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Área de Ciências Jurídicas - Artigo DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS: COSTUMES Keli Bernardi (0228183), Patrícia de Lima de Oliveira (0209402) Curso de Direito do Centro Universitário da Serra Gaúcha. Professor Avaliador Mestre Luiz Armando Capra Filho. Resumo O Direito nas sociedades primitivas compreende as formações jurídicas dos povos sem escrita. O tema desse artigo é o direito baseado nos costumes, abordando fatos históricos que constituíram a origem do direito que conhecemos na atualidade. Será feito aqui uma pesquisa bibliográfica baseada nos principais fatores que deram origem a primeira forma de direito. Como resultado das pesquisas realizadas, concluímos que mesmo que o direito que conhecemos hoje seja baseado em leis escritas, nas sociedades primitivas não era necessário estar escrito para ser lei. Palavras-chave: Costumes. Família. Divino. Direito. 1 INTRODUÇÃO O direito nas sociedades primitivas era ordenado na tradição e costumes que mantinham a ordem dentro das comunidades arcaicas. Esses costumes nasciam no seio familiar e eram transmitidos de geração pós geração. O membro mais velho da comunidade era responsável por transmitir sua experiência que garantiria aos povos a continuidade da vida dentro das comunidades. Como delimitação do tema vamos abordar a contribuição dos costumes no direito das sociedades primitivas, salientando a importância das tradições e crenças para estabelecimento das regras de convivência dentro dessas sociedades. Nosso objetivo é contextualizar esses costumes, baseado nos principais fatores que deram origem a primeira forma de direito, sendo eles: o direito baseado no divino e a importância da família como base na formação do direito primitivo. A escolha do tema, surgiu com base na influência das sociedades primitivas com seus costumes e crenças no direito que conhecemos na atualidade, e também para demostrar que não é necessário existir registros escritos para que hajam leis. 2 DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS O direito nas sociedades primitivas era baseado em leis ordenadas pela tradição e práticas costumeiras para manter a ordem entre os povos que eram passadas de pai para filhos. Segundo Wolkmer (2006), cada sociedade buscava assegurar uma ordenação, de tal forma que definia regras essenciais para manter o controle social com o objetivo de prevenir, remediar ou castigar os desvios das normas definidas. A lei que existia naquela época era disposta pela tradição e práticas costumeiras que mantêm a coerência em um grupo social. Wolkmer ainda afirma que: Certamente que cada povo e cada organização social dispõe de um sistema jurídico que traduz a especialidade de um grau de evolução e complexidade. Falar, portanto, de um direito arcaico ou primitivo implica ter presente não só uma diferenciação da pré-história e da história do direito, como, sobretudo, nos horizontes de diversas civilizações, precisar o surgimento dos primeiros textos jurídicos com o aparecimento da escrita. (WOLKMER, 2006, p. 1). Dessa forma, é possível observar que toda a sociedade necessita de regras mínimas para sua existência, uma vez que não é possível viver em comunidade sem que se estabeleça leis que determinem as normas aceitáveis de convivência em grupo. Nesse sentindo, é possível afirmar que não é necessário estar escrito para ser lei, basta apenas que hajam diretrizes de um ou mais membros que detenham o respeito dos demais integrantes da comunidade. Outro fator relevante a ser mencionado é que nas sociedades primitivas, existia uma imensa diversidade de agrupamentos sociais, cada qual com organização e regras próprias, o que torna uma tarefa complexa a identificação de características comuns acerca do que se poderia chamar de direito primitivo. Nessas comunidades, observamos uma diversidade de direitos que eram estabelecidas através das tribos existentes na época. Conforme Gilissen (1995), a multiplicidade de direitos não escritos, distinguia algumas características do direito nas sociedades ágrafas, como por exemplo, o direito não possuía legislação escrita e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservam-se pela tradição, outro exemplo é que cada sociedade possuía um direito único, que não se confundia com outras formas de agrupamento, ou seja, cada grupo possuía suas próprias regras, sendo independente e tendo pouco contato com outras comunidades, a não ser em condições de guerra. Essa diversidade de direitos não escritos, de acordo com Gilissen (1995), apesar de haver uma unicidade jurídica para cada grupo, o somatório dessa unicidade gerava uma multiplicidade de direito, uma vez que não havia um contato a fim de aprendizado entre os povos que viviam naquela época. Não havia uma disseminação de conhecimento entre as tribos, e quando existiam conflitos entre comunidades distintas prevalecia os costumes do vencedor. De acordo com Nascimento: O direito atua como força de contenção dos impulsos individualistas e egoístas do homem, o que torna sua presença inevitável no seio do grupo social. Assim, se o grupo evolui, o direito há de evoluir igualmente, em condições tais, porém, que essa evolução não se pode processar através de saltos bruscos nem de etapas isoladas uma das outras. (NASCIMENTO, 2002, p. 3). Num contexto geral, Wolkmer (2006) afirma que nas sociedades sociais primitivas, as normas reguladoras das sociedades mais avançadas iriam resultar nas concepções de direito e justiça e eram baseadas nas obrigações costumeiras que se estabeleciam entre os membros, em agrupamentos organizados com base em relações de parentesco. Esses agrupamentos ampliar-se-iam em torno da figura do patriarca e demais anciãos, detentores da experiência social e responsáveis pela condução da comunidade, cujas regras serviriam como elemento de controle e coesão sociais. É importante ainda mencionar que o direito nas sociedades primitivas, conforme Maine (1986), o direito arcaico compreende três grandes estágios: o direito que provém dos deuses, o direito baseado em costumes e o direito que conhecemos atualmente identificado através da lei. Para nossa pesquisa vamos restringir o estudo apenas ao direito baseado nos costumes e tradições oriundas do núcleo familiar e a importância dos deuses como fonte de justiça nas antigas civilizações primitivas. 2.1 Direito baseado nos costumes As práticas costumeiras eram responsáveis pela ordem dentro de um grupo social. As tradições eram fortemente determinantes para o convívio dentro da sociedade e estabeleciam as leis que deveriam ser seguidas por todos os membros. Segundo Maine (1986), o ilícito se confundia com a quebra das regras estabelecidas com o que havia sido proclamado dentro da comunidade. Nesse contexto, esse artigo visa contextualizar os costumes baseado nos principais fatores que deram origem a primeira forma de direito, sendo eles: a importância do núcleo familiar na formação do direito primitivo e a influência da religião com base no temor aos deuses para definição das leis e regras punitivas em caso de descumprimento das normas estabelecidas. 2.1.1. Costumes baseados no núcleo familiar As sociedades primitivas mesmo não tendo registros escritos, estabeleciam suas normas baseadas em costumes e tradições que eram passadas de pai para filho, sendo o membro mais velho responsável pela manutenção da ordem social entre os povos primitivos. Conforme Luhmann (1983), a sociedade pré-histórica baseava-se no princípio do parentesco e sua base geradora jurídica estava voltada para os laços de consangüinidade, com os hábitos de convivência familiar de um mesmo grupo social, aliados por costumes e tradições. Todos os sistemas e regras legais das sociedades primitivas, de acordo com Malinowski (1978), eram atribuídos ao direito matrimonial. As leis nas sociedades primitivas tinham origem na família, segundo Wolkmer, “É neste sentido que a lei primitiva da propriedade e das sucessões teve em grande parte sua origem na família e nos procedimentos que a circunscreveram, como as crenças, os sacrifícios e o culto aos mortos”, (WOLKMER, 2006, p. 3). Vinogradoff (1924), afirma que a família era a base fundamental de todo sistema societário primitivo, sendo o matrimônio a primeira de todas as instituições, pois através dessa união é possível aproximar os seres humanos, perpetuando a espécie e definindo através do parentesco e conivência familiar os costumes que vão definir os aspectos da organização social. Nesse contexto, Nascimento (2002), afirma que a própria família serviu de base ao nascimento do direito primitivo. Conforme Wolkmer (2006), os agrupamentos ampliam-se em torno da figura do patriarca e demais anciãos, detentores da experiência social e responsáveis pela condução da comunidade, cujas regras serviriam como elemento de controle e coesão sociais. Existia um respeito muito grande do conhecimento do membro mais velho do núcleo familiar, sendo que esse membro trazia as comunidades primitivas as experiências obtidas por ele ou por seus ancestrais em situações do passado. Essa experiência passada de pai para filho possibilitava não só a resolução de conflitos dentro da comunidade a qual pertencia, como também era o meio de garantir a sobrevivência das novas gerações através da transmissão de ensinamentos necessários para a sobrevivência das novas gerações. 2.1.2. Direito baseado no divino O direito nas sociedades primitivas traz forte influência do divino nas normas que eram estabelecidas dentro das comunidades da época. Gilissen (1995), traz como fator importante nos costumes das sociedades primitivas a referência ao divino, sendo importante mencionar, a dificuldade de separar o sobrenatural do preceito jurídico, uma vez que as sociedades primitivas eram contaminadas pela prática religiosa, sendo a religião forte influenciadora dos costumes e das crenças que eram passadas através das gerações. Nesse contexto, Wolkmer afirma que: Para além do formalismo e do ritualismo, o direito arcaico manifesta-se não por um conteúdo, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atos simbólicos, das palavras sagradas, dos gestos solenes e da força dos rituais desejados. (Wolkmer, 2006, p. 4). Ainda conforme Wolkmer, “[...] num tempo em que inexistiam legislações escritas e códigos formais, as práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas”, (WOLKMER, 2006, p. 3). Maine (1986), afirma que o caráter religioso do direito primitivo foi induzido de sanções rigorosas e repreensoras que possibilitavam que os sacerdotes-legisladores fossem os primeiros interpretes e executores das leis. O medo do castigo dos deuses pela desobediência ao que era imposto, fazia com que o direito fosse respeitado de forma religiosa, sendo que a maioria dos legisladores antigos afirmavam que suas leis eram oriundas do deus da cidade. Wolkmer, complementa que: “De qualquer forma, o ilícito se confundia com a quebra da tradição e com a infração ao que a divindade havia proclamado”, (WOLKMER, 2006, p. 1). Nesse aspecto, Radcliffe-Brown (1973), as primeiras manifestações do direito, e as sanções legais estão profundamente associadas às sanções rituais. A penalidade imposta assume um caráter para reprender e restringir, na medida em que é imposto um castigo ao responsável pelo delito e uma reparação à pessoa injuriada. Os efeitos jurídicos são determinados por atos e procedimentos que, envolvidos pela magia e pela solenidade das palavras, transformam-se num jogo constante de ritualismos. Entretanto, o direito primitivo de matriz sagrada e revelado pelos reis-legisladores (ou chefes religioso-legisladores) avança, historicamente, para o período em que se impõe a força e a repetição dos costumes. (WOLKMER, 2006, p. 4) Sendo assim, o costume transmitia a expressão da legalidade, através da repetição de atos, usos e práticas. O temor ao divino, aliado as sanções sobrenaturais fazia com que dificilmente o homem primitivo questionasse sua veracidade e desrespeitasse o que era estabelecido pelo ancião da comunidade ao qual estava inserido. Tornando assim, a religião forte influenciadora de costumes nos povos arcaicos. Nas sociedades antigas, tanto as leis quanto os códigos foram expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de legislador-administradores, que dispunham de privilégios dinásticos e de uma legitimidade garantida pela casa sacerdotal. (WOLKMER, 2006, p. 4) É possível observar que essa influência do divino ainda está presente nas sociedades contemporâneas, sendo mencionado também a figura de Deus no preâmbulo da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, conforme o termo: “sob a proteção de Deus”. Sendo assim, mesmo com o a modernização das sociedades e consequentemente do direito, percebe-se que a figura do divino ainda hoje está associada as regras estabelecidas pelos homens. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito primitivo é a primeira a manifestação do direito nas sociedades, onde é possível afirmar que não há direito sem sociedade, como também não há sociedade sem direito, visto que uma não subsiste sem a outra. No capítulo dois é abordado o direito nas sociedades primitivas ordenadas pelos costumes e a tradição, com o objetivo de manter o controle social, bem como estabelecer regras mesmo que não escritas para o bom convívio entre os indivíduos de uma comunidade. Percebe-se a existência de uma diversidade de direitos, uma vez que que cada povo estabelecia suas leis. No subcapítulo 2.1 é feito uma breve explanação sobre a importância da tradição para determinar o convívio dentro da sociedade e as leis que deveriam ser seguidas por todos a membros, abordando a quebra do que era estabelecido como atos ilícitos. No subcapítulo 2.1.2 é trazida a influência do núcleo familiar para estabelecimento das regras a serem seguidas pela comunidade, bem como para garantir a continuidade dessa sociedade através das experiências que eram passadas de geração para geração. A família era considerada a base fundamental de todo sistema societário primitivo. No subcapítulo 2.1.3 é demonstrado a figura do divino como forte influenciador nessas sociedades primitivas. O temor do divino aliado as sanções sobrenaturais fazia com que o homem primitivo dificilmente questionasse o que era imposto pelos reis legisladores. Após essa análise, através das bibliografias referenciadas constatamos que o direito primitivo teve como fonte o direito baseado nos costumes, crenças e tradições nascidas no berço familiar e transmitidas dos pais e avós para os seus descendentes. É possível referenciar com base nas pesquisas realizadas que o direito primitivo nasceu dentro da constituição familiar. Existia um respeito muito grande do conhecimento do membro mais velho do núcleo familiar, sendo que esse membro trazia as comunidades primitivas as experiências obtidas por ele ou por seus ancestrais em situações do passado. Essa experiência possibilitava não só a resolução de conflitos dentro da comunidade a qual pertencia, como também era o meio de garantir a sobrevivência das novas gerações através da transmissão de ensinamentos necessários para a sua sobrevivência. Outro fator ligado aos costumes transmitidos, estava relacionado ao divino, ou seja, o temor aos deuses influenciava a decisão de agir em desacordo com o que era estabelecido. O ilícito era confundido com a quebra da tradição, sendo duramente punido dentro da comunidade. Dessa forma, era praticamente impossível separar o direito da religião. Além desses dois fatores, não havia um relacionamento entre os diversos povos que viveram nesta época, gerando assim uma multiplicidade de direitos. Geralmente, os contatos estabelecidos entre as comunidades primitivas ocorriam somente em caso de guerras. Sendo assim não havia influência dos costumes de uma tribo para outra. A crença aparece como expressão da legalidade, de forma lenta e natural, instrumentalizada pela repetição de atos, usos e práticas. Por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava sua validez e sua aplicabilidade. Concluímos assim, que as crenças dessas comunidades primitivas mesmo que não registradas através de documentos escritos trouxeram grande influência no direito e nas leis que conhecemos atualmente, pois trouxeram através dos costumes, as primeiras formas de organização dentro de pequenos grupos garantindo assim a ordem, a possibilidade de convivência entre os membros da comunidade, bem como a continuidade das novas gerações. 4 REFERÊNCIAS GILISSEN, John: Introdução histórica ao direito. Trad. de A.M. Botelho Hespanha e I.M. MacaÍsta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. LUHMANN. Niklas, Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 75, 1983, v. I, p. 182-184. MAINE, Sir Henry Sumner. Ancient Law. USA: Dorset Press, 1986. MALINOWSKI, Bronislaw. Crimen y costumbre en la sociedad salvaje. Barcelona: Ariel, 1978. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 14 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. O direito primitivo. In: Estrutura e função na sociedade primitiva. Petrópolis: Vozes, 1973. WOLKMER, Antonio Carlos. O Direito nas Sociedades Primitivas. In. WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006. VINOGRADOFF, Paul. Principes Historiques du Droit, Paris, trad., Payout Editerur, 1924.
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