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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Saúde da Mulher II PRÉ-NATAL DE RISCO HABITUAL E DE ALTO RISCO Introdução: A realização do pré-natal é fundamental para a prevenção e/ou a detecção precoce de patologias tanto maternas quanto fetais, permitindo o desenvolvimento saudável do bebê e reduzindo os riscos para a gestante. Informações sobre as diferentes vivências que envolvem o período gestacional devem ser trocadas entre as mulheres e os profissionais de saúde. Essa possibilidade de intercâmbio de conhecimentos e experiências é considerada a melhor forma de promover a compreensão do processo de gestação. Os serviços de saúde devem fornecer: - A caderneta da gestante já devidamente identificada com o nome da mulher, além de orientações sobre o seu adequado preenchimento. - O calendário vacinal e as adequadas orientações quanto ao seu cumprimento. - A solicitação de exames de rotina. - As orientações sobre a participação da gestante em atividades educativas promovidas pelas equipes de saúde. - O agendamento das consultas médicas para o adequado acompanhamento pré- natal e para a pesquisa de fatores de risco à gestação. Gestação de Alto Risco: Gestação na qual a vida ou a saúde da mãe e/ou do feto e/ou do recém-nascido têm maior risco de complicações ou de desfechos negativos quando comparada à população geral. Não há um sistema de pontuação e tabelas para diferenciar as gestantes de alto risco das gestantes de risco habitual. Entretanto, existem fatores de risco conhecidos mais comuns na população geral que devem ser identificados nas gestantes, pois podem alertar a equipe de saúde no sentido de promoção de maior vigilância em relação ao eventual desenvolvimento de fator complicador. A assistência pré-natal caracteriza-se por avaliação dinâmica das situações de risco e prontidão para identificação de problemas de forma a poder atuar, dependendo do problema identificado, de modo a impedir resultados desfavoráveis. A ausência de acompanhamento pré-natal por si só já aumenta o risco para a gestante e/ou o recém-nascido. É importante destacar que uma gestação que está transcorrendo bem, sem intercorrências, pode se tornar de risco a qualquer momento, durante a evolução da gestação ou durante o trabalho de parto. Portanto, há necessidade de reclassificar o risco a cada consulta pré-natal e durante o trabalho de parto, visto que a intervenção adequada e precoce é capaz de reduzir a morbimortalidade materna e fetal. Existem muitos fatores geradores de risco gestacional, sendo que alguns deles já podem estar presentes previamente à gestação. Os fatores de risco gestacionais presentes anteriormente à gestação são: Os outros fatores de risco referem-se a condições ou complicações que podem surgir no decorrer da gestação 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 transformando-a em uma gestação de alto risco: Em resumo, os principais fatores que aumentam o risco obstétrico da gestante são: - Condições de saúde e/ou doença existentes previamente à gestação: → HAS → DM → SOP → Obesidade → Doença renal → Doença tireoidiana → Doença autoimune → Infertilidade → HIV ou AIDS. - Idade: → Adolescência OBS.: A adolescência em si não é fator de risco para a gestação. Há, entretanto, possibilidade de risco psicossocial associado à aceitação ou não da gravidez, com reflexos sobre a vida da gestante adolescente que podem se traduzir na adesão ou não ao recomendado durante o acompanhamento pré-natal e isso, por sua vez, implica em possível risco para a gestação. → Idade > 35 anos. - Estilo de vida: → Etilismo → Tabagismo. - Condições de saúde e/ou doença iniciadas durante a gestação: → Gestação múltipla (gemelaridade) → DMG → Pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. Avaliação do Risco Obstétrico: O uso rotineiro dos recursos e rotinas dedicados à gestação de alto risco para gestantes de baixo risco não melhora a qualidade assistencial, nem seus resultados, e retarda o acesso das gestantes que deles necessitam. Por isso a importância da adequada classificação de risco para o devido encaminhamento. Em relação ao risco obstétrico determinado por fatores de risco e condições prévias à gestação, pode-se e deve-se identificar tais fatores de risco e promover ações com o objetivo de modificá-los e de controlar as condições geradoras de risco prévias à gestação, ainda durante o período pré- concepcional, de forma a iniciar uma gravidez mais segura. Durante a gestação, a avaliação do risco obstétrico deve ser dinâmica, com reclassificação do risco a cada consulta pré- natal e também durante a assistência ao parto, desde o momento em que a gestante chega à maternidade ou à emergência até o momento do parto ou do pós-parto (puerpério). Portanto, a gestante começa a realizar o pré- natal na Unidade Básica de Saúde (UBS) após a confirmação da gravidez. A cada consulta, o risco gestacional deve ser reavaliado, classificando a gestação como de baixo risco (risco habitual) ou de alto risco. As gestantes de baixo risco realizam o pré-natal na Atenção Básica e as gestantes de alto risco realizam o pré-natal na Atenção Especializada. Após a confirmação da gravidez, a gestante deve iniciar os cuidados do pré-natal na Atenção Básica. Nesta fase inicial do pré- natal, solicita-se exames, realiza-se testes rápidos para HIV, sífilis e hepatites virais, realiza-se o preenchimento inicial do cartão da gestante, etc. Após a realização da primeira consulta de pré-natal, por meio de anamnese e exame físico completos e 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 detalhados, e após os resultados dos exames inicias solicitados, classifica-se a gestação como de alto risco ou de risco habitual. As gestantes classificadas como de alto risco são encaminhadas para a Atenção Especializada para a avaliação do risco gestacional pelo médico do serviço de pré- natal de alto risco. Se afastado o risco, a gestante retorna para a Atenção Básica, realizando o pré-natal de baixo risco. Se confirmado o risco, a gestante permanece no serviço e realiza o pré-natal de alto risco. O pré-natal de alto risco caracteriza-se por: - Atendimento no ambulatório de pré-natal de alto risco. - Manutenção do acompanhamento da equipe de saúde da área de abrangência (UBS do bairro na qual a gestante reside, por exemplo). - Monitorização dos retornos ao ambulatório de pré-natal de alto risco. - Visitas domiciliares mensais pelo agentes comunitários de saúde e pela equipe de saúde, se necessário. - Identificação do hospital de referência de alto risco para o parto. - Agendamento de consulta de puerpério (para a mãe e o RN) para a primeira semana após o parto. O pré-natal de risco habitual ou de baixo risco caracteriza-se por: - Atendimento no ambulatório de pré-natal de baixo risco pela equipe de saúde da área de abrangência. Idealmente, deve haver consultas alternadas com médico e enfermeiro. - Inclusão do companheiro da gestante nas consultas. - Monitorização dos retornos ao ambulatório de pré-natal de baixo risco. - Visitas domiciliares mensais pelo agentes comunitários de saúde e pela equipe de saúde, se necessário. - Identificação do hospital de referência de baixo risco para o parto. - Agendamento de consulta de puerpério (para a mãe e o RN) para a primeira semana após o parto. O pré-natal adequado para a identificação do risco obstétrico caracteriza-se por, no mínimo, 5 consultas, com acompanhamento alternado entre médico e enfermeiro. Sempre que possível, as consultas devem ser realizadas da seguinte forma: - Até a 28ª semana de gestação: mensalmente. - Da 28ª até a 36ª semana de gestação: quinzenalmente. - Da 36ª até a 41ª semana de gestação: semanalmente. OBS.: O acompanhamento pré-natal encerra apenas com o parto, não há alta do pré-natal! Ainda em relação ao pré-natal adequado para a identificação dorisco obstétrico, deve- se destacar que, na primeira consulta, a anamnese deve ser detalhada, o exame físico deve ser completo e os primeiros exames de rotina já devem ser solicitados. Nas consultas subsequentes, a anamnese pode ser resumida de forma a avaliar as queixas mais comuns de cada trimestre da gestação, além de investigar possíveis sinais e sintomas que indiquem intercorrências clínicas e/ou obstétricas. A anamnese é fundamental para reavaliar o risco gestacional a cada consulta pré-natal. O exame físico deve ser direcionado, buscando sempre avaliar o bem-estar materno e fetal. Além disso, a cada consulta, deve-se avaliar os resultados dos exames complementares solicitados na consulta anterior. Os exames complementares que devem ser solicitados durante o pré-natal são: Período Exames 1ª consulta ou 1º trimestre Hemograma Tipagem sanguínea e fator Rh Coombs indireto (se for Rh negativo) Teste rápido para sífilis e/ou VDRL Teste rápido anti-HIV Toxoplasmose IgM e IgG Sorologia para hepatite B (HbsAg) Glicemia de jejum EQU + urocultura Ultrassonografia obstétrica Citopatológico de colo de útero, se necessário Exame da secreção vaginal, se houver indicação clínica EPF, se houver indicação clínica 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 2º trimestre TOTG (entre 24ª e 28ª semana de gestação) Coombs indireto (se for Rh negativo) 3º trimestre Hemograma Glicemia de jejum Coombs indireto (se for Rh negativo) Anti-HIV VDRL Sorologia para hepatite B (HbsAg) Toxoplasmose IgM e IgG, se IgG não reagente no 1º trimestre EQU + urocultura Bacterioscopia da secreção vaginal (a partir de 37 semanas de gestação) PCR para SARS-CoV-2 (COVID-19) Durante a gestação, há importante aumento do volume do plasma sanguíneo, assim como do número de hemácias. Entretanto, o aumento do volume plasmático é superior ao aumento da massa eritrocitária, resultando na redução da concentração de hemoglobina em média 2 pontos, principalmente durante o final do 2º trimestre e o 3º trimestre de gestação. Entretanto, a anemia na gestação, segundo a OMS, é definida como valores de hemoglobina < 11 g/dL e de hematócrito < 33%. A urocultura é realizada com o objetivo de identificar bacteriúria assintomática e prevenir pielonefrite durante a gestação. A sorologia para hepatite C não é realizada de rotina durante a gestação. A sorologia do anti-HCV deve ser solicitada apenas para gestantes com fatores de risco, como infecção por HIV, uso de drogas ilícitas, história de transfusão sanguínea ou transplante antes de 1993, mulheres submetidas à hemodiálise, mulheres com aumento dos níveis plasmáticos de TGO e TGP sem outra causa clínica evidente e profissionais da saúde com história de acidente com material biológico. O rastreamento para doenças da tireoide, principalmente de hipotireoidismo, não é solicitado de rotina durante a gestação. A dosagem do TSH deve ser realizada apenas em situações de risco, como DM, áreas com deficiência de iodo, história familiar ou pessoal de hipotireoidismo, abortos de repetição, obesidade e radiação prévia em cabeça e pescoço. A ultrassonografia obstétrica deve ser realizada no 1º trimestre de gestação. Ela permite avaliar de forma relativamente precisa a idade gestacional, rastrear aneuploidias, por meio da avaliação da transluscência nucal, e gestações gemelares. Na gestação de baixo risco, não há indicação de realização de novas ultrassonografias obstétricas durante o pré- natal. Na gestação de alto risco, entretanto, há indicação de realização de ultrassonografia obstétrica morfológica e de ecocardiografia fetal. Os fatores de risco gestacionais que permitem a realização do pré-natal pela equipe de Atenção Básica são: - Idade materna > 15 anos e < 35 anos. - Gestantes que realizam esforço físico excessivo, apresentam carga de trabalho extensa, exposição a agentes físicos, químicos e biológicos e estresse. - Situação familiar insegura e não aceitação da gravidez, principalmente em adolescentes. - Situação conjugal insegura. - Baixa escolaridade. - Condições ambientais desfavoráveis. - Altura < 1,45 m. - IMC indicando baixo peso, sobrepeso ou obesidade. - História de RN com restrição de crescimento, pré-termo ou com malformação. - História de macrossomia fetal. - História de síndromes hipertensivas e/ou hemorrágicas. - Intervalo interpartal < 2 anos ou > 5 anos. - Nuliparidade ou multiparidade (≥ 5 partos). - Cirurgia uterina anterior. - Três ou mais cesáreas. - Ganho de peso inadequado na gestação atual. - Infecção urinária na gravidez atual. - Anemia na gestação atual. Os fatores de risco gestacionais que indicam o encaminhamento da gestante para a realização do pré-natal na Atenção Especializada são: 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Cardiopatias. - Pneumopatias graves (incluindo asma). - Nefropatias graves, como IRC e transplante renal. - Endocrinopatias, principalmente DM, hipotireoidismo e hipertireoidismo. - Doenças hematológicas (incluindo doença falciforme e talassemias). - Hipertensão arterial gestacional ou HAS prévia à gestação. - Doenças neurológicas, como epilepsia. - Doenças psiquiátricas que necessitam de acompanhamento. Os fatores de risco gestacionais que podem indicar o encaminhamento da gestante para a realização do pré-natal na Atenção Especializada são: - Doenças autoimunes, como LES. - Alterações genéticas maternas. - História de TVP ou embolia pulmonar. - Ginecopatias, como malformações uterinas, miomas uterinos, tumores anexiais, etc. - Doenças infecciosas, como hepatites virais, toxoplasmose, HIV, sífilis terciária e outras DSTs. - Tuberculose. - Hanseníase. - Uso de drogas lícitas ou ilícitas. - Qualquer doença clínica que necessite de acompanhamento especializado. - História de morte intrauterina ou perinatal em gestação anterior, principalmente se for de causa desconhecida. - História prévia de doença hipertensiva da gestação, com desfecho obstétrico ou perinatal negativo, como interrupção prematura da gestação, morte fetal intrauterina, eclâmpsia, Síndrome Hellp, internação da mãe em UTI. - História de abortamento. - Esterilidade ou infertilidade. - Restrição de crescimento intrauterino na gestação atual. - Polidrâmnio ou oligodrâmnio na gravidez atual. - Gemelaridade na gestação atual. - Malformações fetais ou arritmia fetal. - Distúrbios hipertensivos na gestação atual (HAS prévia, HAS gestacional, etc). - ITU de repetição ou 2 ou mais episódios de pielonefrite. - Anemia grave ou não responsiva ao tratamento com sulfato ferroso após 30-60 dias. - Infecção por CMV ou rubéola adquiridas na gestação atual. - Proteinúria. - DMG. - Desnutrição materna grave. - Obesidade mórbida. - NIC III. - Alta suspeita clínica de câncer de mama ou mamografia ≥ BI-RADS 3. - Adolescente com fatores de risco psicossociais. Os fatores de risco gestacionais que indicam o encaminhamento da gestante à urgência ou emergência obstétrica são: - Síndromes hemorrágicas. - Suspeita de pré-eclâmpsia: PA > 140/90 mmHg medida após, no mínimo, 5 minutos de repouso, na posição sentada, podendo estar associada a edema e proteinúria. - Eclâmpsia: crises convulsivas em pacientes com pré-eclâmpsia. - Amniorrexe prematura: perda de líquido amniótico via vaginal. - Anemia grave (hemoglobina < 8 g/dL). - Trabalho de parto. - Idade gestacional ≥ 41 semanas. - Hipertermia (temperatura axilar ≥ 37,8ºC) na ausência de sinais ou sintomas clínicos de IVAS. - Suspeita ou diagnóstico de abdome agudo. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Suspeita ou diagnóstico de pielonefrite ou outra infecção que necessite de internação hospitalar. - Suspeita de TVP. - Investigação de prurido e icterícia. - Vômitos incoercíveis e não responsivos ao tratamento.- Vômitos de causa desconhecida no 3º trimestre. - Restrição de crescimento intrauterino. - Oligodrâmnio. Ao chegar ao serviço de urgência e emergência, a gestante deve ser avaliada e seu risco estratificado em vermelho (emergência), amarelo (urgência), verde (pouco urgente) e azul (não urgente). As principais situações clínicas que envolvem cada classificação de risco são: - Emergência (Vermelho): → Perda de consciência. → Convulsão. → Visão turva, escotomas, dor epigástrica, náuseas e vômitos, cefaleia de forte intensidade e PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg. → Trabalho de parto. → Ausência de movimentos fetais há mais de 12 horas, se idade gestacional > 22 semanas. → Perda de líquido amniótico ou líquido amniótico de coloração verde. → Sangramento intenso durante gestação ou puerpério. → HIV e perda de líquido amniótico. → Dor abdominal de forte intensidade. → PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg com proteinúria +++. → PAS ≥ 160 mmHg ou PAD ≥ 110 mmHg. → Glicemia capilar ≥ 300 mg/dL ou ≤ 60 mg/dL. → FR ≥ 24 irpm e temperatura axilar ≥ 38ºC e FC ≥ 120 bpm. → Alterações na ultrassonografia com risco de óbito fetal. - Urgência (Amarelo): → Uso de álcool ou drogas em grande quantidade nas últimas 24 horas. → Perda de consciência ≤ 4 horas. → Sangramento leve a moderado no 1º trimestre de gestação. → Puérpera apresentando hiperemia, calor, secreção purulenta ou deiscência do sítio cirúrgico. → Alterações na ultrassonografia sem risco de óbito fetal. → Puérpera apresentando lóquios fétidos. 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg. - Pouco urgente (Verde): → Queixas genitais (ardência, prurido, corrimento, vesículas e/ou úlceras). → Doenças sistêmicas assintomáticas no momento atual. → Idade gestacional ≥ 41 semanas. - Não urgente (Azul): → Exames ultrassonográficos normais sem outras queixas. → Paciente em busca de consulta obstétrica de rotina. → Puérperas com queixas mamárias sem sinais de inflamação (mastite). OBS.: As situações de risco classificadas como pouco urgentes ou não urgentes podem ser resolvidas a nível de Atenção Primária.
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