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Texto A2 - Os (DES)Caminhos do Meio Ambiente

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CARLOS WALTER 
PORTO GONÇALVES 
os 
(DES)CAMINHOS 
DO MEIO 
AMBIENTE 
«!}] 
ed itoracontexto 
f)r�o 
��:�!lo� 0 
•I<-/ �Ll 
c . I� 
Copyright© 1989 Carlos Walter Porto Gonçalves 
Todos os direitos desta edição reservados à 
Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) 
Capa 
Francis Rodrigues 
Revisão 
_../-:-;: :-........._ Maria Silvia Gonçalves e Luiz Roberto Malta 
/, .,.. ·· ,..;_ �' ' Com•nosição 
•/ , ,, ·,' \ r .• Veredas Editorial 
j _ .... , .!l'f�-�· \ 
1 • • ·: �- :-,;_-.. l �---··-···· Dados Iq:ternacionais de Catalogação na P ublicação (CIP) · _/(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ' . \ 
-� Gon�lves,·,.. arlos Walter Porto. 
"•,..._ . _ J)s.(dés)cammhos do meiO ambiente I Carlos Walter Porto 
Gonçalves, 14. ed.- São Paulo: Contexto, 2006. (Temas aruais). 
Bibliografia. 
ISBN 85-85134-40-2 
L Ecologia humana. 2. Homem - Influência ambientaL 
3. Homem - Influência na natureza L Título 
89-0131 CDD-304.2 
Índices para catálogo sistemático: 
L Ecologia humana 304.2 
2. Ecologia social 304.2 
3. Homem e natureza: Ecologia 304.2 
4. Meio ambiente: Influência do homem: Ecologia 304.2 
5. Natureza e homem: Ecologia 304.2 
EDITORA CONTEXTO 
Diretor editorial: Jaime Pinsky 
Rua Acopiara, 199 - Alto da Lapa 
05083-110 - São Paulo- SP 
PABX: (11) 3832 5838 
contexto@editoracontexto.com.br 
www.editoracontexto.com.br 
2006 
Proibida a reprodução total ou parciaL 
Os infratores serão processados na forma da lei. 
SUMÁR IO 
I. Introdução ............ ,. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 7 
II. O Contexto Histórico-Çultural de onde emerge 
o Movimento Ecológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 
ill. Lutas Sociais, Lutas Ecológicas . . . . . . . . . . • . . . . . . . 18 
IV. O Conceito de Natureza não é Natural . . . . . . . . . . . . 23 
V. A Natureza no Dia-a-Dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
VI. Os (Des)Caminhos do Conceito de Nature� 
no Ocidente . . . . . . . . . . . . . . . . ·. . . . . . . . . . . . . . . 28 
VII. A Ciência diante da Natureza . . . . . . . . . . . . . . • . . . 37 
Vill. A Harmonia Natural. Harmonia? . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
IX. O Homem na Natureza e a Natureza no Homem . . . . . 75 
X. Sociedade Natural. Natural? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 
XI._ Sociedade Moderna e Natureza ................. 100 
XTI. Tempo e Trabalho: Produtividade . . . . . . . . . . . . . . . 103 
Xll. A Técnica, a Sociedade e a Natureza .. . . . . . . . . .. . . 1 1 8 
XIV. Natureza e Relações Sociais . . . . . . . . . . .. . . ... . . 125 
V. Ecologia, Liberdade e Igualdade: Autonomia . . . . . . . 136 
XVI. Notas Bibliográficas . . . . . ... . . . .. ... . ... . . . . . 145 
A Chico Mendes 
que me ensinou que 
a defesa da natureza começa pela terra; 
sem terra não há planta; 
sem terra não se planta. 
Plante a Reforma Agrária! 
I NTRODU ÇÃO 
Como qualquer texto, este ensaio elege seus interlocutores: os que 
militam nos movimentos ecológicos e os que se identificam com 
eles sabem o porquê do emprego desse plural. Tento aqui estabele­
cer um diálogo com esses companheiros, com vistas a trazer algu­
ma contribuição para o desenvolvimento de nossas lutas. Em suma, 
trata-se de um esforço no sentido de apontar a complexidade e a 
diversidade daquilo que constitui os movimentos ecológicos. 
De fato, parece não haver campo do agir humano com o 
qual os ecologistas não· se envolvam: preocupam-nos questões que 
vão desde a extinção de espécies como as baleias e os micos-leões, 
a explosão demográfica, a corrida armamentista, a urbanização de­
senfreada, a contaminação dos alimentos, a devastação das flores­
tas, o efeito estufa, as técnicas centralizadoras até as injunções do 
poder político que nos oprime e explora. Procurei refletir sobre o 
porquê de invadirmos tantos campos diferentes, empregando deli­
beradamente um estilo que transita entre o rigor científico-filosófi­
co e o manifesto pülítico. Para tanto me vi obrigado a fazer uma 
viagem por territórios que me eram pouco familiares e o fiz com o 
cuidado que essas situações exigem: pisar devagar, sentir a con­
sistência do chão, sabendo que o próximo passo da caminhada não 
seria necessariamente em solo tão firme quanto o que já havia pi­
sado e dominado. Estou, por outro lado, convencido de que os pla-
8 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
nos de viagem, as diversas filosofias que aprendemos ao longo de 
nossas vidas estão comprometidos com os fundamentos histórico­
culturais que instituíram nosso mundo. Assim, esses planos . são 
marcados não só pelo pensamento herdado, �as também pelas prá­
ticas sociais instituídas, sendo, portanto, parte do que queremos ver 
superado. 
A viagem é longa e para isso conto com a paciência do 
leitor. Sei que a paciência não é uma virtude na sociedade em que 
vivemos, marcada pelo pragmatismo, pelo imediatismo, pela preo­
cupação com a produtividade ·e com a eficácia. Quase sempre a 
exigência é de respostas imediatas, pois, afinal, os problemas são 
urgentes e parece que o apocalipse está próximo. Devo observar 
que esta postura, todavia, é, ela própria, prisioneira deste mesmo 
mundo que se pretende questionar. Assim, só me resta fazer o con­
vite para essa viagem pelas entranhas do pensamento-ação herda­
do, onde possamos localizar outras formas de pensar, sentir e agir 
bastante próximas de nós e que quedaram sufocadas e silenciadas 
como é o caso das formulações dos chamados filósofos pré-socráti­
cos. Por que ficaram sem nos ser apresentados, eles que falavam de 
uma physis, de uma natureza muito próxima daquela que nós eco­
logistas intuúnos e que os físicos, biólogos e filósofos contemporâ­
neos redescobrem? Que motivos levaram a que ficassem silencia­
dos? Seriam os mesmos motivos pelos quais tentam nos silenciar, 
nos desqualificar como interlocutores? Essa é uma das questões 
que tentarei elucidar neste ensaio. Poderemos descobrir que mui­
tos, antes de nós, levantaram essas questões e que muito temos que 
aprender com suas proposições e com suas derrotas. Afmal, a razão 
nem sempre está com quem venceu, embora os vencedores sempre 
apresentem as suas vitórias como sendo vitórias da Razão. Os ven­
cidos são assim desqualificados e, não sejamos ingênuos, a des­
qualificação dos derrotados de ontem é uma das estratégias para a 
produção de novas vitórias-derrotas aqui e agora. Resgatar essas 
· trajetórias nos pennite superar a arrogância muito comum naqueles 
que se deixam levar pelos modismos e, devemos ser sinceros, o 
movimento ecológico está na moda. 
Estou consciente dos limites que um breve ensaio coloca a 
tal empreitada, mas não poderia me furtar à oportunidade de defla-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 9 
grar uma reflexão sobre questões que me parecem decisivas na 
orientação das práticas ecológicas. 
Minha proposta é realizar uma breve contextualização das 
condições histórico-culturais das quais emerge o movimento ecoló­
gico no mundo e no Brasil. Logo a seguir, estabeleço um diálogo 
com outros diversos movimentos sociais, procurando localizar o 
que temos em comum e o que nos diferencia, temática que é reto­
mada ao fmal do trabalho. Analiso adiante o modo como a socie­
dade ocidental construiu o seu conceito de natureza, caracterizado 
por uma espécie de deslocamento do homem, no processo de de­
senvolvinlento e declínio da Antiguidade.greco-romana. Procuro, 
em seguida, tomando por base as novas descobertas de físicos, so­
ciólogos e antropólogos, fundamentar uma concepção em que Ho­
mem e Natureza são concebidos como parte de um mesmo processo 
de constituição de diferenças. O homem é a natureza que toma 
consciência de si própria e esta é uma descoberta verdadeiramente 
revolucionária numa sociedade que disso se esqueceu ao se colocar 
o projeto de dominação da natureza. 
No capítulo subseqüente, busco as raízes mais recentes que 
nos pennitem compreender melhor a progressiva devastação das 
nossas condições de vida. Aí me deparo com a sociedade indus­
trial, ignorante dasimplicações metafísicas de seus próprios fun­
damentos. 
Finalmente, procurei fundamentar o movimento ecológico 
como um movimento de caráter político-cultural, demonstrando que 
cada povo/cultura constrói o seu conceito de natureza ao mesmo 
tempo em que institui as suas relações sociais. 
Trata-se, portanto, de um ensaio sobre o conceito de natu­
reza subjacente às nossas relações sociais. 
O CONTEXTO HISTÓR ICO-CULTURAL 
DE ONDE EMERGE 
O MOVIMENTO ECOLÓGICO 
A década de 1960 marca a emergência, no plano político, de uma 
série de movimentos sociais, dentre os quais o ecológico. Até en­
tão, o questionamento da ordem sócio-política e cultural estava por 
conta dos movimentos. que- de diferentes maneiras- se reivindi­
cavam socialistas (os social-democratas, os comunistas e mesmo os 
anarquistas). O movimento operário constituía o eixo em torno do 
qual se fazia a crítica teórica e prática da ordem instituída e o ca­
pitalismo aparecia como a causa de todos os males com que os ho­
mens se defrontavam. Toda uma cultura, cujas matrizes estão loca­
lizadas no século XIX, havia se desenvolvido no interior do movi­
mento operário. No século XX, em alguns países do mundo, ocor­
rem revoluções que se proclamam socialistas e que vão tentar pôr 
em prática outros princípios de organização social. Ao mesmo tem­
po, no interior dos países capitalistas mais desenvolvidos, os tra­
balhadores conquistam uma série de direitos cujo atendimento, 
acreditava-se, seria impossível nos marcos daquela sociedade: jor­
nada de trabalho de oito horas, semana de cinco dias, férias remu­
neradas de trinta dias, salário-desemprego, aposentadoria, assistên­
cia médica gratuita e educação pública, entre outros. O movimento 
Ôperário começa, de certa forma, a se institucionalizar porque cou­
be ao Estado gerir e administrar essas conquistas no interior dos 
países capitalistas, enquanto que nos. Estados que se reivindicam 
como socialistas os próprios trabalhadores vão perdendo, pouco a 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 1 1 
pouco, o controle das instituições criadas no período revolucioná­
rio, em virtude da crescente centralização e burocratização. É nesse 
contexto, na década de 1960, que começam a emergir com feições 
autônomas uma série de movimentos, tais como os movimentos das 
mulheres, dos negros, os movimentos ecológicos, etc. É possível 
encontrar manifestações desses diferentes segmentos sociais em pe­
ríodos anteriores, mas é indiscutível· que eles não só não consti­
tuíam os mais significativos movimentos de questionamento da or­
dem instituída, como também tinham as suas especificidades su­
bordinadas aos interesses da causa maior da emancipação do pro­
letariado. A partir dos anos 60, contudo, observa-se a crescente 
participação desses movimentos na cena política ... 
Uma verdadeira revolução nos costumes já começa a des­
pontar nos anos 50, a partir da descoberta dos anticoncepcionais e 
das manifestações de rebeldia dos jovens, expressas em grande 
parte em torno do rock-and-roll. Não se tratava mais, pelo menos 
no caso dos países capitalistas desenvolvidos, de acabar com a mi­
séria e a exploração que caracterizaram o desenvolvimento capita­
lista no século XIX e primeira metade do século XX, até porque as 
condições de vida haviam se modificado sensivelmente em virtude 
das próprias lutas operárias. O italiano Antonio Gramsci, intelec­
tual-militante comunista, havia feito uma observação interessante 
acerca dessa situação já na década de 1920. Dizia ele· que as pró­
prias conquistas operárias, na medida em que eram institucionali­
zadas pelo Estado capitalista, significavam também uma consolida­
ção deste regime sócio-polític<K:ultural. E chamava a atenção para 
o fato de que as revoluções anticapitalistas haviam ocorrido exata­
mente nos países onde as classes dominantes, seja por característi­
cas histórico-culturais· próprias, seja devido à fragilidade do movi­
mento operário local, opunham maior resistência às demandas dos 
"de baixo". 
A década de 1960 assistirá, portanto, ao crescimento de 
movimentos que não criticam exclusivamente o modo de produção, 
mas, fundamentalmente, o modo de vida. E o cotidiano emerge aí 
como categoria central nesse questionamento. É claro que cotidia­
no e História não se excluem; todavia, há um desÍocamento de ên­
fa.Se: enquanto o movimento operário em sua vertente marxista do 
12 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
minante (social-democt.:ata e Ieninista) insistia na "missão histórica 
do proletariado" que, uma vez vitorioso sobre a burguesia capita­
lista, resolveria então todos os problemas cotidianos, os movimen­
tos que emergem na década de 1960 partem <41 situação concreta de 
vida dos jovens, das mulheres, das "minorias" étnicas, etc. para 
exigir a mudança dessas condições. É como se observássemos um 
deslocamento do plano temporal (História, futuro) para o espacial 
(o quadro de vida, o aqui e o agora). 
Os exemplos dos beatnik e dos hippies são bem a expres­
são dessa postura. Neste sentido, muito contribuiu a visão da ver­
dadeira chacina que era cometida no Vietnã primeiro pela França, 
depois pelos EUA, ao mesmo tempo em que ocorria a difusão dos 
meios de comunicação de massa. Agora, a guerra podia ser vista 
todo dia na hora do jantar, via satélite, enquanto crescia, em con­
trapartida, o movimento pacifista nos EUA e na Europa. Também 
nesta direção e completando esse quadro, registre-se a crise no in­
terior do chamado "bloco socialista" entre a URSS e a China. O 
socialismo de vertente stalinista que se autoproclamava uma via 
única passa a ser questionado. Aímal, foram profundos os proble­
mas criados pelas tentativas de industrialização da China, um país 
essencialmente camponês, segundo o modelo soviético. Uma ex­
pressão que parecia ter caído em desuso com a chegada da esquer­
da ao poder em alguns países voltou à baila: Revolução Cultural. • 
O movimento ecológico tem essas raízes histórico-cultu­
rais. Talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a 
fundo essa idéia, na verdade essa prática, de questionamento das 
condições presentes de vida. Sob a chancela do movimento ecoló­
gico, veremos o desenvolvimento de lutas em torno de questões as 
mais diversas: extinção de espécies, desmatamento, uso de agrotó­
xicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do 
da água, contaminação de alimentos, erosão dos solos, dimi­
uu o das terras agricultáveis pela construção de grandes barra-
n , un a a nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista, 
I uolu 111 ue afinnam a concentração do poder, entre outras. 
N o h , pr 1ticamente, setor do agir humano onde ocorram lutas e 
1 v mi • 1 · que o movimento ecológico não seja capaz de in-
nrpurn , 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 13 
No entanto, nem sempre as pessoas que se mobilizam em 
tomo dessas questões o fazem enquanto movimento ecológico. Por · 
exemplo, quando os pescadores e camponeses de Ponta Grossa dos 
Fidalgos, distrito do município de Campos, no norte do estado do 
Rio de Janeiro, mobilizaram-se contra o assoreamento da Lagoa 
Feia, estavam se batendo por um modo próprio de uso das condi­
ções naturais de produção - a terra e a água -, procurando garantir 
o seu tradicional modo de viver e de produzir e não se mobilizando 
· enquanto movimento ecológico. Por outro lado, isso não impediu 
que jovens, sobretudo universitários, a eles se juntassem em nome 
do movimento ecológico, dando apoio concreto à luta dos campo­
neses e pescadores contra o tipo de uso que os usineiros e fazen­
deiros queriam fazer dos mesmos recursos naturais. Quer dizer, a 
ecologia tem interessado aos mais diferentes segmentos da socie­
dade, apesar de nem todos partirem da mesma motivação política e 
ideológica. Essa situação, verifica-se, não está livre de ambigüida­
des e contradições. 
No Brasil, o movimento ecológico emerge na década de 
1970 em um contexto muito específico. Vivia-se sob uma ditadura 
que se abateu de maneira cruel sobre diversos movimentoscomo o 
sindical e o estudantil. A nossa esquerda de então acreditava que o 
subdesenvolvimento do país se devia fundamentalmente à ação do 
imperialismo, que tinha como aliado interno a oligarquia latifundiá­
ria. Essa era a razão do atraso e da miséria em que vivia o povo 
brasileiro e, em decorrência, deveríamos nos bater por uma revolu­
ção antiimperialista; de caráter popular, e com o apoio de setores 
da burguesia nacional. Assim, acreditava-se, estaria aberto o cami­
nho para a modernização da sociedade brasileira, etapa necessária 
para consolidar uma classe operária que pudesse empunhar a ban­
deira do socialismo. E isso parecia particularmente possível quando 
se tomava por referência o exemplo de Cuba que havia conseguido 
se libertar do grupo imperialista, ou seja, Davi vencera Golias. To­
davia, aqui a burguesia nacional não optou por essa via e se aliou à 
burguesia internacional. A FIESP - Federação das Indústrias do 
Estado de São Paulo foi a grande articuladora dessa aliança desde 
a década de 50. Acusando a esquerda de "nacionalismo demagógi­
eo:-populista", a FIESP vai rotular de "verdadeiio nacionalismo" 
J'fo 
aquele que propõe o desenvolvimento da nação abrindo, assim, as 
portas do país à penetração do capital estrangeiro para que venha a 
contribuir para o seu desenvolvimento. Verifica-se, portanto, um 
deslocamento da consideração da questão nacional do plano das 
condições sociais - como era colocado pela esquerda - para um 
plano técnico-econômico desenvolvimentista. A burguesia conse­
gue atrair não só os investimentos estrangeiros como também o 
apoio da tecnoburocracia civil e, sobretudo, militar. A partir da 
Junta Militar de 1969 e do governo Médici, assiste-se à consolida­
ção desse regime autoritário e desenvolvimentista que vai mostrar, 
contrariando a crença da esquerda até então, que ao imperialismo 
não interessava a não industrialização do país. Será justamente sob 
a égide do capital internacional que o Brasil alcançará o maior de­
senvolvimento industrial de sua História. Esse desenvolvimento se 
fazia ainda. num país onde. as elites dominantes não tinham por tra­
dição respeito seja pela natureza, seja pelos que trabalham. A he­
rança escravocrata da elite brasileira se manifestava numa visão 
extremamente preconceituosa em relação ao povo,. que seria "des­
preparado". Quanto ao latifúndio, bastava o desmatamento e a am­
pliação da área cultivada para se obter o aumento da produção e 
isto nos levou a umá tradição de pouco respeito pela conservação 
dos recursos naturais, a não ser nas letras dos hinos e nos súnbolos 
da nacionalidade. A distância entre o discurso e a prática· é gritan­
te: o próprio nome do país, Brasil, é o de uma madeira que não se 
encontra mais, a não ser em museus e jardins botânicos e a nossa 
bandeira cada vez corresponde menos ao ve�e de nossas matas ou 
ao amarelo do nosso ouro. O azul de nosso céu é cada vez menos 
nítido, seja pelas queimadas que impedem até que aviões levantem 
vôo dos aeroportos, seja pela poluição de nossos centros indus­
triais. E o branco, bem ... a cor da paz só se compreende como pia­
da diante de uma realidade de conflitos entre a UDR e os campo­
neses ou da presença dos militares no poder quando chegaram no 
ponto de prender líderes sindicais, em nome da "segurança nacio­
nal", porque estes faziam manifestações contra as empresas multi­
nacionais aqui instaladas para gerar o nosso desenvolyimento. 
Eis o contexto histórico-cultural do qual emerge a preocu­
pação' ecológica no Brasil na década de 1970 .. . Tecnocratas brasi-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 15 
leiros, participantes de seminários e colóquios internacionais, de­
claram que a "pior poluição é a da miséria" e tentam atrair os ca­
pitais estrangeiros para o país. A pressão da preocupação ambien­
talista que cresce a nível internacional obriga as instituições finan­
ceiras públicas e privadas a colocarem exigências para a realização 
de investimentos aqui: há que se ter preocupação com o meio am­
biente. Assim, antes que se houvesse enraizado no país um movi­
mento ,�ológico, o Estado criou diversas instituições para gerir o 
meio ambiente, a fim de que os ansiados investimentos pudessem 
aqui aportar. Diga-se de passagem que estas instituiç�s incluem, 
nos seus quadros, técnicos que se preocupam efetivamente com as 
condições de vida, porém a lógica destas instituições é determinada 
pela política global de atração de investimentos e não pelo valor 
intrínseco da questão ambiental. Por outro lado, são vários os 
exemplos de concessão de empréstimos internacionais, sobretudo 
do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento 
- BID -, para que se fizesse a demarcação das terras indígenas, das 
terras de posseiros e relatórios de impacto ambiental, cujos recur� 
sos não foram utilizados para os fins aos quais se destinavam. 
Uma outra questão importantíssima que é. preciso observar 
é · a que se refere à descentralização dos empreendimentos, fre­
qüentemente reivindicada pelo movimento ambientalista. É preciso 
ter em conta que as grandes empresas multinacionais têm possibili­
dades efetivas de descentralizar seus estabelecimentos, mantendo, 
todavia, o controle empresarial, o poder centralizado. Já uma em­
presa de pequeno porte não tem como o fazer. Deste modo, há que 
se distinguir entre descentralização técnica, isto é, quando uma 
mesma grande empresa descentraliza geograficamente seus estabe­
lecimentos que, no entanto, continuam sob um controle centraliza­
do da matriz e descentralização sócio-política, que diz respeito ao 
direito efetivo de cada unidade de produção autodetenninar seus 
destinos. Como se vê, só na aparência a descentralização multina­
cional se concilia com a descentralização proposta pelo movimento 
ambientalista. 
Também em fmais da década de setenta, com a anistia, re­
tomaram ao Brasil diversos exilados políticos que vivenciaram os 
movimentos ambientalistas europeus e que vão trazer um enonne 
16 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
enriquecimento ao movimento ecológico brasileiro. Juntar-se-ão a 
outros que aqui já vinham defendendo teses ecologistas, como é o 
caso de José Lutzemberger. É interessante observar que o movi­
mento ecologista é socialmente mais enraizado no Rio Grande do 
Súl, onde a AGAPAM (Associação Gaúcha de Preservação Am­
biental) reuniu ecologistas a partir da luta contra a Borregaarde, 
empresa multinacional que poluía as águas do Rio Guruba, na 
Grande Porto Alegre e onde José Lutzemberger, ex-agrônomo de 
uma grande empresa multinacional de agrotóxicos, rompe com a 
perspectiva da agroquímica e assume profundamente a causa eco­
lógica e social. A maior parte dos exilados políticos que abraçam a 
causa ecológica se concentra no Rio de Janeiro, estado onde já se 
desenvolviam algumas lutas ambientalistas, sobretudo no norte­
fluminense (Campos e Macaé, por exemplo) e em Cabo Frio (luta 
pela preservação das dunas). 
São essas, portanto, as três fontes mais importantes de 
preocupação ecológica no Brasil: o Estado, interessado nos inves­
timentos estrangeiros que só chegam caso se adotem medidas de 
caráter preservacionista; o movimento social gaúcho e fluminense, 
se bem que essas lu� ocorressem em todo o Brasil - vide a luta 
nacional da Federação das Associações dos Engenheiros Agrôno­
mos do Brasil- FAEAB, liderada por Walter Lazarini, contra os 
agrotóxicos usados indiscriminadamente e a elaboraçãó · de seu 
"Receituário Agronômico"; e, finalmente, a contribuição dos exi­
lados políticos que aqui chegaram em finais da década de 70. 
Assim, de diferentes lugares soci�s emergem discursos 
ecológicos e práticas contraditórias entre si. Do ponto de vista das 
elites empresariais e tecnoburocráticas, a maior parte dos ecolo­
gistas são românticos e contra o progresso e o desenvolvimento. 
Em nenhum momento admitem que os ecologistas são contra a sua 
concepção de progresso e de desenvolvimento. Se, por exemplo, o 
movimento ecológico brasileiro não pode ficar indiferenteà miséria 
em que vive a maior parte da nossa população- e esse é um desa­
fio que dá uma certa especificidade ao movimento ecológico entre 
nós - isso não significa que se deva fazer vista gro�sa ante a de­
senfreada utilização da agroquímica com o objetivo de propiciar o 
aumento da produção agrícola. Ao contrário, deve-se propugnar 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 17 
por wna·refonna agrária que incorpore outros princípios tecnológi­
cos e que não coloque, inclusive, os camponeses e demais agricul­
tores na extrema dependência dos bancos e das indústrias de agro­
tóxicos. Sabe-se que não é mera casualidade o fato de que um dos 
diretores do Banco do Brasil, instituição responsável por mais de 
80% do crédito agrícola no país; seja executivo de uma das maio­
res fábricas de produtos agroquímicos aqui instaladas. Considere­
se tam'õém que a indústria bélica, a que mais cresceu na década de 
1970, não é a única fonna de gerar emprego para os trabalhadores 
brasileiros. Do mesmo modo, a defesa da Amazônia não ocorre 
porque é considerada um santuário intocável, mas sim pelo reco­
nhecimento de que há mais de dez mil anos ali vivem povos indí­
genas e, há pelo menos um século, posseiros e seringueiros que fa­
zem uso da flo�sta sem a destruir. Esses povos da floresta reivin­
dicam hoje a constituição de "reservas extrativistas" na Amazônia, 
proposta que tem recebido o apoio de diversos técnicos que nela 
vêelh a possibilidade de valorização econômica da floresta, sem a 
costumeira destruição. Enfim, ser contra a instalação de grandes 
hidrelétricas não significa estar contra a energia. O que se deseja é 
a abertura de l:un debate livre e democrático sobre as diversas al­
ternativas energéticas para o país. 
Fica evidente, portanto, que o movimento ecológico está 
inserido nwna sociedade contraditória e, por isso, são diversas as 
propostas acerca da apropriação dos recutsos naturais. Saber dis­
tinguir dentre esses diferentes usos - o que implica estar atento a 
quem os propõe - é wna das nossas tarefas políticas, pois se todos 
· falam em defesa do meio ambiente por que as práticas vigentes são 
tão contraditórias.e, pior, devastadoras? 
LUTAS SOCIAIS, LUTAS ECOLÓGICAS 
De onde emerge o movimento ecológico? Talvez seja interessante 
observar os diversos movimentos sociais e verificar o que o ecoló­
gico tem em comum com eles e em que se diferencia. Vários são os 
movimentos sociais que se apresentam: são os operários, os cam­
poneses, os indígenas, as mulheres, os negros, os homossexuais, os 
jovens, etc. que se organizam e lutam ... Há um traço comum a es­
ses movimentos: todos eles- emergem a partir de determinadas con­
dições sociais de existência que lhes dão substância. 
Há uma determinada condição operária que foi instituída 
através de acirradas lutas e que configura a vida de importantes 
segmentos da sociedade. São homens e mulheres que não têm 
meios de produzir a sua própria exi,stência; que foram expulsos da 
terra ou nasceram filhos de famílias que foram·expropriadas· da ter­
ra e que se vêem obrigados a vender a sua força de trabalho, nem 
sempre fazendo aquilo de que gostam ou que melhor saberiam fa­
zer. Em virtude dessa condição, lutam contra os baixos salários, 
contra a insalubridade do meio ambiente da fábrica, contra os rit­
mos das esteiras e das linhas de montagem, enfim, contra uma de­
terminada forma de viver, por uma outra forma de viver ... A condi­
ção operária pode ser observada com razoável grau de nitidez não 
só no fluxo diário do "rush" das nossas cidades ou através dos 
caminhões de bóias-frias, como também através de seus movimen­
tos reivindicativos como greves, "operações-tartaruga", passeatas, 
etc ... 
OS (DES)CAMINHOSDOMEIO AMBIENTE 19 
Os camponeses, ao contrário, dispõem geralmente de wn 
pequeno pedaço de terra e de seus instrumentos de trabalho; tra­
balham com seus familiares e visam garantir a reprodução das suas 
famílias praticando wna agricultura de subsistência e vendendo 
uma pequena parcela excedente dessa produção. No interior de 
uma SQ9iedade ·capitalista, como a nossa, com freqüência se vêem 
ameaçados por "grileiros" que possuem títulos falsos de proprie­
dade; pela chegada de uma estrada que "valoriza" as su,as terras -
e atrás das estradas vêm os "grileiros", fazendeiros e especulado­
res; pela astúcia. das grandes empresas e dos bancos que prometem 
pagar muito . bem se eles produzirem o tabaco, o tomate, a ervilha 
ou o algodão ... mas depois que se "especializam" vêem-se obriga­
dos a comprar o que não mais produzem, estabelecendo-se uma 
troca desigual, onde, ao final e ao cabo, quase sempre perdem a 
sua terra e vagam pelo território, indo para as frentes pioneiras, pa­
ra as amazônias da vida, onde se tomam posseiros e, como tal, re­
começam a sua vida camponesa, até que por lá cheguem, outra vez, 
a estrada, o "grileiro'!··· Há, portanto, também, uma condição 
camponesa que pode ser razoavelmente localizada, embora sua 
maior ou menor nitidez, tal como na condição operária, dependa 
das lutas sociais em curso. 
Os povos indígenas com sua cultura e seus territórios ten­
tam resistir à extinção não só física, mas também cultural... Até· 
porque a vida é mais que biológica: é wn detenninado modo de ser, 
pensar, sentir e agir. Cada vez mais, os povos indígenas afirmam a 
sua singularidade, a sua diferença, enfim, a sua cultura. Há, por­
tanto, uma existência que poderíamos chamar de objetiva, inspi­
rando o movimento dos indígenas e essa objetividade, sabemos, de­
riva exatamente da sua afirmação como sujeitos de sua própria 
História, da sua singularidade. 
As mulheres também vêm afumando a sua singularidade. 
Recolhidas ao lar, consideradas como incapazes de agir senão pela 
emoção, vistas como objeto sexual� as mulheres, sobretudo a partir 
da década de 60, têm ocupado cada vez mais espaços na sociedade. 
Cada vez se toma mais difícil que o tribunal absolva o homem que 
matou sua mulher valendo-se da alegação de "defesa legítima da 
20 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
honra". Há aqui, mais uma vez, uma condição-mulher razoavel­
mente delineada, da qual emerge o movimento feminista. 
Os �egros, tidos como inferiores e por isso escravizados, 
lutaram pela liberdade desde o primeiro dia em que, a contragosto, 
puseram seus pés no Brasil. Em 1888 viram o reconhecimento for­
mal da sua liberdade, muito embora a favela em nada seja melhor 
que um quilombo. Além dos diversos preconceitos a que ainda �e 
acham submetidos, ou até mesmo por isso, os negros são a grande 
parcela da população carcerária. Essa condição social de opressão 
e exploração sob a qual se acham vem também sendo a base objeti­
va de onde provém a consciência da negritude, através dos seus 
movimentos. 
Os homossexuais, em virtude dos preconceitos da socieda­
de, se vêem compelidos a viver em guetos, escondidos, onde são · 
obrigados a conviver com outros excluídos. Lentamente, vão con­
seguindo o seu direito de romper barreiras formadas pelos muros 
invisíveis do preconceito ... Cada vez se mostram mais lúcidos, na 
medida em que não afirmam a sua opção sexual como sendo a cor­
reta ou a verdadeira, conforme a ideologia sexista dominante. Cada 
vez mais reivindicam o direito à diferença; o direito de não serem 
discriminados pela sua opção sexual que, diga-se de passagem, é 
da inteira responsabilidade de cada um. Também aqui existe uma 
condição social objetiva de onde emerge um movimento. 
O mesmo pode ser dito do jovem que se vê obrigado, à 
medida que se aproxima da idade adulta, a aceitar regras de cuja 
elaboração não participou. Eis a verdadeira raiz do chamado con­
flito de gerações. Toda aquela energia que durante a infância e 
adolescência se desenvolveu através de folguedos e brinquedos lú­
dicos tem de sér reprimida para que se imponha o mundo "sério" 
dos adultos, onde se trabalha sem prazer, onde a aceitação de tudo 
se toma sinônimo de maturidade. 
Muito embora a condição de jovem seja sempre passageira, 
ela expressa com vigor problemasque a sociedade apresenta, mas 
que a ideologia dominante desqualiftca como "coisas da idade". 
Sem perder de vista que a condição-jovem é extremamente diferen­
ciada nas diversas classes sociais e que em determinadas classes, 
como a operária por exemplo, os conceitos de criança, adolescente 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE· 21 
e jovem são quase sempre destituídos do mesmo significado que 
têm para as outras classes, é preciso destacar a existência de uma 
condição social jovem de onde se originam movimentos sociais 
que, via de regra, questionam os valores culturais dominantes. 
E o movimento ecológico? Existe uma condição social 
ecológica? Aqui. talvez se imponha uma maior precisão no que es­
tou chamando de condição social. Ela diz respeito, entre ·outras 
coisas, ao modo como a sociedade, ao. instituir suas relações, con­
forma o cmpo dos indivíduos. Há um corpo operário, camponês, 
indígena, mulher, negro, homossexual e jovem, por exemplo. Não 
há um corpo ecológico enquanto condição social. Não há, para o 
movimento ecológico, essa base objetiva, produzida e instituída 
socialmente através de lutas. Essa é uma diferença extremamente 
significativa: o movimento ecológico é mais difuso, não apreensí­
vel do mesmo modo que os demais corpos que se movimentam so-
cial'e politicamente. . 
Esse caráter difuso não desqualifica o movimento ecológi­
co. Ao contrário, é a fonte da sua riqueza e dos.seus problemas en­
quanto movimento polítioo e cultural. Ao propugnar uma outra re­
lação dos homens (sociedade). com a natureza, aqueles que consti­
tuem o movimento ecológico estão, na verdade, propondo um outro 
modo de vida, uma outra cultura. Chocam-se com valores já consa­
grados pela tradição e que, ao mesmo tempo, perpetuam os pro­
blemas que queremos ver superados. É por esse caráter difuso de 
um movimento que, no fundo, aponta para uma outra cultura, que 
os ecologistas se encontram envolvidos com questões tão diferentes 
como a luta contra o desmatamento, contra os agrotóxicos, os ali­
mentos contaminados, o crescimento da população, a urbanização 
descontrolada, o gigantismo tecnológico e o nuclear, a poluição, a 
erosão dos solos, a extinção de animais, etc. 
Na trajetória desse movimento, muitos têm sido os con­
frontos com outros movimentos que também procuram afirmar as 
suas singularidades. Quando os ecologistas europeus se colocam 
contra o complexo industrial militar, contra o militarismo, se de­
frontam não só com os empresários do setor, mas também com os 
operários que nele trabalham e temem perder seus empregos. 
Quando, no Brasil, denunciamos a contaminação de rios por mer­
cúrio usado por garimpeiros, pequenos produtores, nos vimos 
"apoiados" pela grande imprensa, inclusive por uma grande central 
de televisão que tem interesse no setor. Neste caso, a grande em-
22 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
presa se mostra mais competente para evitar a contaminação dos. 
rios em virtude das técnicas mais sofisticadas de que dispõe. Os 
pequenos produtores de ouro se vêem pressionados pela opinião 
pública mobilizada pela )llÍdia em nome de causas ecológicas e, / / 
proibidos de continuar sua atividade, migram para outros lugares, 
indo disputar terras com posseiros ou . comunidades indígenas ou 
indo engrossar o exército dos despossuídos urbanos. 
Os ecologistas podem se considerar vitoriosos nesse caso? 
De fato, aquele rio provavelmente ficou sem contaminação; no en­
tanto, a produção de ouro ficou concentrada em grandes empresas, 
os conflitos pela posse da terra se intensificaram e a concentração 
urbana aumentou. Mais ainda, o movimento ecológico se vê, com 
freqüência, alvo de suspeita de cumplicidade com os poderosos. 
Estes, por sua vez, não raro acusam os ecologistas de romantismo, 
sempre que estes se colocam contra o gigantismo das cidades, o gi­
gantismo das ·indústrias, o complexo industrial militar, o nuclear, 
etc. Costumam afmnar que os ecologistas querem voltar à Idade da 
Pedra e outras coisas do gênero. Por tudo quanto é lado, pela 
frente e pelos fundos, pela direita e esquerda, de cima e de baixo, o 
movimento ecológico se vê cooptado ou rechaçado, ao sabor das 
conveniências de interesses outros. Há ecologistas que identificam 
nisso a afmnação da "verdade ecológica", o que não deixa de ser 
uma posição estranha, uma vez que esse movimento se constrói em 
·meio a desconfianças generalizadas. O estabelecimento 'de uma 
outra relação, mais hannônica, dos homens com a natureza - tema 
de que tratarei mais adiante - vincula-se, ou não, ao estabeleci­
mento da hannonia nas relações dos homens çntre si? -Em caso ne­
gativo, constata-se, no mínimo, uma incoerência, pois sendo o ho­
mem também natureza, do reino animal, por que não estaríamos 
submetidos às leis da hannonia entre nós? Um leão não é mais rico 
que o seu companheiro leão; um gato não é mais poderoso que seu 
vizinho gato; uma andorinha não é mais do que sua irmã andorinha ... 
Como se vê, a problemática ecológica implica outras 
questões extremamente complexas. Implica outros valores, o que 
por si só coloca questões de ordem cultural, filosófica e política. 
Implica um outro conceito de natureza e, conseqüentemente, outras 
fonnas de relacionamento entre os seres vivos; com o mundo inor­
gânico; enfim, dos homens entre si. 
O CONCEITO DE NATUREZA 
NÃO É NATURAL 
É comum entre aqueles que se envolvem com a problemática eco­
lógica citar outras sociedades como modelos de relação entre os 
homens e a natureza. As comunidades indígenas e as sociedades 
orientais são, via de regra, evocadas como modelos de uma relação 
hannônica com a natureza. Se em diferentes religiões o paraíso é 
projetado no reino dos céus, para diversos ecologistas este se loca­
liza em outras sociedades. Há uma virtude nesse procedimento: ele 
oferece um consolo, enquanto idéia, para o mundo em que vivemos 
-que concretamente não tem consolo. Isto não deixa de ser, à sua 
moda, uma crítica à sociedade que não é tal e qual os modelos ci-' 
tados, daí as utopias. Nesse sentido, as utopias têm um lugar con­
.creto num mundo onde não existem concretamente, sendo por isso 
sonhadas e projetadas enquanto utopias. Por outro lado, esse pro­
cedimento não deixa de ser também uma fuga dos problemas con­
cretos, muitts vezes derivada de uma incompreensão das razões 
pelas quais em nossa sociedade e cultura as coisas são do jeito que 
são. 
Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma 
determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito 
de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pe­
los homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens 
erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, 
enfim, a sua cultura. 
24 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
Dessa forma, é fundamental que reflitamos e analisemos 
como foi e como é concebida a natureza na nossa sociedade, o que 
tem servido como um dos suportes para o modo como produzimos 
e vivemos, que tantos problemas nos tem causado e contra o qual 
constituúnos o movimento ecológico. 
A NATUREZA NO DIA-A-DIA 
Sem que nos apercebamos, usamos em nosso dia-a-dia uma série de 
expressões que trazem em seu bojo a concepção de natureza que 
predomina em nossa sociedade. Chama-se de burro ao aluno ou a 
pessoa que não entende o que se fala ou ensina; de cachorro ao 
mau-caráter; de cavalo ao indivíduo mal-educado; de vaca, pira­
nha e veado àquele ou àquela que não fez a opção sexual que se 
considera correta, etc ... Juntemos os termos: burro, cachorro, ca­
valo, vaca, piranha e veado são todos nomes de animais, de seres 
da natureza tomados - em todos os casos - em sentido negativo-r 
em oposição a comportamentos considerados cultos, civilizados, e 
bons. O antropólogo Lévi-Strauss nos ensina que os romanos cha­
mavam de bárbaros aos outros povos tidos por eles como não civi­
lizados e que a palavra "bárbaro" originalmente significava canto 
desarticulado das (llles. Portanto, bárbaro era o que é da natureza­
ave - poroposição ao que é da cultura- romano. Chama-se de sel­
vagem àquele que se encontra no pólo oposto da cultura. E, notem 
bem, selvagem quer dizer da selva, mais uma vez, do plano da na-
tureza. 
A natureza se define, em nossa sociedade, por aquilo que 
se opõe à cultura. A cultura é tomada como algo superior e que 
conseguiu controlar e dominar a natureza. Daí se tomar a revolução 
,neolítica, a agriCULTURA, um marco da História, posto que com ela 
o homem passou da coleta daquilo que a natureza "naturalmente" dá 
26 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
para a coleta daquilo que se planta, que se cultiva. Com a agricul­
tura nos tomamos sedentários e não mais nômades. Primitivos são 
aqueles que vivem da caça, da pesca e da coleta ou de uma agri­
cultura itinerante, posto que não conseguem manter a fertilidade do 
solo, necessitando migrar periodicamente em busca do alimento. 
Com a agricultura irrigada alguns povos se estabelecem sobre um 
determinado território de maneira mais permanente, mais estável. A 
vida se toma menos inconstante, domestica-se a natureza e, assim, 
formam-se os berços das civilizações na Mesopotâmia, no Egito, na 
China, etc. Dominar a natureza é dominar a inconstância, o impre­
visível; é dominar o instinto, as pulsões, as paixões. 
Tem-se como necessário o artifício das leis para evitar que 
retomemos ao reino animal, tido como lugar dos instintos. O Esta-
do, a lei e a ordem são tomados como necessários para evitar o 
primado da natureza, onde reina o caos ou, no máximo, a "lei da 
selva", onde todos lutam contra todos. Basta um rápido olhar sobre 
os diversos Estados constituídos com suas leis e ordens para no­
tarmos o quadro de fome, de guerras, de opressões e violências de 
todos os tipos que eles mesmos instituíram em nome da civilização 
para constatarmos a inconsistência deste tipo de abordagem. Na 
verdade, encontramo-nos diante de um conceito de natureza que 
justifica a existência do Estado. Este é condição de "civilização" e 
"primitivos" são os povos que não têm Estado. Esta é uma das ra­
zões para que se chame de ingênuo ao ecologista que cita o indíge­
na como modelo de relação entre o homem e a natureza. 
Além disso, a expressão dominar a natureza só tem sentido 
a partir da premissa de que o homem é não-natureza . . . Mas se o 
homem é também natureza, como falar em dominar a natureza? Te­
ríamos que falar em dominar o homem também . . . E aqui a contra- . 
dição fica evidente. Afinal, quem dominaria o homem? Outro ho­
mem? Isso só seria concebível se aceitássemos a idéia de um ho­
mem superior, de uma raça superior, pura - e a História já de­
monstrou à farta as conseqüências destas concepções. 
A natureza é, em nossa sociedade, um objeto a ser domi­
nado por um sujeito, o homem, muito embora saibamos que nem 
todos os homens são proprietários da natureza. Assim, são alguns 
poucos homens que dela verdadeiramente se apropriam. A graride 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 27 
maioria dos outros homens não passa, ela também, de objeto que 
pode até ser descartado. A visão tradicional da natureza-objeto 
versus homem-sujeito parece ignorar que a palavra sujeito com­
porta mais de um significado: ser sujeito quase sempre é ser ativo, 
ser dono do seu destino. Mas o termo indica também que podemos 
ser ou estar sujeitos - submetidos - a determinadas circunstâncias 
e, nesta acepção, a wavra tem conotação negativa . . . Eis aí o para­
doxo do humanismo moderno: sua imperiosa necessidade de afrr­
mar uma visão de mundo antropocêntrica, onde o homem é o rei de 
tudo, o faz esquecer o outro significado do termo "sujeito" - o 
sujeito pode ser o que age ou o que se submete. A ação tem a sua 
contrapartida na submissão. 
Já vimos como em tomo do conceito de natureza se tecem 
no dia-a-dia as relações sociais. Talvez seja agora interessante lo­
calizar de onde brota essa visão de natureza entre nós. 
OS (DES)CAMINHOS DO 
CONCE ITO DE NATUREZA NO OCIDENTE 
Podemos dizer que a separação homem-natureza (cultura-natureza, 
história-natureza) é uma característica marcante do pensamento que 
tem dominado o chamado mundo ocidental, cuja matriz filosófica 
se encontra na Grécia e Roma clássicas. Quando afirmamos que é o 
pensamento dominante no Ocidente, queremos deixar claro que a 
afirmação desse pensamento - que opõe homem e natureza - cons­
titui-se contra outras formas de pensar. Não devemos ter a ingenui­
dade de acreditar que ele se afmnou perante outras concepções 
porque era superior ou mais racional e, assim, desbaricou-as. Não, 
a afmnação desta oposição homem-natureza se deu, no corpo da 
complexa História do Ocidente, em luta com outras formas de pen­
samento e práticas sociais. Ter isso em conta é importante não só 
para compreender o processo histórico passado, mas, sobretudo, pa­
ra compreender o momento presente. Isso porque o movimento 
ecológico coloca hoje em questão o conceito de natureza que tem 
vigorado e, como ele perpassa o sentir, o pensar e o agir de nossa 
sociedade, no fundo coloca em questão o modo de ser, de produzir 
e de viver dessa sociedade. 
No Ocidente, já houve época em que o modo de pensar a 
natureza foi radicalmente diferente do que tem dominado nas épo­
cas modema e contemporânea, muito embora possamos encontrar 
na Idade Média e entre filósofos do período clássico grego essa 
mesma visão dicotomizada, parcelada, oposta, entre homem e natu-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 29 
reza. As coisas eram diferentes, por exemplo, na chamada época 
pré-socrática 1 quando os filósofos Tales, Anaximandro, Anaxíme­
nes (todos de Mileto);- Xenófanes (de Cólofon); Heráclito (de Éfe­
so); Pitágoras (de Samos); Parmênides e Zenão (de Eléia); Melisso 
(de Lamos); Empédocles (de Agrigento); Filolau (de Cróton); Ar­
quitas (de Torento); Anaxágoras (de ClazÓmena); Diógenes (de 
Apolônia) e Le:ucipo e Demócrito (de Abdera) desenvolveram um 
conceito de natureza bastimte diferente daquele que vai coinéçar a 
se impor principalmente após Sócrates, Platão e Aristóteles. 
E o filósofo Gerd Bornheim quem nos diz: 
Em nossos dias, a natureza se contrapõe ao psíquico, ao 
anímico, ao espiritual, qualquer que seja o sentido que se 
empreste a estas palavras. Mas para os gregos, mesmo de­
pois do período pré-socrático, o psíquico também pertence 
à physis. Esta importante dimensão da physis pode ser 
melhor compreendida a partir de sua gênese mitológica 
( . . . ) Os deuses gregos não são entidades sobrenaturais, 
pois são compreendidos como parte integrante da natureza 
( . . . ) Esta presença (dos deuses) transparece ainda na frase 
que é atribuída a Tales: "Tudo está cheio de deuses!" ( . . . ) 
Segundo Jaeg�r, Tales_ emprega a palavra deus "em um 
sentido um tanto distinto daquele em que a empregariam a 
maioria dos homens". Os deuses de Tales não vivem em 
uma região longínqua, separada, . pois tudo, todo o mundo 
que x:odeia o homem e que se oferece ao seu pensamento 
está cheio de deuses e dos efeitos de seu poder. "Tudo 
está cheio de misteriosas forças vivas; a distinção entre a 
natureza animada e inanimada não tem fundamento algum; 
tudo tem uma alma". Esta idéia da alma, de forças miste­
riosas que habitam a physis, transforma-a em algo inteli­
gente, empresta-lhe certa espiritualidade, afastando-a do 
sem-sentido anárquico e caótico. Veja-se, como exemplo, 
o fragmento 67, de Heráclito. "Deus é dia e noite, inver­
no e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma 
formas variadas, assim como o fogo, quando misturado 
com essências, toma o nome segundo o perfume de cada 
uma delas." Ou ainda o fragmento 64: "O relâmpago (que 
é a arma de Zeus) governa o universo''. Esta idéia de que 
deus pertence em algum sentido à physis é característica de 
todo o pensamento pré-socrático e continua viva mesmo 
em Demócrito ( . . . ) À physis pertence, portanto, um princí-
30 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
pio inteligente, que é reconhecido através de suas mani­
festações e ao qual se emprestam os mais variados nomes: 
espírito,pensamento, inteligência, logos, etc. 
A palavra physis indica aquilo que por si brota, se abre, 
emerge, o desabrochar que surge de si próprio e se mani­
festa neste desdobramento, pondo-se no manifesto. Trata­
se, pois, de um conceito que nada tem de estático, que se 
caracteriza por uma dinamicidade profunda, genética. "Di­
zer que o oceano é a gênese de todas as coisas é virtual­
mente o mesmo que dizer que é a physis de todas as coi­
sas", aímna Wemer Jaeger referindo-se a Homero. Neste 
sentido, a physis encontra em si mesma a sua gênesf(; ela 
é arké, princípio de tudo aquilo que vem a ser. O "pôr-se 
no manifesto" encontra na physis a força que leva a ser 
manifesto. Por isto pôde Heidegger dizer "a physis é o 
próprio ser, graças ao qual o ente se toma e permanece ob­
servável". 
Há ainda um terceiro aspecto que caracteriza a physis para 
os gregos: 
A physis é a totalidade de tudo o que é. Ela pode ser apre­
endida em tudo o que acontece: na aurora, no crescimento 
das plantas, no nascimento de animais e homens. E aqui 
convém chamar a atenção para um desvio em que facil­
mente incorre o homem contemporâneo. Posto que a nossa 
compreensão do conceito de natureza é muito mais estreita 
e pobre que a grega; o perigo consiste em julgar a physis 
como se os pré-socráticos a compreendessem a partir da­
quilo que nós hoje entendemos por natureza; neste sentido, 
se comprometeria o primeiro pensamento grego com uma 
espécie de naturalismo. Em verdade, a physis não designa 
principalmente aquilo que nós, hoje, compreendemos por 
natureza, estendendo-se, secundariamente ao extranatural. 
Para os pré-socráticos, já de saída, o conceito de physis é o 
mais amplo e radical possível, compreendendo em si tudo 
o que existe. Não se compreende o psíquico, por exemplo, 
a partir do modo de ser da natureza em seu sentido atual, 
como não se entendem os deuses a partir do nosso conceito 
mais parco de natureza. À physis pertencem o céu e a ter­
ra, a pedra, a planta, o animal e o homem, o acontecer hu­
mano como obra do homem e dos deuses e, sobretudo, 
pertencem à physis os próprios deuses. Devido a esta am-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 3 1 
plidão e radicalidade, a palavra physis designa outra coisa 
que o nosso conceito de· natureza. V ale dizer que na base 
do conceito de physis não está nossa experiência da natu­
reza, pois a physis possibilita ao homem uma experiência 
totalmente outra que não a que temos face à natureza. As­
sim, a physis compreende a totalidade daquilo que é; além 
dela nada há que possa merecer a investigação humana. 
Por isto, pensar o todo do real a partir da physis não impli­
ca �·naturalizar" todos os entes ou restringir-se a este ou 
aquele ente natural. Pen�ar o todo do real a partir da physis 
é pensar a partir daquilo que determina a realidade e a to­
talidade do ente. 
Pensando a physis, o filósofo pré-socrático pensa o ser e a 
partir da physis pode então chegar a uma compreensão da totalida­
de do real: do cosmos, dos deuses e das coisas particulares, do ho­
mem e da verdade, do movimento e da mudança, do animado e do 
inanimado, do comportamento humano e da sabedoria, da política e 
da justiça. 
É com Platão e Aristóteles que se começa a assistir a um 
certo desprezo "pelas pedras e pelas plantas" e a um privilegia­
menta do homem e da idéia. Não nos devemos esquecer de que os 
consagrados fundadores da Filosofia, acima citados, viveram du­
rante o chamado apogeu da democracia grega2• Imediatamente, os 
acontecimentos que desembocaram na guerra do Pelopon'eso colo­
caram em crise o regime social e político de Atenas. É exatamente 
no interior dessa crise que desponta a chamada filosofia grega. 
Três questões então aqui se colocam. A p�eira diz respeito à 
paulatina desqualificação dos pensadores anteriores como expres­
sando um J)ensamento mítico e não filosófico. Assim, o filósofo se­
ria um pensador superior em relação aos que o antecederam. A re­
tórica, arte da argumentação, e o sofista, que tanto a cultivava, 
passam a ser termos pejorativos. Ninguém quer ser retórico ou so­
fista. Em segundo lugar, observamos que com esse processo se ini­
cia uma mudança no conceito de physis, de natureza que, se num 
primeiro momento não aparece senão debilmente, pouco a pouco se 
afmnará até atingir contemporaneamente essa concepção de natu­
reza desumanizada e desta natureza não-humana. Relembramos que 
esse processo se afmna com a crise da democracia grega. Final­
mente: hoje, como no passado, a reflexão se impõe exaú,Unente nos 
32 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
momentos de crise, quando setores da sociedade se colocam a tare­
fa de repensar seus fundamentos, seus valores, seu modo de ser. O 
movimento ecológico está bem no centro destas complexas ques­
tões. Não é por acaso que, modernamente, a problemática ecológi­
ca transita entre a Ciência, a Filosofia. e a Política, recolocando in­
clusive em novas bases a relação entre esses três planos. 
Mas foi sobretudo com a influência judaico-cristã que a 
oposição lwmem-natureza e espírito-matéria adquiriu maior di­
mensão. Os cristãos vão afmnar decididamente que "Deus criou o 
homem à sua imagem e semelhança". Note bem: o homem foi cria­
do à imagem e semelhança de Deus (Deus aqui aparece com letra 
maiúscula e não como para os pré-socráticos). O homen{' é, assim, 
dotado de um privilégio. Com o cristianismo no Ocidente, Deus 
sobe aos céus e, de fora, passa a agir sobre o mundo imperfeitÓ do 
dia-a-dia dos mortais. Localizado num lugar privilegiado, estraté­
gico, do alto, Deus a tudo vê e controla. A assimilação aristotélico­
platônica que o cristianismo fará em toda a Idade Média levará à 
cristalização da separação entre espírito e matéria. Se Platão falava 
que só a idéia era perfeita, em oposição à realidade mundana, o 
cristianismo operará sua própria leitura, opondo a perfeição de 
Deus à imperfeição do mundo material. Essa leitura de Aristóteles 
e Platão efetuada pela lgrejá na Idade Média se fez evitando-se 
outras leituras através da censura, como muito bem o demonstrou 
Umberto Eco em O Nome da Rosa. Enfim, com o cristianismo, os 
deuses já não habitam mais esse mundo, como na concepção dos 
pré-socráticos. E, apesar da acusação de obscurantismo que mais 
tarde os pensadores modernos lançarão. aos tempos medievais, a 
dívida que a Ciência e a Filosofia modernas têm para com a Idade 
Média é maior do que se admite. Foi na Idade Média, por exemplo, 
que teve início a prática de dissecação de cadáveres no Ocidente 
europeu. Esse fato é de uma importância muito grande e se consti­
tuiu numa decorrência lógica de uma Filosofia q� separa corpo e 
alma. Se a alma não habita mais o corpo depois de morto, este, 
como objeto, pode ser dissecado anatomicamente. Afinal, aquilo 
que o anima (do grego ânima, alma) não está mais presente. O 
corpo, matéria, objeto pode então ser dissecado; esquartejado, di­
vidido. O sujeito, o que faz viver, foi para os céus ou para os in-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 33 
infernos e o corpo pode, então, virar objeto . . . O método experi­
mental já estava em prática nos monastérios e universidades católi­
cas muito antes de Galileu. 
É com Descartes, todavia, que essa oposição homem-natu­
reza, espírito-matéria, sujeito-objeto se tomará mais completa, 
constituindo-se no centro do pensamento moderno e contemporâ­
neo. Em seu Discurso sobre o Método René Descartes afirma que 
"é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida" 
e que 
em vez dessa filosofia especulativa que se ensina nas es­
colas, pode-se encontrar numa outra prática pela qual co­
nhecendo a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos as­
tros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam 
tão distintamente como conhecemos os diversos misteres 
de nossos ofícios poderíamos empregá-los da mesma ma­
neira em todos os usos para os quais são próprios e assim 
nos tomar como que senhores e possuidores da natureza 
(os grifos são meus). 
Dois aspectos da filosofia cartesiana aqui expressosvão 
marcar a modernidade: 12) o caráter pragmático que o conheci­
mento adquire - "conhecimentos que sejam muito úteis à vida em 
vez dessa fllosofia especulativa que se ensina nas escolas". Dessa 
forma, o conhecimento cartesiano vê a natureza como um recurso, 
ou seja, como nos ensina o Dicionário do Aurélio, um meio para se 
atingir um fim, e 22) o antropocentrismo, isto é, o homem passa a 
ser visto como o centro do mundo; o sujeito em oposição ao objeto, 
à natureza. O homem, instrumentalizado pelo método científico, 
pode penetrar os mistérios da natureza e, assim, toma-se "senhor e 
possuidor da natureza". À imagem e semelhança de Deus, tudo 
pode, isto é, é todo-poderoso. Lewis Munford percebeu com pro­
fundidade a herança medieval de Descartes ao afmnar que "des­
graçadamente persistiu o hábito medieval de separar a alma do ho­
mem da vida do mundo material, ainda que houvesse sido debilita­
da a teologia que o apoiava". O desprezo pelas coisas materiais da 
Idade Média começa a ganhar, a partir dos séculos XVI, XVII e 
XVIII, um outro sentido, positivo, na medida em que "se pode en-
entrar uma outra prática onde poderíamos empregá-los da mesma 
34 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
maneira em todos os usos para os quais são próprios' ' , como dizia 
Descartes. O antropocentrismo e o sentido pragmático-utilitarista 
do pensamento cartesiano não podem ser vistos desvinculados do 
mercantilismo que se afirmava e já se tornava, com o colonialismo, 
senhor e possuidor de todo o mundo. Afmal, na Idade Média, a ri­
queza dos senhores feudais e da Igreja advinha da propriedade da 
terra e, na verdade, da exploração dos servos que para a utilizarem 
pagavam um . tributo ou renda. Com o desenvolvimento mercantil e, 
com ele, da burguesia a riqueza passa cada vez mais a depender da 
técnica (ver a esse respeito o capítulo sobre produtividade). A 
pragmática filosofia cartesiana encontra um terreno fértil para ger­
minar. O antropocentrismo consagrará a capacidade humana de 
dominar a natureza. Esta, dessacralizada já que não mais povoada 
por deuses, pode ser tornada objeto e, já que não tem alma, pode 
ser dividida, tal como o corpo já o tinha sido na Idade Média. É 
uma natureza-morta, por isso pode ser esquartejada . . . · 
Com a instituição do capitalismo essa tendência será leva­
da às últimas conseqüências. O lluminismo, no século XVIII, como 
que antecipando esse desfecho se encarregará de limpar a filosofia 
renascentista de seus traços religiosos medievalistas. A crítica da 
metafísica - de meta além e physis, natureza, ou seja, daquilo que 
está além da natureza, na concepção iluminista, será feita em nome 
da física, isto é, em nome da natureza tomada aqui no sentido do 
concreto, do tangível, do palpável. Para compreender o mundo é 
necessário partir do próprio mundo e não de dogmas religiosos ou 
que estão além do mundo, quer dizer, metafísicas. 
A Revolução Industrial evidencia a força dessas idéias ou, 
como preferem alguns, a Revolução Industrial é a base dessas 
idéias. 
O século XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, 
com a ciência e a técnica adquirindo, como nunca, um significado 
central na vida dos homens. A natureza, cada vez mais um objeto a 
ser possuído e dominado, é agora subdividida em física, quúnica, 
biologia. O homem em economia, sociologia, antropologia, histó­
ria, psicologia, etc. Qualquer tentativa de pensar o homem e a na­
tureza de uma forma orgânica e integrada torna-se agora mais difí­
cil, até porque a divisão não se dá somente enquanto pensamento. 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 35 
A realidade objetiva construída pelos homens - o que inclui, ob­
viamente, a subjetividade, sem o que o homem se transforma num 
ser exclusivamente biológico - está toda dividida: a indústria têxtil 
está separada da agricultura. Se, por exemplo, no início, cada in­
dustriài têxtil construía suas próprias máquinas, encomendando pe­
ças aos artesãos, com o aumento do número de indústrias têxteis se 
criou um mercado para indústrias de ,máquinas; as 'indústrias de 
máquinas se; especializam, etc. A divisão social e técnica do traba­
lho faz parte do mundo concreto dos homens e não pensar de modo 
fragmentado, dividido, dicotomizado, passa a ser cada vez mais ca­
racterístico daqueles que parecem ter perdido o sentido de realida­
de ... São "os que querem voltar ao passado", que "não vêem o 
progresso da História que está sob seus olhos", "são românticos", 
"idealistas", dizem. São "irracionalistas" e, assim, "se refugiam 
em seitas religiosas que os abrigam". Se o real é o racional abso­
luto que a civilização capitalista industrial cria, de fato, tem senti­
do chamar de irracionalistas e sonhadores os que não se identifi­
cam com essa razão, o que não quer dizer que não possa haver uma 
razão crítica alternativa à razão que oprime e devasta. 
A idéia de uma natureza objetiva e exterior ao homem, o 
que pressupõe uma idéia de homem não-natural e fora da natureza, 
cristaliza-se com a civilização industrial inaugurada pelo capitalis­
mo. As ciências da natureza se separam das ciências do homem; 
cria-se um abismo colossal entre uma e outra e, como veremos mais 
adiante, tudo isso não é só uma questão de concepção do mundo. A 
ecologia enquanto saber e, sobretudo, o movimento ecológico ten­
tam denunciar as conseqüências dessas concepções, embora o fa­
çam, muitas vezes, permeados pelos princípios e valores dos seus 
detratores . . . 
NOTAS 
1. Diga-se de passagem que chamar os pensadores que viveram antes do sé­
culo V a.C., na Grécia, de pré-socráticos já revela um preconceito, na 
medida em que se os nomeia pela referência não aos atributos que lhes 
são próprios, mas pela evocação daquilo (ou de quem) não são e que lhes 
sucede - Sócrates -, o que na verdade significa recusar-lhes identidade e 
36 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
cidadania. Esses homens que nos legaram teses das quais, infelizmente, só 
nos chegaram fragmentos num estilo de linguagem para nós pouco fami­
liar, têm sido alvo de muitas atenções sobretudo nos últimos anos. 
2. Esse marco, apogeu, só tem sentido para nós, porque para os gregos do 
século V a.C. aquela época não implicava necessariamente o ápice de um 
processo, muito embora fizessem referência aos perigos que rondavam a 
democracia grega e que criavam a possibilidade do seu declínio. 
A CIÊNCIA DIANTE DA NATUREZA 
Temos insistido em que toda sociedade, toda cultura, cria um de­
tenninado conceito de natureza, ao mesmo tempo em que cria e 
institui suas relações sociais. No interior destas relações sociais 
está embutida, portanto; uma detenninada concepção de natureza. 
Ora, a ciência moderna é também instituída por uma sociedade, por 
uma cultura, num processo que começa a se configurar com o Re­
nascimento no século XVI e se con�olida nos séculos XVill e 
XIX. Em conseqüência, a ciência instituída por esta sociedade traz 
nela, subjacentes, os pressupostos do real-imaginário desta cultura 
que a instituiu como relação social. Estamos, portanto, longe da 
crença que vê a evolução das idéias - no caso, da ciência, - como 
algo que paira acima dos mortais. Ao contrário, consideramos que 
o saber científico, instituído socialmente, como todas as instifui-
ões, não é definitivo ou imortal. 
Ainda que com os riscos de fazermos uma caracterização 
umária dos pressupostos que incorpora da sociedade que a criou, 
podemos �r que a ciência moderna se configura em torno de três 
ixos: 
1) A oposição homem e natureza. 
2) A oposição sujeito e objeto. 
3) O paradigma atomístico-individualista. 
38 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
A OPOSIÇÃO HOMEM VERSUS NATUREZA 
Já discorremos nos capítulos anteriores a respeito desta 
oposição, tão marcante no pensamento ocidental, entre o homem, a 
cultura, a história, de um lado, e a natureza, de outro. Nossas uni­
versidades estão ,estruturadas com base nesta oposição: de um lado, 
as ciências da natureza e, de outro, as ciências humanas. As ciên­
cias humanas vivem radicalmente separadasdas ciências da nature­
za e, assim, descobertas realizadas em um ou outro desses campos 
ficam nele isoladas, como se houvesse uma alfândega proibindo 
que saíssem das fronteiras de cada grande área do conhecimento. 
Assim, por exemplo, se a descoberta do código genético abriu a 
biologia para trocas com a quúnica, pois o gene está inscrito no 
ácido desoxirribonucléico, o ADN, o mesmo não ocorre entre a 
biologia e as teorias de comunicação, a informática e a cibernética, 
muito embora a biologia trabalhe com as noções de código, pro­
grama e memória . . . Em síntese, é necessário romper as barreiras da 
biologia não só para a <1J:ÚIDÍCa como também para as ciências so­
ciais, a teoria da comunicação, por exemplo. E tudo isso sem a 
preocupação de reduzir o biológico ao social ou vice-versa, evitan­
do equívocos do darwinismo social que de modo unilateral reduziu 
o social ao natural, ao biológico. 
Mesmo a geografia que, em princípio, não caberia dentro 
dessa oposição, reproduz no seu interior essa dicotomia através da 
separação entre a geografia física e a geografia humana. Os geó­
grafos talvez tenham a chance de pensar em nova� ahordagcns 
desta relação entre o físico e o humano. Todavia enquanto se 
mantiverem dentro dos parâmetros do pensamen.o herdado, poucas 
chances terão de superar o problema. Se refletirmos bem, observa­
remos que a ecologia vem ocupando esse espaço teórico e político 
que os geógrafos não têm sabido ocupar. Na verdade, é de um ou­
tro conceito de natureza e, conseqüentemente, de homem que a 
ciência, a sociedade e a cultura contempvrânea carecem. 
A busca de algo que comprove que o homem não é nature­
za se constitui numa verdadeira obsessão do pensamento herdado 
no Ocidente. O homem é um ser social, dizem-nos. Para o de­
monstrar, lança-se mão de exemplos de crianças que foram encon-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 39 
tradas completamente isoladas de uma sociedade-cultura. As difi­
culdades de articulação da linguagem, os gestos incompreensíveis e 
até a postura corporal diferente são citados como evidências de que 
o homem só é homem se vivendo socialmente, no ambiente de uma 
cultura. Ora, essa tese só teria substância se observássemos em vá­
rias comunidades animais como se dá o comportamento de cada in­
divíduo de cada espécie e depois observando o caso de um indiví­
duo em cada comunidade que também fosse encontrado completa­
mente isolado e verificássemos que o comportamento dos indiví­
duos isolados não apresentava diferenças fundamentais em relação 
ao da sua mesma espécie, o que nos permitiria acreditar que o 
comportamento dos animais diferentes do homem deriva exclusi­
vamente de características genéticas e não da convivência deles em 
grupo. Mesmo que se pudesse dizer que um grupo de indivíduos da 
mesma espécie apresenta determinadas características (enquanto 
grupo) que advêm de sua estrutura genética, ainda assim caberia 
explicar por que um indivíduo isolado não apresenta as mesmas ca­
racterísticas quando está sozinho e quando está vivendo em grupo. 
Parece evidente que a diferença detectada se deve à sociabilidade 
derivada da vida em grupo que teria, no mínimo, a capacidade de 
selecionar certos atributos e potencialidades genéticas. Neste caso, 
percebe-se a dimensão do pensamento de Spinosa quando afirmava 
que todo ser é potência e que a potencialidade de cada ser se de­
senvolve na relação. 
O desenvolvimento recente da etologia, ciência que estuda 
o comportamento dos animais na sua vida em grupo e, também, da 
sociobiologia indica, no mínimo, que o viver em sociedade é uma 
característica do reino dos seres vivos, sobretudo dos animais. 
Mais adiante veremos com mais detalhes que tal problema, em su­
ma, só se coloca em virtude do pressuposto atomístico-individua­
lista que tem dominado o pensamento ocidental e, por conseqüên­
cia, a ciência modema. 
Dizer, portanto, que o homem é um ser social como se isso 
o distinguisse dos demais seres da natureza pode ser uma afirmação 
altissonante mas que pouco faz avançar qualquer esforço de dife­
renciação entre o homem e a natureza, na medida em que os seres 
vivos, sobretudo os animais, já vivem socialmente. Isso não quer 
i i 
40 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
dizer que o homem não seja um animal social, mas que é social 
porque é animal e os animais vivem socialmente. Por outro lado, 
essa constatação não autoriza uma interpretação ingênua que redu­
ziria o homem ao reino animal sem maiores reflexões. Assim como 
entre os animais há diferenças significativas, e homem tem também 
as suas especificidades. 
Outros auto�s, como Uvi-Strauss, vão tentar distingqir o 
homem da natureza pelo fato de os homens estabelecerem interdi­
ções ou proibições para o acasalamento. Ou seja, o relacionamento 
sexual entre os hwnanos está sujeito a regras arbitrárias, artificiais, 
culturais, onde uma série de possibilidades estão int�rditadas. Por 
exemplo: irmãos consangüíneos, pai e filha, mãe e filho não podem 
casar entre si. Assim, cada cultura teria suas próprias interdições, 
seus próprios tabus, e nisso os homens se distinguiriam dos ani­
mais, da natureza, onde reinaria a promiscuidade ou, se se preferir, 
nenhuma lei existiria regulando os acasalamentos. Essa tese, que 
quase levou a que se confundisse o objeto da antropologia com o 
estudo das relações de parentesco, trouxe-nos uma série de conhe­
cimentos importantes a respeito das relações entre os homens. To­
davia, o próprio Uvi-Strauss em prefácio recente a sua antiga obra 
Estruturas Elementares do Parentesco reconhece que se houver 
separação entre natureza e cultura a linha divisória é extremamente 
tênue. E assÍlJ.l afirma em virtude de ter tido acesso a inúmeros tra­
balhos rigorosos e científicos que admitem a existência de relações 
de parentesco e de interdições entre alguns primatas superiores. 
Ironicamente, se a antropologia, com Uvi-Strauss, muito contri­
buiu para a compreensão do homem isso se deu apesar e até por 
causa da ilusão de ter pensado encontrar o divisor de águas que se­
para a natureZa da cultura, isto é, as relações de parentesco ... 
E poderíamos alongar a lista de tentativas que se fizeram 
no Ocidente para afirmar essa separação entre natureza e cultura, 
evocando os exemplos em que a linguagem, a técnica e o trabalho 
aparecem como a chave da separação. 
Tais considerações nos levam a pensar na aparentemente 
contraditória dificuldade que nós ocidentais temos para conviver 
com a diferença. Se natureza e homem são diferentes e na chamada 
.natureza os seres são diferentes entre si, por que não aceitar com 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 41 
tranqüilidade esse fato? Não se pode localizar aí a tendência sem­
pre presente no pensamento ocidental em sua vertente dominante e 
hegemônica de querer justificar a dominação do homem sobre a 
natureza e de alguns homens sobre outros homens argumentando 
com as diferenças de natureza? Enfim, não seria a tendência a 
transformar a diferença em hierarquia, em superior e inferior, o que 
explicaria essa discriminação do diferente na nossa sociedade-cul­
tura? Retomaremos essas questões mais adiante. Por ora, avance­
mos um pouco mais na análise das dificuldades advindas para a 
ciência modema em conseqüência da concepção de mundo .que tem 
predominado em nossa sociedade. 
A OPOSIÇÃO SUJEITO VERSUS OBJETO 
No mundo moderno, com Descartes, o método ganha maior 
destaque. O sujeito - o homem -, dispondo do domínio de método 
científico poderá ter acesso aos mistérios da natureza e, assim, tor­
nar-se senhor e possuidor desta, utilizando-a para os fms que de­
sejar. Hoje, vemos jovens universitários desejando a todo custo 
dominar o método científico que lhes dará a chave de acesso à rea­
lidade das coisas. Afinal, temos de ser pragmáticos, pois se conti­
nuarmos nessas discussões metafísicas, filosóficas e especulativas, 
nunca chegaremos a nada - dizem-nos · não apenas os jovens, mas 
tan�bém professores e pes_quisadores que estão certos de que dis­
põemdo segredo do acesso aos mistérios do mundo. Não se aper­
cebem de que eles mesmos foram instituídos por esta sociedade e 
cultura. 
Para os gregos, a palavra método significava caminho a ser 
seguido. Ora, a ciência tenta, exatamente, conhecer o que é desco­
nhecido. Em outras palavras, o cientista constrói um determinado 
objeto que · considera significativo e que- aeredita ser indevida ou 
insuficientemente conhecido. Daí a prática comum entre os cien­
tistas de passar em revista as diferentes abordagens de um determi­
nado fenômeno e, depois, propor uma outra interpretação, um outro 
·aminho. Nesse sentido, a ciência caminha do conhecimento pre­
umido para o desconhecido, tenta de-cifrar o que está cifrado. 
42 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
Ora, se a ciência caminha em direção ao desconhecido, qual é o 
caminho - o método - que leva até lá? Estranho paradoxo esse o de 
pretender dominar um método que nos permita desvendar o misté­
rio da natureza das coisas antes de entrar numa relação efetiva com 
elas. Na verdade, como nos ensina o físico e filósofo Gaston Ba­
chelard, nenhum método pode ser construído a não ser na relação 
com o objeto. Ou, como dizia Ernesto "Che" Guevara, "EI camiíio 
se hace ai caminar" ... Estas observações, sabemos, poderão ser 
classificadas de "espontaneístas" ou românticas e seremos, talvez, 
censurados por essa associação pouco usual de Bachelard e Gueva­
ra, quando eles se envolviam com preocupações tão diferentes. To­
davia, talvez o que autoriza exatamente essa aproximação seja a 
abertura e a flexibilidade de espírito que esses dois homens conse­
guiam ter diante de questões tão sérias como a ciência e a políti­
ca . . . Seriedade e rigor científico não devem ser, portanto, confun­
didos com dogmatismo. 
Sujeito e objeto pressupõem uma relação, um diálogo per­
manente, pois é nessa tensão que se produz o conhecimento. O su­
jeito, o cientista, não é o lado ativo que se opõe ao objeto, o lado 
passivo. Não se pode fazer qualquer pergunta ao objeto que nos 
dispomos a investigar ... 
A separação entre espírito e matéria, tão cara à filosofia 
medieval, assume feições modernas na separação en�e sujeito e 
objeto. O homem - o sujeito - debruça-se sobre a natureza-objeto, 
tomada coisa. Não há problema, portanto, se dividimos a natureza 
em tantos objetos científicos quanto possível, pois se trata de uma 
"natureza-morta". Estranho seria se nos dias de hoje a natureza e 
os homens não estivessem devastados e massacrados em função 
desses pressupostos. A revolução industrial, muito mais que uma 
profunda revolução técnica, foi o coroamento de um processo civi­
Iizatório que almejava dominar a natureza e para tanto submeteu e 
sufocou os que a ele se opunham. O absurdo é que tal projeto teve 
- de antemão - de colocar o homem como não-natureza, pois se o 
homem não fosse assim pensado a questão da dominação da natu­
reza sequer se colocaria. Ironicamente, a falácia dessas teses que 
opõem peremptoriamente o homem à natureza fica' evidenciada na 
constatação de que historicamente a dominação da natureza tem si-
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 43 
do, via de regra, a história da dominação do homem pelo homem e 
isso, evidentemente, não tem nenhuma justificativa na natureza . . . 
Pensar a natureza, portanto, significa trazer à tona profun­
das implicações filosóficas e nós que assumimos plenamente a 
ecologia temos de ir o mais fundo possível nessa reflexão para não 
resvalarmos nas simplificações que tantos danos nos têm causado. 
Em nome da ciência, do seu rigor teórico e metodológico, 
tem-se justificado toda uma prática de dominação dos homens e da 
natureza. Já vimos muitos afmnarem que a culpa por este desdo­
bramento não é da ciência. A ciência não é um saber que paira 
acima dos homens, mas fruto de uma relação social instituída. Afi­
nal, foi em nome de um saber objetivo, capaz de promover a felici­
dade humana, que a ciência se afmnou frente à filosofia e à reli­
gião, com os iluministas do século XVIII . . . Os dogmas religiosos 
que tantos obstáculos colocavam à compreensão do mundo deve­
riam ser abolidos para dar passagem à vida . . . Aqueles que hoje vê­
em a ciência servir para a destruição de hiroshimas e nagasakis, pa­
ra a corrida armamentista, para o genocídio e para o aniquilamento 
das condições naturais da vida, devem-se interrogar sobre o con­
texto sócio-histórico que instituiu essa ciência . . . Muitos já o estão 
fazendo e, sobretudo entre os jovens, vemos uma frontal recusa a 
esse projeto civilizatório. Não é por acaso que a ecologia encontra 
entre eles grande simpatia. Muitas vezes se tem tentado desqualifi­
car esse movimento exatamente por esse seu perfil de jovialidade. 
E como os jovens, pela própria (de)formação que a sociedade lhes 
impõe, não são iniciados nos argumentos "sérios", "científicos" e 
"racionais", sentem-se deslocados, indo muitos buscar em seitas 
religiosas e práticas místicas abrig�para as suas angústias e espe­
ranças. É comum entre eles se criticar a razão, pois o que consta­
tam é que em nome dela se explora, oprime e devasta. Recordemos 
Herbert Marcuse que alertava os jovens para o fato de que chamar 
de racional a General Motors era fazer-lhe um elogio que ela não 
merecia . . . 
É preciso enfatizarmos que a visão de mundo que tem sido 
hegemônica em nossa sociedade, com seus conceitos de natureza e 
d homem, não se afmnou porque era melhor ou superior. Aceitar 
ssa tese só teria sentido se ignorássemos que muitas das questões 
44 CARLOS WALTER P. GONÇALVES 
que hoje levantamos já o haviam sido no passado por outros que 
foram sufocados, silenciados e oprimidos. É esse "silêncio dos 
vencidos" que tentamos resgatar, vendo na história o lugar de ten­
são não sô entre teorias mas, sobretudo, entre práticas; percebendo 
que aquelas que porventura são instituídas . fazem questão de se 
apresentarem como naturais e, com isso, procuram ofuscar que, ao 
se instituírem, o fizeram sufocando outras possíveis práticas que te-
riam dado origem a uma outra história. 
· 
É por isso que devemos buscar na história, des-cobrir 
aquilo que o discurso oficial encobre e, com isso, superar aquela 
arrogância típica dos ignorantes que, muitas vezes, pensam que 
estão sendo inovadores ou criativos . . . 
As instituições que se impuseram em nossa sociedade pre­
tendem aparecer a cada um de nós como habituais, rotineiras, eter­
nas, em suma, naturais. Não deve nos escapar esse sentido de na­
tureza que está embutido na afirmação que acabamos de fazer. 
Nela o natural quer dizer o imutável. . . Com freqüência ouvimos di­
zer que sempre houve ricos e pobres ou opressores e oprimidos e 
que, portanto, isso é natural - logo, imutável. Isso não passa de 
uma boa maneira de se deixar tudo como está. Pretende-se congelar 
a história, a sociedade e a cultura, enfim, manter o status quo. A 
natureza é evocada como a imagem do "é assim" desde os primór­
dios, do sempre igual, do mesmo. Portanto, devemos ter muito cui­
dado quando nos tentam convencer de que isso ou aquilo é natur� 
pois, quase sempre, o que se está querendo exatamente escamotear 
é aquilo que é da natureza da história, da sociedade e da cultura, 
isto é, a tensão e o conflito de onde o novo, o diferente, podem 
brotar. 
A ci_ência, ela própria, também é instituída e, dessa forma, 
como expressão de uma relação social não pode ser encarada como 
estando acima ou abaixo dos homens que a instituíram. 
O PARADIGMA ATOMÍSTICO-INDIVIDUALISTA 
DA CIÊNCIA MODERNA 
Uma outra característica que tem marcado a ciência mo­
dema, e com ela a abordagem do que seja natureza e homem, é a 
OS (DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 45 
concepção atonústico-individualista nela predominante. Como nos 
diz Serge Moscovici: 
Tudo agora é moldado segundo esse padrão: átomo perma­
nente, indivisível, ou mônada s�m portas nem janelas, or­
ganismo lutando pela sobrevivência - o mais forte há de 
vencer! - animal agregado a uma horda; compmdor ou 
vendedor no mercado; sábio

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