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1 Doença Segundo dados da OMS, as doenças cardiovasculares são a maior causa de morte no mundo, responsáveis por 31,8% das mortes por causas naturais. Além do alto índice de mortalidade, essas doenças são as principais causas de afastamento do trabalho, o que gera um impacto econômico e social importante. Essas doenças tem uma série de fatores de risco já muito bem descritos, tais como hipertensão, dislipidemias, diabetes mellitus, tabagismo, uso abusivo de álcool, obesidade, sedentarismo, estresse, entre outros. Controlar esses fatores de risco pode ser feito de duas maneiras: a farmacológica e a não farmacológica. A maneira não farmacológica consiste na mudança de hábitos de vida, tais como melhora na dieta, com aumento da ingestão e frutas, verduras e legumes; redução do estresse; parar de fumar e reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas; e a pratica frequente de atividade física. A maneira farmacológica, que constitui o foco dessa unidade, é o uso de medicamentos que ajudam a manter esses fatores fisiológicos, tais como pressão arterial, glicemia, colesterol e triglicérides, entre outros, dentro de uma normalidade para que o paciente reduza os fatores de risco e consiga manter uma qualidade de vida. Quando há um evento cardiovascular obstrutivo, como infarto agudo do miocárdio, alguns fármacos ajudam a manter o paciente vivo, entre eles destacamos os anticoagulantes. v 2 Agentes cardiovasculares Os agentes cardiovasculares, diferentes dos hipoglicemiantes, diuréticos e anti- hipercolesterolêmicos, não tratam os fatores de risco, mas ajudam a tratar doenças cardiovasculares já estabelecidas, tais como arritmias, anginas e insuficiência cardíaca. Os fármacos dessa classe estão entre os mais antigos que tratam as doenças que acometem o sistema cardiovascular. A digoxina, por exemplo, está na terapêutica há décadas para o tratamento de falência cardiovascular e arritmia atrial e é até hoje o único agente ionotrópico. Como vocês vão poder perceber, muitos desses fármacos atuam em receptores do tipo ionotrópico, ou seja, que são canais iônicos para passagens de íons como cálcio, sódio e potássio. Esses íons são responsáveis, entre outras coisas, pela contração muscular como acontece nas paredes das artérias. 2.1 Glicosídeos cardiotônicos Os glicosídeos cardiotônicos são uma classe de fármacos muito antiga, existindo relatos de seus usos datando de 1500 a.C. Porém, foi somente em 1785, numa monografia de William Withering, que esses fármacos começaram a ser estudados mais profundamente e utilizados de forma mais racional na terapêutica. Esses fármacos são, em sua maioria, de origem natural, ou seja, são extraídos de plantas como a digitalis purpurea, da qual se obtém os glicosídeos digitoxina e digoxina. Esses compostos são utilizados para insuficiência cardíaca, principalmente em condições de emergência, quando o coração não está conseguindo manter uma pressão sanguínea adequada. O desafio de usar esse tipo de fármaco é a sua estreita janela terapêutica, ou seja, a diferença entre a dose terapêutica e a dose tóxica é muito pequena. O mecanismo de ação dessa classe é muito amplo, tendo uma ação direta nos nós atrioventricular e sinoatrial e uma ação indireta no sistema autônomo que rege os reflexos neurais no coração. O mecanismo que gera esses efeitos ainda não está completamente elucidado, porém, acredita-se que os glicosídeos tenham uma ação inibitória sobre a bomba de Na+/K+/ATPase, responsável por retirar sódio do meio intracelular e relaxar o músculo. Sem essa bomba, há um acúmulo de cálcio, mantendo a célula despolarizada, o que aumenta a força de contração do músculo cardíaco. Estruturalmente, esses compostos são divididos entre a parte glicosídica e não- glicosídica. A figura a seguir traz a estrutura da digitoxina para exemplificar as estruturas representativas dessa classe. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 1 - Estrutura da digitoxinaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a estrutura da digitoxina. A parte não-glicosídica, marcada em vermelho, é um núcleo esteroide com uma lactona ligado a esse núcleo. As substituições nesse núcleo podem variar entre metilas e hidroxilas nas posições dentro da estrutura esteroide. Além disso, a insaturação da lactona também pode variar. Já, a parte glicosídica, destacada em verde, pode ser um monossacarídeo ou polissacarídeo que varia de tipo, podendo ser uma glicose, digitoxose, cimarose, entre outros. Esses açúcares podem ou não ser acetilados, porém, quando acetilados, aumentam consideravelmente a lipofilicidade da molécula, aumentando a taxa de absorção oral. Quanto à REA dessa classe de fármacos, destacam-se três pontos: 1. 2. 3. a presença da lactona insaturada; PreviousNext Estudos iniciais da relação estrutura-atividade mostravam que a lactona insaturada era essencial para atividade, já que sem ela o glicosídeo perdia completamente a atividade. Porém, estudos recentes mostram que substituições que não utilizam uma lactona, porém com as mesmas características físico- químicas, podem manter a atividade, como é o caso da substituição por uma nitrila alfa-beta-insaturada. A presença do núcleo esteroide na forma em que ele é apresentado é fundamental para a atividade, uma vez que tentativas de se ligar a lactona a outros núcleos extinguiram a atividade. Isso pode ser explicado por um possível encaixe ideal que essa formação tem no bolsão de ligação dos glicosídeos quando o núcleo esteroide tem essa conformação, aumentando os pontos de ligação e, consequentemente, a atividade. Por fim, a hidroxila tem um papel importante, mas não indispensável, podendo ser substituída. https://sereduc.blackboard.com/courses/1/7.4582.87754/content/_5262439_1/index.html#carousel_0 https://sereduc.blackboard.com/courses/1/7.4582.87754/content/_5262439_1/index.html#carousel_0 2.2 Fármacos para o tratamento de angina A angina pectoris é uma doença crônica causada pelo estreitamento das artérias que irrigam o coração. Esse estreitamento leva a uma baixa oxigenação tecidual e a falta de nutrientes para o músculo cardíaco. Vale lembrar que a angina é um dos sintomas de eventos mais graves como o infarto agudo do miocárdio. O tratamento farmacológico da angina consiste em aumentar o aporte de oxigênio para os tecidos afetados, além de tentar dilatar as coronárias. 2.3 Nitratos orgânicos Assim como os glicosídeos, os nitratos orgânicos são muito antigos, estando na terapêutica por, pelo menos, 100 anos. Hoje em dia, existem outras classes que são mais utilizadas como bloqueadores de canais de cálcio e os bloqueadores beta, mas os nitratos ainda são utilizados em casos de anginas agudas. O mecanismo farmacológico dos nitratos é o relaxamento da camada muscular que reveste as artérias, fazendo com que essas dilatem e aumentem o aporte de oxigênio para o tecido cardíaco. Esse maior aporte reduz os sintomas como dor e aperto no peito. Estruturalmente, os nitratos são bem simples, sendo ésteres derivados de álcoois primários de baixo peso molecular. Um exemplo é o tetranitrato de pentaeritritol, representado na figura a seguir, que foi sintetizado a partir do pentaeritritol, um poliálcool com quatro hidroxilas que foram esterificadas usando ácido nítrico. Esses ésteres são usualmente muito voláteis, e por serem ésteres nitratos são potencialmente explosivos, o que torna a sua formulação difícil. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 2 - Síntese do fármaco tetranitrato de pentaeritritolFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a síntese do fármaco tetranitrato de pentaeritritol. Os nitratos exercem a sua atividade biológica por serem doadores de óxido nítrico (NO) a um neurotransmissor que, por sua vez, também tem uma função de relaxamento do músculo liso das artérias. O óxido nítrico estimula a enzima guanilato ciclase, aumentandoos níveis de GMPc, levando à vasodilatação. Vale ressaltar que existem doadores de óxido nítrico que não são nitratos orgânicos, como, por exemplo, a molsidomina. 2.4 Bloqueadores de canais de cálcio Como vimos anteriormente, os glicosídeos cardiotônicos, cuja função é aumentar a contração muscular do coração, têm como mecanismo de ação manter os íons de cálcio no meio intracelular. Portanto, se a ideia é relaxar o músculo, seria racional evitar que os íons de cálcio entrem nas células do musculo liso. Pensando nisso, os cientistas começaram a estudar os canais de cálcio, que são receptores ionotrópicos. Com isso, começaram a se desenvolver os primeiros antagonistas de canais de cálcio (ou bloqueadores de canal de cálcio). O mecanismo de ação desses fármacos, como o próprio nome diz, antagonizam o canal de influxo de cálcio para dentro da célula. Esse íon gera a contração muscular por se ligar e inibir uma enzima chamada troponina, cuja função é evitar a ligação da actina com a miosina, responsáveis pela contração muscular. Em outras palavras, o cálcio inibe a inibição e, sem ele, a troponina consegue inibir a contração muscular. Nos músculos lisos que revestem as artérias, o cálcio se liga a uma enzima chamada calmodulina pra formar um complexo que inicia a contração muscular. Vale destacar que essa classe é muito mais utilizada na terapêutica do que os nitratos orgânicos. Estruturalmente, os bloqueadores de canal de cálcio são muito variados entre si, o que impede uma construção de uma relação estrutura-atividade profunda. Para dar uma dimensão das diferenças estruturais dos bloqueadores de canal de cálcio, a figura abaixo traz o anlodipino, o verapamil e a nicardipina. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 3 - Estruturas do anlodipino, verapamil e nicardipinaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas do anlodipino, verapamil e nicardipina. 2.5 Fármacos para o tratamento de arritmia Arritmia é o nome da doença que se caracteriza pela alteração do ritmo cardíaco. O ritmo cardíaco é dado por uma sequência de impulsos elétricos vindo principalmente do nó sinoatrial (SA), que funciona como um marca-passo, mandando um potencial elétrico para o coração que responde se contraindo, gerando o batimento. Uma pessoa normal, em repouso, tem uma frequência cardíaca de 60 a 100 batimentos por minuto (bpm). Esse estímulo elétrico vai causar uma onda de despolarização nas células do músculo, levando à contração. Esse processo acontece, obviamente, de modo automático e sincronizado, mas quando há uma disfunção no SA, esse ritmo pode se alterar, levando ao que chamamos de arritmia. O tratamento farmacológico da arritmia é feito por quatro grupos de fármacos: os inibidores de canais de sódio, os betabloqueadores, os bloqueadores de canais de potássio e os bloqueadores de canais de sódio. Os inibidores de canais de sódio como a procaína, que também são anestésicos locais, já foram explorados anteriormente e os inibidores de canal de cálcio já foram descritos no tópico anterior. Portanto, nesse tópico, abordaremos somente os betabloqueadores e os inibidores de canal de potássio. 2.6 Inibidores de canal de potássio O uso dos inibidores de canal de potássio é muito limitado a ambientes hospitalares quando há uma ação refratária ao uso de outros fármacos antiarrítmicos. Seu mecanismo de ação funciona através da inibição dos canais de potássio, mantendo o período refratário o maior tempo possível. Estruturalmente, os inibidores de canal de potássio são muito diversos, o primeiro da classe a ser lançado foi o tosilato de bretílio, um sal quaternário de amônio. Grande parte dos outros fármacos foram inicialmente desenvolvidos para outros usos e acabaram tendo sua atividade como antiarrítmico posteriormente. Não existem muitos dados de relação estrutura-atividade para essa classe de fármacos. 2.7 Betabloqueadores Para se entender a fundo os betabloqueadores, é necessário entender como funciona o sistema parassimpático e seus neurotransmissores, sendo os principais a acetilcolina e a noradrenalina. Além disso, é necessário conhecer os diferentes receptores do sistema colinérgico e adrenérgico e seus efeitos fisiológicos frente à ligação de agonistas e antagonistas. Como o foco aqui é a parte de química medicinal, a seção “Fique de Olho” vai trazer alguns textos e artigos para aprofundar o conhecimento na fisiologia e na farmacologia desse sistema. Recomenda-se, assim, a sua leitura. Os receptores adrenérgicos são uma classe de receptores que tem como seu ligante a adrenalina ou a noradrenalina. Esses receptores são divididos em duas classes, os alfa-adrenérgicos e os beta-adrenérgicos, e seus efeitos biológicos diferem no tipo de receptor e no tecido no qual esse receptor está localizado. Portanto, os efeitos biológicos dos receptores adrenérgicos são extremamente amplos e não serão aprofundados aqui (para isso, vale a pena checar a seção “Fique de Olho”). Tanto para o subtipo alfa quanto o beta, os agonistas e os antagonistas utilizam a estrutura da noradrenalina como protótipo para o desenvolvimento de novos compostos. Historicamente, o primeiro composto sintético a ser usado nos receptores adrenérgicos foi o isoproterenol, um agonista inespecífico. A partir daí, os estudos estruturais foram feitos dependendo do efeito esperado (antagonista/agonista) e o subtipo de receptor alvo (alfa/beta). Para os antagonistas do subtipo beta (ou betabloqueadores), o primeiro composto a apresentar um efeito antagonista foi o derivado dicloro do isoproterenol. As estruturas da noradrenalina, do isoproterenol e do dicloroisoproterenol estão expostas na figura abaixo. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 4 - Estruturas da noradremalina, isoproterenol e dilcloroisoproterenolFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas da noradremalina, isoproterenol e dilcloroisoproterenol. A substituição das hidroxilas por cloros indica que existe um bolsão hidrofóbico próximo ao anel benzênico que é muito importante para a atividade antagonista. De fato, quando se troca os cloros por um outro anel benzênico conjugado, a atividade antagonista aumenta consideravelmente. O pronetalol, por exemplo, tem um naftaleno ao invés de um anel benzênico e tem uma atividade muito maior que o dicloroisoproterenol, porém só não foi encaminhado para a terapêutica porque apresentou efeitos teratogênicos em ratos. Com a continuidade dos estudos nessa classe, descobriu-se que uma ponte oximetilênica (OCH2) tem um papel chave na atividade, além da posição da substituição no anel, que também é crucial para atividade antagonista. Com isso, foi planejado o primeiro betabloqueador lançado na terapêutica e que, até hoje, é um dos mais utilizados: o propranolol. Esse fármaco, pensado originalmente para tratar angina, tem uma atividade muito ampla pra tratar sintomas e fatores de risco para doenças cardiovasculares. Seu uso mais amplo é no tratamento da hipertensão, mas também trata arritmias e anginas. Estruturalmente, o propranolol tem a ponte oximetilênica, destacada em vermelho na figura abaixo, e tem a posição da substituição do anel naftalênico no carbono 1 e não no carbono 2, como acontece no protenalol. Com o desenvolvimento do propranolol, chegou-se ao grupo que, de modo geral, aparece em quase todos os compostos (com exceção do timolol e do nebivolol). A figura a seguir, portanto, mostra as estruturas do pronetalol, propranolol e a estrutura geral dos betabloqueadores. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 5 - Estruturas do pronetalol, propranolol e a estrutura geral dos betabloqueadoresFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas do pronetalol, propranolol e a estrutura geral dos betabloqueadores. Como mencionado, os receptores adrenérgicos vão ter uma abrangênciade ação muito grande e os receptores beta não são diferentes. Além do coração, há receptores beta no pulmão e em outros tecidos. Para diferenciar os receptores, eles ganharam números: os receptores beta no coração são chamados de β1, mas tem-se o β2 em tecidos como o pulmão e β3 em tecidos adiposos. O propranolol não tem uma seletividade, ou seja, ele atua não só em β1, mas também em outros tipos de receptores beta. Descobriu-se, porém, que os receptores beta não só tinham localidades diferentes, mas também estruturas diferentes, o que pôde guiar o planejamento de análogos mais seletivos. Nesse planejamento descobriu-se que substituições em R1, que fossem amidas ou éteres, poderiam aumentar a seletividade da molécula frente à β1 e, com isso, foram sintetizados os primeiros antagonistas seletivos de β1. O mais famoso desse grupo é o atanolol, mostrado na figura a seguir, com a amida que faz ele ter seletividade destacada em vermelho. Além da seletividade, essa amida aumenta a hidrofilicidade da molécula que não passa a barreira hemato- encefálica, diminuindo os efeitos adversos no Sistema Nervoso Central. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 6 - Estrutura do atenololFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a estrutura do atenolol. Entender como funciona o sistema parassimpático e seus receptores adrenérgicos e colinégicos é essencial para o bom entendimento dos fármacos que atuam neles e seus efeitos esperados e adversos. Dê uma olhada nos textos e vídeo a seguir: The airway cholinergic system: physiology and pharmacology, de K. Racké e S. Matthiesen; Overview of the Anatomy, Physiology, and Pharmacology of the Autonomic Nervous System, de Erica A. Wehrwein, Hakan S. Orer e Susan M. Barman; e Receptores Adrenérgicos e Colinérgicos no SNA, na plataforma Youtube. 3 Diuréticos Os diuréticos são um grupo de fármacos cuja principal ação é aumentar o volume de urina. A ideia por traz disso é aumentar a excreção de íons como sódio e cloreto, redução do volume sanguíneo sem que aja perda de proteínas, vitaminas, glicose entre outros compostos necessários para a manutenção do corpo. Essas propriedades dos diuréticos fazem com eles tenham um amplo espectro de uso: insuficiência cardíaca, doenças nefróticas e hepáticas, além do tratamento de hipertensão e edema, aos quais eles são mais utilizados. Os principais órgãos alvo dos diuréticos são os rins, nos quais esses fármacos vão interferir na reabsorção de sódio e outros íons no lúmen dos néfrons. Os diuréticos são divididos em quatro classes: os reguladores osmóticos, os inibidores de anidrase carbônica, os tiazídicos, os de alça e os poupadores de potássio. Algumas classes têm pouquíssimos dados de relação estrutura- atividade, como o caso dos osmóticos, que são somente moléculas pequenas como o manitol que são filtradas e criam uma pressão osmótica pra aumentar a quantidade de urina. Os poupadores de potássio são pouco utilizados e têm poucos exemplos, então aqui serão abordados os inibidores de anidrase carbônica, os tiazídicos e os diuréticos de alça. 3.1 Inibidores de anidrase carbônica Em 1937, foi descoberto que a urina era acidificada utilizando o CO2 do sangue e água, formando ácido carbônico. Essa reação é catalisada por uma enzima chamada anidrase carbônica. Mais tarde, foi observado que o antibacteriano sulfanilamida aumentava o pH das urinas de cachorros e descobriu-se que essa atividade se dava pela inibição da anidrase carbônica. Com essa inibição, o sódio, que antes era reabsorvido com os prótons liberados pelo ácido carbônico, agora se acumulava na urina, fazendo-a aumentar seu volume. Estruturalmente, a única coisa que une os inibidores de anidrase carbônica é a porção sulfonamida que não pode ser substituída, pois o seu caráter ácido é primordial para a ligação com a enzima. O uso dessa classe de diuréticos é limitado, pois, uma vez que o corpo entra em acidose (efeito colateral da alcalinização da urina é a acidificação do sangue), esses compostos perdem atividade. Portanto, o uso deles como diurético é limitado, mas eles ainda têm uso para o tratamento de glaucoma, pois a inibição da anidrase carbônica no olho reduz a formação de humor vítreo, diminuindo a pressão intraocular. O fármaco mais famoso dessa classe é a dorzolamida, representada na figura a seguir com a parte sulfonamida destacada em vermelho. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 7 - Estrutura da dorzolamidaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a estrutura da dorzolamida. v 3.2 Tiazídicos Os estudos para desenvolver novos inibidores de anidrase carbônica chegaram a um composto aminobenzilsulfonamida que, apesar de ter uma baixa atividade em anidrase carbônica, tinha uma alta atividade como diurético. Ao acetilar a amina, o composto se autocicliza, formando um núcleo chamado de benzotiadiazinico que demonstrou atividade diurética sem atuar em anidrase carbônica. O seu mecanismo de ação é competir pelo bolsão de ligação do cloreto na bomba de Na+/Cl- nos túbulos distais. Sem o funcionamento dessa bomba, nenhum dos dois íons podem ser reabsorvidos e, com isso, há um acúmulo de urina, gerando seu efeito. Estruturalmente, os fármacos dessa classe têm o núcleo benzotiazidinico, mostrado na figura a seguir. Alguns elementos são tão importantes quanto o núcleo para a sua atividade, começando pela existência de uma sulfonamida na posição 2, pois sem ela os fármacos dessa classe não têm nenhuma atividade. Outra substituição importante é um grupo retirador de densidade eletrônica na posição 1. Isso é importante pra aumentar a acidez do nitrogênio 8, cuja desprotonação é essencial para a ligação no alvo. Os principais substituintes em 1 são o cloro e o triflúormetil (-CF3). Por fim, na posição 9 as substituições por grupos lipofílicos, como grupos alquilicos ou haloalquilicos, ajudam a aumentar a atividade e o tempo de ação desses fármacos. A figura a seguir traz também a estrutura do fármaco mais conhecido da classe, e um dos mais utilizados na terapêutica, a hidroclorotiazida, que tem algumas das substituições mencionadas no texto. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 8 - Estruturas da benzotiadiazina e da hidroclorotiazidaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas da benzotiadiazina e da hidroclorotiazida. 3.3 Diuréticos de alça Os diuréticos de alça levam esse nome por conta de seu mecanismo de ação: eles inibem a bomba simporte de Na+/K+/2Cl- na porção ascendente da Alça de Henle, parte do rim responsável pela reabsorção de íons, água e moléculas. Apesar desse nome, há estudos mostrando que eles podem agir em outras estruturas do rim, tais como os túbulos distais. Eles são os mais potentes diuréticos das classes que vimos até aqui, uma vez que seu efeito começa em 30 minutos após a dosagem e dura por até seis horas. Estruturalmente, os fármacos dessa classe diferem consideravelmente. Fármacos como a bumetamida e furosemida se parecem e tem um planejamento mais próximo, mas eles diferem muito da tripamida ou da torsemida, por exemplo. A única coisa que une todos esses fármacos é uma porção ácida que, na maioria dos casos, vai ser uma sulfonamida, porém, no caso do ácido etacrínico, é um ácido carboxílico. A furosemida tem uma estrutura que lembra os tiazídicos, com uma porção ácida, uma sulfonamida e um substituinte retirador de elétrons, porém o pKa da furosemida é 3,9 - que é mais ácido do que qualquer tiazídico. A figura a seguir traz a furosemida, a tripamida e a torsemida, destacando em vermelho a sulfonamidas que estão presente em todas. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 9 - Estruturas da furosemida, tripamida e torsemidaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas da furosemida, tripamida e torsemida. 4 HipoglicemiantesA diabetes é uma das doenças mais antigas das quais se tem registro. Historiadores acreditam que elas sempre afligiram o ser humano desde épocas muito antigas. A palavra diabetes vem do latim arcaico e quer dizer sifão, nome dado por Areteus, um médico que percebeu que as pessoas com essa doença tinham incontinência urinária e muita sede. Mais tarde, no século XVI, um médico deu um segundo nome à doença, mellitus, que vem do latim para adocicado, característica da urina dos pacientes enfermos. Como se sabe, a diabetes é uma das síndromes metabólicas mais comuns no mundo e o seu tipo 2 está ligado a uma má alimentação, excesso de carboidratos e falta de exercícios físicos, já o tipo 1 é congênito e autoimune. O tratamento para o tipo 1 são as insulinas de longa e curta duração, já para o tipo 2, o tratamento é feito farmacologicamente e não farmacologicamente. O tratamento não farmacológico consiste na mudança dos hábitos de vida, tais como fazer uma dieta equilibrada e exercícios físicos regulares. Já o farmacológico, a OMS recomenda começar com metformina, uma biguanida que diminui a produção de glicose pelo fígado e aumenta a sensibilidade a insulina. Os tratamentos farmacológicos também incluem as sulfoniluréias, os sensibilizadores de insulina, os agonistas de GLP- 1 e os inibidores de DPP-IV (sendo que esses dois últimos não serão abordados aqui). Para os pacientes com diabetes do tipo 2 que tenham muita dificuldade em controla-la usando os fármacos orais citados, podem evoluir para a necessidade de insulina. v 4.1 Insulinas O tratamento com insulina é o mais radical dos tratamentos de diabetes. Para o tipo 1, no qual o pâncreas é atacado pelo sistema imune e não produz insulina endógena, o tratamento é a única opção. Já os pacientes do tipo 2 podem evoluir, se não tratados corretamente, para a necessidade de insulina. O mecanismo de ação da insulina é o mais óbvio, pois agem da forma que a insulina endógena deveria agir, porém não o faz porque está deficitária. O uso da insulina demanda muita atenção do paciente, tanto na administração, uma vez que ela é injetável (existem estudos para utilização de insulinas intranasais - dê uma olhada na seção “Fique de Olho”), quanto nos cuidados externos de sempre medir a glicemia e saber a hora correta de administração. Um erro como, por exemplo, administrar insulina de curta duração em jejum pode causar uma hipoglicemia grave que pode inclusive levar à morte. Uma observação interessante é que, antigamente, a insulina que era usada na terapêutica vinha de pâncreas de animais criados para a extração desse fármaco. Com a evolução da biotecnologia e da biologia molecular, hoje são usadas bactérias modificadas para produzir a insulina em larga escala de modo mais seguro e que não utiliza animais. A insulina é uma proteína, portanto é bem difícil de falar em relação estrutura- atividade, mas tem alguns pontos interessantes para serem citados. As insulinas são classificadas quanto à sua rapidez de ação: curta, rápida, média e longa duração. Essas diferenças no tempo são dadas por alterações de alguns aminoácidos da insulina. Por exemplo, a insulina lispro (uma de ação rápida) troca uma lisina por uma prolina na porção C terminal da enzima. Isso impede que a proteína dimerize fazendo com que ela fique na forma de monômero e tenha a sua ação muito mais rápida. No caso da insulina glargine, uma de longa duração, há troca de uma asparagina por uma glicina e a adição de duas argininas na porção C terminal. Isso faz com que o ponto isoelétrico da proteína seja 7, porém ela é formulada em pH 4, o que a torna protonada e, portanto, solúvel em água. Quando ela é administrada e cai na corrente sanguínea, o pH do sangue é 7,4, o que faz com que ela precipite em forma de minicristais. Esses minicristais vão dissolvendo aos poucos e liberando de forma lenta e gradual a insulina. A via de administração das insulinas ainda é um motivo de muita preocupação pois requer que a pessoa injete o fármaco na hora certa e na dose certa. Muitas pesquisas tentam trazer novas vias de administração de insulina, inclusive a intranasal. Dê uma olhada nos textos a seguir: Intranasal administration of insulin to humans, de Sveinbjörn Gizurarson e Erik Bechgaard; Intranasal administration of insulin to the brain impacts cognitive function and peripheral metabolism, de V. Ott, C. Benedict, B. Schultes, J. Born e M. Hallschmid; e Intranasal Administration of Insulin With Phospholipid as Absorption Enhancer: Pharmacokinetics in Normal Subjects, de Dr. Kirsten Drejer, A. Vaag, K. Bech, P. Hansen, A. R. Sorensen, N. Mygind. 4.2 Sulfoniluréias As sulfoniluréias são uma classe de fármacos hipoglicemiantes cuja a ação é estimular as células beta das ilhotas pancreáticas a produzir insulina. Esse efeito foi notado quando as sulfoniluréias que eram utilizadas para tratamento de febre tifoide davam como efeito adverso a hipoglicemia. As células beta absorvem a glicose, gerando ATP, e esse, por sua vez, vai inativar o canal de potássio sensível a ATP, aumentando o influxo de cálcio pra dentro da célula, que, por uma cascata de reação, gera a liberação de insulina. O efeito das sulfoniluréias é mimetizar o ATP no fechamento do canal de potássio, levando, assim, a uma liberação “forçada” de insulina. Estruturalmente, as insulinas têm um grupo farmacofórico como mostrado na figura a seguir, com possibilidade de substituições em R1 e R2. Os fármacos de primeira geração têm uma substituição alquílica pequena em R1 e uma estrutura alquílica ou um anel lipofílico em R2. Essas substituições não ajudam a aumentar a atividade de ligação dos fármacos com o canal de potássio, o que faz com que esses fármacos tenham que ter uma alta dose. Essa alta dose aliada ao fato da sua lipofilicidade ser alta e, consequentemente, a sua meia vida também, fez com que os fármacos de primeira geração tivessem muitos efeitos adversos. Os fármacos de segunda geração continuam com a substituição alquílica ou cíclica em R2, pois identificou-se que essa substituição é importante para a seletividade para SUR1 (o canal de potássio dependente de ATP encontrado no pâncreas). Porém, em R2, identificou-se que substituintes ácidos (pKa<5) favoreciam a ligação com o receptor, provavelmente por uma ligação iônica e, assim, eles têm substituições que tenham grupos ácidos como amidas. A figura a seguir traz o grupo farmacofórico das sulfoniluréias: a tolbutamida, um fármaco de primeira geração, e a glipizida, um fármaco de segunda geração. No fármaco de segunda geração podemos observar, em vermelho, a substituição em R2 que aumenta a seletividade e, em verde, o grupo ácido que aumenta a afinidade do fármaco pelo receptor. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 10 - Estruturas do grupo farmacofórico, da tolbutamida e da glipizidaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas do grupo farmacofórico, da tolbutamida e da glipizida. 4.3 Biguanidas As biguanidas agem no tratamento de diabetes diminuindo a produção de glicose pelo fígado e aumentando a sensibilidade dos tecidos à insulina. Portanto, diferente das sulfoniluréias que são estimulantes da produção de insulina, as biguanidas não alteram a quantidade de insulina disponível, o que evita o problema de crises hipoglicêmicas. O mecanismo de ação dessa classe não está completamente elucidado até o momento, mas tem-se indícios de que elas reduzem a gliconeogênese hepática, aumentando a glicólise. Além disso, elas parecem ter efeitos na sinalização da insulina em tecidos hepáticos e esqueléticos, aumentando a absorção da glicose por esses tecidos, diminuindo, assim, a quantidade de glicose no sangue. Outras vantagens que essa classe de fármacos traz é o de não aumentar o peso dos pacientes, além de ter atividade hipotrigliceridêmica (redução dos triglicérides) e vasoprotetora, o que pra um paciente com problemas cardíacosé ótimo. O principal fármaco dessa classe é a metformina, o fármaco de primeira escolha para o tratamento de diabetes. Ele pode ser usado sozinho ou em conjunto com outros hipoglicemiantes, tais como as sulfoniluréias ou os sensibilizadores de insulina. A estrutura da metformina é demonstrada na figura a seguir. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 11 - Estrutura da metforminaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a estrutura da metformina. 4.4 Sensibilizadores de insulina Os sensibilizadores de insulina também são chamados de agonistas PPAR. Os PPAR, sigla em inglês de peroxisome proliferator-activaded receptor, são um grupo de receptores muito importantes na homeostase de lipídeos, carboidratos e vias inflamatórias. Esses receptores são separados em três subtipos e estão espalhados pelo corpo em tecidos como fígado, rim e tecidos adiposos. A ativação desses receptores pelos agonistas gera uma série de efeitos benéficos para o paciente, a começar pelo aumento da sensibilização da insulina, além de também diminuir a produção e absorção de gordura, o que, por sua vez, está intrinsicamente ligado ao aumento da sensibilidade a insulina. Por último, ajuda a quebrar o colesterol VLDL (o mais prejudicial), aumentando o HDL (o chamado “colesterol bom”). Estruturalmente, os agonistas PPAR têm um núcleo tiazolidinediona ligado a um anel aromático e uma ponte oximetilênica ligando o resto da molécula. A figura a seguir traz o único da classe que, apesar de ser o único da classe na terapêutica, ainda é muito utilizado na clínica juntamente com as outras classes de hipoglicemiantes. O grupo farmacofórico está destacado em vermelho, o resto da molécula foi planejada utilizando a estrutura da trogliazona como protótipo, que por sua vez utiliza o tocoferol, um antioxidante ligado ao grupo farmacofórico. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 12 - Estrutura da pioglitazonaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a estrutura da pioglitazona. 5 Antitrombóticos A formação de tromboembolismo venoso é uma condição que tem uma alta morbimortalidade no mundo todo. Existem fatores de risco hereditários e adquiridos como históricos de cirurgias e traumas. Um dos primeiros antitrombóticos descobertos foi a heparina, ainda em 1916 – apesar de só ter suas aplicações clínicas investigadas em 1933. O tratamento dessas condições visa alterar as vias de coagulação pra evitar a formação dos trombos e disso resultam os anticoagulantes, os inibidores diretos de trombina e os antiplaquetários. 5.1 Anticoagulantes orais Os anticoagulantes orais têm seu mecanismo de evitar a coagulação por serem antagonistas de vitamina K. Essa vitamina tem papel chave como cofator da carboxilase que catalisa a carboxilação de um resíduo de glutamina no C terminal de fatores de coagulação como o II, o VII, o IX e o X. No processo bioquímico da vitamina K, há a regeneração da forma ativa, a hidroquinona, através da redução da forma epóxi para a quinona (utilizando a enzima epóxido redutase de vitamina K) e a redução da forma quinona para a hidroxiquinona, utilizando a enzima quinona redutase de vitamina K. Os anticoagulantes orais, tanto os derivados de cumarina quanto as indandionas, inibem a enzima epóxido redutase em maior grau e a quinona redutase em menor. Isso impede a regeneração da forma ativa da vitamina K, evitando que ela exerça seu papel como cofator da cascata de coagulação. Os derivados de cumarina, estruturalmente, lembram bastante a forma epóxi da vitamina K. O grupo farmacofórico é a cumarina (monstrado na figura a seguir), na qual existem substituições nas posições 4 e 5. Uma hidroxila ácida na posição 5 permite a formulação do fármaco através da formação de sais de sódio e está representada em vermelho na figura a seguir. Já a substituição na posição 4, representada em verde, serve pra diminuir o tempo de meia vida e, assim, reduzir os efeitos colaterais. A figura a seguir, portanto, traz as estruturas da forma epóxi da vitamina K, o grupo farmacofórico de cumarina e a estrutura da varfarina, o fármaco mais utilizado na terapêutica dessa classe, com as respectivas substituições coloridas. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 13 - Estruturas da epóxi-Viramina K, cumarina e varfarinaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas da epóxi-Viramina K, cumarina e varfarina. Vale ressaltar que essa classe ainda tem indandionas com o mesmo mecanismo de ação. Porém, todas elas têm sérios efeitos adversos, o que as fazem não ser utilizadas na terapêutica (a escolha é sempre varfarina ou acenocumarol), por isso elas não serão tratadas a fundo aqui. 5.2 Heparina Os derivados de heparina foram os um dos primeiros anticoagulantes disponíveis e são, até hoje, ainda muito utilizados na terapêutica. A heparina é composta por uma mistura de cadeias de mucopolissaracideos retas sulfatadas e carregadas negativamente. O peso molecular das heparinas pode variar de cinco até 30 kD e as unidades desse polissacarídeo alternam entre uma acetilglucosamida e um ácido urônico conectados por uma ligação 14. A sua administração é, geralmente, em forma de sais de sódio ou potássio e por via intravenosa. Sais de lítio de heparina também são utilizados em tubos de coletas de sangue pra evitar que eles coagulem antes do exame. A fragilidade da ligação sacarídica impede as formulações orais dessa classe de fármacos. Como mecanismo de ação, as heparinas de cadeia longa atuam em vários pontos da cascata de coagulação. Os principais pontos são a sua ligação entre o carboxilato da antitrombina III e os sulfatos da heparina, o que impede a sua ligação com os fatores IIa e Xa e para a cascata de coagulação. Essa ligação não é considerada uma inibição e, sim, uma interferência na capacidade catalítica, uma vez que, quando desligado, o fator III consegue exercer a sua atividade normalmente. Já as heparinas de cadeia curta (4 a 6 kD) têm uma vantagem frente aquelas de cadeia longa, uma vez que elas têm propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas mais favoráveis. Diferentemente das de cadeia longa, as de cadeia curta não se ligam na antitrombina III e, sim, diretamente no fator Xa. 5.3 Inibidores diretos de trombina Com o avanço do entendimento dos mecanismos moleculares da cascata de coagulação, muitos pontos dessa via viraram alvos de fármacos. Um deles é a própria trombina. O primeiro inibidor de trombina descoberto foi a hirudina, uma proteína pequena de cerca de 65 aminoácidos que foi encontrada na saliva da espécie de sanguessuga hirudo medicinalis. Esse verme utiliza essa molécula para evitar que o sangue do seu hospedeiro não coagule, sendo utilizado para tratar edemas e problemas pela medicina tradicional indiana. Hoje, a hirudina não é mais extraída da saliva de sanguessugas, mas produzida através de bactérias recombinantes como acontece com a insulina. O mecanismo de ação da hirudina e de outras pequenas proteínas como a bivalirudina é a inibição direta do sítio ativo da trombina e de outros dois sítios correspondentes. Ao contrário da heparina, que atua na antitrombina IIIa ativada e outros fatores como o XIa e o XIIa, essa classe de fármacos inibe exclusivamente a trombina, que não precisa estar ativada. Existem pequenas moléculas (small molecules) que também são inibidores, como são os casos do argatrobana e do dabigatrana (ilustrados na figura a seguir). O primeiro é um peptídeo mimético que se liga seletivamente ao sitio ativo da trombina e o segundo é um não peptídeo mimético que se liga tanto à trombina livre quanto ao complexo trombina-fibrina, a última etapa da cascata de coagulação. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 14 - Estruturas da argatrobana e da dabigatranaFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra asestruturas da argatrobana e da dabigatrana. 5.4 Antiplaquetários Outro alvo importante para os antritrombóticos está no nível das plaquetas, evitando que elas se ativem e se agreguem formando, assim, os trombos. O principal uso dos antiplaquetários é na prevenção das complicações de eventos isquêmicos em pacientes com doenças coronarianas. Alguns dos fármacos antiplaquetários são utilizados com outras funções, como, por exemplo, os anti- inflamatórios não esteroidais (AINE) inibidores de COX1. A COX-1, além de ser importante nas vias de processos inflamatórios, é importante na biossíntese da prostaglandina TXA2. Essa prostaglandina tem o papel de aumentar a vasoconstrição e a trombogênese. Um dos fármacos utilizados como antitrombóticos é o ácido acetilsalicílico, o famoso AAS. Descobriu-se que o uso diário de AAS reduzia a chance e a gravidade de eventos isquêmicos, gerando um efeito protetor. Estudos mais recentes publicados na Journal of the American Medical Association, porém, mostraram que o risco de hemorragia do uso crônico de AAS não vale a pena pelo efeito protetor. Ainda assim, é altamente receitado pelos médicos como antiplaquetário. Outra classe de antiplaquetários são os inibidores de fosfodiesterase-3. Essa enzima é responsável pela degradação de cAMP nas células sanguíneas e plaquetas. Com ela inibida, há o aumento desse cAMP levando á inibição da agregação plaquetária e vasodilatação. Existem, basicamente, dois fármacos dessa classe: o dipiridamol e o cilostazol. Vale destacar que o primeiro tem pouca ação sozinho, dependendo do uso concomitante com outros fármacos como a varfarina. A estrutura dos dois está exposta na figura a seguir. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 15 - Estruturas do dipiridamol e do cilostasolFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas do dipiridamol e do cilostasol. O receptor purinérgico P2Y é um receptor de ADP que tem um papel chave na coagulação, pois a sua ativação leva a uma mudança estrutural das plaquetas e do início da agregação e formação do coágulo. A sua inibição, portanto, é um interessante alvo para desenvolvimento de fármacos antiplaquetários. Os fármacos disponíveis para esse alvo são a triclopidina, o clopidrogrel e o prasugrel. Todos eles são derivados de tienopiridinas, estrutura destacada em vermelho. As tienopiridinas tem uma ação de proteção contra infartos, AVC e doenças obstrutivas coronarianas. O seu efeito é potencializado quando administrado com outros antiplaquetários, tais como o ácido acetilsalicílico. A figura a seguir traz as estruturas da triclopidina, do clopidogrel e do prasugrel. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 16 - Estruturas da ticlopidina, do clipidogrel e do pasugrelFonte: Elaborado pelo autor, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra as estruturas da ticlopidina, do clipidogrel e do pasugrel. É ISSO AÍ! Nesta unidade, você teve a oportunidade de: estudar sobre os fármacos que atuam no sistema cardiovascular; conhecer e aprofundar seus conhecimentos nas principais classes de agentes cardiovasculares, tais como glicosídeos cardiotônicos, bloqueadores de canal de cálcio e nitratos orgânicos; conhecer e aprofundar seus conhecimentos nas principais classes de diuréticos, tais como diuréticos de alça, tiazídicos e sulfoniluréias; conhecer e aprofundar seus conhecimentos nas principais classes de hipoglicemiantes, tais como as insulinas, as biguanidas e os sensibilizadores de insulina; conhecer e aprofundar seus conhecimentos nas principais classes de antitrombóticos, tais como os anticoagulantes, os inibidores diretos de trombina e os antiplaquetários. 1 Doença v 2 Agentes cardiovasculares 2.1 Glicosídeos cardiotônicos 2.2 Fármacos para o tratamento de angina 2.3 Nitratos orgânicos 2.4 Bloqueadores de canais de cálcio 2.5 Fármacos para o tratamento de arritmia 2.6 Inibidores de canal de potássio 2.7 Betabloqueadores 3 Diuréticos 3.1 Inibidores de anidrase carbônica v (1) 3.2 Tiazídicos 3.3 Diuréticos de alça 4 Hipoglicemiantes v (2) 4.1 Insulinas 4.2 Sulfoniluréias 4.3 Biguanidas 4.4 Sensibilizadores de insulina 5 Antitrombóticos 5.1 Anticoagulantes orais 5.2 Heparina 5.3 Inibidores diretos de trombina 5.4 Antiplaquetários É ISSO AÍ!
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