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57 Avaliação, ciclo do projeto e usos Rosana de Freitas Boullosa Introdução As intervenções sociais podem abarcar diferentes iniciativas (políticas, planos, programas, projetos e ações), promovidas por diferentes setores, separadamente ou em conjunto: Estado, Mercado e Terceiro Setor. As avaliações dessas iniciativas são de- senhadas e implementadas de acordo com a fase em que elas se encontram. É o que chamamos de “timing da avaliação”. A avaliação de um programa social que ainda está sendo formulado, por exemplo, é diferente da avaliação de um programa que foi im- plementado há mais de cinco anos, cujos resultados e impactos são possíveis de serem mensurados e analisados. Esses são exemplos de timings diferentes. Outro ponto que merece detalhada atenção diz respeito aos usos da avaliação. De fato, é comum o sentimento de que as avaliações são inúteis pois não conseguem produzir mudanças e nem desencadear processos de transformação nas práticas e nas reflexões sobre programas sociais. Essa mesma preocupação já tinha sido revelada por Aaron Wildavsky, que chega a expressar com veemência a sua frustração: “eu comecei pensando que era ruim não avaliar as organizações e terminei me perguntando por que elas têm que fazê-lo” (apud CAIDEN; CAIDEN, 2001, p. 94). Timing da avaliação Avaliações podem acontecer em diferentes momentos de uma intervenção social, ou seja, em diferentes momentos do seu ciclo de vida. Para cada um deles, as avaliações sofrem variações em sua natureza, dinâmica, principais características e propósitos. O estudo do momento em que ocorre a avaliação se relaciona diretamente com o chama- do ciclo da intervenção. A literatura especializada convencionou chamar esse ciclo de vida de “ciclo da política” ou “ciclo do projeto”, ainda que o mesmo possa ser aplicado a qualquer grau de complexidade da intervenção. Assim, uma política, um plano, um programa, um projeto ou uma ação (cujos graus de complexidade são decrescentes), podem ser avaliados à luz dessa abordagem analítica chamada ciclo do projeto. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 58 O ciclo do projeto propõe uma divisão clássica da intervenção em três distintas fases: formulação, implementação e resultados/impactos1. Em cada uma dessas fases o projeto vivencia alguns dilemas e desafios. Nas fases clássicas, a formulação é o proces- so de desenho e planejamento da estratégia de intervenção social, quando se decide: a cobertura da ação desejada e da demanda para tal ação; os recursos que serão mobi- lizados para alcançar aquele objetivo (sejam eles econômicos, materiais, cognitivos, de pessoal etc.); os tempos da ação; seu enquadramento institucional e demais questões que antecedem o início da intervenção em si. A fase de implementação é onde a intervenção planejada realmente acontece. É considerada atualmente, por grande parte da literatura sobre o tema, como a fase mais complicada e imprevisível da intervenção. Até os anos 1980, a fase da imple- mentação recebia o nome de “execução”, pois se imaginava que toda a sua dificuldade estava limitada à correta execução do que tinha sido planejado, como se não fosse possível acontecer erros no planejamento. Hoje há um certo consenso na literatura de que muitos dos problemas que surgem na implementação ocorrem justamente pela falta de flexibilidade no planejamento. De fato, quando se falava em “execução”, os estudiosos e técnicos pressupunham que tal fase não tinha “vida própria” e que o resultado planejado da intervenção dependia somente de uma correta execução do que tinha sido planejado, como se o planejamento fosse absoluto, dotado de raciona- lidade total, capaz de prever os mínimos detalhes. Além disso, tal visão pressupunha que o contexto de atuação do programa era estático. Hoje sabe-se que a dinâmica da implementação e do contexto não são mais vistas como dados imutáveis e que essa fase merece tanta atenção quanto a primeira. A última das fases diz respeito aos resultados da intervenção planejada. O pro- grama, que pode visto como uma estratégia para transformar positivamente uma de- terminada situação considerada socialmente problemática (BOULLOSA, 2007), é for- mulado para que se produzam alguns resultados. Esses resultados são chamados de resultados esperados e derivam diretamente dos objetivos do programa. Além desses, o programa pode produzir também resultados que não tinham sido planejados, sejam eles negativos ou positivos. Nesse caso, trata-se de resultados não esperados. A mesma lógica vale para os efeitos, que podem ser esperados ou não esperados. Há muitos modos de diferenciar resultados de efeitos. Alguns autores defendem que a diferença fundamental está no tempo em que eles acontecem em relação aos recursos (inputs) investidos pelo ou durante o programa. Nessa perspectiva, os resulta- dos (outputs) estariam mais próximos dos recursos (inputs), enquanto que os efeitos ou impactos (outcomes) aconteceriam em um intervalo de tempo maior, como se fossem resultados de médio ou longo prazo. Já outros autores preferem interpretar os resulta- dos do programa como seus resultados diretos ou imediatos, enquanto que os efeitos 1 No âmbito da análise política (policy analisys), o ciclo do projeto é dividido em “formulação”, “implementação”e “avaliação”.Av al ia çã o e M on ito ra m en to d e Pr oj et os S oc ia is Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 59 Avaliação, ciclo do projeto e usos ou impactos seriam resultados indiretos, que quase sempre aconteceriam depois dos resultados considerados diretos. Além dessas fases que compreendem o ciclo da política ou do projeto, é preciso ainda compreender que uma política ou seu instrumento derivado não nascem de um momento para o outro. Pelo contrário, quando um programa surge, por exemplo, a situação problemática ou problema que ele se propõe a resolver (ou ajudar a resolver) já está relativamente consolidada na sociedade como algo que deve ser combatido ou mitigado. Essa fase anterior à formulação é chamada formação de agenda. As agendas políticas se formam à medida que os problemas são discutidos e passam progressiva- mente a ser considerados como problemas de relevância pública, o que justificaria, em tese, o investimento de recursos públicos. Durante a formação das agendas, diferentes atores buscam demonstrar e de certa forma impor-se dentro do cenário da opinião pública, tais como a mídia impressa e televisiva, políticos de destaque, instituições de prestígio, organizações não governa- mentais, movimentos socais etc. Aos poucos, novos problemas emergem no cenário político, ganham força e passam a integrar a chamada agenda institucional de gover- nos. O ingresso na agenda institucional de um problema em qualquer nível de gover- no ou mesmo no leque de uma organização não governamental de relevância política, significa que tal problema passou a receber recursos para ser solucionado, desencade- ando o seu ciclo de vida de formulação, implementação e avaliação. Agenda política Agenda institucional Formulação Implementação Resultados Impactos Fases clássicas do ciclo de projeto O a ut or . Figura 1 – Ciclo do projeto. Em cada uma dessas fases é possível desenvolver processos de avaliação. Os au- tores Lubambo e Araújo (2003, p. 4) apresentaram uma síntese bastante simples sobre os possíveis momentos da avaliação em relação ao ciclo do projeto. Para eles, a ava- liação voltada para a fase de formulação demonstra a preocupação na identificação da adequabilidade das estratégias propostas às demandas (sociais) existentes. Já a avaliação de implementação estaria voltada à compreensão de diferentes aspectos da dinâmica institucional e organizacional. A avaliação dos resultados ou impactos buscaria tecer um juízo sobre as possíveis e desejadas transformações possibilitadaspelo programa avaliado. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 60 O a ut or . Fases clássicas do ciclo de projeto Formação de agendas Formulação Implementação Resultados Impactos 1 2 3 4 5 Figura 2 – Timing das avaliações. Todavia, é importante ressaltar que essa compreensão clássica do ciclo temporal de uma intervenção qualquer começa a mostrar-se obsoleta, demandando novas te- orizações. Tendo compreendido essas considerações mais simples, poderemos agora aprofundar os outros diferentes momentos da avaliação: Avaliações formativas, avaliações de preferências, de pesquisa de opi- nião etc. – trata-se de avaliações que podem ser feitas por diferentes atores do processo de formação das agendas, sobretudo da agenda política. Frequen- temente essas avaliações são usadas para demonstrar a supremacia de uma posição sobre as demais. Juntas desempenham o grande papel de fomentar o debate político a respeito do tema, assim como lançar as bases para uma dis- cussão mais técnica sobre as possíveis soluções do problema em discussão. Avaliações ex-ante – são realizadas antes do início da intervenção, normal- mente com o objetivo de traçar diagnósticos mais precisos do problema, de ajudar a construir a estratégia da intervenção ou mesmo para testar as hipó- teses da estratégia, é usada por muitos financiadores para identificar priori- dades e metas. Um outro objetivo bastante comum da avaliação ex-ante diz respeito à mensuração da validade do programa ou projeto planejado de ser implementado e obter sucesso. São comuns as metodologias de mensuração das relações custo-benefício e custo-efetividade. Além desses custos, podem ainda ser mensurados os custos sociais, políticos e ambientais de um projeto em fase de formulação. Alguns autores acreditam que essas avaliações devem ser enquadradas como avaliações formativas. Para Cohen e Franco (1993, p. 16), “[...] a avaliação ex-ante permite escolher a melhor opção dos programas e projetos nos quais se concretizam as políticas”, pois orienta a realização de uma dada intervenção. Avaliações in itinere, intermédia ou de processo – são realizadas durante a fase de implementação da intervenção social planejada e organizada. Esse tipo de avaliação pode levar em consideração tanto as fases de formulação quanto a fase de implementação respeitando suas naturezas e dinâmicas de Av al ia çã o e M on ito ra m en to d e Pr oj et os S oc ia is Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 61 Avaliação, ciclo do projeto e usos evolução, mas quase sempre está focada no acompanhamento e verificação dos resultados mais imediatos da intervenção em estudo. A avaliação in itine- re pode ainda acontecer de modo sistematizado e contínuo estruturando-se como um processo de monitoramento, como explica Soares da Cunha: A avaliação intermediária tende a depender fortemente das informações provenientes do sistema de monitoramento, e possui uma natureza formativa, com a preocupação de melhorar o funcionamento do programa. Em alguns casos, a avaliação intermediária visa examinar os impactos do programa, mas somente de maneira limitada. A avaliação ex-post tem natureza somativa e é frequentemente conduzida com a intenção declarada de analisar os impactos do programa (SOARES DA CUNHA, 2006, p. 11) Avaliações ex-post – voltadas a avaliar em que medida a intervenção plane- jada atingiu os resultados traçados na fase da formulação, ou revistos na fase da implementação. A literatura distingue os resultados esperados daqueles não esperados. Não raro essas avaliações são somativas, pois objetivam res- ponder a específicas perguntas sobre a continuidade e/ou replicabilidade do programa ou objeto em avaliação. A Universidade de Campinas (Unicamp) por exemplo, propõe uma breve lista de perguntas fundamentais para esse tipo de avaliação: a que tipos de serviços ou benefícios os beneficiários do programa estão recebendo? b) em que medida os serviços ou benefícios realmente recebidos pelos beneficiários do programa estão de acordo com as intenções originais dos formuladores? c) os beneficiários estão satisfeitos com os resultados atingidos pelo programa? d) os resultados atingidos são compatíveis com os resultados esperados? e) como e por que os programas implementados geram resultados não esperados? (UNICAMP, 1999, p. 43) Avaliações de impacto – são um tipo de avaliação ex-post mais voltada para os impactos ou resultados indiretos do que para os resultados diretos da inter- venção em estudo. Acontecem frequentemente muito tempo depois que a in- tervenção foi concluída e o seu foco recai muito mais sobre as transformações provocadas no ambiente sociopolítico-econômico-ambiental onde ocorreu a mudança no que na intervenção em si. Em outras palavras, essas avaliações são voltadas às transformações e não se restringem a resultados imediatos, pelo contrário, buscam encontrar resultados mais estruturais. Usos da avaliação Assim como há discordâncias a respeito do objetivo da avaliação, há também discordâncias quanto aos possíveis usos das avaliações de programas sociais. Afinal, até mesmo um juízo de valor pode ter diferentes usos. Scriven (1967), que defende veementemente a emissão do juízo como objetivo primordial da avaliação (e a meta como o fornecimento de respostas a perguntas avaliatórias significativas), acredita que Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 62 os papéis da avaliação são, na prática, definidos pela maneira pela qual as respostas ou juízos produzidos são ou podem ser usados. Outros autores defendem que o mais importante são os objetivos possíveis da avaliação, deixando a discussão sobre os seus papéis ou usos de lado. Talmage (1982), por exemplo, defende que os objetivos das avaliações são múltiplos, mas que três deles aparecem com bastante frequência: (a) fornecer um julgamento de valor, (b) informar o tomador de decisão, (c) exercer uma função política. A complexidade do ato de deci- dir é bem explicada por Alejandro Tiana: Qualquer pessoa que tenha enfrentado a experiência direta de ter que tomar decisões em algum campo de atuação sabe que os elementos sobre os quais se apoia esse processo são muito variados e de diversas ordens. Por um lado, costuma-se contar com informação direta ou indireta, procedente de diversas fontes e com maior ou menor pertinência e confiabilidade em cada caso. Por outro lado, deve-se levar em conta certos condicionamentos, de caráter normativo, institucional ou pessoal, que determinam a margem de manobra existente. Deve-se levar também em consideração o contexto de relações interpessoais, antecipando as reações que se possam produzir. Por último, devem ser realizadas negociações multilaterais com o objetivo de conseguir que todos os atores implicados se sintam partícipes da decisão adotada. Em suma, trata-se de uma tarefa delicada em que o conhecimento e a informação desempenham um papel relevante, mas também a capacidade de negociação e de mobilização de interesses, o sentido de oportunidade e inclusive a intuição (TIANA, 1997, s.p). Outros autores acreditam ser um dos principais usos da avaliação o empodera- mento ou emancipação dos atores nela envolvidos. David Fetterman (1994) é prova- velmente um dos que mais insistiram sobre a capacidade da avaliação de emancipar os sujeitos envolvidos nos objetos de avaliação, tais como políticas, planos, programas, projetos e/ou ações. Para ele, a avaliação só tem sentido se torna os envolvidos mais capazes de compreender e atuar de modo transformador e democrático sobre as rea- lidades em que estão inseridos. Outro autor que se deteve longamente sobre o uso e papéis das avaliações foi Jean King (1988). Em seu célebre estudo intitulado “Research on evaluation useand its implication for evaluating research and practices” (Pesquisa sobre os usos em avaliação, suas implicações para a pesquisa e práticas avaliatórias), o autor propôs quatro diferen- tes tipologias para os usos e papéis das avaliações. São elas: Instrumentais ou alocativos – quando a avaliação é usada para dar sustenta- bilidade a decisões e buscas de soluções. Segundo alguns modelos de decisão, esse uso raramente acontece, pois na maioria das vezes as decisões são efeti- vamente tomadas antes dos resultados e juízo apresentados pela avaliação. Persuasivas – quando a avaliação é usada para mobilizar o apoio necessário para a formulação, reformulação, continuidade ou interrupção do programa. Acontece ainda quando se busca apoio de novos adeptos. Av al ia çã o e M on ito ra m en to d e Pr oj et os S oc ia is Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 63 Avaliação, ciclo do projeto e usos Conceituais – quando a avaliação é utilizada sobretudo para reforçar a identi- dade do programa e a compreensão dos seus objetivos. Esse reforço de iden- tidade pode acontecer tanto para o público interno, quanto para o público externo ao programa. Simbólicas – quando a avaliação é usada para fins políticos ou de legitimação. Alguns autores buscaram compartilhar dessa classificação, ao mesmo tempo em que buscam refiná-la. Carol Weiss (1998), por exemplo, discutiu as condições em que tais usos se dão. Para ela, por exemplo, o uso instrumental acontece com mais frequência nas seguintes situações: (1) quando as implicações das descobertas da avaliação não são muito controvertidas e sabe-se que não provocará grande discussão; (2) quando as mudanças decorrentes ou sugeridas não são muito profundas e/ou fazem parte do repertório do programa em questão ou de sua organização responsável pela imple- mentação; (3) quando o ambiente do programa é relativamente estável no que diz respeito à sua dinâmica, lideranças, orçamento, tipos de beneficiários etc.; e (4) quando o programa está em crise e ainda não possui diretrizes de mudança. Weiss (1998) teoriza ainda sobre os fatores que podem influir no uso das avalia- ções: (a) diferença de valores e crenças entre avaliador e avaliados que podem gerar conflitos entre os mesmos redefinindo os usos da avaliação, ou ainda conflitos entre diferentes unidades da avaliação ou do programa avaliado; (b) eventuais mudanças nos atores da avaliação gerando conflito pela mudança de propósitos e compreensão do problema de avaliação, assim como redefinição do pacto entre avaliador e avalia- dos; (c) obtusidade das organizações que podem dificultar ou até mesmo impedir as recomendações propostas pela avaliação; (d) mudanças no cenário externo, tais como no ambiente político, cortes orçamentários etc. que podem inutilizar a avaliação. Continuando nessa perspectiva, Weiss distingue a possibilidade de uso de outros quatro elementos: (a) ideias e generalizações derivadas da avaliação; (b) o próprio fato de a avaliação ter sido ou estar sendo feita; (c) o foco do estudo, especialmente as me- didas adotadas; e, finalmente, (d) o desenho do estudo. Vale a pena citar longamente os comentários de Faria (2005, p. 104) sobre os elementos propostos por Weiss: (a) Uso das ideias e generalizações derivadas da avaliação Ainda que descobertas específicas da avaliação não sejam usadas, os formuladores e o pessoal técnico do programa podem aplicar ideias e generalizações dela derivadas. É o seguinte o exemplo dado por Weiss (1998): a generalização da descoberta de que agências locais não promovem mudanças no seu padrão de provisão de serviços quando elas são as únicas a fazer tais mudanças, pode levar a que se pense na necessidade de se coordenar a atuação de todas as agências. (b) Uso possível do próprio fato de a avaliação ter sido ou estar sendo feita São diversificadas as alternativas aqui. Primeiramente, a realização da avaliação pode ser utilizada como uma desculpa para a inação. Por que se deveria tomar qualquer atitude no Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 64 sentido de se operar mudanças antes que se tenha o resultado do trabalho de avaliação? O fato de uma avaliação estar sendo ou ter sido feita pode ser utilizado também para demonstrar a racionalidade e a predisposição ao aprimoramento e à responsabilização por parte dos encarregados da política ou do programa. Por outro lado, a própria realização da avaliação pode ser pensada como assegurando uma aura de legitimidade para o programa ou sugerir que algo não vai bem em sua gestão ou que há problemas no seu desenho. (c) Utilização do foco do estudo É amplamente reconhecido que o público (interno e o externo) do programa avaliado passará a dar atenção prioritária a todos os focos da avaliação, com destaque para os elementos escolhidos para serem mensurados. Esse fenômeno é conhecido como “ensinar para o teste”, dado o efeito quase universal que a avaliação externa tem sobre o comportamento das instituições de ensino. Como se sabe, o risco principal aqui é que sejam negligenciados outros aspectos do programa que não incidem sobre os indicadores de sucesso definidos. Tal efeito, contudo, não é necessário e forçosamente negativo. (d) Utilização do desenho da pesquisa avaliativa Destaca-se aqui a possibilidade de que as categorias de análise utilizadas pelos avaliadores, a metodologia de avaliação e a forma de se analisar os dados tenham influência não apenas sobre a gestão da política ou do programa em questão, ao fomentar, por exemplo, disputas entre distintos níveis de implementação, mas também sobre outras áreas e esferas de governo. Por fim, é necessário inventariarmos também os usuários potenciais da pesquisa avaliativa. Originalmente, a comunidade de avaliadores era quase unânime na percepção de que os usuários da avaliação se restringiam aos financiadores do programa (e da própria avaliação), aos gerentes e encarregados de mais alto escalão e, por vezes, aos técnicos e profissionais que lidavam de maneira mais direta com os beneficiários. Esses são os atores que, inclusive, muitas vezes ajudam a definir o escopo, a abrangência, a metodologia e o âmbito de divulgação dos resultados da avaliação. Conclusão As considerações feitas neste capítulo são válidas tanto para avaliações de inicia- tivas de transformação social públicas, quanto privadas. Planos, programas, projetos e ações podem ser formulados, implementados e realizados por diferentes atores sociais. Um modo interessante de compreender esses atores é apoiando-se na clássica divisão entre Estado, mercado e Terceiro Setor. Entidades pertencentes a cada um deles, ou mesmo mistas, podem promover iniciativas de transformação social, todas passíveis de serem avaliadas. Os chamados três setores da sociedade, de fato, vêm demandando avaliações de suas intervenções sociais cada vez com mais frequência. O Terceiro Setor é relativa- mente novo no nosso país; suas raízes podem ser encontradas no fortalecimento da sociedade civil no final dos anos 1970 e, sobretudo, durante os anos 1980. Inicialmente, esse setor se afirmava em oposição ao Estado e ao mercado, mas com a redemocrati- zação do Estado Brasileiro, foram surgindo formas complexas de interação entre este e os demais setores, sobretudo o Estado. Uma definição plausível para o Terceiro Setor Av al ia çã o e M on ito ra m en to d e Pr oj et os S oc ia is Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 65 Avaliação, ciclo do projeto e usos é proposta por Fischer (2002, p. 45): “espaço composto por organizações privadas, sem fins lucrativos, cuja atuação é dirigida a finalidades coletivas ou públicas. No Segundo Setor, o mercado, também encontramos algumas iniciativas que buscam tratarde alguns dos problemas sociais. Quando isso acontece, a literatura es- pecializada chama tais ações de ações de responsabilidade social. Assim, mercado e Terceiro Setor não só podem apreender ações de transformação social (estruturadas em programas, projetos etc.), como acabaram por representar, sobretudo nos anos 1990, parte considerável dos investimentos sociais no país. A natureza do ator ou agente promotor do objeto a ser avaliado, naturalmente, in- fluencia o desenho da avaliação. A avaliação de um programa formulado e implemen- tado por um agente privado do Terceiro Setor, por exemplo, uma fundação, possuirá características diferentes de um programa formulado e implementado pelo governo. Para muitos autores, a principal diferença está justamente no uso que tal avaliação terá, imaginando que avaliações de programas governamentais possuem sempre um públi- co de fundo que é a sociedade como um todo, em um contexto de democracia e trans- parência pública. Não obstante tais elucubrações, o mais importante é que o avaliador e a sua equipe conversem com os demandantes das avaliações para que se chegue a um acordo prévio sobre os possíveis usos que tal avaliação deverá responder. Texto complementar A política da avaliação de políticas públicas (FARIA, 2005) Várias questões importantes podem ser inferidas a partir deste breve mape- amento das distintas formas de uso da avaliação, dos seus vários elementos que podem ser utilizados e dos usuários potenciais dos estudos de avaliação das políticas públicas. A primeira delas é que a literatura específica parece ainda essencialmente circunscrita às expectativas acerca do papel da avaliação elencadas pelo “modelo decisionista”. Isso porque, mesmo tendo sido questionado o tradicional modelo hie- rárquico e top-down de planejamento e de desenho da avaliação, esta maior pre- ocupação com a questão do uso da pesquisa avaliativa parece ainda fortemente restrita à utilização gerencial da avaliação e à necessidade de se gerar feedbacks que justifiquem a relevância da própria realização de tais estudos. Dito de outra forma, o que se pode verificar na literatura é uma ênfase quase exclusiva na utilização instru- Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 66 mental, intraburocrática, da avaliação das políticas públicas ou, quando muito, nas interações entre decisores, gestores e população beneficiária. Ficam negligenciadas, assim, questões como: o papel da avaliação das políticas no jogo eleitoral; a reação do legislativo e do judiciário à concentração do poder de avaliação no executivo (HENRY, 2001; DERLIEN, 2001); a eventual diferença na institucionalização da avaliação entre países parlamentaristas e presidencialistas e entre Estados federais e unitários (DERLIEN, 2001); o significado da distinta localiza- ção institucional dos sistemas de avaliação e o impacto de seu grau de vinculação às autoridades financeiras etc. Dessa forma, não deixa de ser irônico, mas de maneira alguma contraditório, o fato de ser justamente a literatura que adota o enfoque gerencialista de valoriza- ção da avaliação como instrumento da reforma do Estado, aquela que está aparen- temente mais disposta a acentuar questões políticas mais abrangentes, como, por exemplo, o papel da avaliação na geração de accountability por parte dos agentes estatais, seu potencial de “empoderamento” das comunidades menos privilegiadas e seu impacto sobre a questão do controle social sobre o Estado. O fato não é contra- ditório porque, como visto, essa literatura advoga um ideal regulativo que prescreve ao Estado um papel subsidiário, sendo determinantes os estímulos, os incentivos e os constrangimentos oriundos ou espelhados no mercado. Uma postura de omissão no tratamento analítico das questões associadas ao processo de avaliação das políticas públicas e de seu uso, como aquela detectada no caso da ciência política brasileira (a qual, diga-se de passagem, parece não se sin- gularizar neste aspecto), significa o esvaziamento da possibilidade de se analisar de forma cabal a política da avaliação de políticas, a qual acaba, assim, negligenciada em muitos de seus aspectos e implicações. Se há resistências, por parte da ciência política brasileira, aí incluídos os analis- tas de políticas públicas, em encampar uma agenda de pesquisa que contemple os processos pós-decisão, como sugerimos, não seria possível e pertinente pensarmos a questão do uso e da política da avaliação como claramente vinculada aos proces- sos decisórios? Caso seja necessária uma nota de cautela, lembramos que estudar o uso e a política da avaliação não implica, forçosa e automaticamente, a transposição da temida, e muitas vezes tênue, fronteira entre os papéis do analista e daquele que faz advocacy ou que prescreve cursos de ação. Contudo, a despeito do ranço positivista que ainda pode ser observado na prática avaliativa e também nas análises sobre esse processo, a avaliação não deixa de envolver também, necessariamente, advocacy, como defende Greene (1997), na Av al ia çã o e M on ito ra m en to d e Pr oj et os S oc ia is Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br 67 Avaliação, ciclo do projeto e usos contracorrente do pensamento dominante na área. Isso, segundo a autora, se com- preendermos por advocacy não um “partidarismo programático ou um viés con- taminador”, mas sim “uma adesão a valores como um ideal regulatório específico (relativo à racionalidade do processo decisório ou ao ativismo comunitário)” (p. 25). Se levarmos também em consideração o fato de que a avaliação e os avaliadores atuam, como quer a vertente construtivista, “interpretando o contexto e construin- do esse contexto e [que], portanto, ambos são produtores do espaço público” (ES- COLAR; DOMENCH, 2002, p. 110), torna-se ainda mais lastimável a negligência ou a omissão de nossos analistas de políticas públicas. Atividades Ronaldo de Oliveira é o novo gerente do Departamento de Marketing de uma empresa produtora de carvão, localizada no sul do Acre, que realiza um programa de apoio à erradicação do trabalho infantil, dentro do que a empresa chama de investi- mentos de responsabilidade social. Ronaldo deseja convidar novos parceiros, também privados, para investir neste mesmo programa, pois acredita que este problema só vem aumentando nos últimos anos. Para isso, acredita que só uma avaliação poderá lhe ajudar a convencer potenciais empresas parceiras. A partir dos conhecimentos que você adquiriu neste capítulo, responda às seguintes questões, supondo que você foi convidado para avaliar pioneiramente essa experiência. O programa em questão está sendo implementado há dois anos em um pe-1. queno povoado que fica há pouco mais de 30 quilômetros da sede da empresa, localizada na periferia de uma cidade de porte médio. Em que fase do ciclo de vida do projeto esse programa se encontra? Justifique a resposta. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S/A., mais informações www.iesde.com.br