regularidade migratória, deficiência ou qualquer outra condição sua, de seus pais ou de seus representantes legais; XV - prestar declarações em formato adaptado à criança e ao adolescente com deficiência ou em idioma diverso do português. 27 Mas independente de previsão legal ou normativa para crianças e adolescentes com deficiência, defendemos que o/a profissional capacitado/capacitada que deseja realizar uma Escuta de qualidade, antes de mais nada, precisa respeitar a faixa etária da pessoa que será ouvida. Isto significa que, se for uma criança, devemos tratá-la como criança; se for um adolescente, devemos tratá-lo como adolescente; independente das limitações ou condições de cada um. O respeito e o bom senso sempre serão as melhores alternativas. Vejamos, então, algumas dicas que promovem a acessibilidade com a acolhida dessas crianças e adolescentes a uma Escuta Especializada, lembrando que são sugestões de boas práticas no trabalho do SUAS. Criança e/ou adolescente com deficiência física: • Espera-se que o local de atendimento tenha rampas e/ou outras alternativas de acesso móvel. Esse é o primeiro requisito para receber uma pessoa com deficiência motora. • Em toda a conversa com criança e adolescente, independente de sua deficiência, procure sentar-se à sua altura. Esta atitude facilita o contato visual, cria reciprocidade e uma comunicação afetiva e empática, além de passar ao outro a confiança para expressar o seu sentimento. • Se a criança/adolescente estiver na cadeira de rodas, evite apoiar-se ou movimentá-la sem permissão. Aquele é o espaço dela/e e não deve ser invadido. • Não tema usar as palavras “correr” ou “caminhar”. As pessoas com deficiência também as utilizam. • Se a deficiência não tiver relação com o episódio de violência, evite questionamentos sobre as causas se a criança/adolescente não der abertura. • Observe no que aquela deficiência dificultou a defesa da criança e do adolescente diante da violência denunciada – vale para todas as deficiências Fonte: Elaboraçãoprópria com base em informações contidas em DECRETO Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 28 Criança e/ou adolescente com deficiência auditiva: • Antes de iniciar a conversa com um deficiente auditivo, procure observar qual tipo de limitação a pessoa tem e quais intervenções e adaptações serão necessárias: se faz uso de aparelho auditivo, se será necessário um/uma intérprete de libras ou mesmo o uso de mímicas, caneta e papel se for alfabetizado. • Verifique se o seu tom de voz está adequado para a conversa. Evite gritar. • Procure um lugar com iluminação adequada para facilitar a leitura labial. • Use frases curtas e de fácil compreensão. • Fale devagar, mas com naturalidade, articuladamente, sem exageros, movimentando bem os lábios para facilitar a leitura labial. • Fale de frente para a pessoa que conversa, mantenha o contato visual, pois se você desviar o olhar, ela poderá entender que a conversa acabou. • Se tiver dificuldade para entendê-lo, não tenha receio de pedir que repita. • Quando o/a surdo/surda estiver acompanhado de intérprete, fale diretamente com a pessoa surda, não com o/a intérprete. • Se você souber a Língua Brasileira de Sinais (Libras), utilize-a na conversa, pode facilitar a comunicação. • Outra forma de comunicação é por meio da escrita, você pode escrever as perguntas e estabelecer um diálogo muito proveitoso. Fonte: Elaboração própria com base em informações contidas em Lobato (2019) Criança e/ou adolescente com deficiência visual: • Ao conversar com pessoas com deficiência visual, haja de forma simples, cumprimente-a naturalmente e estabeleça um vínculo de confiança. • Não toque nos braços ou mãos da criança/adolescente como forma de chamar a atenção. • Você pode usar os termos como “cego”, “ver” e “olhar”. Os/as cegos/cegas também os utilizam. 29 • Fale mais alto se for solicitado. Lembre-se que a deficiência em questão é visual, não auditiva. • Se a criança ou adolescente precisar de ajuda para se locomover, durante ou após a conversa, pergunte a ela como você poderá ajudá-la. Não intervenha se sua ajuda não for solicitada. Fonte: Elaboração própria com base em informações contidas em BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROGRAMA DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. 2007.) Criança e/ou adolescente com deficiência intelectual: • Procure sentar-se à altura da criança ou do adolescente. Esta atitude facilita o contato visual, cria reciprocidade e uma comunicação afetiva e empática, além de passar ao outro a confiança para expressar o seu sentimento. • Converse com a criança/adolescente com deficiência intelectual, mental, autismo, naturalmente, percebendo, aos poucos, suas limitações e como pode facilitar a comunicação. Não ignore sua deficiência. Se necessário, use imagens, papel, caneta e apoio de outra pessoa da confiança da criança e do adolescente e não envolvida na situação de violência. • Não toque nos braços ou mãos da criança/adolescente como forma de chamar a atenção para algum questionamento. • Trate-a com respeito e consideração. Fonte: Elaborado pelos autores com base em informações contidas em BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROGRAMA DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. 2007. 30 Muitas vezes a criança/adolescente, especialmente os que têm deficiência, não consegue perceber a diferença entre um carinho e uma violência sexual, consequentemente, tem dificuldade de comunicar a agressão vivida. Neste contexto, é importante reforçar o conjunto de negligências vivenciadas na família: aquela que deveria proteger, amiúde, é aquela que agride. O reconhecimento dos sinais de maus-tratos entre crianças e adolescentes com deficiência intelectual pode ser dificultado pela incapacidade que eles têm de verbalizar que estão sendo maltratados, ou por não compreenderem que estão sendo agredidos. Naqueles com deficiência física, a dificuldade em falar sobre a violência sofrida pode estar associada ao fato de quem agride é o mesmo que cuida, havendo elos afetivos, além do receio do abandono após a identificação de maus-tratos. (BARROS, 2016, p.6) Para ilustrar esse tópico, veremos um exemplo de caso concreto que aconteceu em um atendimento com uma adolescente com deficiência auditiva. Tainá, (como a chamaremos aqui) era uma adolescente de quinze anos, quando foi encaminhada para um abrigo após ter sido violentada, supostamente pelo do padrasto. O hospital que realizou o atendimento fez a denúncia e a adolescente foi retirada da família biológica e encaminhada para uma família guardiã, mas essa família também praticava maus-tratos contra ela e, por isso, foi encaminhada para o serviço de acolhimento institucional. Tainá tinha deficiência múltipla: auditiva e uma leve deficiência intelectual. Usava aparelho auditivo, mas não reconhecia nossa linguagem oral, parecia que ouvia apenas ruídos. Ela fazia leitura labial e os profissionais do serviço de acolhimento tiveram que aprender a conversar com ela, falar pausadamente e da maneira mais objetiva o possível. Ela conseguia entender, mas eles não a compreendiam. Tinham uma percepção do estado emocional dela: quando estava feliz, além do sorriso, o brilho nos olhos, ela dançava, ela pulava. Por outro lado, quando ela estava COMO ESTRELAS NA TERRA. O filme relata a história de uma criança de 9 anos de idade que sofre de dislexia e que vivencia a incompreensão dos adultos, dentre eles, seu pai e professora. Direção de: Aamir Khan. Ìndia, 2007, 165 min. [Classificação livre, não há conteúdo de violência] 31 nervosa ela gritava, enrijecia os músculos. Muitas vezes ela ficava nervosa porque não compreendiam o que ela estava dizendo. Sempre se comunicou melhor com os outros adolescentes e crianças do abrigo que com os adultos. Durante todo o período que ela ficou no abrigo, a dificuldade sempre existiu. Nunca conseguiram, de fato, entender a história por completo, porque ficavam sempre sobre o registro do que as pessoas diziam e, ora ela confirmava algumas coisas, ora ela não conseguia trazer os detalhes. Ela sofria muito por não conseguir comunicar o que havia acontecido com ela. Tempos depois, ela foi para uma escola especializada em trabalhar com pessoas com deficiência, que tinha linguagem brasileira de sinais (libras). Na escola, ficou mais fácil para conversar com ela, porque foram aprendendo um pouco com ela a linguagem de sinais. Ela escrevia um pouco, mas a escrita era muito pontual. Quem ajudou na comunicação foi o neto da professora de Tainá, que era adolescente e entendia sobre a linguagem de sinais. Graças a este intermédio, foi possível interagir melhor com a adolescente e compreender a história que, até então, era contada por adultos e não pela menina. A partir da fala da adolescente os profissionais do abrigo conseguiram montar o quebra-cabeça de sua história, constatar as violências sofridas, ajudá-la na construção de novos vínculos sociais e familiares e na elaboração de seu projeto de vida, bem como o sistema de justiça pôde responsabilizar os agressores. Agora que já aprendemos algumas boas práticas no atendimento à criança e ao adolescente com deficiência, passemos à questão da Escuta Especializada de crianças e adolescentes pertencentes a grupos culturais específicos. 2.3 A ESCUTA DE POVOS E CULTURAS TRADICIONAIS No que concerne aos povos ou comunidades tradicionais, o Decreto 9.603/2018 orienta a escuta especializada da seguinte forma: Decreto nº 9.603 de 2018 Art. 17. No atendimento à criança e ao adolescente pertencente a povos ou comunidades tradicionais, deverão ser respeitadas suas identidades sociais e culturais, seus costumes e suas tradições. Parágrafo único. Poderão ser adotadas práticas dos povos e das comunidades tradicionais em complementação às medidas de atendimento institucional. Art. 18. No atendimento à criança ou ao adolescente pertencente a povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio- Funai do Ministério da Justiça e o Distrito Sanitário Especial Indígena do Ministério da Saúde deverão ser comunicados. 32 O atendimento culturalmente adequado às crianças e adolescentes de comunidades tradicionais, traz o desafio da criação de protocolos de atendimentos/escuta especializada que respeitem algumas práticas da comunidade consideradas comuns. Sendo assim, a escuta deve ser cuidadosa, pois estão em evidência, costumes, tradições e modos de vida das pesso- as. Portanto, a articulação da rede com órgãos indigenistas e organizações de apoio às comunidades tradicionais é funda- mental. Criança e/ou adolescente pertencentes a povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ciganos, dentre outros) • Dê preferência para a realização da Escuta Especializada nos locais que, culturalmente, a criança/adolescente se sinta mais à vontade (aldeias indígenas, quilombos, acampamentos ciganos). • Se não conhece, procure conhecer, previamente, alguns elementos da cultura de seu/ sua entrevistado/entrevistada. Muitas vezes, a quebra de confiança se dá por causa das chamadas gafes culturais. • Procure sentar-se à sua altura. Esta atitude facilita o contato visual, cria reciprocidade e uma comunicação afetiva e empática, além de passar ao outro a confiança para expressar o seu sentimento. • Procure entender que você está diante de uma criança/adolescente, independentemente de sua crença, tradição cultural, gênero ou modo de vida. • Pergunte se ela se sente mais à vontade falando em seu idioma comunitário. Pode ser que você precise de um/uma intérprete e, neste caso, informe que ele não poderá fazer interferências durante a entrevista. Converse e conheça o/a intérprete antes da entrevista e não use outra criança/adolescente ou pessoa da família para ser intérprete. • Use frases curtas e de fácil compreensão, falando devagar e com naturalidade. • Você pode pedir que ela escreva as respostas em um pedaço de papel. • Trate-a com respeito e consideração. Evite pré- julgamentos, respeite o tempo, a fala, acolha os sentimentos da criança/adolescente. • Peça apoio a órgãos como a FUNAI, associação de quilombolas, órgãos de defesa e proteção dos direitos para colaborar na escuta. 33 • Segundo o artigo 12, da Convenção 169, do Decreto 5.051, DE 19 de Abril de 2004 “Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.” • Reconheça a importância dos pajés, parteiras, pais e mães de santo, barôs. Estas pessoas podem ajudar no fortalecimento e articulação da rede de proteção existente no território da criança/adolescente. Fonte: Elaboração própria Pensando nessas questões, trouxemos um auto-relato de uma assistente social negra, para exemplificar essas questões: “Meu nome é Glória, tinha 9 anos e morava com minha mãe, meu pai e meu irmão. Sempre fui negra, gorda e pobre. Sou bisneta de pai de santo, com muito orgulho, mas sempre fomos católicos, porque minha mãe achava feio ser “macumbeira”. Tinha as melhores notas da escola, porém minha mãe era chamada na escola toda semana, porque eu conversava muito, agitava as aulas e a professora não conseguia trabalhar. Nas férias, sempre ia para a casa de minha avó, ela mora em uma casa pequena, dentro de uma fazenda grande e muito bonita. Tínhamos o maior orgulho de viver neste lugar há quase cinquenta anos. Meu tio dormia todos os dias nesta fazenda para tomar conta, pois, os donos só iam lá para passar os finais de semana. Na casa de minha avó não era muito bom: não tinha cama pra todo mundo, não tinha banheiro e a comida boa era sempre para os filhos dos tios que tinham mais dinheiro. Mesmo assim eu gostava de ficar lá. Um dia eu fui levar almoço para meu tio na casa da fazenda. Ele ficou muito feliz e me chamou para buscar cambucá no quintal: eu animei, era tempo da fruta e estava bem docinha. Ele trouxe um balaio cheio, comemos na frente da televisão, na sala da casa. De repente a porta e a janela foram fechadas, e, mesmo com a televisão ligada, tudo ficou calado, as risadas foram trocadas por um jeito diferente de me tocar: ninguém nunca tinha feito aquilo comigo, eu não sabia o que estava acontecendo. Tudo estava escuro. Eu senti dor. Eu não me lembro de mais nada. Eu dormi. Quando acordei ele me pediu para não contar a ninguém, pois eu levaria uma surra muito grande da minha mãe. Eu sabia que não estava certo, que tinha feito algo muito feio. Dois dias depois aconteceu novamente e, até hoje, eu me lembro com clareza de cada detalhe: meu irmão gritando fora do quarto, lá dentro, uma lágrima de dor descia no meu rosto. Foi aí que eu calei: tinha medo de voltar à minha avó. Fiquei quieta na escola. Na igreja, buscava salvação. Tinha medo até do meu pai. Alguns anos passaram e nunca disse a ninguém o que aconteceu comigo naquelas tardes. Conversando com duas primas, me disseram que aconteceu a mesma coisa com elas e que havia suspeita de uma quarta adolescente. Pelo bem da família, todas calamos. Hoje fui procurada para escutar uma sobrinha: um tio havia abusado dela e ela queria denunciar o caso. Há dez anos, fizemos a denúncia ao Ministério Público. Fizemos terapia, quando adultas, para falar o que aconteceu naquela roça. Até hoje a televisão está ligada e meus “tios” esperam uma sobremesa depois do almoço.” 34 Independente da diversidade e das necessidades do público atendido, lembre-se: para possibilitar a construção de uma relação de confiança entre técnicos e usuários, deve haver espaço para troca de ideias, informações e manifestação de vontades. Por maior que seja a diferença, lembre-se de que cada pessoa merece ser tratada com respeito e empatia. 2.4 O AMBIENTE DE REALIZAÇÃO DA ESCUTA ESPECIALIZADA. Tanto a Lei 13.431/2017 como o Decreto 9.603/2018 determinam que a Escuta Especializada, em âmbito de atendimento socioassistencial, deverá ser realizada em ambiente acolhedor, onde estejam garantidos às crianças e aos adolescentes o seu direito à privacidade e o sigilo da entrevista. Veja: Lei 13.431/2017, Art. 10: A escuta especializada e o depoimento especial serão realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência. Decreto nº 9.603/2018, Art. 6º: A acessibilidade aos espaços de atendimento da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência deverá ser garantida por meio de: I - implementação do desenho universal nos espaços de atendimentos a serem construídos; II- eliminação de barreiras e implementação de estratégias para garantir a plena comunicação de crianças e adolescentes durante o atendimento; III - adaptações razoáveis nos prédios públicos ou de uso público já existentes; e IV - utilização de tecnologias assistivas ou ajudas técnicas, quando necessário. Por entendermos que os locais onde se realizam os atendimentos são carregados de valores que podem interferir nas respostas das vítimas ou testemunhas de violência, a criação de um espaço de narrativa pode acentuar e até mesmo diminuir as tensões oriundas da situação de violência, ao propiciar uma narrativa dos fatos de forma espontânea e criativa (LEITE, 2008). E como podemos constituir um ambiente adequado em nosso local de atendimento? O primeiro passo será disponibilizar um local para realização dos atendimentos que seja acolhedor e acessível. Pode ser uma sala, com decoração e elementos que deixem a criança ou o adolescente à vontade e seguros para expressar suas ideias. Por exemplo, pode-se decorar as paredes com imagens de paisagens e de animais tranquilos;dispor uma mesa e cadeira confortáveis com papel, lápis de cor e caneta, caso queiram se expressar por desenhos ou escrita; brinquedos; livros, revistas; música suave. Se o entrevistado/entrevistada for deficiente visual, pode incluir material em braile; se for deficiente auditivo deve ter um profissional capacitado em libras, e assim por diante. 35 Um exemplo prático pode ser tomado da ação coordenada pela Prefeitura Municipal de Guamaré, no Rio Grande do Norte. Por meio de sua Secretaria de Assistência Social, em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Prefeitura de Guamaré investiu na capacitação dos profissionais envolvidos na Rede de Proteção e inscreveu uma proposta de atendimento em um programa patrocinado por empresa privada, em 2018. Com os recursos disponibilizados em 2019 e 2020, investiram em um Complexo de Proteção Social Especial, que abrigará programas e serviços da Proteção Social Especial do SUAS. Este Complexo terá, entre outros espaços de atendimento, uma sala exclusiva para Escuta Especializada, idealizada para acolher crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. O projeto desta sala, criado pela Prefeitura de Guamaré, não só atende os requisitos da lei como, esteticamente, configura um local ideal para realização de atendimentos com crianças e adolescentes. Mas sabemos que este exemplo, em muitos locais, é uma utopia, pois na imensidão do Brasil encontramos realidades que são bem distintas do que é idealizado. Até porque, a orientação da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais é sobre a oferta de serviços para todas as situações de violência e para todas as faixas etárias, não há orientação para unidades de CREAS específicos para crianças e adolescentes. Sabemos, também, que em muitas localidades, os órgãos e profissionais do SUAS dispõem do básico para realização de suas atividades. Além disso, como estruturar esse espaço ideal se, é muito comum, as realidades regionais exigem que o/a profissional se desloque, com frequência, para realizar seu trabalho? Como pensar em uma sala decorada, acolhedora, quando o/a profissional do SUAS realiza atendimentos em aldeias indígenas, em comunidades quilombolas, em acampamentos ciganos? São ambientes culturalmente importantes para essas comunidades e que merecem a nossa atenção. Ao realizar o atendimento socioassistencial nessas comunidades, o/a profissional deve estar preparado/preparada para proporcionar ao entrevistado a privacidade e o acolhimento necessários. Vejamos um caso concreto, ocorrido em um acampamento cigano. A assistente social, que aqui chamaremos de Heloísa, foi solicitada pelo Conselho Tutelar para atender a uma menina cigana, de 08 anos, que havia presenciado uma agressão com golpes de faca. O grupo de ciganos seminômades demonstrava desconfiança pelas pessoas que viviam fora de sua comunidade. Heloisa, então, foi ao acampamento e dirigiu-se à tenda da família para tentar conversar com a garotinha, mas percebeu que a menina estava constrangida até para falar o seu nome no meio de tantas pessoas. Então, a assistente social solicitou autorização dos pais e pediu à menina que a levasse ao local do acampamento que ela mais gostava de brincar. Lá chegando, elas se sentaram ao ar livre e Heloisa lhe ensinou a brincar de jogo da velha e adedanha. Em meio às brincadeiras e ao clima de descontração, a assistente social conseguiu que a menina adquirisse confiança e lhe falasse das suas necessidades e anseios, como se lhe contasse uma história. 36 Neste caso, a assistente social teve a sensibilidade de criar um espaço de atendimento a partir da rotina e da cultura daquela criança. Porém, sabemos que o/a profissional do SUAS nem sempre tem o tempo necessário para se preparar para um atendimento dessa natureza, pois os relatos podem surgir de forma livre e espontânea ao longo de um atendimento ou acompanhamento. Lembram da revelação espontânea e do livre relato? Eles podem ocorrer em diferentes contextos, no órgão de atendimento, em comunidades especiais, na escola ou em domicílio, e o/a profissional deve estar capacitado/capacitada para reconhecer a situação de violência e oferecer acolhida à criança ou ao adolescente naquele momento. Acompanhe um outro exemplo, envolvendo um caso de revelação espontânea. Um pequeno município8 oferece acompanhamento socioassistencial às crianças e adolescentes que possuem pai e/ou mãe aprisionados. Uma vez ao mês, a assistente social se dirige à residência da família a fim de fazer o acompanhamento. Em uma dessas ocasiões, a profissional conversava sobre as visitas ao presídio com uma adolescente de 13 anos, seu avô e sua avó, na sala da residência da família. O pai da menina cumpria pena de 09 anos por tráfico de drogas e a filha se negava a realizar visitas, por mais que o pai insistisse no assunto. Em um certo momento da conversa, a adolescente revelou que, pouco antes do pai ser preso, um conhecido traficante do bairro entrou na residência da família, durante a madrugada, e espancou seu pai e ameaçou toda a família caso ele voltasse a chamar a atenção da polícia para o local. A menina assistiu o ato de violência de um canto do corredor e ficou apavorada. Imediatamente, os avós interromperam o relato, voltando ao assunto da visita. A assistente social permitiu que a conversa continuasse a fluir e mudou o assunto para os estudos da adolescente. Isso fez com que a adolescente quisesse mostrar uma pesquisa escolar em seu computador, o que permitiu que elas ficassem sozinhas por alguns minutos. Enquanto analisava a pesquisa, a assistente social, sutilmente, retomou o relato da menina acolhendo o livre relato. Esse tipo de situação é muito comum no dia a dia dos/das profissionais que atuam no SUAS e, como vimos nos dois exemplos, o/a profissional deve estar capacitado/capacitada para agir repentinamente e com sensibilidade para a realização da Escuta Especializada. Assim, reconhecemos que ter um local específico para a realização dos atendimentos é o ideal, mas nem sempre é o mais importante. O fundamental é que o/a profissional esteja preparado/preparada e atento/atenta para criar um ambiente acolhedor onde quer que esteja realizando o atendimento. 8 O serviço de assistência social solicitou o anonimato dos envolvidos neste caso. 37 2.5 BOAS PRÁTICAS PARA REALIZAÇÃO DA ESCUTA ESPECIALIZADA Agora que já sabemos o que é uma Escuta Especializada e conhecemos como ela pode ser realizada no âmbito do SUAS por um/uma agente de proteção9, vamos aprender que o/a profissional poderá utilizar, em cada um dos casos que lhe será apresentado, técnicas apropriadas para a dinâmica do atendimento, que pode utilizar-se de entrevista. Primeiramente, precisamos entender que todo atendimento tem uma finalidade. No caso da Escuta Especializada, como já estudamos, o objetivo principal é o cuidado e a proteção e não a coleta de provas. Para tanto, o/a profissional que realizará o atendimento deverá ser capacitado/ capacitada para a escuta, pois é um procedimento que deve ser feito com respeito, ética e cuidado para não revitimizar a criança ou adolescente. Para que a Escuta Especializada cumpra com essa finalidade, é fundamental que o/a profissional conheça a criança ou o adolescente que entrevistará e este processo de conhecimento se dá a partir de duas maneiras: quando se conhece a situação da criança/adolescente a partir do relato feito pelos adultos e quando se conhece a situação a partir do relato da própria criança/adolescente. No primeiro caso, quando o/a profissional toma conhecimento da situação por terceiros, ele/ela deverá contextualizar a escuta conversando com as pessoas envolvidas e buscando informações mais precisas, antes de conversar com a criança ou com o adolescente. Mas quando se toma conhecimento de uma situação a partir do próprio relato da criança ou do adolescente, é fundamental que o/a profissional compreenda o universo da
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