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TCC final Paula Tais Bolfe

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO 
GRANDE DO SUL 
 
 
PAULA TAIS BOLFE 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO PENAL DO INIMIGO NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA: 
REPRESSIVISMO E PUNITIVISMO COMO ESTRATÉGIAS DE CONTENÇÃO DA 
VIOLÊNCIA E DA CRIMINALIDADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ijui (RS) 
2014
 
 
 
PAULA TAIS BOLFE 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO PENAL DO INIMIGO NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA 
REPRESSIVISMO E PUNITIVISMO COMO ESTRATÉGIAS DE CONTENÇÃO DA 
VIOLÊNCIA E DA CRIMINALIDADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão do Curso de 
Graduação em Direito objetivando a 
aprovação no componente curricular Trabalho 
de Curso - TC. 
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste 
do Estado do Rio Grande do Sul. 
DECJS - Departamento de Ciências Jurídicas e 
Sociais 
 
 
 
 
Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser 
 
 
 
 
 
 
Ijui (RS) 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho a toda minha família, 
pelo incentivo, apoio e confiança em mim 
depositados durante esta longa jornada, 
especialmente a você Douglas, que sempre 
teve paciência e esteve ao meu lado nas horas 
mais difíceis. 
 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Aos meus pais, pelo amor, incentivo е amparo incondicional. 
 
À minha orientadora Ester Eliana Hauser, pelo entusiasmo com que me recebeu e pelo 
empenho e dedicação na elaboração deste trabalho, compartilhando os seus conhecimentos e 
enriquecendo meu aprendizado. 
 
Aos meus colegas de trabalho do Corpo de Bombeiros Misto de Três de Maio por todo 
apoio e estimulo prestados durante toda esta caminhada, sempre com a máxima boa vontade e 
generosidade. 
 
A todos aqueles que se fizeram presente, perto ou longe, sempre estimulando meus 
estudos e torcendo pelo meu sucesso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“É melhor lançar-se em busca de conquistas 
grandiosas, mesmo expondo-se ao fracasso, 
do que alinhar-se com os pobres de espírito, 
que nem gozam muito nem sofrem muito, 
porque vivem numa penumbra cinzenta, onde 
não conhecem nem vitória, nem derrota.” 
(Theodore Roosevelt) 
RESUMO 
 
O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise dos modelos políticos 
criminais contemporâneos (repressivistas e punitivistas) e seus reflexos na função punitiva do 
Estado frente à Constituição Federal de 1988, abordando os princípios penais e processuais 
limitadores da intervenção penal com enfoque no princípio da dignidade da pessoa humana. 
Estuda também o Direito Penal do Inimigo e suas manifestações na política criminal brasileira, 
abordando aspectos como conceituação, delimitação entre cidadão e inimigo, e a repercussão 
deste Direito através da mídia e das redes sociais. Por fim, ainda estuda as manifestações do 
Direito Penal do Inimigo no sistema penal brasileiro e faz considerações críticas acerca da 
função punitiva do Estado e de seu caráter punitivista e repressivista. 
 
Palavras-Chave: Política criminal. Função punitiva. Direito Penal do Inimigo. Mídia. 
Redes sociais. 
ABSTRACT 
 
This completion of course work provides an analysis of contemporary criminal 
political models (repressivistas and punitivistas) and its effects on punitive function of the 
state to the Federal Constitution of 1988, approaching the limiting criminal and criminal 
procedural principles of intervention focusing on the principle of dignity of the human person. 
Also studies the Criminal Law of the Enemy and its manifestations in the Brazilian criminal 
policy, addressing issues such as conceptualization, delineation between citizen and enemy, 
and the impact of this law through the media and social networks. Finally, still studying the 
manifestations of the Criminal Law of the Enemy in the criminal justice system and makes 
critical remarks about the punitive function of the state and its character and punitivista 
repressivista. 
 
Keywords: criminal policy. Punitive function. Criminal Law of the Enemy. Media. 
Social networks. 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09 
 
1 A POLÍTICA CRIMINAL E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................ 11 
1.1 Política criminal: elementos conceituais .......................................................................... 11 
1.2 Modelos políticos criminais contemporâneos .................................................................. 14 
1.3 O modelo político criminal na Constituição Federal de 1988 ......................................... 16 
1.3.1 O princípio da dignidade humana e os limites à intervenção punitiva do Estado .......... 18 
1.3.2 Princípios penais e processuais limitadores da intervenção penal ................................. 20 
1.4 A função punitiva nos Estados Democráticos de Direito ................................................ 24 
 
2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E SUAS MANIFESTAÇÕES NA POLÍTICA 
CRIMINAL BRASILEIRA ................................................................................................... 27 
2.1 Direito Penal do Inimigo: conceituação e caracterização ............................................... 27 
2.2 Direito Penal do Inimigo e Direito Penal do Cidadão ..................................................... 29 
2.3 A imagem do inimigo e sua repercussão nos discursos midiáticos e nas redes sociais ... 31 
2.4 As manifestações do Direito Penal do Inimigo no sistema penal brasileiro ................... 35 
2.5 Repressivismo e punitivismo e a função punitiva no Estado Democrático de Direito: 
considerações críticas ............................................................................................................. 39 
 
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 42 
 
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44 
 
 
 9 
INTRODUÇÃO 
 
A presente pesquisa estuda a aplicação e a manifestação do Direito Penal do Inimigo 
na política criminal do nosso Estado Democrático de Direito bem como aborda os principais 
modelos políticos criminais contemporâneos (repressivo e não repressivo), confrontando-os 
com os princípios penais e processuais que limitam a função punitiva do Estado, fazendo uma 
análise crítica da imagem do inimigo atual e da função punitiva frente aos modelos 
repressivistas e punitivistas utilizados como forma de contenção da violência e da 
criminalidade. 
 
Os problemas a serem discutidos no presente trabalho se relacionam com o papel do 
Direito Penal do Inimigo no Estado Democrático de Direito, qual a sua repercussão, sua 
influência e sua real aplicabilidade, pois se deve avaliar se em uma Constituição cidadã como 
a nossa existe espaço para mecanismos de combate a criminalidade puramente repressivistas e 
punitivistas, baseados na lógica do inimigo, sem que se prejudiquem os direitos mínimos dos 
cidadãos e afronte a garantia da dignidade humana, que é também fundamento do Estado 
brasileiro. 
 
O objetivo do trabalho é estudar a política criminal no Estado Democrático de Direito, 
conceituando-a, limitando-a e esclarecendo os modelos repressivistas e punitivistas e suas 
estratégias para contenção da violência e da criminalidade, delimitando o Direito Penal do 
Inimigo na esfera política criminal brasileira, confrontando-o com o Direito Penal do cidadão 
e demonstrando sua repercussão frente aos discursos midiáticos e as redes sociais, sendo que a 
escolha dessa temática foi realizada com a intenção de fazer uma reflexão sobre osrumos que 
a nossa sociedade esta tomando. A busca pela repressão punitiva cada vez maior e o aumento 
da criminalidade demonstram que é necessário compreender tal problema sob um viés social 
 10 
e, a partir disso, buscar mecanismos adequados para enfrentá-los visto que o endurecimento 
das penas não vai resolver o nosso problema. 
 
A principal justificativa para o tema proposto são as mudanças que a sociedade vem 
enfrentando com o aumento da criminalidade e a busca de soluções para combater esse 
problema. Temos uma Constituição que prevê a aplicação de uma política criminal não 
intervencionista, porém, atualmente, as correntes intervencionistas vêm ganhando força, 
principalmente através dos discursos midiáticos e apelativos que a mídia impõe, influenciando 
fortemente a ideia de que o Direito Penal ideal é aquele puramente repressivista e punitivista, 
baseado na lógica do inimigo, onde há um endurecimento das penas, deixando, dessa maneira, 
de se observar os princípios básicos que preservam a vida humana. 
 
O primeiro capítulo apresenta os elementos conceituais da política criminal, 
explicando a atuação dos movimentos repressivistas e punitivistas na contemporaneidade e a 
sua importância e o reflexo que estes apresentam frente ao sistema penal brasileiro. Também 
será realizada uma análise do modelo político criminal vigente e os princípios que regem e 
limitam a atuação estatal, destacando o princípio da dignidade da pessoa humana frente a 
função punitiva no Estado Democrático de Direito. 
 
No segundo capítulo será realizada uma análise do Direito Penal do Inimigo, 
conceituando-o e caracterizando-o, realizando um comparativo entre o Direito Penal do 
Inimigo frente ao Direito Penal do Cidadão para tentar entender como essas diferentes 
posturas atingem os cidadãos brasileiros, principalmente aqueles que estão sujeitos a um 
processo penal. Ainda falaremos da imagem do atual inimigo e sua repercussão midiática e 
nas redes sociais, e como essas manifestações influenciam o nosso Direito Penal e Processual 
Penal, realizando, por fim, algumas considerações críticas a função punitiva estatal, bem 
como as políticas repressivistas e punitivistas. 
 
 
 
 
 
 
 
 11 
1 A POLÍTICA CRIMINAL E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 
 
“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito 
pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as 
condições mínimas para uma existência digna não forem 
asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a 
liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os 
direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente 
assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana 
e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de 
arbítrio e injustiças”. 
(Ingo Wolfgang Sarlet) 
 
1.1 Política criminal: elementos conceituais 
 
A política pode ser conceituada como a maneira de conduzir o conjunto de negócios 
do Estado, sendo conhecida como a ciência do governo dos povos. A política criminal é parte 
integrante deste conceito e tem, como pretensão, discutir quais as estratégias que devem ser 
utilizadas no combate a criminalidade através do estudo e de uma análise crítica do Direito 
Penal. Pode-se dizer que possui uma dupla função de guia e de crítica, isto porque guia as 
decisões tomadas pelo poder político ou então proporciona argumentos para criticar estas 
decisões (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). Isso significa que da mesma maneira que 
entende-se ser a legislação penal parte integrante da legislação em geral, a política criminal 
também surge inserida na política em geral, devendo ser interpretada sempre dentro deste 
mesmo contexto. 
 
Há de se frisar que inicialmente esse conceito não era tão amplo, sendo que a política 
criminal englobava apenas a aplicação dos procedimentos punitivos. Carvalho (2007, p. 95) 
nos traz uma definição antiga afirmando que “a política criminal era definida como um 
conjunto de princípios e recomendações para reagir contra o fenômeno delitivo através do 
sistema penal”. O mesmo autor ainda ensina que hoje existem duas funções primordiais na 
política criminal quais sejam: criticar a legislação penal vigente à luz dos fins do Direito Penal 
e propor sua reforma, adequando, dessa maneira, a lei à realidade. Conforme Nilo Batista 
(2004, p. 35) “o campo da política criminal tem hoje uma amplitude enorme. Não cabe mais 
reduzi-la ao papel de conselheira da sanção penal, que se limitaria a indicar ao legislador onde 
e como criminalizar condutas”. 
 
 12 
Visto isso se percebe que a política criminal, modernamente, atua tanto de forma 
preventiva como de forma repressiva, formando um aglomerado de mecanismos hábeis para 
combater efetivamente a criminalidade. Isso não significa que se deve adotar somente a forma 
repressiva como procedimento penal, visto que há outras formas de atuação que não ensejam 
tamanha agressividade, como por exemplo, o instituto da mediação que vem ganhando espaço 
no mundo atual. 
 
Acrescenta Nucci (2011, p. 68) que a política criminal “se dá tanto antes da criação da 
norma penal como também por ocasião de sua aplicação” e, por isso se entende que a política 
criminal assume uma postura crítica frente ao sistema penal, aplicando-se tanto às normas em 
abstrato quanto aos casos concretos, implicando, dessa maneira, na postura que o Estado pode 
e, inclusive, deve assumir frente à criminalidade, apontando respostas que mostrem qual a 
melhor maneira de reagir contra os indivíduos delituosos, mantendo preservados os seus 
direitos fundamentais e também os preceitos elencados em nossa Constituição Federal. 
 
Nesse contexto importante distinção a ser feita é entre Direito Penal, criminologia e 
política criminal. Direto Penal pode ser conceituado como um conjunto de normas jurídicas 
voltadas à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo, dessa maneira, as 
infrações penais bem como suas sanções e regras atinentes a sua aplicação enquanto que a 
criminologia 
 
(...) é a ciência que se volta ao estudo do crime, como fenômeno social, bem 
como do criminoso, como agente do ato ilícito, em visão ampla e aberta, não 
se cingindo a analise da norma penal e seus efeitos, mas, sobretudo, as 
causas que levam a delinquência, possibilitando, pois, o aperfeiçoamento 
dogmático do sistema penal (NUCCI, 2011, p. 68). 
 
Com se vê o conceito de Direito Penal é amplo e deve ser entendido não somente 
como um conjunto de normas jurídicas que formam a legislação penal, e sim como um 
sistema dotado de princípios e regras que norteiam a aplicação dessa legislação, designando a 
forma como todo o sistema deve ser interpretado. É também papel do Direito Penal definir 
quais as condutas que serão puníveis, bem como definir sua gravidade estipulando uma 
sanção adequada. A colocação de Gomes (2006, p. 14) se enquadra perfeitamente a esta ideia 
quando o autor afirma que: 
 
 13 
Tradicionalmente o Direito Penal foi pensado para impor castigos [...] ele 
não existe para punir todas as condutas desviadas (condutas que não seguem 
os padrões de conduta vigentes), e sim somente as mais nocivas, as que mais 
perturbam o convívio social (princípio da intervenção mínima). 
 
O Estado adotou a pena como principal forma de punição das condutas delituosas, 
nesse sentido a pena, segundo a teoria sistêmica
1
, cumpriria uma função de prevenção 
integradora visto que, se o delito lesa os sentimentos coletivos da comunidade, a pena então 
simboliza uma necessária reação social, esclarecendo a vigência dos valores que foram então 
violados pelo indivíduo criminoso, impedindo que se diluam e percam sua eficácia, 
reforçando a segurança coletiva em torno desses valores ou ainda, conduzindo os mecanismos 
de integração e de solidariedade social frente ao indivíduo transgressor, devolvendo, dessa 
forma, ao cidadãohonesto sua confiança no sistema (GOMES, 2006). 
 
Já a política criminal pode ser entendida como a ciência que estuda e sistematiza as 
estratégias adequadas para um combate efetivo da criminalidade. Segundo Zaffaroni e 
Pierangeli (2011, p. 122, grifo dos autores) “é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou 
direitos), que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar 
tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”. Dessa 
maneira pode-se afirmar que o conceito moderno de política criminal encontra-se ligado tanto 
a repressão como a prevenção de delitos, determinando quais as melhores formas de atuação 
política frente a violência e a criminalidade crescente em nosso país. 
 
Esses três institutos, quando se integram em suas funções, constituem a chamada 
ciência penal que tem, como meta maior, a busca por uma justiça igualitária, mediante um 
rígido controle de compatibilidade vertical entre a norma incriminadora e os princípios 
constitucionais (CAPEZ, 2011). Desse modo não se deve confundir as funções exercidas pela 
política criminal e pelo Direto Penal, visto que o controle penal é apenas uma das formas 
utilizadas pela política criminal no enfrentamento ao crime. 
 
 
 
1
 A teoria sistêmica é uma tese defendida pelo jurista alemão Günter Jakobs que parte do princípio de 
que a sociedade é o núcleo do sistema, sendo o homem consequência do meio. A missão do Direito 
Penal resta então destinada à proteção da norma, sendo a sociedade o objeto da proteção do Estado. 
Disto infere-se que o funcionalismo sistêmico não contempla a proteção de um bem jurídico, mas, sim, 
das regras de conduta que devem nortear o convívio social. Dessa maneira, uma vez violada a norma, 
cabe ao Estado punir o indivíduo, fazendo valer sua autoridade, preservando o sistema. 
 14 
1.2 Modelos políticos criminais contemporâneos 
 
Cada vez mais se percebe uma tendência do uso do Direito Penal como única 
estratégia a ser utilizada pela política criminal. Essa reação às condutas delituosas é defendida 
por movimentos políticos criminais antagônicos que se dividem em dois grandes grupos 
sendo os punitivistas/repressivistas e os não punitivistas ou não intervencionistas. 
 
Os movimentos punitivistas/repressivistas defendem uma forma de intervenção 
máxima pelo Estado através, por exemplo, da criminalização de novas condutas e de 
penalidades mais rigorosas, o que leva a um endurecimento punitivo, desviando a real função 
do Direito Penal
2
, promovendo uma seleção entre os indivíduos, marginalizando e excluindo 
uma parcela da sociedade. Segundo Hauser (2010, p. 14) os movimentos chamados 
intervencionistas são todos aqueles que “defendem a criminalização de novas condutas, a 
penalização mais rigorosa para a maioria dos crimes, a ampliação do uso da prisão como 
pena, bem como a institucionalização dos desviados”. 
 
No que se refere a essa temática disserta Ney Moura Teles (2006, p. 6): 
 
Nos dias de hoje, com enorme e preocupante aumento da criminalidade 
violenta e organizada, assiste-se à tentativa de transformar o Direito Penal no 
salvador da pátria, como se ele fosse capaz de eliminar o crime e transformar 
os homens. O legislador brasileiro, ultimamente, tem acenado com a 
exasperação de penas, criação de novas figuras de crime, com a restrição de 
direitos e garantias processuais, como se isso resolvesse alguma coisa. 
 
Esse movimento não respeita os mínimos parâmetros constitucionais ou processuais 
visto que tem suas raízes ligadas ao período inquisitorial onde a intervenção estatal era 
entendida como a única forma possível de solucionar conflitos o que, em nosso ordenamento 
jurídico atual acaba por desrespeitar as garantias que deveriam ser asseguradas a qualquer 
indivíduo, além disso, também dificulta a fiscalização sobre as ações do Estado. 
 
2
 Fernando Capez (2011, p. 19) disserta sobre a função do Direito Penal, explicando que a missão do 
Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, 
a saúde, a liberdade, a propriedade, etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não 
apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão 
do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas, sobretudo pela celebração de 
compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito às normas, menos 
por receio de punição e mais pela convicção de sua necessidade e justiça. 
 15 
Confrontando os ideais repressivistas temos uma segunda corrente não 
intervencionista que defende a aplicação do Direito Penal apenas como ultima ratio, ou seja, 
como última estratégia a ser utilizada para enfrentar atos delituosos, onde se tem um Estado 
que intervém minimamente na resolução dos conflitos ou ainda de forma abolicionista, que 
defende a extinção do Direito Penal. 
 
Demonstra Hauser (2010, p. 14) que “são não intervencionistas os movimentos que 
propõem a descriminalização, despenalização, desprisionização cautelar, 
desinstitucionalização e a diversificação das respostas aos conflitos sociais”. Assim defendem 
a adoção de um Direito Penal garantista, que protege os direitos dos indivíduos frente à 
atuação repressiva do Estado. 
 
Como exposto a corrente não repressivista se subdivide entre as tendências 
minimalistas e abolicionistas. A primeira defende que haja uma intervenção mínima por parte 
do Estado, ou seja, o Direito Penal deve ser o último recurso utilizado para punir as condutas 
delituosas, primando pela aplicação de outros instrumentos antes de punir penalmente tais 
condutas. Já a tendência abolicionista crê que a melhor solução para a resolução dos conflitos 
seria a extinção do Direito Penal visto que sua aplicação seria mais danosa do que sua 
inexistência, além de que o direito punitivo não tem alcançado o seu objetivo final: a 
ressocialização do apenado. 
 
Nesse viés, complementa Ferrajoli (1995, p. 332 apud Hauser, 2010, p. 84) explicando 
que a certeza perseguida pelo Direito Penal mínimo é garantida pela aplicação do princípio in 
dúbio pro reo
3
, enquanto que a certeza do Direito Penal máximo se encontrada embasada no 
princípio in dúbio contra reum
4
, sendo que 
 
Há, sem embargo, outro tipo de fim ao que cabe ajustar o princípio da pena 
mínima, e é a prevenção, não de delitos, mas de outro tipo de mal antitético 
ao delito que é esquecido tanto pelas doutrinas justificacionistas como pelas 
abolicionistas. Este outro mal é a maior reação – informal, selvagem, 
espontânea, arbitrária, punitiva porém não penal – que a falta de penas 
poderia provir da parte ofendida ou de forças sociais ou institucionais 
 
3
 Também conhecido como princípio do favor rei, o princípio do in dubio pro reo implica em que na dúvida 
interpreta-se em favor do acusado. Isso porque a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão 
punitiva do Estado. 
4
 Nesse sentido a decisão não é, então, a favor da sociedade e sim contra o acusado, o que caracteriza o 
princípio do in dubio contra reo. 
 16 
solidárias com ela. Impedir este mal, de que seria vítima o réu ou inclusive 
pessoas ligadas a ele, o que representa, me parece, o segundo e fundamental 
fim justificador do direito penal. 
 
Ainda, ao discorrer sobre as tendências políticas criminais contemporâneas adotadas 
pelo nosso Estado Democrático de Direito, Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 314-315) 
defendem as tendências não repressivistas como sendo “uma saudável reação realista frente à 
confiança ilimitada no tratamento e na solução punitiva dos conflitos” explicando ainda que 
esta tendência mescla argumentos abolicionistas e experiências negativas de intervenção do 
poderestatal que acabaram agravando os conflitos em vez de resolvê-los. 
 
1.3 O modelo político criminal na Constituição Federal de 1988 
 
A globalização
5
 trouxe consigo uma nova era onde a tecnologia é amplamente 
difundida e acessível, isso fez com que se quebrassem algumas barreiras antes não existentes 
e facilitaram a prática de alguns delitos, principalmente dos crimes organizados, visto que, 
com o avanço tecnológico os criminosos não encontram mais barreiras entre uma cidade e 
outra ou até mesmo um país e outro, como ensina Hauser (2010, p. 23): 
 
Este novo Direito Penal é fruto de tendências político criminais 
punitivistas/repressivistas que se mostram muito fortes no atual contexto e 
que têm se apresentado em âmbito mundial. Se tradicionalmente cada país 
possuía suas próprias diretrizes político-criminais, na atualidade vive-se um 
processo de internacionalização das reações penais, que nascem a partir de 
propostas de uniformização da ação dos Estados Nacionais em relação a 
diversas formas de criminalidade (lavagem de capitais, tortura, 
responsabilidade fiscal, violência contra a mulher, crimes relacionados a 
entorpecentes, entre outros, são exemplos de temas que tiveram a legislação 
alterada tendo em vista recomendações de organismos internacionais – 
especialmente ONU e OEA). 
 
Essas notáveis mudanças em nossa sociedade exigem também um novo 
posicionamento do Direito Penal. Este, tradicionalmente, foi criado para coibir a vingança 
privada e os excessos do Estado, hoje o mesmo Direito Penal assume outra face, pois é 
fortemente influenciado por movimentos políticos criminais de cunho 
repressivista/punitivista, que deixam de observar os princípios penais e constitucionais, como 
 
5
 Globalização é um conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial visível desde 
o final do século XX. Trata-se de um fenômeno que criou pontos em comum na vertente econômica, 
social, cultural e política, e que consequentemente tornou o mundo interligado. 
 17 
a intervenção mínima e a proporcionalidade das penas em prol de uma solução rápida que 
traga a sensação de que a justiça foi feita e de que a sociedade está novamente segura. 
 
Diante disso percebe - se que esse modelo político criminal afronta o ideal adotado 
pela nossa Constituição Federal, qual seja um modelo democrático, que tem seus pilares 
fixados no princípio da dignidade da pessoa humana, devendo assegurar que o indivíduo 
delituoso possua o máximo de garantias frente ao poder repressivo estatal. 
 
Meliá (2007, apud Hauser, 2010) ainda explica que a política criminal contemporânea 
se caracteriza a partir de uma expansão do Direito Penal que se desenvolve sob duas faces: o 
Direito Penal simbólico e o ressurgir do punitivismo. 
 
O Direito Penal simbólico é um direito que surge em meio ao clamor público por 
segurança e que tem a função de impressionar esse mesmo expectador. É um Direito Penal 
endurecido e rigoroso que traz a mera sensação de paz social e de um legislador que se 
preocupa em solucionar os problemas criminais efetivamente, porém, na maioria dos casos, é 
um direito que não sai do papel, visto que sua aplicação é mínima servindo apenas como uma 
figura tranquilizadora. 
 
Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal 
simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no 
clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de 
crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com 
grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, 
específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da 
comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e 
políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a 
segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos 
normativos penais. (ROXIN, 2000 apud GOMES DUARTE NETO, 
2009, grifo do autor). 
 
Simultaneamente ao simbolismo essa nova face da política criminal brasileira 
apresenta uma forte característica punitivista qual, segundo Hauser (2010) foi amplamente 
acolhida tanto pela esquerda como pela direita política, pois ambas perceberam que, do ponto 
de vista eleitoral, o aumento de reações públicas de cunho repressivista, como a criação de 
novas leis e o aumento, mesmo que exacerbado, das penas já existentes são bem acolhidas 
pela sociedade em geral que coloca a segurança a frente de outros fundamentos 
 18 
constitucionais e utiliza a pena como primeiro, e até como único instrumento de proteção 
social. 
 
De todo o exposto pode - se afirmar que, atualmente, nosso país vive sob a égide de 
 
uma política criminal populista de cunho meramente simbólico ou 
punitivista, inspirada em ideais de lei e ordem ou em concepções 
autoritárias, como a de consolidação de um Direito Penal rigoroso, 
intervencionista e não respeitador de princípios fundamentais, [que] 
choca-se, frontalmente, com o modelo político criminal consagrado na 
Constituição Brasileira de 1988 que, em que pese ter autorizado o uso 
do Direito Penal como instrumento de enfrentamento dos problemas 
sociais mais graves (crimes hediondos, ambientais, econômicos), 
optou por modelo punitivo baseado no respeito à pessoa humana e na 
lógica da mínima intervenção penal. (HAUSER, 2010, p. 32). 
 
Nesse sentido é necessário buscar uma política criminal de cunho não intervencionista 
que contemple, ao mesmo tempo, os princípios básicos que regem nosso ordenamento e 
utilize a força repressiva, o braço forte do Estado, apenas como última opção na resolução de 
conflitos e punibilidade de indivíduos delituosos. Dentre estes princípios consagrados pela 
Constituição Federal de 1988, pela legislação Penal e Processual Penal há de se destacar o 
princípio da dignidade humana, que serve de fundamento para os demais. 
 
1.3.1 O princípio da dignidade humana e os limites à intervenção punitiva do Estado 
 
A Constituição Federal é soberana, isso significa que qualquer norma elaborada em 
desarmonia aos seus princípios é inválida, ou seja, mesmo que tenha ingressado no 
ordenamento jurídico não deverá ser utilizada. É na Constituição Federal que estão 
estabelecidos os primados sobre os quais tudo o mais existe (TELES, 2006) e o Direito Penal 
também deve se moldar a essa soberania, ainda mais que, tem como uma de suas funções 
precípuas a proteção dos valores fundamentais que dão sustento aos bens jurídicos tutelados 
representando, assim, a forma mais rígida existente de intervenção estatal. 
 
O princípio da dignidade humana é conhecido como princípio primeiro justamente por 
atuar como norteador dos demais sendo também, um dos fundamentos constitucionais 
previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988: 
 
 19 
Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel 
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado 
Democrático de Direito e tem como fundamentos: 
[...] 
III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988). 
 
Assim cabe destacar ensinamento de Gomes (2006, p. 121) quando afirma que “nem a 
lei e muito menos a pena pode ser ofensiva à dignidade humana, sob pena de 
inconstitucionalidade patente”. Ainda, conforme lições de Nucci (2011) o referido princípio 
se divide sob dois prismas, sendo, primeiramente, um caráter objetivo que garante que o 
Estado forneça ao indivíduo o mínimo existencial que assegure suas necessidades básicas e, 
concomitantemente um segundo aspecto, o subjetivo que exige do Estado um tratamento 
digno e respeitoso aos indivíduos como sujeito de direitos. Analisando essa afirmação pode-se 
dizer que a dignidade é uma condição inerente ao ser humano desde seu nascimento, condição 
que não lhe pode ser vetada em nenhuma circunstância. 
 
Segundo leciona Alexandre de Morais (2004, p. 52) o direito à vida, à intimidade,à 
honra, entre outros, são uma consequência imediata da consagração do princípio da dignidade 
da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo que este 
 
concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às 
personalidades humanas [...] é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, 
que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e 
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por 
parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo 
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, 
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas 
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas 
enquanto seres humanos. 
 
Especificamente no campo penal o princípio da dignidade da pessoa humana tem o 
dever de assegurar que o indivíduo delituoso também tenha seus direitos assegurados, tanto na 
fase processual como no cumprimento de pena o que, consequentemente, limita a atuação 
estatal. Segundo Fernando Capez (2011, p. 25) “a dignidade humana, assim, orienta o 
legislador no momento de criar um novo delito e o operador no instante em que vai realizar a 
atividade de adequação típica”. Dessa forma entendemos que o legislador não pode penalizar 
qualquer tipo de conduta como sendo delituosa, mas sim eleger entre os comportamentos 
 20 
humanos aqueles que causem alguma lesividade social e afetem os valores fundamentais que 
são inerentes aos seres humanos. 
 
Hodiernamente vê - se que existe uma relevância na aplicação deste princípio devido, 
principalmente, ao clamor público que incentiva a criminalização de diversas ações sem 
nenhum estudo prévio, baseados apenas em medo e busca por soluções momentâneas. Estas 
decisões, baseadas na pressão política, midiática e social acarretam muitos prejuízos à 
sociedade em geral, pois desrespeitam os direitos já adquiridos pelos indivíduos e afrontam os 
fundamentos da Carta Magna inserindo em nosso ordenamento regras inconstitucionais. 
 
1.3.2 Princípios penais e processuais limitadores da intervenção penal 
 
Como vimos o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado a base do 
Estado Democrático de Direito e, portanto orientador das normas de Direito Penal. É dele 
também que partem os demais princípios contemplados em nossa Constituição, quais 
“propiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto é, sobre o seu conteúdo, em inúmeras 
situações específicas da vida concreta” (CAPEZ, 2011, p. 27). Dentre esses princípios 
podemos destacar como mais importantes no âmbito penal os princípios da legalidade, da 
jurisdicionalidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade e da humanidade. 
 
O princípio da legalidade, em sentido constitucional amplo, está previsto no artigo 5º, 
inciso II da Constituição Federal estabelecendo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar 
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Em sentido estrito significa que não há crime 
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme consoante 
texto dos artigos 5º, XXXIX da Carta Magna e artigo 1º do Código Penal. Especificamente 
nas ciências criminais, pode ser entendido frente a quatro dimensões: 
 
(a) princípio da legalidade criminal: “não há crime sem lei anterior que o 
defina (CP, art. 1º) - nullum crimen sine lege; 
 
(b) princípio da legalidade penal: “não há pena sem prévia cominação legal” 
(CP, art. 1º) – nulla poena sine lege; 
 
(c) princípio da legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem 
lei, leia-se, ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o 
devido processo legal (nulla coatio sine lege – CF, art. 5º, inc. LIV) ou nemo 
damnetur nisi per legale iudicium; 
 
 21 
(d) princípio da legalidade execucional: “a jurisdição penal dos juízes ou 
tribunais de justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no 
processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo 
Penal” (LEP, art. 2º) – nulla executio sine lege. (GOMES, 2006, p. 133, 
grifos do autor). 
 
É evidente que este princípio tem como função precípua limitar a atuação do 
legislador que, como já visto, não pode simplesmente criminalizar qualquer conduta sem que 
esta seja realmente prejudicial à sociedade. Do mesmo modo protege a liberdade individual 
dos cidadãos frente à coerção estatal quando determina que não haja crime sem lei anterior 
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. 
 
Ainda há de se observar que o princípio da legalidade traz em seu corpo dois 
princípios que lhe são intrínsecos: o princípio da reserva legal e o da anterioridade penal. 
Aquele demonstra que uma conduta só pode ser criminalizada por vontade daquele que detém 
a competência para legislar, ou seja, o Poder Legislativo, enquanto que o princípio da 
anterioridade exige que a lei já esteja em vigor à data em que o fato delituoso foi cometido, 
conceito este que está intimamente ligado à irretroatividade das leis penais, qual prevê que 
nenhuma norma pode retroagir para prejudicar o réu. 
 
Já o princípio da jurisdicionalidade mescla em seu corpo os princípios do devido 
processo legal, da ampla defesa e do contraditório sendo visto como uma garantia processual 
que protege o cidadão frente o poderio estatal, prevendo que, em um sistema garantista como 
o nosso, o seguimento do devido processo legal é indispensável para legitimidade penal, não 
podendo o Estado imputar culpa a um indivíduo sem o garantir-lhe bem como a ampla defesa 
e o contraditório, de forma a presunção de inocência do réu seja preservada. 
 
É manifesto que a função punitiva nos Estados Democráticos de Direito é de 
titularidade exclusiva do Estado, o que significa que só ele detém o poder de punir o indivíduo 
que transgrediu uma norma e, para que isso ocorra, é requisito obrigatório a observância do 
devido processo legal. Além disso, o princípio da jurisdicionalidade deve ser entendido 
também por meio de um caráter restrito, pois o fato delituoso deve, além de estar 
expressamente previsto em lei, ter sido claramente narrado pela acusação, garantindo que a 
defesa possua o contraditório e a ampla defesa (COLLI, 2007). 
 
Com efeito, destaca Nucci (2011, p. 84) afirmando que 
 22 
 
o devido processo legal guarda suas raízes no princípio da legalidade, 
garantindo ao individuo que somente seja processado e punido se houver lei 
penal anterior definindo determinada conduta como crime, cominando-lhe 
pena. Alem disso, modernamente, representa a união de todos os princípios 
penais e processuais penais, indicativo da regularidade impar do processo 
criminal. 
 
Outro princípio de suma importância é o princípio da intervenção mínima que tem 
respaldo no artigo 8º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 prevendo 
que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode 
ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente 
aplicada”. Segundo ensinamentos de Nucci (2011, p. 86, grifo do autor): 
 
Significa que o Direto Penal não deve interferir em demasia na vida do 
indivíduo. Afinal a lei penal não deve ser vista como a primeira opção 
(prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, 
os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da 
humanidade, sempre estarão presentes. 
 
Segundo o exposto é correto afirmar que, primeiramente, devem-se esgotar os outros 
ramos do direito, como o Direito Administrativo antes de se utilizar da punibilidade penal 
para resolver certas demandas, ou seja, o Estado deve procurar outras soluções não utilizando 
as sanções penais como primeira opção na resolução de conflitos. Como lecionam Capez 
(2011) e Nucci (2011) o Direito Penal deve ser utilizado de maneira subsidiária aos outros 
campos do direito,sendo aplicado apenas quando houver falha na proteção dos bens jurídicos 
por parte destes outros ramos ou, em último caso, quando for estritamente necessária a 
imposição de sanções de natureza penal. 
 
O princípio da proporcionalidade também deriva da proteção da dignidade da pessoa 
humana ao assegurar que o indivíduo seja punido proporcionalmente ao delito que cometeu, 
ou seja, o poder estatal não pode ser extremista, punindo uma conduta com exagero. Nesse 
contexto Fernando Capez (2011, p. 39) afirma que o legislador, sendo criador das normas 
penais, e a sociedade, como detentora de direitos e deveres, devem manter uma relação de 
custo-benefício, pois: 
 
quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará 
ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser 
expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além 
 23 
disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar 
proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à 
extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de 
lesividades distintas, ou para infrações dolosas e culposas. 
 
Em outras palavras pode-se dizer que as normas penais não podem trazer mais 
prejuízos do que benefícios à sociedade visto que assim a pena perderia seu caráter 
restaurativo atuando apenas de forma intimidativa. Em síntese Nucci (2011, p. 89) afirma que 
“não teria sentido punir um furto simples com elevada pena privativa de liberdade, como 
também não seria admissível punir um homicídio qualificado com pena de multa”. 
 
Em último lugar, e nem por isso menos importante, temos o princípio da humanidade 
que pode ser demonstrado a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 
que em seu artigo V assegura que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou 
castigo cruel, desumano ou degradante” corroborando com o disposto no artigo 5º da 
Constituição Federal que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (inciso 
XLIX) bem como prevê a vedação de penas de morte, de caráter perpétuo; de trabalhos 
forçados; de banimento e cruéis (inciso XLVII). 
 
Por este princípio se entende que são inconstitucionais quaisquer penas que venham a 
ferir o ser humano corporal e mentalmente. Além disso, infere que todo o ser humano deve 
ser tratado como tal e jamais excluído da sociedade como se fosse um animal ou uma coisa, 
pelo fato de ter cometido uma infração penal (NUCCI, 2011). 
 
Importante relembrar, por fim, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (1994, p. 
451 apud Capez, 2011, p. 26) sobre a importância da observação e aplicabilidade dos 
princípios quando afirma que “violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma 
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento 
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”. Por outras palavras demonstra-se que a 
violação de um princípio é a forma mais grave de violação dos valores fundamentais humanos 
visto que torna ilegal e inconstitucional todo o nosso sistema normativo. 
 
 
 
 
 24 
1.4 A função punitiva nos Estados Democráticos de Direito 
 
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º estabeleceu que a nossa República 
Federativa se constitui em um Estado Democrático de Direito que deve ser entendido como 
muito mais do que somente um Estado de Direito visto que, este apenas assegura a igualdade 
de um modo formal entre os homens, ou seja, sem uma atuação efetiva e interventiva do 
Estado sobre questões de cunho social (CAPEZ, 2011). 
 
Nessa perspectiva temos um Estado Democrático de Direito com leis que devem ser 
observadas de forma idêntica por todos. Isso, porém não significa que temos um Estado justo 
até porque “no plano concreto e social não existe intervenção efetiva do Poder Público, pois 
este já fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do ponto de vista do aparato 
legal. De resto, é cada um por si”. (CAPEZ, 2011, p. 23). Dessa maneira só teremos um 
verdadeiro Estado Democrático de Direito quando tivermos assegurados não apenas a 
igualdade de maneira formal e sim de maneira substancial, ou seja, dotada de conteúdo e 
adequação social. 
 
As normas penais tem de se adequar aos preceitos constitucionais sob pena de se 
tornarem inválidas em nosso ordenamento. Nessa ótica tais normas devem obrigatoriamente 
ser dotadas de conteúdo social, o que significa que o Estado, detentor do poder punitivo, não 
pode criminalizar quaisquer condutas sem que estas tragam relevante lesão à sociedade. 
Perfeita é a reflexão de Fernando Capez (2011, p. 25) sobre o assunto: 
 
Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu direito 
penal há de ser legítimo, democrático e obediente aos princípios 
constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria 
aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em consonância com os princípios 
derivados deste perfil político-constitucional. Não se admitem mais critérios 
absolutos na definição dos crimes, os quais passam a ter exigências de ordem 
formal (somente a lei pode descrevê-los e cominar-lhes uma pena 
correspondente) e material (o seu conteúdo deve ser questionado à luz dos 
princípios constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito). 
 
 25 
O Direito Penal dentro deste conceito de Estado Democrático de Direito surge como 
forma de controle social
6
, limitando a atuação do Estado no seu direito de punir frente aos 
cidadãos a fim de assegurar que o poder público não extrapole os limites da violência 
utilizada contra outra violência, a que foi cometida pelo indivíduo transgressor. 
 
Não obstante, por diversas vezes o Estado tem ultrapassado estes limites, 
desobedecendo aos princípios que regem nossa Constituição, cedendo à pressão da mídia que 
divulga cada vez mais a violência e impõe uma figura de medo social, dando a casos 
específicos mais valor do que deveria. Com isso a sociedade adota um discurso 
repressivo/punitivo e exige do legislador uma atuação rígida, utilizando as penas como prima 
ratio, objetivando, muitas vezes, não apenas a redução da violência e da criminalidade, mas 
agindo com o intuito de castigar os indivíduos criminosos, de lhe tirar seu status de cidadão e 
até mesmo o seu direito à vida, o que é inconcebível em nosso ordenamento jurídico. 
 
Nesse contexto leciona Hauser (2010, p. 19): 
 
Deve-se ressaltar também a grande influência que tem a opinião pública nos 
processos de criminalização e ou descriminalização do sistema penal. Esta, 
no entanto, não se constrói livremente e está profundamente influenciada 
pelos meios de comunicação de massa. A imprensa tem grande 
responsabilidade na configuração ou desfiguração da realidade. 
 
O Direito Penal é utilizado cada vez mais, quando não apenas, de forma simbólica, ou 
seja, é empregado apenas para acalmar a ira da população (GOMES, 2006). Sabe-se que o 
aumento das penas ou criminalização de novas condutas não tem resolvido os problemas da 
violência e da criminalidade em nosso país, e mesmo assim o legislador insiste em utilizar-se 
deste instrumento, acatando o clamor público e, dessa forma, desrespeitando os direitos e 
garantias que são inerentes a todos os seres humanos. Nesse sentido disserta Luis Flávio 
Gomes (2009, grifo do autor): 
 
Em inúmeros casos o legislador, levado pela "urgência" e pelo ineditismo 
das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer 
busca outra resposta) que não seja a conjuntural ("reação emocional 
legislativa"), que tende a ser de natureza "penal", dependendo dos benefícios 
eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o Direito penal como instrumento 
 
6
 Controle social, segundo o site Wikipédia (2014), é o controle exercido pela sociedade sobre 
o governo. É por meio do controle social que asociedade é envolvida no exercício da reflexão e 
discussão para politização de problemáticas que afetam a vida coletiva. 
 26 
para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não 
soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal. 
 
Diante deste quadro surge o Garantismo Penal, discurso que é defendido pelo já citado 
autor italiano Luigi Ferrajoli, que tem a intenção de minimizar a atuação exacerbada do 
Estado, defendo os direitos individuais e sociais em detrimento do poder punitivo, 
assegurando que a intervenção estatal traga o menor prejuízo possível ao determinar a punição 
de uma conduta delitiva. O referido autor em sua doutrina intitulada Direito e Razão: Teoria 
do Garantismo Penal tem por objetivo discutir qual o modelo de Direito Penal é compatível 
com um Estado Democrático de Direito como o nosso (HAUSER, 2010). 
 
Exposto isso, é correto afirmar que o poder punitivo nos Estados Democráticos de 
Direito vem sendo utilizados pelo poder legislativo de forma desvirtuada, seguindo as raízes 
dos movimentos punitivistas/repressivistas e deixando de observar os princípios basilares 
concernentes aos seres humanos em busca de respostas rápidas que atendam aos apelos 
populares e midiáticos. A legitimação da função punitiva está diretamente ligada ao respeito 
dos valores fundamentais constitucionais sendo que o Estado necessita de limites ao exercício 
da função punitiva sob pena de ferir os direitos mínimos dos cidadãos e tornar 
inconstitucional suas normas. Para finalizar perfeita é a colocação de Wermuth; Engelmann e 
Callegari (2012, p. 362-363): 
 
A eleição dos valores que orientarão a estrutura política criminal requer 
serenidade e seriedade na deliberação. Por isso, incompatível com atropelos 
e impulsos irracionais promovidos pela sociedade. Muitas vezes, 
especialmente no Brasil recente, tem-se observado esse tipo de decisão 
precipitada, no calor da emoção, colocando em risco o trinômio: igualdade, 
liberdade e autoridade. Sem se fazer uma ordem prioritária, não se deve 
esquecer de que os três valores são fundamentais para a manutenção do 
Estado Democrático de Direito e precária análise de um deles compromete a 
força de sustentação dos demais. 
 
Diante desse quadro conclui-se que nosso Estado Democrático de Direito esta sendo 
dominado por manifestações cada vez mais fortes de uma política criminal 
repressivista/punitivista e, um exemplo destes movimentos contemporâneos que tem ganhado 
grande destaque no universo jurídico e atraído diversos adeptos é o chamado Direito Penal do 
Inimigo, como será demonstrado no capítulo seguinte. 
 
 27 
2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E SUAS MANIFESTAÇÕES NA POLITICA 
CRIMINAL BRASILEIRA 
 
O Direito Penal do Inimigo atua como um movimento político criminal de cunho 
repressivista, que tem por pretensão prevenir a periculosidade dos agentes considerados 
delituosos utilizando-se de critérios que não respeitam o nosso Estado Democrático de 
Direito. Esses critérios não levam em consideração os princípios basilares da Carta 
Constitucional Brasileira, desrespeitando os direitos humanos dos cidadãos e diferenciando os 
homens considerados perigosos, definidos como inimigos, dos não perigosos, considerados 
cidadãos. 
 
2.1 Direito Penal do Inimigo: conceituação e caracterização 
 
O Direito Penal do Inimigo é um movimento político criminal baseado em uma 
formulação teórica defendida pelo penalista alemão Günther Jakobs (2007) onde este sugere 
que ocorra uma bipartição no modelo de intervenção punitiva, qual seja: “Direito Penal do 
Cidadão” versus “Direito Penal do Inimigo”. Explica Nucci (2011) que o denominado Direito 
Penal do Inimigo trata-se de um modelo penal cuja finalidade é detectar e separar, entre os 
cidadãos, aqueles que devem ser considerados inimigos, como por exemplo, terroristas, 
autores de crimes sexuais violentos, criminosos organizados, entre outros e que, para o teórico 
Jakobs esta é a única solução encontrada para combater esse tipo de criminoso visto que, 
quem não participa do Estado de uma forma legal não deve ser tratado como pessoa, e sim 
como inimigo, sendo excluído da comunidade, retirando-se seu status de pessoa. 
 
Jakobs (2007) entende que a pena é pura coação, não tendo um significado isolado, 
pois também produz algo físico que não se dirige contra a pessoa em Direito e sim contra o 
indivíduo perigoso sendo que a relação existente entre estes “inimigos” não se da pelo Direito 
e sim pela coação. O autor ainda baseia seus estudos à época em que a sociedade era regida 
pelos contratos sociais defendidos pelos jusfilósofos como Rosseau, Fichte, Hobbes e Kant, 
como exposto: 
 
São especialmente aqueles autores que fundamentam o Estado de modo 
estrito, mediante um contrato, entendem que o delito no sentido de que o 
delinquente infringe o contrato, de maneira que já não participa dos 
benefícios deste: a partir desse momento, já não vive com os demais dentro 
de uma relação jurídica. (JAKOBS, 2007, p. 25) 
 28 
Para esses pensadores o status de cidadão é algo que pode e, até deve, ser retirado dos 
indivíduos, visto que quem não participa de forma legal do Estado deve ser tratado como 
inimigo. Em outras palavras, o inimigo não aceitou o Estado, desrespeitando-o e por isso, esse 
ente não precisa mais respeitá-lo como um cidadão. Aqui ocorre visivelmente uma divisão da 
sociedade onde, de um lado ficam os indivíduos “do bem” e, do outro, os indivíduos “do 
mal”. (CANTERJI, 2008) 
 
Para que aconteçam delitos deve haver uma comunidade ordenada, sendo os delitos 
considerados apenas como um deslize que pode ser reparado por quem o praticou, visto que o 
Estado vê no autor destes atos um cidadão com chances de reparar o mal que ocasionou a 
sociedade. Porém os inimigos não se encaixam nesse perfil, pois são aquelas pessoas que já se 
afastaram, até de maneira definitiva, do Direito e do Estado sendo que seu comportamento 
“não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa” 
(JAKOBS, 2007, p. 35) devendo, por tudo isso, ser considerado um inimigo da sociedade e 
combatido em sua periculosidade. 
 
Manuel Cancio Meliá (2007) explica que o Direito Penal do Inimigo defendido por 
Jakobs se caracteriza por três elementos principais, quais sejam: o adiantamento da 
punibilidade, em razão de que se tem como ponto de referência um fato futuro e não um fato 
já cometido; penas desproporcionalmente altas, principalmente aquelas que antecipam a 
punição e, por fim, a relativização e até supressão de certas garantias processuais. 
 
Percebe-se que o Direito Penal do Inimigo utiliza a intervenção penal sem exigir que o 
delito tenha acontecido, pois tem como característica a punição de acordo com as 
características pessoais do agente delituoso, não levando em consideração somente os atos 
praticados e sim a mera intenção ou, melhor dizendo, a mera suspeita de que um dia esse 
agente irá lesar um bem jurídico já é suficiente para puni-lo. Canterji (2008) explica que com 
isso cria-se uma imagem de pessoas altamente perigosas que irão reagir contra toda a 
sociedade, sendo que o mínimo desvio destes deve ser entendido como um indício de perigo, 
se confundindo a culpabilidade de um ato com a culpabilidade de um agente. 
 
Desta forma, além do caráter punitivo exacerbado, esses pensadores ainda se 
utilizam do Direito Penal como um símbolo de atuação estatal na busca de 
segurança social. Tem – se a ilusão [...] que o mundo pode ser dividido entre 
os civilizados e os incivilizados ou, no mesmo sentido, entre homens 
 29 
canalhas e os honestos, até porque não há alguém totalmente honesto nem 
totalmente canalha. (CANTERJI, 2008, p. 56) 
 
Moraes (2006, p. 200) ainda explica que, atualmente, o Direito Penal do Inimigo é 
reconhecido como a terceira velocidade do Direito Penal, pois representa “um Direito Penal 
da pena de prisão concorrendo comuma ampla relativização de garantias político-criminais, 
regras de imputação e critérios processuais” e que se instaurou a partir da flexibilização de 
garantias penais e processuais que, ilegitimamente e, aos poucos, se infiltraram em nosso 
ordenamento. 
 
2.2 Direito Penal do Inimigo e Direito Penal do Cidadão 
 
Dessa maneira Jakobs propõe uma distinção entre pessoas onde é considerado cidadão 
somente aquele indivíduo que pratica atos delituosos esporadicamente, que não traz uma 
ameaça constante a sociedade, podendo se redimir e assim oferecer garantias de que 
obedecerá as regras dali por diante. Já os considerados inimigos são vistos como pessoas 
perigosas e que estão em guerra constante contra o Estado (NUCCI, 2011) e, por isso, além de 
excluídas do sistema, devem ser punidas antes mesmo de praticar o ato delituoso, em outras 
palavras, essas pessoas devem responder pelo perigo que podem vir a causar. Isso não 
significa que o “inimigo” seja desprovido de direitos, porém o direito aplicado tem outro 
sentido quando comparado aos dos cidadãos, pois o Direito Penal do Cidadão mantém a 
vigência da norma, enquanto que o Direito Penal do Inimigo combate perigos (JAKOBS, 
2007). 
 
O Direito Penal então se vê dividido em dois polos tratando de forma diferenciada o 
inimigo do cidadão, pois, como já dito anteriormente só pode ser considerado cidadão aquele 
que oferece mínimas garantias de bom comportamento, como explica Jakobs (2007, p. 37): 
 
Por um lado, o tratamento com o cidadão, esperando-se até que exteriorize 
sua conduta para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da 
sociedade, e por outro, o tratamento com o inimigo, que é interceptado já no 
estado prévio, a quem se combate por sua periculosidade. 
 
Ensina-nos HAUSER (2010) que, na perspectiva proposta por Jakobs, o Direito Penal 
de garantias, fundado nos princípios que regem o Estado Democrático de Direito tem 
aplicabilidade apenas aos cidadãos, ou seja, aqueles indivíduos que se envolvem apenas de 
 30 
forma esporádica com a prática delitiva, sendo então resguardados todos os seus direitos e 
garantias, sendo que tal procedimento defendido por Jakobs propõe a cisão entre “pessoas” e 
“não pessoas”, formando, assim, modelos distintos de intervenção punitiva. Feita essa 
diferenciação entre inimigo e cidadão “a pena passa de um meio para a manutenção da 
vigência da norma para ser um meio de criação de vigência da norma” (JAKOBS, 2007, p. 
46). 
 
Posto isso é nítida a intenção do Direito Penal do Inimigo em “manter segregados, 
pelo tempo que for necessário, aqueles cujo propósito é desestabilizar o Estado e ferir, de 
maneira inconsequente, pessoas inocentes” (NUCCI, 2011, p. 396). Frente a esse panorama 
Maiquel Wermuth (2010, p. 52, grifo nosso) faz uma crítica a essa dicotomia defendida por 
Günther Jakobs: 
 
E aqui reside o problema: segundo o discurso do Direito Penal do inimigo, 
os seus destinatários são encontrados dentre aqueles que abandonaram de 
forma definitiva o Direito, o que se infere a partir da habitualidade delitiva e 
da reincidência que lhe são peculiares. No entanto, este Direito que deve ser 
infringido para que possa aparecer a figura do inimigo é o Direito Penal do 
cidadão. E um Direito só pode ser infringido por quem seja efetivamente 
destinatário de suas normas, logo, pelo cidadão. E mais: para comprovar 
efetivamente a existência do crime, o infrator deve ser submetido a um 
processo que também deve seguir as normas do Direito Penal do cidadão, 
com todas as garantias que lhe são inerentes, inclusive a conservação do 
estado de inocência. Uma vez comprovada a prática delitiva, a imposição e 
cumprimento da pena cominada à infração também devem observar as regras 
do Direito Penal do cidadão, pois foi este o direito infringido e, como 
ressalta Jakobs, quem é julgado pelo Direito Penal do cidadão não perde sua 
condição de pessoa, mesmo quando condenado. 
 
Na realidade, a luz do sistema penal brasileiro, essa postura é manifestamente 
inconstitucional (NUCCI, 2011), além de que, quando se aplica a tese de Jakobs em nosso 
ordenamento ocorre um verdadeiro retrocesso constitucional, pois abre-se mão de garantias 
conquistadas com muita luta a longo de muitos anos. Separar a sociedade em pessoas e não 
pessoas é simplesmente uma postura inadmissível, pois todos nós temos direito ao status de 
cidadão e do acesso as mínimas garantias constitucionais de forma igualitária. Rogério Greco 
(2014) enfatiza que o máximo de insensatez que o Direito Penal brasileiro pode chegar é 
utilizar o argumento de que o delinquente habitual ou os criminosos organizados são 
“irrecuperáveis”, porquanto esse argumento jamais bastara para que o Estado o trate como um 
estranho à comunidade. 
 31 
2.3 A imagem do inimigo e sua repercussão nos discursos midiáticos e nas redes sociais 
 
Na atualidade o Direito Penal do Inimigo, apesar de inconstitucional por ferir os 
princípios basilares da Carta Magna, se expressa reiteradamente através dos discursos 
midiáticos
7
. Cria-se uma ideia de que vive-se em uma sociedade de risco, mesmo sem 
entender o que seja este risco ou se ele é mesmo real e tudo isso ocorre porque a mídia da 
ênfase a notícias que versam sobre a criminalidade em sua forma mais violenta, repassando a 
ideia única de que nunca estamos seguros, de que tem-se que ter medo dessas pessoas - os 
inimigos – e, por isso, são condenados sem que tenham ligação alguma com os crimes ou com 
as pessoas destacadas, sem problematizar a situação nós simplesmente tentamos excluí-los da 
sociedade como se isso fosse uma coisa natural. 
 
Essa figura imaginaria do medo, fomentada pelo sensacionalismo dos veículos de 
comunicação faz com que a sociedade busque cada vez mais um recrudescimento penal, como 
bem explica o jurista Eugenio Raúl Zaffaroni (2011, p. 307): 
 
A criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas decentes 
frente a uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos que 
configuram um eles separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de 
diferentes e maus. O eles da criminologia midiática incomodam, impedem 
de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as 
crianças, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da 
sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos 
os nossos problemas. Para tanto, é necessário que a polícia nos proteja de 
suas ciladas perversas, sem qualquer obstáculo nem limite, porque nós 
somos limpos, puros e imaculados. 
 
Além da postura sensacionalista adotada pela maioria dos veículos de comunicação, a 
própria sociedade tem difundido esse binômio “eu” versus “eles”, defendido pelo autor 
supracitado, através de um caminho fácil e rápido: as redes sociais. Essa predominância tem, 
por óbvio, grande influência da mídia, que clama por um endurecimento penal, sem observar 
a legalidade de seus pedidos e muito menos a aplicação dos princípios constitucionais 
vigentes. 
 
7
 Midiático é um acontecimento espontâneo ou planejado, que atrai a atenção de organizações de 
meios de comunicação, particularmente jornais, telejornais e jornais na internet, como por exemplo, 
acontecimentos com repercussão nacional, crimes, catástrofes, entre outros. 
 
 32 
Muitas vezes não há um filtro crítico por parte dos cidadãos que utilizam as redes 
sociais, mas apenas discursos vazios, onde há uma mera reprodução dos fatos. Isso ocorre 
também em diversos programas de televisão que utilizam esse tipo de abordagem midiática, 
para atrair audiência, como o telejornal “Brasil Urgente”, pertencente à emissora 
Bandeirantes, que no comando do jornalista e apresentador José Luiz Datena
8
 adota uma 
postura totalmente sensacionalista mesclando seu apoio à polícia armada e a exterminação dos 
bandidos colocando, por fim, toda a culpada “crescente violência e criminalidade” em nosso 
sistema penal falho. Como bem explica Jaime Carlos Patias (2005, p. 131) “o telespectador 
quer confirmar a verdade e a única coisa que dota o caráter de verdade é a mídia: se o 
telejornal não mostrou, não é verdade”. 
 
O programa Brasil Urgente é um telejornal focado em apresentar notícias trágicas e 
violentas, trazendo imagens ao vivo e mencionando um único ponto crítico exaustivamente. 
Seu apresentador faz com que o público identifique e torne um único fato o mais importante a 
ser avaliado, desviando outros diversos fatores que deveriam ser levados em consideração em 
busca da verdade real. Adotando uma forma polêmica de noticiar os fatos cotidianos Datena 
utiliza reiteradas frases de efeito, como “polícia com arma da mão”, “é um covarde, canalha e 
monstro” e até mesmo “bandido bom é bandido morto” propagando uma política criminal 
repressivista e punitivista aos moldes do Direito Penal do Inimigo, que separa os cidadãos de 
bem dos bandidos e, dessa forma, incita a vingança privada. 
 
Nesse sentido esclarece PATIAS (2005, p. 61): 
 
Não podemos esquecer de que uma transmissão jornalística, mesmo que ao 
vivo, é uma reprodução, sujeita a escolhas e interferências, por critérios 
pessoais e subjetivos, e que nada tem de pura. Tanto a transmissão direta 
como as reportagens em plano-sequência, imagens feitas com o cinegrafista 
em movimento, expressam uma noção de urgência que compromete a 
reflexão, anula nossa capacidade de ver as coisas com clareza, porque somos 
tomados pela emoção. 
 
Callegari e Wermuth (2013, p. 106) afirmam que uma forte característica da sociedade 
globalizada é “a influência cada vez maior dos meios de comunicação de massa nos processos 
 
8
 José Luiz Datena tem uma longa carreira nos meios de comunicação e é considerado um dos mais 
importantes e influentes apresentadores do Brasil. Atualmente apresenta na Band o programa 
jornalístico Brasil Urgente e o game show Quem Fica em Pé. Sempre com um estilo polêmico, sem 
papas na língua, o apresentador também é conhecido pelos bordões que cria entre eles os clássicos 
“Essa é a grande realidade!” "Me dá imagens" e “Me ajuda aí, ô!”. 
 33 
de formação da opinião sobre os mais diversos assuntos” e ainda destacam que, dessa forma, 
o medo de se tornar uma vítima acaba se transformando em uma mercadoria da indústria 
cultural, que faz recortes na realidade e destaca apenas aquilo que lhe traz audiência. 
 
Sabendo que a mídia exerce uma grande influência sobre a sociedade e que suas 
informações são tidas como reais e totalmente verdadeiras pela maioria do público receptor 
surgem às manifestações do Direito Penal do Inimigo. Na busca da sensação de segurança e 
punibilidade a população segue iludida por tais informações e por diversas vezes as dúvidas 
sobre algum acontecimento criminoso, principalmente no que se refere a sua autoria acaba 
sendo interpretada como uma certeza pelos meios de comunicação, especialmente pela forma 
agressiva e sensacionalista com que as notícias são difundidas, ocorrendo uma classificação 
entre os cidadãos e a posterior exclusão daqueles considerados “inimigos” (LEMES, 2013). 
 
Um dos meios de comunicação em massa que tem tido destaque em nossa sociedade 
contemporânea é a rede social chamada “Facebook”. Segundo o site de pesquisa Wikipédia 
(2014) estima-se que a referida rede social possui mais de um bilhão de usuários que 
compartilham as mais diversas notícias entre si todos os dias e, entre estas, diversas são de 
cunho penal. Nota-se que o que ocorre, por muitas vezes, é a vinculação de notícias sem 
qualquer fundamento jurídico e de cunho estritamente repressista. Grégore Moreira de Moura 
(2013) em um artigo intitulado “Direito Penal das Mídias Sociais” explica que: 
 
Com efeito, no mais das vezes, os usuários do Facebook, talvez por falta de 
conhecimento técnico e premidos pela emoção de determinados fatos 
sociais, fomentam e pulverizam o movimento de lei e ordem, isto é, pregam 
a busca incessante de um Direito Penal baseado na punição excessiva, na 
ausência de direitos dos acusados e, principalmente, no tratamento do 
criminoso ou do suposto criminoso como réu condenado, em afronta total 
aos mais comezinhos direitos constitucionais. 
 
Exemplo dessa realidade se vê estampada no caso do assassinato do menino Bernardo 
Uglione Boldrini, ocorrido em Maio de 2014, na cidade gaúcha de Frederico Westphalen e 
que teve ampla divulgação, sendo inclusive criada uma página no site Facebook com o nome 
do menino Bernardo, que possui mais de 100.000 (cem mil) “curtidas” e que gerou grandes 
manifestações de ódio por parte da população que se utilizaram desse meio de comunicação 
em massa para condenar antecipadamente os suspeitos do crime, violando diversos princípios 
constitucionais e penais, como a ampla defesa, o devido processo legal e, principalmente, o 
 34 
princípio que assegura o estado de inocência dos acusados, previsto no artigo 5º, LVIII da 
Constituição Federal. Nesse contexto Aury Lopes Jr (2014) afirma que, com toda certeza o 
princípio que deve imperar no processo penal é o da proteção dos inocentes, e isso significa 
que ele deve ser aplicado a todos, visto que só se perde o status de inocente depois da 
sentença transitada em julgado. 
 
Alvino Augusto de Sá (2012) explica que temos que estabelecer uma distinção entre 
solidariedade e identificação com as vítimas de crimes, pois quando há solidariedade com o 
outro não tomamos o problema para si mesmo, apenas nos esforçamos para prestar a ajuda 
necessária ao outro, enquanto que, na identificação com o crime acabamos centralizando o 
problema como se nosso fosse e sentimos as mesmas dores, nos preocupando com o agressor 
e estabelecendo uma relação de ódio e vingança. 
 
Assim, na busca de uma pretensa paz social, a sociedade, ao defender os 
direitos do indivíduo, direitos aos seus bens e à plena liberdade (...) 
identifica-se com a vítima do crime e transforma o inimigo da vítima 
(inimicus) em inimigo coletivo (hostis), cuja violência deve ser combatida a 
todo custo e rigor. É a guerra contra a guerra, a violência contra a violência. 
O Estado usa instrumentos aparentemente legais para punir o inimicus, o 
criminoso de uma só vítima. Na verdade, porém, seus instrumentos se 
tornam viciados e contaminados pelo clamor público na guerra contra a 
guerra. Em decorrência deste vício e contaminação, o inimigo individual se 
torna um inimigo coletivo, com todas as consequências daí decorrentes em 
termos de tratamento penal e penitenciário. (SÁ, 2012, p. 218, grifos do 
autor). 
 
A facilidade de acesso a qualquer fato ocorrido em qualquer parte do mundo e no 
exato momento em que ocorreu tornou as redes sociais um mecanismo hábil de divulgação de 
movimentos políticos criminais como o Direito Penal do Inimigo, que prezam pelo 
repressivismo deixando de observar os mínimos limites legais. A sensação de insegurança faz 
com que se busque no sistema penal respostas para um problema que é, na verdade, social, 
confundindo a função da pena e exigindo que o poder estatal utilize de represálias cada vez 
maiores para com aqueles que consideramos perigosos. Diante dessa realidade muitos 
legisladores se utilizam dessa influência para ganhar apoio eleitoral e adotam uma forma 
arbitrária de legislar, como bem explica Lemes (2013, p. 268): 
 
Há que se salientar também a forma inadequada com que se legisla em nosso 
país, permitindo uma infiltração do direito penal do inimigo no ordenamento 
jurídico-criminal, de forma a flexibilizar garantias, in thesi, sedimentadas, 
posto que o poder político vem legislando de maneira “populista”, pois cria 
 35 
leis conforme o clamor público, exemplo disto foi a alteração realizada da 
Lei dos Crimes Hediondos, sancionada após a assassinato da atriz Daniela 
Perez a e pressãopública que foi gerada em torno do caso, podemos citar 
também as cenas de tortura praticadas por policiais em Diadema, na favela 
Naval, que após serem transmitidas pela mídia, culminou na criminalização 
da tortura sobrevinda pela Lei 9.455/97. 
 
Todos esses fatores fazem com que a população procure, cada vez mais, apenas no 
sistema penal as respostas para a criminalidade. A sensação de insegurança e da existência 
dos inimigos imposta pela mídia faz parecer que não existe outra solução que não seja a 
punibilidade severa, com medidas de cunho emergencial e repressivistas que não observam os 
limites mínimos impostos pela nossa Constituição Federal. É nesse sentido que surge a maior 
preocupação com a implantação do Direito Penal do Inimigo no atual sistema penal, 
tornando-se um circulo vicioso onde a disseminação da violência como forma crescente faz 
com que a população exija a aplicação de uma justiça de tribunal de exceção (LEMES, 2013). 
 
2.4 As manifestações do Direito Penal do Inimigo no sistema penal brasileiro 
 
Como já dito o Direito Penal do Inimigo se manifesta pela característica de 
punibilidade antecipada, suprimindo direitos e princípios, penais e processuais. Em nosso 
ordenamento jurídico pode-se citar como exemplos claros da manifestação desse “direito” a 
Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) e o Regime Disciplinar Diferenciado (Lei 
10.972/2003). 
 
O renomado autor Aury Lopes Jr. (2014) chega a falar na existência de um “processo 
penal do inimigo”, o qual segue a mesma linha antigarantista do Direito Penal do Inimigo, 
negando ao réu seus direitos e garantias constitucionais ao deixar de lado a presunção de 
inocência que lhes é devida, alertando ainda que há uma 
 
imensa pressão midiática construída em torno de casos mais rumorosos, 
onde se estabelecem verdadeiras campanhas demonizadoras, “lutas contra o 
diabo” (ou inimigo, é o mesmo), [que] conduz a um clima propício para 
práticas inquisitórias. Sem falar, ainda, na mitológica “verdade real” [...] que 
fortaleceu a cultura inquisitiva e implantou a ideia da necessidade de 
perseguição como meta principal do processo penal. (LOPES JR., 2014, p. 
394, grifo do autor). 
 36 
A Lei nº 8.072/1990 institui um rol de crimes considerados hediondos
9
 e que, por esse 
motivo, tiveram suas penas aumentadas e garantias processuais suprimidas, conforme 
disposto no artigo 2º: 
 
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de 
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: 
I - anistia, graça e indulto; 
II – fiança. 
§2
o
 A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos 
neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o 
apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. 
§3
o
 Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente 
se o réu poderá apelar em liberdade. 
§ 4
o
 A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n
o
 7.960, de 21 de 
dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 
(trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e 
comprovada necessidade. (BRASIL, 1990) 
 
Claramente pode-se perceber que a lei institui um rigor excessivo para esses crimes 
com o objetivo de acalmar os anseios da sociedade por justiça e encontrar uma forma de 
conter a violência. Aury Lopes Jr. (2014) afirma que o nosso país já esta totalmente 
contaminado por esse modelo repressivista e que a Lei dos Crimes Hediondos é um exemplo 
de que a supressão de garantias e o endurecimento das penas não diminuíram os números da 
criminalidade, apenas trouxeram a ilusão de que o sistema penal pode resgatar a sensação de 
paz que a população tanto busca. 
 
De igual modo o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD foi instituído em nosso 
ordenamento através da Lei 10.972/2003 e alterou a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) 
estipulando sanções que refletem aspectos da teoria defendida por Günther Jakobs. O mesmo 
assim dispõe: 
 
Art.52: A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, 
quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso 
provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime 
disciplinar diferenciado, com as seguintes características: 
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da 
sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da 
pena aplicada; 
II - recolhimento em cela individual; 
 
9 Hediondo pode ser entendido como aquilo transmite repulsa e horror, que é repugnante e que provoca 
intensa indignação moral. 
 37 
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração 
de duas horas; 
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. 
§ 1
o
 O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos 
provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto 
risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. 
§ 2
o
 Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso 
provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de 
envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações 
criminosas, quadrilha ou bando. (BRASIL, 2003). 
 
O RDD orienta sanções disciplinares aplicadas no cumprimento da pena privativa de 
liberdade, que são atribuídas tanto aos presos provisórios como aos que já foram devidamente 
condenados e prevê sanções rígidas para determinadas condutas considerada perigosas. Este 
regime foi criado em detrimento do clamor público que exigia medidas severas para 
contenção de presos considerados de alta periculosidade. Percebe-se que, em contrário aos 
preceitos constitucionais, criou-se uma regra com cunho não garantista, cuja intenção é 
proteger delitos futuros e que atinge o indivíduo por si só e não o crime cometido. Alvino 
Augusto de Sá (2012, p. 219, grifos do autor) explica que “a justiça criminal e a execução 
penal se deixam contaminar por esse espírito de luta, de guerra pacificadora contra a guerra 
do inimigo coletivo [...] e acabam se transformando em instrumentos a serviço dessa guerra 
insólita”. O autor supracitado ainda complementa sua tese afirmando que o grande desafio da 
execução penal é conseguir enxergar no preso, antes de qualquer coisa, a imagem de uma 
pessoa que não é inimiga no seu todo, e sim uma pessoa que tem qualidades e, 
principalmente, que pode amar e ser amada. 
 
Com o exposto pode-se ressaltar que existe uma verdadeira 
 
incompatibilidade da nova sistemática em diversos e centrais aspectos, como 
a falta de garantia para a sanidade do encarcerado e duração excessiva, 
implicando violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou 
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, prevista nos instrumentos 
citados. Ademais, a falta de tipificação clara das condutas e a ausência de 
correspondência entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição 
decorrente, revelam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção 
administrativa, sendo, antes, uma tentativa de segregar presos do restante da 
população carcerária, em condições não permitidas pela legislação. 
(MOREIRA, 2005) 
 
Importante ressaltar que a Carta Magna em seu artigo 5º, LIII prevê que ninguém pode 
ser processado e sentenciado senão pela autoridade competente, um direito que não vem 
 38 
sendo inteiramente observado pelo Estado, mídia e sociedade, visto que as manifestações 
midiáticas atuais influenciam o público de tal forma que estes acabam formando um pré - 
julgamento dos suspeitos, tornando o que deveria ser apenas suspeita em certeza, e como 
consequências pressionam o Estado para que tome decisões mais severas. Tudo isso ocorre 
com base nas notícias divulgadas pela mídia que tem o objeto de atrair o público não

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