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2011 História regional Prof. Cesar Augusto Jungblut Copyright © UNIASSELVI 2011 Elaboração: Prof. Cesar Augusto Jungblut Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 981.64 J95h Jungblut, Cesar Augusto. História regional / Cesar Augusto Jungblut. Indaial : Uniasselvi, 2011. 182. p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-427-0 1. História Regional I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III apresentação Caro(a) acadêmico(a), neste Livro de Estudos você irá estudar a disciplina de História Regional. Essa disciplina diferencia-se um pouco das outras estudadas até agora. Isso se dá pelo fato de que a História Regional não é algo tão presente nos cursos de História e no Ensino Básico. Também queremos alertar que o Livro tem uma boa parte dele dedicado a questões teóricas, importantes para a formação de um bom Professor de História. A história ao longo dos últimos tempos vem recebendo a influência de múltiplas abordagens, como você já estudou na disciplina de Processos Historiográficos, ou seja, o fazer histórico na atualidade tem várias formas de compreender o passado. Aqui, estudaremos algumas questões ligadas à História Regional que o (a) ajudarão a pensar questões teóricas sobre o tema e relacioná-las com seu contexto mais próximo. Também focamos em questões de conteúdos, como alguns eventos regionais da nossa História. Nesse sentido, abordaremos questões relacionadas diretamente com a História Regional. Na Unidade 1 você estudará a História Regional e Região. Já na Unidade 2 estudaremos a aproximação da História Local e Regional e suas comparações com a escala nacional e global. Veremos também como trabalhar essas questões no ensino de História. Por fim, na Unidade 3 destacaremos alguns eventos regionais da nossa História. Caro(a) acadêmico(a), é importante que você leia todo o material, faça as atividades, discuta com seus colegas. Procure ir além deste Livro de Estudos no seu aprendizado. Quando tiver dúvidas, procure a UNIASSELVI para saná-las. Desejo-lhe um ótimo estudo! Prof. Cesar Augusto Jungblut IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 - ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL .................. 1 TÓPICO 1 - ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL ............................................................ 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 DEFINIÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA REGIONAL .............................................................. 3 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL ............................................................... 8 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 12 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 16 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 17 TÓPICO 2 - O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS ........................................ 19 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 19 2 ORIGEM DO TERMO REGIÃO .................................................................................................... 19 3 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE MODERNA ............................................................... 20 4 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA .............................................. 21 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 22 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 27 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 28 TÓPICO 3 - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO ................................................ 29 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 29 2 ALGUNS CONCEITOS DO TERMO REGIÃO........................................................................... 29 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 35 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 39 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 40 TÓPICO 4 - A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL COM A HISTÓRIA REGIONAL ................................................................................. 41 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 41 2 HISTÓRIA LOCAL............................................................................................................................ 41 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 46 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 48 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 49 TÓPICO 5 - A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL ...............................................................51 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 51 2 A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL ................................................................................................. 51 RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 58 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 59 sumário VIII UNIDADE 2 - HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL ........ 61 TÓPICO 1 - O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM A VER COM A HISTÓRIA REGIONAL ....................................................................... 63 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 63 2 HISTÓRIA COMPARADA .............................................................................................................. 63 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 65 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 69 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 70 TÓPICO 2 - AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA REGIONAL ............................................................ 71 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 71 2 MICRO-HISTÓRIA ........................................................................................................................... 71 3 MICRO-HISTÓRIA E HISTÓRIA REGIONAL .......................................................................... 74 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 77 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 79 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 80 TÓPICO 3 - A AFINIDADE ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA ................................................. 81 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 81 2 A RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA ......................................................................... 81 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 85 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 89 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 90 TÓPICO 4 - O USO DA HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL ...................................................................... 91 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 91 2 O QUE É HISTÓRIA ORAL ............................................................................................................ 91 3 COMO A HISTÓRIA ORAL PODE SER UTILIZADA NO ESPAÇO ESCOLAR? ............ 93 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 94 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 95 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 96 TÓPICO 5 - METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL ........... 97 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 97 2 PARA COMEÇO DE CONVERSA ................................................................................................. 97 3 AS POSSÍVEIS ABORDAGENS DE ENSINO ............................................................................ 98 4 ENSINANDO DIFERENTE ............................................................................................................. 100 5 ALGUMAS PALAVRAS FINAIS ................................................................................................... 104 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 105 RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 107 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 108 UNIDADE 3 - CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA .................................................................................. 109 TÓPICO 1 - CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ ................................................. 111 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 111 2 UMA REVOLTA POPULAR? ......................................................................................................... 112 IX 3 O INÍCIO DA CONTENDA ........................................................................................................... 113 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 116 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 120 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 121 TÓPICO 2 - A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA REVOLTA REGIONAL E DE ELITE ........................................................................... 123 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 123 2 ENTENDENDO O PANO DE FUNDO DA REVOLUÇÃO ...................................................... 124 3 QUESTÕES POLÊMICAS E O FINAL DO CONFLITO ............................................................ 127 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 134 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 135 TÓPICO 3 - A SABINADA E A BALAIADA NO CONTEXTO REGIONAL ........................... 137 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 137 2 SABINADA: UMA REBELIÃO DIFERENTE NO IMPÉRIO ................................................... 137 3 AS CAUSAS DA REVOLTA E SEUS DESDOBRAMENTOS ................................................... 138 4 UMA QUESTÃO PERTINENTE ..................................................................................................... 140 5 BALAIADA: A REBELIÃO SERTANEJA ...................................................................................... 141 6 A COMPREENSÃO DO CONFLITO .............................................................................................142 7 COMEÇA O CONFLITO .................................................................................................................. 144 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 147 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 151 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 152 TÓPICO 4 - GUERRA DE CANUDOS: A LUTA DE UM POVO NA BAHIA .......................... 153 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 153 2 A REPÚBLICA E SUAS FRAGILIDADES .................................................................................... 154 3 ANTÔNIO CONSELHEIRO E SEUS SEGUIDORES ................................................................. 156 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 159 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 162 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 163 TÓPICO 5 - CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL ............................................................................ 165 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 165 2 CONFLITOS HISTÓRICOS ............................................................................................................ 165 3 QUESTÃO SOCIAL E MESSIÂNICA ........................................................................................... 167 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 171 RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 173 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 174 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 175 X 1 UNIDADE 1 ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • conhecer as características da História Regional no contexto historiográfico; • identificar as principais mudanças ocorridas com o conceito de região; • compreender o conceito de região para a História. Esta unidade está dividida em cinco tópicos e em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL TÓPICO 2 – O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS TÓPICO 3 – A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO TÓPICO 4 – A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL DA HISTÓRIA REGIONAL TÓPICO 5 – A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 1 INTRODUÇÃO 2 DEFINIÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA REGIONAL Trabalhar com a História Regional implica analisar uma determinada singularidade em meio a uma totalidade, sob um “movimento dialético entre o pequeno e o grande acontecimento, para não cair no erro de relativizar os acontecimentos, idealizando grupos e acontecimentos”. (CAPRINI, 2010). Caro(a) acadêmico(a), tendo em vista que esta disciplina tratará de temas que são pertinentes à História Regional, é fundamental pensarmos em uma significação para o que se define como História Regional, discorrendo sobre seus aspectos conceituais e teóricos. Acompanhe! Você já deve ter lido ou ouvido falar sobre História Regional, não é mesmo? Embora este termo, conceito, assunto, disciplina pareça ter um único sentido, como quase tudo na História, não tem. Para começar o estudo nessa disciplina é importante que você perceba que a História Regional não se constitui como um método, muito menos possui um corpo teórico próprio. É uma opção de recorte espacial do componente estudado, ou seja, é uma forma de delimitar algo a ser estudado sobre o passado. Veja bem: uma forma. Logicamente poderão existir outras e, mesmo dentro desta forma, poderão ainda existir outras tantas abordagens. Uma das maiores críticas que se faz a esta História e que tem sido motivo de muitos artigos diz respeito ao seu enfoque limitado. A História Regional teve seu advento coincidindo com a influência da Escola dos Annales, estabelecendo uma fronteira interdisciplinar muito próxima com a Geografia. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 4 José D’Assunção Barros (2010), Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que: [...] a interdisciplinaridade entre História e Geografia é estabelecida, entre outros aspectos, por meio de conceitos como “região”. Em uma de suas formas mais elementares, o espaço pode ser abordado como uma área indeterminada, que existe previamente na materialidade física. Foi a partir desta noção fundadora que, já na Geografia tradicional, tiveram início outras categorias de região. Noções essas das quais logo os historiadores e outros cientistas sociais começaram a se apropriar. Em nosso país, os estudos regionais de história proliferaram, sobretudo, a partir das décadas de 1970 e 1980. Suas maiores expressões ocorreram com mais intensidade no campo da História Agrária e da História Política. Esses estudos continham por pressupostos metodológicos a pesquisa empírica, quase sempre ancorada sobre um número expressivo de fontes seriadas, o qual só era possível de ser realizado através de um recorte espacial regional bem específico. Além do mais, a História Regional oferecia a possibilidade de comparação entre diferentes situações históricas, contribuindo para a produção de uma síntese, a nível macroespacial, uma vez que cada região não poderia ser vista deslocada do todo em que se encontrava inserida. O recorte regional permitia o esgotamento das fontes disponíveis para a pesquisa, garantindo a veracidade dos resultados. A homogeneidade das fontes seria outro elemento facilitador decorrente dos estudos regionais (VISCARDI, 1997). Escola dos Annales – Já foi estudada nos Livros de Pré-História e Processos Historiográficos. A Escola dos Annales constitui-se num movimento historiográfico, recebendo esse nome por ter surgido em torno do periódico acadêmico francês Revue des Annales. Destacou-se, entre outros aspectos, por ter revolucionado o olhar do historiador usando outras ciências sociais em suas análises. NOTA Leia o livro: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. DICAS TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 5 Para Marcos Silva (1990), um dos pesquisadores que se dedicou a explicar os fundamentos da História Regional, o regional é um recorte e não uma forma de escrever a História. Este autor entende a região como um universo de práticas vivenciadas pelos diversos grupos humanos que nela se inserem, o qual engloba desde o relevo, as relações humanas, a família, as condições de sobrevivência, até os aspectos culturais, a comunidade, entre outros. A partir desta definição, pode- se pensar em extrapolar limites e fronteiras de ordem administrativa-política que, em geral, costumam delimitar uma região. Assim sendo, o regional torna-se um conjugado de identidades não vinculado, necessariamente, aos limites formais físicos estabelecidos. Oque você verá mais adiante. Corroborando no sentido de entender o termo História Regional, Westphalen (apud FRAGOMENI, 2005) questiona: “limitar o campo de estudo é, porventura, diminuir a história? Reduzir seu objetivo para melhor atingi-lo não seria mais eficaz e produtivo?” A autora segue na mesma linha da maioria dos autores que tratam da questão, ou seja, considera a História Regional uma metodologia, uma estratégia operacional. Diz também que a expansão dos estudos de história regional já é objeto de análise desde o século XVIII, quando a vida era muito mais marcada pela região do que pela nação. FONTE: Disponível em: <http://www.revistas.uepg.br/index. php?journal=rhr&page=issue&op=view&path%5B%5D=20>. Acesso em: 22 jan. 2011. FIGURA 1 – CAPA DA REVISTA HISTÓRIA REGIONAL UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 6 Ana Luiza Setti Reckziegel (1999) aponta alguns fatores para a maior recorrência desses estudos. O primeiro está ligado ao esgotamento das macroabordagens, das volumosas sínteses, as quais se mostravam insuficientes para entender questões mais particularizadas. O exemplo disso é a diminuição cada vez maior daqueles títulos e obras sobre História do Brasil, enfocando grandes períodos e espaços geográficos. O segundo acontece em função da instalação e ampliação de cursos de pós-graduação em todo o país, e pelo fato dos mesmos fomentarem a formação de uma geração de novos pesquisadores, dotados de embasamento científico- teórico e comprometidos com temas locais, mais próximos de suas realidades. Terceiro, a ocorrência de transformações recentes da história brasileira, que mudaram fortemente a organização espacial do país, com destaque para as regiões Norte e Centro-Oeste, provocando um reordenamento da relação entre as demais regiões brasileiras e, por conseguinte, um olhar para essas regiões, antes esquecidas. Quarto, a questão da modificação de concepção sobre o conceito de região. Sobre esse ponto, faremos a seguir uma sucinta retrospectiva histórica, com a intenção de polemizar este entendimento e oportunizar a constatação das alterações de sentido sofridas pelo termo através do tempo. No entanto, Cláudia de Paiva Fragomeni (2005) alerta que a História Regional enfrenta uma série de dificuldades para sua pesquisa, que passam desde as dificuldades em fontes documentais até a escassez de bibliografias adequadas, visto que grande parte do acervo que poderia ser usado, muitas vezes, se encontra em mãos de particulares, o que torna inacessível e atrapalha o acesso ao material, ocasionando para o historiador um árduo trabalho de garimpagem. Assunto que veremos em outra unidade desse Livro de Estudos. É significativo perguntar: por que atualmente vem ocorrendo um aumento dos estudos sobre História Regional? Nas últimas décadas, o campo historiográfico brasileiro vem abandonando as abordagens nacionais/gerais e se dedicando mais às abordagens regionais e temáticas. ATENCAO TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 7 Aqui cabe fazer um parêntese. Mesmo com o aumento significativo que atualmente vem ocorrendo dos estudos sobre História Regional apontados pelos fatores anteriormente elencados, essa abordagem ainda tem desafios a serem superados, e um deles está relacionado a vencer preconceitos, pois muitas vezes ela é tida como história menor, sem alcance do todo. Queremos deixar claro justamente o contrário, pois, quando nos referimos à História Regional, estamos ressaltando a necessidade de pesquisarmos espaços e contextos que em muitos casos ficam esquecidos, isto é, valoriza-se geralmente aspectos da história nacional ou temas já consagrados, sem dar destaque para a História Regional. Agnaldo de Sousa Barbosa (2011) alega que ainda nos anos de 1980, o surgimento e a ampliação da produção de estudos históricos regionais tenham contribuído enormemente para o desenvolvimento de um conhecimento histórico que vislumbrasse as experiências das mais diversas localidades brasileiras, abrindo espaço na academia para a emergência de uma modalidade de história escrita a partir de realidades particulares, menores. Esse tipo de história é ainda encarado com certo incômodo na Universidade, sob a mira de olhares desconfiados. Em defesa dessa abordagem mais local para a História, Agnaldo de Sousa Barbosa (2011) lembra que a história “generalizante” ou total, aquela das grandes sínteses, tipo História do Brasil desde o descobrimento aos nossos dias, trabalha com a noção de um tempo constante, comum a todos os espaços, o chamado “tempo global”. Por sua vez, a História Regional preocupa-se com a apreensão do “tempo dos lugares”, o tempo verdadeiramente vivido por cada lugar, mesclado por experiências distintas daqueles vislumbrados por abordagens “globais”. Dito de outra maneira, a História Regional passou a ser apreciada em virtude da possibilidade de fornecimento de explicações na configuração do espaço nacional, uma vez que a historiografia nacional tende a ressaltar as semelhanças, enquanto a regional aborda as diferenças e multiplicidades. Então, você pode perceber que a história regional proporciona, na dimensão do estudo do particular, um aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao relacionar semelhanças entre as situações históricas diversas que constituem a nação. Pesquisando o espaço de ação, local onde os homens desenvolvem suas relações sociais, políticas, econômicas e culturais, a História Regional possibilita através de sua abordagem um tipo de saber histórico que oportuniza conhecer uma ou mais destas dimensões nessa região, que pode ser analisada tanto no que concerne aos seus desenvolvimentos internos, como no que se refere à sua inserção em dimensões mais amplas. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 8 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL Para complementar o estudo deste tópico, apresento as principais ideias do texto de Aldieris Braz Amorim Caprini que faz importantes reflexões sobre História Regional. Outras questões referentes ao conceito de História Regional poderiam ser abordadas, porém, seria um debate demasiado longo. Assim, o que deve ficar evidenciado é que essa modalidade de conhecimento histórico permanece imbuída do objetivo de difundir as vivências concretas de homens e mulheres num contraponto ao que, muitas vezes, está ou fica distante do alcance da história globalizante. E que esse olhar seja capaz de revelar também aspectos que não são costumeiramente abordados pelas análises mais amplas. A História Regional nunca deve ficar circunscrita ao seu espaço local, mas tentar explicar as conexões necessárias para entender o global. DICAS CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL [...] A renovação historiográfica no século XX, fruto do movimento dos Annales, possibilitou a ampliação dos campos e territórios do historiador. Após 1970 ampliaram-se as discussões sobre abordagens e enfoques na pesquisa em história. Nesse contexto, merece tecermos breves considerações sobre a História Regional. Não é nosso objetivo fazer uma longa discussão teórica sobre o assunto, pois nos limitamos às reflexões sobre a prática que temos em pesquisas locais e que podem contribuir para os historiadores iniciantes através da exposição sobre seu conceito, sua relevância e aspectos do assunto que foram verificados na experiência com o tema. Os trabalhos denominados de História Regional são constantemente questionados pelo fato de que toda pesquisa aborda determinado espaço, daí todas as pesquisas serem regionais, não necessitando de enfatizar a metodologia. TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 9 Não temos o interesse, nesse texto, de discutirmos essa opinião. Para nós interessa a ampliação das pesquisas em história. Nesse caso, quando falamos em História Regional, estamos enfatizando a necessidade de pesquisarmos espaços e contextosque ficam esquecidos, sendo valorizados somente aspectos históricos nacionais ou temas já consagrados. Ao trazer a temática regional, estamos salientando a necessidade de ampliarmos os objetos de estudos para conhecermos melhor a história do país, valorizando as peculiaridades. É importante a discussão conceitual sobre região e História Regional, para que possamos incluir essa abordagem historiográfica em nossas pesquisas. A História Regional vai estudar o contexto histórico de determinado espaço, tomando-o como delimitação para o objeto de estudo. [...] Ao tratarmos de História Regional estamos nos referindo à abordagem que o historiador faz do seu objeto de estudo, recortando determinado espaço a ser estudado: [...] de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial). (SILVA, 1990, p. 43). É importante explicarmos também que História Regional e micro- história não são a “mesma coisa”. Assunção (2004, p. 153) enfatiza que a micro-história faz uma redução de escala de observação para perceber aspectos que poderiam não ser percebidos na análise macro. A História Regional faz o estudo da realidade recortada por ela mesma. Os trabalhos regionais são justificados porque os estudos nacionais ressaltam as semelhanças, e a regional trabalha com as diferenças. Possibilitam abordar aspectos que não seriam percebidos no contexto maior. Os trabalhos sobre o coronelismo, por exemplo, apresentam tipos sociais que muitas vezes não expressam a realidade política do Brasil como um todo. O Espírito Santo, por exemplo, apresenta, em muitas regiões geopolíticas, o coronel vendeiro, aquele que não se encaixa no tipo latifundiário, que acaba sendo sinônimo, para muitos, de coronel. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 10 Temos, conforme pesquisas realizadas, uma estrutura de poder em que o político obtém o poder via comércio, especialmente nas regiões de pequena propriedade, o que só pode ser verificado se tomarmos o estudo de determinada região, senão caímos no erro de tomarmos pesquisas de outras regiões para explicar o todo. O estudo regional nos permite estabelecer comparações, uma vez que, ao estabelecermos uma relação do regional com o nacional, nossa visão e compreensão de determinado fato se amplia, possibilitando romper com estereótipos historiográficos. No entanto, ao trabalharmos com essa abordagem, é necessário estabelecermos algumas considerações. Como em toda pesquisa, o pesquisador deve ter identificação com o assunto, nesse caso deve ainda apresentar afinidade com a região em estudo. Não se trata de uma questão de ter uma ligação sentimental ou de “dívida” com a região estudada. Como em toda pesquisa, há a necessidade de uma relação, afinidade, entre pesquisador e objeto. Outro ponto a ser considerado é que o pesquisador deve estar ciente de que a história regional vai lhe trazer algumas implicações no que se refere às fontes. Na maioria das vezes, os documentos não estão em arquivos públicos organizados e à disposição para a pesquisa. O pesquisador vai ter que localizar o material, que pode estar em poder de famílias ou instituições que dificultarão o acesso por motivos diversos. Muitas famílias, por exemplo, não gostam de abrir ou ceder documentos que lhes pertencem e até mesmo dar informações sobre algum membro, com receio de que o pesquisador perca a “relíquia” familiar ou que a pesquisa possa prejudicar a imagem da família com as informações apresentadas. Quando ele chega ao documento, vai ter que organizá-lo para depois trabalhar. O que é diferente de pesquisas sobre assuntos que apresentam material organizado em arquivos públicos. Além disso, há as fontes orais, que são importantíssimas no estudo regional, sendo muitas vezes a única fonte disponível e que requer uma atenção para que a pesquisa em história regional não fique comprometida com os interesses do entrevistado ou a distorção das respostas. Não negamos a subjetividade na história, mas cabe ao historiador saber conduzir sua escrita. Ressalta-se também que as fontes secundárias são escassas ou não existem, na maioria das vezes, pois sua pesquisa pode ser o primeiro trabalho sobre aquela região. Daí outro ponto interessante sobre a História Regional. Você não vai ter um livro ou outras pesquisas para nortear seu trabalho, TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 11 o que demanda mais tempo para organizar a pesquisa. Esteja consciente ainda de que os resultados do seu trabalho vão ser lidos pelos indivíduos que contribuíram para sua pesquisa (por meio de entrevistas ou doação de documentos) ou pessoas ligadas a eles. Como, na maioria das vezes, o pesquisador regional convive com seu objeto de pesquisa, ele poderá ser questionado sobre as conclusões apresentadas, que, muitas vezes, não são o que o objeto de estudo gostaria que fosse apresentado. Falar de modo geral das fraudes eleitorais do Brasil na Primeira República é uma coisa. Apresentar o nome do candidato e a denúncia em jornal da época sobre as fraudes pode levar o pesquisador a um confronto com a família desse político, o que não ocorre quando abordamos o geral. Mas há também recompensa: quando vemos o resultado, o fato concreto, perto de nós. Esse é um ponto importante, a pesquisa regional te aproxima do objeto de estudo, daí a História Regional motivar os pesquisadores. Outro ponto relevante é considerarmos a necessidade, como em qualquer pesquisa, de recorrermos ao referencial teórico e ao rigor científico. Muitos trabalhos regionais acabam retratando a história de forma não acadêmica e caem em relatos de memórias, sem uma análise crítica dos testemunhos ou, então, um amontoado de informações sem uma organização teórico-metodológica, o que é muito comum nos trabalhos das pessoas que “querem resgatar a história local”. Não somos contra esse resgate, mas o historiador não pode ter essa posição. Cabe a ele se posicionar perante seu ofício a partir de teorias e metodologias de pesquisa. Consideramos, assim, que a História Regional, quando devidamente trabalhada, é um campo rico para o historiador em seus estudos e que deve ser considerada em trabalhos de conclusão de cursos, monografias, dissertações e teses. O regional nos possibilita peculiaridades que ficariam ignoradas se não tomadas em partes. As pesquisas levantam fontes e temas que não são possíveis de ser contemplados no estudo do geral. Além da pesquisa, o regional deve ser incluído no ensino de história e reconhecido como uma abordagem que merece rigor teórico e metodológico, ampliando as possibilidades do ofício do historiador. FONTE: Disponível em: <http://www.saberes.edu.br/arquivos/texto_aldieris.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2010. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 12 LEITURA COMPLEMENTAR OS ESTUDOS REGIONAIS NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Marcos Lobato Martins As últimas décadas têm sido fecundas na produção e divulgação de pesquisas de história regional e local. Basta examinar as grades de programação dos encontros nacionais e regionais de História, os índices das revistas especializadas e os catálogos das editoras universitárias para verificar o crescimento quantitativo e a variedade temática dos trabalhos publicados nesta área. O boom da História Regional e local no Brasil contemporâneo é realidade irretorquível e de bom fôlego. [...] 1960-1970: o embaralhamento do regional e do nacional. A década de 1960 marcou o momento de unificação do mercado interno pelo capitalismo e a transformação do Estado em parceiro e agente privilegiado do capital, em processo queteve São Paulo como centro irradiador da modernização. A década de 1960 também marcou, inequivocamente, o predomínio da produção acadêmica no campo dos estudos históricos no Brasil, que veio acompanhado de maior interesse pela história republicana. As Universidades multiplicaram as pesquisas sobre a trajetória do país e de suas regiões, embora isto ocorresse de modo bastante desigual. Afinal, a assimetria entre os polos acadêmicos nacionais era evidente, com amplo predomínio de São Paulo, através da USP (Universidade de São Paulo). Na academia brasileira, de qualquer forma, surgiu uma espécie de consenso: o de que havia chegado a hora de abandonar, ainda que temporariamente, a ênfase nas grandes sínteses, julgadas demasiadamente genéricas. [...] Uma considerável e significativa produção acadêmica articulou-se em torno de temas cruciais levantados pelo estudo da evolução de São Paulo desde a expansão cafeeira. A grande propriedade na lavoura paulista do Vale do Paraíba e do Oeste, a escravidão nas áreas cafeeiras e sua desagregação, a imigração para as áreas rurais e para as cidades, o café e as ferrovias, o café e as grandes empresas de serviços públicos, as relações entre o complexo cafeeiro e a industrialização: eis uma lista de temas que ocupou muitos historiadores e cientistas sociais nos anos 1960-1970. Dentre eles, a título de exemplo, e sem a pretensão de ser exaustivo, podem ser citados: Fernando Henrique Cardoso, Warren Dean, Delfim Neto, Emíla Viotti da Costa, Stanley Stein, Boris Fausto, João Manuel Cardoso de Mello, Odilon Matos, Flávio Saes, Paula Beiguelman e Maria Thereza Schorer Petrone. [...] Fora do eixo Rio-São Paulo, muito do que se fazia no campo dos estudos regionais ressentiu-se desta construção mitológica que atribuía a São Paulo toda e TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 13 qualquer positividade contida na ideia do Brasil moderno, urbano e industrial. As outras porções do território nacional frequentemente foram estudadas a partir de uma perspectiva da negatividade, da falta, da carência deste ou daquele elemento que marcaria a distância em relação ao êxito paulista. O espelho São Paulo era o instrumento por meio do qual as diversas regiões brasileiras deveriam buscar a autocompreensão e a ação transformadora. Neste ponto deve-se assinalar a importante obra de Evaldo Cabral de Mello relativa à história de Pernambuco. Realizada fora da academia, a obra de Mello, desde a década de 1970, lança luz sobre o Nordeste açucareiro, em livros como Olinda restaurada (1975), O Norte agrário e o Império (1984) e Rubro veio (1986). Conforme Evaldo Cabral de Mello, o objetivo de seu trabalho é dar visibilidade ao fato de que os pernambucanos tiveram “uma trajetória especial na história brasileira, e essa trajetória ficou na sombra desde o período monárquico, devido ao que eu [Mello] chamo a ‘história saquarema’, a historiografia feita no eixo Rio-São Paulo para louvar o modelo de construção nacional adotado desde a independência. [...] A História Regional é [para Cabral de Mello] uma maneira de escapar, por um lado, à historiografia saquarema, por outro, aos modismos (...), que às vezes degeneram no que Oakeshott chamava ‘política retrospectiva’ (MORAES e REGO, 2002, p. 153-154). Numa vertente mais política, os anos 1970 viram a publicação de importantes estudos de brazilianists que exploraram o regionalismo político na República Velha, trabalhos que obtiveram grande repercussão no Brasil. Numa perspectiva empirista, que privilegiava os limites administrativos, as estruturas políticas e associavam as identidades regionais inteiramente às ações das elites dirigentes estaduais, autores como Joseph Love (1971 e 1980), John Wirth (1977), Robert Levine (1978) e Eul-soo Pang (1979) exploraram a história regional do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, e os comportamentos de seus políticos no cenário nacional em função da descentralização que caracterizou a Primeira República. Em comum, todos estes autores enfatizaram o declínio gradual das identidades regionais e da força política das elites locais, que não teriam resistido às transformações que conduziram ao Estado nacional forte e centralizado. Desta forma, embora tivessem o mérito de chamar a atenção para o significado do regionalismo, eles não questionaram a meta narrativa sobre a nação e o “estado forte”, hegemônica desde Vargas. [...] Somente na virada da década de 1970 para a de 1980, a expansão da pós-graduação (no Rio de Janeiro e, depois, para além do eixo Rio-São Paulo) promoveu o início do esforço para livrar a historiografia brasileira das tentações reducionistas que a acompanharam desde sempre. Ao estimular as pesquisas em acervos regionais e locais, a pós-graduação em História desenvolveu nas novas gerações de historiadores o apreço pelas conexões intrincadas e oblíquas entre o regional, o local e o nacional, em que o elemento espacial ganha relevância, ombreando-se ao tempo. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 14 Da década de 1980 aos dias de hoje: a onda dos estudos regionais Em meados da década de 1980, em várias partes do Brasil funcionavam cursos de pós-graduação em História, o que significava a superação definitiva da situação existente até a primeira metade da década anterior. O mestrado em História da USP havia sido implantado no período 1963-1965 e, até o ano de 1975, somente esta universidade oferecia curso de doutorado. Desde então, apareceram progressivamente pós-graduações no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação. Esta expansão e desconcentração da pós-graduação foram fatores cruciais para o salto de qualidade da historiografia brasileira e também para a onda de interesse que surgiu no campo dos estudos regionais. No interior dos programas de mestrado e doutorado, os estudantes ampliaram o trabalho com temas e acervos documentais regionais e locais, abandonando a atitude, até então imperante, de lidar com descrições e informações repetidas, tiradas de fontes recorrentemente compulsadas. Nos novos pólos da pesquisa histórica brasileira, generalizou-se a percepção de que, na medida em que os grandes livros estavam feitos e as grandes interpretações consagradas, o conhecimento historiográfico pouco se desenvolvera. De maneira que era urgente levar adiante o esforço de começar pela base e não pelos grandes nomes. A pesquisa histórica passou a se preocupar com a história miúda, a história local, a construção de bancos de dados de todo tipo. Um ponto importante na trajetória de expansão da pós-graduação foi a criação, no âmbito da FGV/RJ (Fundação Getúlio Vargas), em 1976, do Centro de Pós-graduação em Desenvolvimento Agrícola, que abrigou por alguns anos um mestrado voltado para a problemática agrícola no país. Neste centro, a professora Maria Yedda Linhares colocou em prática um projeto de levantamento de fontes para a história agrária nos arquivos do Norte e do Nordeste, um esforço praticamente inédito no país. Deste projeto resultaram os livros História do Abastecimento (1979) e História da agricultura brasileira (1980), que apontaram para a urgência de pesquisas extensas e múltiplas, voltadas para a produção de alimentos e para o mercado interno. Em torno deste programa e das atividades do referido Centro, o professor Ciro Flamarion Cardoso fez a defesa da história regional como história agrária, ou da história agrária como história regional. Também na segunda metade da década de 1970, surgiu a pós-graduação em História na UFF (Universidade Federal Fluminense), sediada na cidade de Niterói. [...] Em outras partes do Brasil, o novo interesse pelo regionalismo e pela história regional desdobrou-se, em grande medida, dentro de uma visada neomarxista, particularmente na perspectiva de Gramsci, que privilegia os interesses materiais e os discursos hegemônicos das elites socioeconômicas. Muitospesquisadores criticaram as antigas tendências de “naturalizar” as divisões e identidades regionais, argumentando em favor da necessidade de observar a historicidade das regiões em relação ao processo de desenvolvimento capitalista. Nessa perspectiva, a História Regional tem sido compreendida em TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL 15 termos da articulação de diferentes modos de produção (ou da natureza desigual do desenvolvimento capitalista) e do papel do Estado, especialmente no que diz respeito à mediação dos interesses das elites hegemônicas e das elites locais subalternas. Esta abordagem da história regional é exemplificada pelos trabalhos que compõem a coletânea República em migalhas, publicada em 1990 e derivada de debates ocorridos numa sessão da ANPUH realizada em 1985. Este livro disparou um debate significativo sobre o conceito de região e sobre os usos da abordagem regional na historiografia brasileira. [...] Enfim, pode-se dizer que, atualmente, os historiadores brasileiros, e não apenas eles, estão mais ocupados em documentar experiências sociais e aspectos específicos da formação, múltipla e diversa, da sociedade brasileira. Rejeitam a síntese construída com observações genéricas e querem fazer avançar o conhecimento, porque aceitam o fato de que ainda é desconhecida grande parte da História do Brasil. Para alterar este quadro, os estudos regionais parecem ter papel importante a jogar. FONTE: História e estudos regionais. Capítulo 2. Disponível em: <http://www.minasdehistoria. blog.br/wp-content/arquivos//2008/03/historia-e-estudos-regionais.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011. 16 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico você estudou que: ● A História Regional não se constitui como um método, muito menos possui um corpo teórico próprio. ● A História Regional é uma opção de recorte espacial do componente estudado, ou seja, é uma forma de delimitar algo a ser estudado sobre o passado. ● A História Regional tem seu advento coincidindo com a influência da Escola dos Annales em nossos estudos históricos. ● A História Regional situa-se numa fronteira interdisciplinar muito próxima com a Geografia. ● A História Regional proporciona, na dimensão do estudo do particular, um aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao relacionar semelhanças entre as situações históricas diversas que constituem a nação. 17 AUTOATIVIDADE Exercite seus conhecimentos, resolvendo as questões a seguir. 1 Você estudou nesse tópico que, ao longo dos tempos, vem ocorrendo um aumento dos estudos voltados à História Regional. A partir dessa constatação, relacione e explique os fatores que contribuem para o avanço desses estudos. 18 19 TÓPICO 2 O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 ORIGEM DO TERMO REGIÃO De acordo com Barbosa (2011), a História Local e Regional apresenta inúmeras possibilidades de descrição, de análise, de crítica, de interpretação e, ademais, de revisão historiográfica. Nesse segundo tópico nós continuaremos tratando da História Regional, só que agora com um outro enfoque, ou seja, vamos entender como o conceito de região sofreu mudanças através dos tempos. Caro(a) acadêmico(a), é importante assinalar que região não é um termo novo. A sua designação remonta aos tempos longínquos do Império Romano, quando o termo regione era usado para indicar espaços, independentes ou não, que estavam subordinados ao domínio do Império. Ou seja, [...] alguns filósofos interpretam a emergência deste conceito como uma necessidade de um momento histórico em que, pela primeira vez, surge de forma ampla a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. (GOMES, 1995, p. 51). É interessante notar que também outros conceitos de caráter similar passaram a ser utilizados na mesma época, como os conceitos de espaço (spatium) e o de província (provincere). Naquela época, o espaço era visto como um “contínuo”, ou “intervalo”, que “encontravam-se dispostos os corpos seguindo uma adequada ordem neste vazio”, e a província como “áreas atribuídas aos controles daqueles que a haviam submetido à ordem hegemônica romana”.(GOMES, 1995, p. 52). Já foi estudado na disciplina de História Antiga que, com o término do Império Romano, ocorreu um processo de descentralização regional que desencadeou um poder descentralizado de territórios autônomos do período feudal. Adequadamente, a Igreja Católica deu ênfase a esse regionalismo político, utilizando a rede destas unidades regionais como apoio para a afirmação de sua hierarquia administrativa. (CUNHA, 2000). UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 20 Essas unidades regionais administrativas criadas pela Igreja Católica, desde o fim da Idade Média, constituíram-se nas primeiras formas de separação territorial presentes no desenho dos mapas. Nesse sentido, a divisão regional é a base para definição e exercício do controle na administração dos Estados e também de suas unidades. FONTE: Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/imagens/romana_mapa.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2011. 3 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE MODERNA Quando o Estado Moderno surge, em fins da Idade Média, houve uma centralização do poder na Europa. Essa trouxe à tona o problema político-regional da manutenção de um poder centralizado, porque o centro, muitas vezes, era demasiado longínquo de suas fronteiras. Quer dizer, a questão é semelhante à que deu origem ao conceito de região na Antiguidade Clássica, e se refere a essa centralização como uma tentativa de padronização administrativa mesmo diante da desigualdade do espaço, da heterogeneidade cultural, econômica e política, sobre o qual esse poder centralizado deveria ser exercido. FIGURA 2 – REGIÃO DO IMPÉRIO ROMANO TÓPICO 2 | O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS 21 4 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA Com o século XIX houve outra transformação no papel do Estado e também uma quebra dos pactos territoriais, levando ao ressurgimento das questões regionais e ao aparecimento de interesses locais. Nesse sentido, na Idade Contemporânea o debate sobre a ideia de região embasou as discussões de temas relacionados à política, à cultura, às atividades econômicas, atrelado a questões de soberania e direitos. Dessa forma, o conceito de região, que na Idade Antiga estava subordinado aos regimes romanos, mudou de enfoque, ou seja, do físico - onde o clima, o relevo, a hidrografia e a vegetação estão acima da ação humana -, ao enfoque político, social e cultural - onde o destaque ao debate sobre a história regional assume um papel determinante. Com todas essas mudanças, os estudos sobre região ultrapassaram as amarras da Geografia Física, dando à História Regional um estilo novo, com ênfase nas identidades sociais onde a ação humana se sobrepôs aos aspectos físicos da Geografia. Isso nos auxilia a entender que a região está historicamente inserida no todo, isto é, o que se observa em nível regional pode pertencer a uma tendência mais ampla, nacional ou mundial, ou constituir uma tendência do próprio contexto interno. Deste modo, a História Regional é um todo que possui determinação, que contém a presença do particular e do universal. O que veremos mais adiante com maior ênfase. Observe que, com essa panorâmica sobre o conceito de região através dos tempos, não é possível elaborar conclusões fechadas, até porque, na área das ciências humanas, os conceitos são relativos e, praticamente, inesgotáveis. O que queremos evidenciar é que a conceituação e compreensão do que seja região (o que faremos no próximo tópico) só é possível a partir desse histórico. Nesta época, a palavra região era pouco usual e expressões que dela se aproximavam apresentavam um significado ambíguo e abstrato, além de serem bastante numerosos (VISCARDI, 1997). Foi a partir de 1760,no entanto, que os iluministas passaram a desvendar os contornos do que seria o regional. Mas a palavra região só seria criada em 1820. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (1997) informa que, até a Revolução Francesa, a visão do espaço regional variava significativamente no transcorrer dos diferentes períodos da História e que, em geral, as pessoas não tinham uma ideia clara em relação aos contornos regionais. A Revolução originou essas discussões e, ao tentar romper com as iniciativas regionalistas em prol da centralização do Estado, acabou por definir, por si própria, os contornos dos espaços regionais. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 22 LEITURA COMPLEMENTAR ESPAÇO E TEMPO – TERRITÓRIOS DO HISTORIADOR José D’Assunção Barros [...] Com relação ao seu recorte espacial, Fernando Braudel havia considerado que o Mediterrâneo possuía, sob certos aspectos, uma unidade que transcendia às unidades nacionais que se agrupavam em torno do imenso “mar interior”, e que ultrapassava a polarização política entre os dois grandes impérios da época: o Espanhol e o Turco. Por outro lado, o historiador francês precisou lidar com a ‘unidade na diversidade’, e descreve dezenas de regiões autônomas cujos ritmos convergem para um ritmo supralocal. O mundo mediterrânico que ele descreve é constituído por um grande complexo de ambientes, mares, ilhas, montanhas, planícies e desertos – e que se vê partilhado em uma pluralidade de regiões a terem sua heterogeneidade decifrada antes de ser possível propor a homogeneidade maior ditada pelo tipo de vida sugerido pelo grande Mar. Este foi o desafio enfrentado por Braudel. Se Fernando Braudel trabalhou com o ‘grande espaço’, as gerações seguintes de historiadores trouxeram também a possibilidade de uma nova tendência, que abordaria o ‘pequeno espaço’. Esta nova tendência, que se fortalece nos anos 1950, ficou conhecida na França como ‘História Local’. Também aqui a contribuição da Geografia derivada de Vidal de La Blache destaca-se com particular nitidez, ajudando a configurar um conceito de Região que logo passaria a ser utilizado pelos Historiadores para o estudo de microespaços ou espaços localizados, em muitos sentidos dotados de uma homogeneidade bem maior do que os macroespaços que haviam sido examinados por Braudel. Do macroespaço que abriga civilizações, a historiografia moderna apresentava agora a possibilidade de examinar os microespaços que abrigavam populações localizadas, fragmentos de uma comunidade nacional mais ampla. A História Local nascia, aliás, como possibilidade de confirmar ou corrigir as grandes formulações que haviam sido propostas ao nível das histórias nacionais. A História Local – ou História Regional, como passaria a ser chamada com um sentido um pouco mais específico – surgia precisamente como a possibilidade de oferecer uma iluminação em detalhe de grandes questões econômicas, políticas, sociais e culturais que até então haviam sido examinadas no âmbito das dimensões nacionais. O modelo de compreensão do Espaço proposto pela escola de Vidal de La Blache funcionou adequadamente para diversos estudos associados a esta historiografia europeia dos anos 1950, que lidava com aquilo que Pierre Goubert – um dos grandes nomes da ‘História Local’ – chamava de “unidade provincial comum”, e que ele associava a unidades, “tal como um country inglês, um condado italiano, uma Land alemã, um pays ou bailiwick franceses”. Nestes casos e em TÓPICO 2 | O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS 23 outros, o espaço escolhido pelo historiador coincidia de modo geral com uma unidade administrativa e muitas vezes com uma unidade bastante homogênea do ponto de vista geográfico ou da perspectiva de práticas agrícolas. Também se tratava habitualmente de zonas mais ou menos estáveis – bem ao contrário do que ocorria em países como os da América Latina durante o período colonial, onde devemos considerar a ocorrência muito mais frequente de “fronteiras móveis”. A espacialidade tipicamente europeia em certos recortes temporais que não coincide com a de outras áreas do planeta e para todos os períodos históricos – permitiu que fosse aproveitada por aqueles historiadores que começavam a desenvolver estudos regionais, cobrindo todo o Antigo Regime, um modelo onde o espaço podia ser investigado e apresentado previamente pelo historiador, como uma espécie de moldura onde os acontecimentos, práticas e processos sociais se desenrolavam. Frequentemente, e até os anos 1960, as monografias derivadas da chamada Escola dos Annales apresentavam previamente a Introdução Geográfica, e depois vinha a História, a organização social, as ações do homem. A possibilidade de este modelo funcionar, naturalmente, dependia muito do objeto que se tinha em vista, para além dos padrões da espacialidade europeia nos períodos considerados. A crítica que depois se fez a este modelo onde o espaço era como que dado previamente – tal como aparecia nas propostas derivadas da escola de Vidal de La Blache, é que na verdade estava sendo adotado um conceito não-operacional de Região. As Regiões vinham definidas previamente, como que estabelecidas de uma vez por todas, e bastava o historiador ou o geógrafo escolher a sua para depois trabalhar nela com suas problematizações específicas. Frequentemente – quando a região coincidia com um recorte político- administrativo que permanecera sem maiores alterações desde a época estudada até o tempo presente – isto representava uma certa comodidade para o historiador, que podia buscar as suas fontes exclusivamente em arquivos concentrados nas regiões assim definidas. Em seu célebre artigo sobre “A História Local”, Pierre Goubert chama atenção para o fato de que a emergência da história local dos anos 1950 havia sido motivada precisamente por uma combinação entre o interesse em estudar uma maior amplitude social (e não mais apenas os indivíduos ilustres, como nas crônicas regionais do século XIX) e alguns métodos que permitiriam este estudo para regiões mais localizadas, mais particularmente as abordagens seriais e estatísticas, capazes de trabalhar com dados referentes a toda uma população de maneira massiva. Ao trabalhar em suas pequenas localidades, os historiadores poderiam desta maneira fixar sua atenção “em uma região geográfica particular, cujos registros estivessem bem reunidos e pudessem ser analisados por um homem sozinho”(13). A coincidência entre a região examinada e uma unidade administrativa tradicional, como a paróquia rural, ou o pequeno município, podemos acrescentar, permitia, por vezes, que o historiador resolvesse todas as suas carências de fontes em um único arquivo, ali mesmo encontrando e UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 24 constituindo a série a partir da qual poderia extrair os dados sobre a população e a comunidade examinada. Com o progressivo surgimento dos novos problemas e objetos que a expansão dos domínios historiográficos passou a oferecer cada vez mais no decurso do século XX, o modelo de região derivado da escola geográfica de La Blache começou a ser questionado, precisamente porque deixava encoberta a questão essencial de que qualquer delimitação espacial é sempre uma delimitação arbitrária, e também de que as relações entre o homem e o espaço modificam- se com o tempo, tornando inúteis (ou não operacionais) delimitações regionais que poderiam funcionar para um período, mas não para outro. Uma paisagem rural facilmente pode se modificar a partir da ação do homem - o que mostra a inoperância de considerar regiões geográficas fixas, e isto se mostra especialmente relevante para os estudos da América Latina no período colonial, mais ainda do que para os estudos relativos à Europa do mesmo período (14). De igual maneira, um território (voltaremos a este conceito) não existe senão com relação ao âmbito de análisesque se tem em vista, aos aspectos da vida humana que estão sendo examinados (se do âmbito econômico, político, cultural ou mental, por exemplo). Atrelar o espaço ou o território historiográfico que o historiador constitui a uma preestabelecida região administrativa, geográfica (no sentido proposto por La Blache), ou de qualquer outro tipo, implicava em deixar escapar uma série de objetos historiográficos que não se ajustam a estes limites. A mesma comodidade arquivística que pode favorecer ou viabilizar um trabalho mais artesanal do historiador – capacitando-o para dar conta sozinho de seu objeto sem abandonar o seu pequeno recinto documental – também pode limitar e empobrecer as escolhas historiográficas. Uma determinada prática cultural, conforme veremos oportunamente, pode gerar um território específico que nada tenha a ver com o recorte administrativo de uma paróquia ou município, misturando pedaços de unidades paroquiais distintas ou vazando municípios. Do mesmo modo, uma realidade econômica ou de qualquer outro tipo não coincide necessariamente com a região geográfica no sentido tradicional. A crítica aos modelos de recorte regional-administrativo, ou de recortes geográficos à velha maneira de Vidal de La Blache, não surgiram apenas das novas buscas historiográficas, mas também de desenvolvimentos que se deram no próprio seio da Geografia Humana. Tal ressalta Ciro Flamarion Cardoso em um ensaio bastante importante sobre a História Agrária: à altura dos anos 1970 o conceito de “região” derivado da escola de Vidal de La Blache começou a ser radicalmente criticado por autores como Yves Lacoste (15), que sustentavam que a realidade impõe o reconhecimento de “especialidades diferenciais, de dimensões e significados variados, cujos limites se recortam. (14) Mesmo para períodos posteriores deve ser observada uma distinção na espacialidade de certos países que adquiriram centralidade em termos de domínio econômico e os chamados países subdesenvolvidos. Milton Santos observa que “descontínuo, instável, o espaço dos países subdesenvolvidos é igualmente multipolarizado, ou seja, é submetido e pressionado por múltiplas influências, e polarizações oriundas de TÓPICO 2 | O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS 25 diferentes tipos de decisão” superpõem, de tal maneira que, estando num ponto qualquer, não estaremos dentro de um, e sim de diversos conjuntos espaciais definidos de diferentes maneiras”(16). A ideia de tratar sob o ponto de vista das “espacialidades superpostas” a materialidade física sobre a qual se movimenta o homem em sociedade, incluindo sistemas diversificados que vão da rede de transportes à rede de conexões comerciais ou ao estabelecimento de padrões culturais, aproxima-se muito mais da realidade vivida do que o encerramento do espaço em regiões definidas de uma vez para sempre, e associadas apenas aos recortes administrativos e geográficos que habitualmente aparecem nos mapas. A realidade, em qualquer época, é necessariamente complexa, mesmo que esta complexidade não possa ser integralmente captada por nenhuma das ciências humanas, por mais que estas desenvolvam novos métodos para tentar apreender a realidade a partir de perspectivas cada vez mais enriquecidas. Voltaremos oportunamente a este aspecto, quando discutirmos os recortes a que o historiador é obrigado a se render na operação historiográfica através da qual busca apreender a vida humana. Outro geógrafo importante para a discussão do espaço, embora ainda pouco utilizado pelos historiadores, é Claude Raffestin, que faz uma distinção bastante interessante entre o “espaço” e o “território”. Segundo Raffestin, “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço “(17). Obviamente que a definição de “espaço” proposta por Raffestin, necessariamente ligada à materialidade física, deixa de fora as possibilidades de se falar em outras modalidades de espaço – como o “espaço social”, o “espaço imaginário”, o “espaço virtual” – que se constituem no próprio momento da ação humana. De qualquer modo, o sistema conceitual proposto por Raffestin é importante porque chama atenção para o fato de que a territorialização do espaço ocorre não apenas com as práticas que se estabelecem na realidade vivida, como também com as ações que são empreendidas pelo sujeito de conhecimento: ‘Local’ de possibilidades, [o espaço] é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção dele se apoderar. Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder. Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle, portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento (18). Vale ainda lembrar que a consciência de uma territorialidade que é transferida ao espaço pode transcender o mundo humano. Também os animais de várias espécies, que não apenas o homem, costumam territorializar o espaço com as suas ações e com gestos que passam a delinear uma nova representação do espaço. O lobo que “marca o seu território” cria para si (e pretende impor a outros UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 26 de sua espécie) uma representação do espaço que o redefine como extensão de terra sob o seu controle. Demarcar o território é demarcar um espaço de poder. No âmbito da Macro-Política, não é senão isto o que fazem os Estados-Nações ao constituir e estabelecer um rigoroso controle sobre suas fronteiras (19). NOTAS 13 - GOUBERT, Pierre. História local, op. cit., p. 49. 14 - SANTOS, Milton. O espaço dividido. São Paulo: EDUSP, 2004. p. 21. 15 - LACOSTE, Yves. La geographie, ça sert d’abord à faire la guerra. Paris: Maspéro, 1976. 16 - CARDOSO, Ciro Flamarion. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. 17 - RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. p.143. 18 - RAFFESTIN, Claude, op. cit., p. 144. 19 - SANTOS, Milton; SILVEIRA Maria Laura. O Brasil – território e sociedade no início do século XX. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.19. FONTE: Adaptado de: BARROS, José D’Assunção. Espaço e tempo: Territórios do historiador. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752006000200012&lng=pt &nrm=iso>. Acesso em: 18 dez. 2010. 27 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você estudou que: ● Região não é um termo novo. A sua designação remonta aos tempos longínquos do Império Romano. ● Com o Estado Moderno surge, em fins da Idade Média, uma centralização do poder na Europa que trouxe modificação no conceito de região. ● Com a centralização ocorreu a tentativa de padronização administrativa mesmo diante da desigualdade do espaço, da heterogeneidade cultural, econômica e política, sobre o qual esse poder centralizado deveria ser exercido. ● Com o século XIX houve outra transformação no papel do Estado e também uma quebra dos pactos territoriais, levando ao ressurgimento das questões regionais e ao aparecimento de interesses locais. ● Nesse sentido, na Idade Contemporânea o debate sobre a ideia de região embasou as discussões de temas relacionados à política, à cultura, às atividades econômicas, atrelado a questões de soberania e direitos. ● Os estudos sobre região ultrapassaram as amarras da geografia física, dando à história regional um estilo novo, com ênfase nas identidades sociais onde a ação humana se sobrepôs aos aspectos físicos da geografia. 28 AUTOATIVIDADE Exercite seus conhecimentos, resolvendo a questão a seguir. 1 Caracterizeos vários sentidos que o termo região teve desde a Antiguidade até o século XX. 29 TÓPICO 3 A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 ALGUNS CONCEITOS DO TERMO REGIÃO Falar de região é caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas. A categoria região talvez seja uma das mais utilizadas na totalidade dos saberes, empregada por várias ciências e utilizada constantemente na mídia e pelo senso comum. Entretanto, é necessário entender seu significado atual. (PAVIANI, 1992, p. 372). O propósito desse tópico é contribuir para a compreensão do conceito de região. Bastante empregada no senso comum, a expressão região é tida como identificadora de lugares que se diferenciam uns dos outros, estando também disseminada na linguagem acadêmica e científica. Sendo incorporada pela Geografia e Antropologia, ela apresenta definições específicas na estrutura analítica para a História Regional. Ou seja, para pensar a História Regional, temos que conhecer o conceito de região e suas variantes. Como o conceito de região não é unívoco, ele não permite, obviamente, uma forma de interpretação e, muito menos, maneira teórica de abordá-la. Por isso, veremos que algumas conceituações sobre o termo são díspares. Em seu trabalho sobre “História, Região e Poder: a busca de interfaces metodológicas”, Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (1997) aponta que uma das primeiras dificuldades com a qual se defronta o pesquisador em História Regional diz respeito ao significado de região. Um segundo problema, inclusive consequência do primeiro, refere-se aos critérios definidores do que seja espaço regional. Além disso, a autora assinala que a maioria dos trabalhos de História Regional define as regiões pelo caráter diverso das leis de reprodução do capital e pelo caráter das relações de classe que se dá em seu interior, sem, no entanto, descuidar da análise das relações existentes entre uma região e as demais. A Escola Marxista teve uma contribuição importante para a conceituação sobre o termo. Para essa linha de pensamento, já estudada em outra disciplina (assunto abordado na Disciplina de Processos Historiográficos), uma região seria, em suma, o espaço onde se constrói uma forma especial de reprodução do capital, e, por decorrência, uma forma especial de luta de classes, onde o econômico e o político se conectam assumindo uma forma especial de aparecer no produto social. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL 30 Outra importante contribuição para definição de região vem do geógrafo Milton Santos. Para esse estudioso, a região, em função das alterações econômicas mundiais, marcadas especialmente pela internacionalização do capital, deixou de existir e passou a ser uma abstração empírica. O espaço geográfico deixou de ser estático e passou a ser uma produção coletiva dos homens, cujo papel era o de expressar o modo de produção vigente. Região nada mais é, portanto, do que um conceito abstrato em meio a um contexto macro, hoje conhecido como mundo globalizado. Para ele, o recorte regional incidiu no esboço do parcial sem que se perdesse a noção do global. (SANTOS, 1978). Nesse sentido, o recorte regional para o historiador possibilita, com maior facilidade, a adoção do corte temporal de média ou longa duração, o qual, em contextos muito ampliados, pode ser dificultado pelo grande volume de fontes. Quanto aos critérios de delimitação do espaço regional, a região se constitui em um subsistema de um todo, mantendo com ele inter-relações. No entanto, as fronteiras regionais podem ou não coincidir com as divisões politicamente estabelecidas, pois se ampliam ou diminuem, no decorrer do tempo, em função de ajustes de natureza política. Portanto, segundo Marcos Antônio Silva (1990), para se delimitar uma região não se deve levar em conta só os aspectos jurídico- administrativos, nem somente aspectos econômicos, mas os de ordem social e, sobretudo, de ordem política. Outra contribuição importante vem da sociologia de Pierre Bordieu. Esse sociólogo ajudou intensamente a estabelecer critérios de delimitação regional. Na análise da origem das divisões regionais e do comportamento regionalista de alguns grupos políticos, o autor parte do princípio de que o critério de divisão regional surgiu simbolicamente e foi sendo reconhecido e legitimado posteriormente. Para Pierre Bordieu (1989), a divisão regional não existe de fato, pois esta mesma realidade é a representação que dela fazemos, e se encontra muito mais no plano jurídico-político do que no plano concreto. Dessa maneira, a delimitação regional é estabelecida por quem nela vive e passa a compor o imaginário daqueles que a ela se referem. A identidade regional é, pois, um produto da construção humana. O autor caracteriza os geógrafos como impositores de uma divisão arbitrária sobre uma ordem que guarda uma continuidade natural. Esta divisão passa a ser aceita simbolicamente e a região passa a ser uma ilusão bem fundamentada. Talvez uma construção para delimitar algo a ser estudado ou pensado. O que você pensa sobre essa discussão? Você concorda ou discorda do pensamento de Pierre Bordieu? UNI TÓPICO 3 | A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO 31 Tentando elucidar, poderíamos afirmar que, como espaço territorial a região é uma construção de geógrafos. Porém, como espaço social vem a ser uma construção de historiadores. No caso do historiador, a região seria definida pelas relações sociais que nelas se estabelecem. Sobre o entendimento de espaço regional, Claudia Viscardi (1999, p. 6) faz as seguintes considerações: Através destas colocações podemos distinguir duas correntes de entendimento a respeito da definição e delimitação do espaço regional. Na primeira corrente, a definição parte do objeto e não do sujeito do conhecimento. É o caso das definições dos pesquisadores que se utilizaram do instrumental marxista. Para eles, o que define e delimita as fronteiras regionais é o modo de produção vigente visto sob um aspecto mais amplo, o qual envolve não só as relações de produção internacionais, como a própria dinâmica da luta de classes. É também o caso daqueles historiadores que se referem ao enfoque sistêmico. Assim, a região só pode ser entendida como parte de um sistema mais amplo, entendendo por sistema um conjunto de elementos econômicos, políticos e sociais inter-relacionados. Na segunda corrente, a definição do que seja região e de suas fronteiras surge das análises produzidas pelo sujeito do conhecimento. Aqui, região é uma construção do sujeito do conhecimento que igualmente a delimita, a partir de padrões próprios, porém fundamentados na realidade existente. Cabe lembrar, no entanto, que para os autores citados a região é um constructo feito a posteriori. Em geral, no estudo da História Regional o historiador se depara com a temática referente ao regionalismo. Muitas vezes é ele próprio o seu objeto de estudo. Em torno do regionalismo o debate também está em andamento. Para Pierre Bordieu (1989), o regionalismo é um movimento de defesa da identidade regional construída e sua força está relacionada ao poder de quem a proclama. Realiza-se por meio de lutas simbólicas contra regiões que se colocam como dominantes. As lutas regionais, por se pautarem na questão da identidade, adquirem expressiva força mobilizadora. Nelas, o que está em jogo é o poder de criar e recriar identidades, ou seja, uma luta também simbólica que visa à apropriação de supostas vantagens simbólicas. O poder que sustenta a divisão regional cria estigmas que alimentam preconceitos relativos a habitantes e moradores de determinados locais. A seguir será apresentada parte do texto Região e regionalismo: observações acerca dos vínculos entre a sociedade e o território em escala regional, de Álvaro Luiz Heidrich que nos ajuda a entender mais sobre regionalismos. UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS
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