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Livro-Texto2020Unidade20I20(1)

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Unidade I
CIÊNCIA POLÍTICA
Autores:
 
Prof. Adilson Rodrigues Camacho
 
 
Prof. Maurício Felippe Manzalli
Colaboradores:
 
Prof. Maurício Felippe Manzalli
 
 
 
Profa. Viviane Paes Macedo
Ciência Política
Professores conteudistas: Adilson Rodrigues Camacho / Maurício Felippe Manzalli
Adilson Rodrigues Camacho 
Doutor em Ciências pelo Programa de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH-USP (2008), com mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – FCT-Unesp (1994) e graduação em Geografia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade de São Paulo (1990). Professor titular na UNIP e na Fundação Armando Alvares Penteado, em cursos de graduação e pós-graduação. Tem experiência em estudos socioambientais municipais e regionais. Atua principalmente nas linhas de pesquisa ligadas a epistemologia da geografia, metodologias de planejamento, qualificação dos usos de recursos (diagnóstico e prognóstico socioambiental) associada à adequação das políticas públicas às demandas locais.
Maurício Felippe Manzalli 
Possui graduação em Economia pela UNIP (1995) e é mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade, tanto na modalidade presencial quanto na Educação a Distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente nas áreas ligadas ao setor de transporte de passageiros, atuando há 29 anos no ramo.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
	C172c
	Camacho, Adilson Rodrigues.
Ciência Política / Adilson Rodrigues Camacho, Maurício Felippe Manzalli – São Paulo: Editora Sol, 2018.
224 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-005/18, ISSN 1517-9230.
1. Política. 2. Estado. 3. Filosofia. I. Manzalli, Maurício Felippe. II. Título.
CDU 32
A-XIX
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.
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 	Material Didático – EaD
 	Comissão editorial: 
 	 	Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
 	 	Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
 	 	Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
 	 	Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) 	 	Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
 	Apoio:
 	 	Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
 	 	Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
 	Projeto gráfico: 	 	Prof. Alexandre Ponzetto
 	Revisão:
 	 	Vitor Andrade
 	 	Ricardo Duarte
 	 	Lucas Ricardi
Sumário
Ciência Política
APRESENTAÇÃO	7
INTRODUÇÃO	7
Unidade I	
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ	9
1.1 O fenômeno político: poderes, política e ciência política	10
1.2 Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social	14
1.3 Política no plano da existência	29
2 CIÊNCIA DO PODER E DA POLÍTICA	39
2.1 A política e sua institucionalização: das formas elementares de poder 	
aos arranjos sociais de Estado	42
3 O FENÔMENO POLÍTICO: PODERES, CONTRATOS, REGRAS E NORMAS	43
3.1 Classificações de grupos políticos	46
4 ORIGENS E CONCEITOS DO ESTADO	51
Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS ....................................................................................57
5.1 Teoria geral do Estado ........................................................................................................................67 5.1.1 População e demografia ......................................................................................................................85 5.1.2 Território: aspectos físicos, biológicos e culturais .....................................................................90 5.1.3 Governo: soberania e autonomia .....................................................................................................95
5.1.4 Fronteiras internas..................................................................................................................................97
6 O ESTADO CONTEMPORÂNEO: POPULAÇÃO OU POVOS? FRACASSO 
DA AUTODETERMINAÇÃO .............................................................................................................................111
6.1 Povos: quem são o povo, a nação e os estrangeiros ............................................................112
6.2 Estado-nação como solução e problema .................................................................................117
Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ..........................................................................................132
7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização ...............................................................133
7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses, 
“espaço interestatal” ...............................................................................................................144
7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas ....................................... 150
8
 O PENSAMENTO CLÁSSICO SOBRE A POLÍTICA E A VARIEDADE DE 
ORGANIZAÇÕES DE PODER: O CRIVO DA FILOSOFIA..........................................................................160
8.1
 Platão e o nascimento da reflexão sobre a política
 
.............................................................163
8.2
 Aristóteles, as constituições e a dinâmica da 
polis
 
 
.............................................................171
8.3
 Maquiavel, a política e o Estado moderno 
 
.............................................................................175
8.4
 Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social
 
.....................................................178
8.5
 Locke, a comunidade política e o direito à propriedade
 
....................................................189
8.6
 Montesquieu e a distribuição social dos poderes
 
.................................................................194
8.7
 Rousseau e as bases do Estado democrático
 
..........................................................................198
APRESENTAÇÃO
Este livro-texto foi pensado como mais um meio de comunicação entre professores e alunos, com o propósito de estimular dúvidas nos discentes. Sim, dúvidas. As dúvidas são preciosas e merecem muito respeito do educador, pois, além de colocá-lo em movimento, permitem que esteja alerta, sempre à procura de melhores soluções. É preferível questionar a dar respostas prontas de terceiros. O poder da dúvida, da curiosidade que a enraíza, do enfrentamento do erro (que nos afasta de nossas ignorâncias) é proporcional à abertura ao incômodo, à estranheza, ao desconcerto. De fato, traz sensações com imenso potencial de aprendizado efetivo. Aproveite as provocações (bifurcações e incertezas) para sentir e experimentar portas e caminhos. Trata-se de ter experiências.
A obra parte dos saberes vividos e de experiências, no plano comum da existência (política), e segue em direção aos principais elementos e temas da ciência política, pois avaliamos que desse modo os conceitos adquirem mais sentido. 
Tais caminhos devem-se à nossa grande preocupação com a distância entre os estudantes e os assuntos analisados. A leitura pode ser uma mediação ineficiente entre aluno e conhecimento, quando o texto é mero desfile de questões e temas indistintos. Como transformar essa relação?
Nossapequena contribuição nessa imensa maratona em direção ao conhecimento envolve algumas escolhas. As principais delas são: preferimos sempre as alternativas às certezas; o debate a doutrinas; preferimos, portanto, a exposição de lados e versões a uma racionalidade única. E, mais importante, queremos que o estudante tenha genuíno interesse pela política, que o atravessa em todas as suas relações, bem como pelos assuntos institucionais do poder, que definem, também, sua existência como ser social, cidadão. 
Assim, examinaremos os temas poder e política, primeiramente, no nível da vida cotidiana, do mundo da vida, bem como os rumos do poder no plano das questões de Estado, povo, nação e território. Desse modo, devem surgir questões para o aluno sobre suas relações com as formas e ações da política. 
As discussões sobre o Estado envolvem a dimensão nacional (“o dentro” do país), o “entre-nações” e o espaço internacional (“o fora” do país, o global). 
O texto traz, por fim, os autores responsáveis pelas bases do pensamento político clássico e moderno, perfilado durante os demais capítulos, que examinam seus fundamentos filosóficos. 
Ótima leitura a todos!
INTRODUÇÃO
A ideia condutora deste livro-texto é a política, a arte e a técnica de alcançar aquilo de que se precisa, o que se deseja. 
Destacaremos o valor da política nas diversas fases da vida. Veremos como ela se manifesta em situações cotidianas e nas relações internacionais. 
7
É fato que não podemos sobreviver sem água, do mesmo modo que não conseguimos construir relações sociais e melhorar a condição de vida de um povo sem a política, tamanha a sua relevância.
Falaremos do nascimento da política e o que motivou sua existência. Vamos trazer à tona a discussão sobre natureza e cultura, como bases de nossas necessidades psicossociais. Também abordaremos como as práticas políticas tornam-se objeto de interesse científico, com as ciências políticas.
Em nossa análise, ilustraremos as formas sociais, instituições, que construímos para alcançar o progresso. Passaremos, então, ao plano mais elaborado da engenharia política de congregação das necessidades e dos desejos, o Estado nacional. Com isso, não estamos afirmando sua excelência ou superioridade sobre outras alternativas de organização social, muito pelo contrário, esclarecemos suas mazelas e vícios, muito maiores que suas virtudes. 
Trataremos da política na escala internacional, ou seja, entre os Estados-nações, ressaltando o nível de operação dos agentes globais. 
Encerraremos nosso estudo acentuando os olhares dos clássicos do pensamento político, recorrendo aos temas tratados durante o livro-texto, porém com o crivo filosófico. Assuntos que terão destaque são: liberdade, organização, economia, sobrevivência, força, propriedade e convivência.
Unidade I
A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ 
A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles [possam] mover-se e respirar sem esforço nem artifício. O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal, mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem-se esforçando por tornar “artificial” a própria vida, por cortar o último laço que faz do próprio homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida em uma proveta, no desejo de misturar, “sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas comprovadamente capazes a fim de produzir seres humanos superiores” e “alterar(-lhes) o tamanho, a forma e a função”; e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida humana para além do limite dos cem anos. Esse homem futuro, que, segundo os cientistas, será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando) –, que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza e, portanto, não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais (ARENDT, 1981, p. 1-2). 
Falar sobre política nos leva a um dualismo (caráter antagônico, irreconciliável, das forças constitutivas). Foquemos essa dualidade: um lado representa os planos da ação efetiva, das práticas; o outro, os planos da crença e da teoria, das instituições.
Dito de outro modo, a política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas instituições, com regras e objetivos abstratos. 
Nossos pensadores clássicos da política tratam-na evidenciando a vida comum e as instituições. 
Mais adiante também o faremos, mais ou menos ao modo de Paulo Sérgio Peres (2008). 
O fenômeno político: poderes, política e ciência política 
Neste livro-texto, destacaremos a política como condição humana (tudo é ligado à diversidade de posições, divergências e convergências) e como dimensão social (uma via de realização social dos poderes). Vamos traçar duas perspectivas sobre a distribuição do poder, no âmago da relação indivíduo-sociedade, das escalas locais às internacionais.
Como encontrar a unidade, as conexões entre a política individual (interna), dos sujeitos privados, agentes em busca de realização social, e a política coletiva (externa), dos agregados de interesses, associações de agentes com interesses convergentes, ou não, reunidos pela democracia?
Política é, então, o exercício individual e coletivo do poder, está em toda parte, com regras, normas e contratos (direito e legalidade) e seus graus de legitimidade. O que há de bastante palpável na política é sua condição existencial e reflexiva, portanto, objeto teórico da filosofia e da ciência. 
Dahl (1988, p. 5-6) sugere que todo o conhecimento acumulado não é “panaceia para compreensão” e solução de questões políticas, pois algumas perguntas, desde as muito antigas ou clássicas até as mais contemporâneas, permanecem sem respostas. “Exigem novas perspectivas e problematizações e reflexões, baseando-se de modo crítico em Aristóteles, Weber e Lasswell”.
Como podemos ver em Dahl, 
Sobre esta questão, um importante ponto de partida (embora não inteiramente claro) é a obra de Aristóteles, Política, escrita entre 335 e 332 a.C. Na primeira parte da Política, Aristóteles argumenta contra os que alegam que todos os tipos de autoridade são idênticos. Procura distinguir a autoridade do líder político, em uma associação ou polis (cidade), de outros tipos de autoridade, tais como a exercida pelo senhor sobre o escravo, pelo marido sobre a esposa, pelos pais sobre os filhos.
Aristóteles admite, porém, que pelo menos um aspecto da associação política é a existência de autoridade, ou governo. Com efeito, Aristóteles define a polis, ou associação política, como “a associação mais soberana e inclusiva”. Para ele, a constituição é “a organização de uma polis, com respeito a seus órgãos, de modo geral, mas especialmente com referência àquele órgão particular, que é soberano em todos os assuntos”. 
Um dos critérios utilizados por Aristóteles para classificar as constituições é a determinação da parte do corpo coletivo em que se localiza a autoridade ou o governo.
Desde os tempos de Aristóteles, acreditava-se que uma relação política devia implicar de algum modo a autoridade, o governo ou o poder. Assim, por exemplo, um dos mais importantes sociólogos modernos, o alemão Max Weber (1864-1920), afirmou que uma associação devia ser consideradapolítica na medida em que “a implementação da sua ordem é levada a cabo continuamente, dentro de uma certa área, mediante a aplicação e a ameaça da força física por parte dos administradores”. Portanto, embora Weber tenha acentuado o aspecto territorial da associação política, do mesmo modo como Aristóteles, ele especificou que uma relação de autoridade ou de governo constituía uma das suas características essenciais.
Para dar um último exemplo, um importante cientista político contemporâneo, Harold Lasswell, define a ciência política, enquanto disciplina empírica, como “o estudo da formação do poder e da participação do poder”, afirmando que um “ato político” é uma ação executada “em uma perspectiva de poder” (DAHL, 1988, p. 4).
O autor reconhece as bases teóricas que vêm da Antiguidade grega, assim como os nomes consagrados do pensamento sobre política. Nessa linha, seleciona os citados representantes (três) de diferentes períodos, afirmando que, “indubitavelmente, tudo que Aristóteles e Weber chamariam de ‘político’ seria ‘político’ também para Lasswell”, mas este estenderia a abrangência da sua definição de modo a “incluir algumas coisas que Weber e Aristóteles deixariam de fora: uma empresa e um sindicato, por exemplo, teriam aspectos ‘políticos’” (DAHL, 1988, p. 4).
O trabalho de Dahl é um clássico. Se, por um lado, como dissemos, ele relativiza a importância da reflexão clássica, por outro, corrobora a expansão do conceito de política ao conceituá-la como sistema político: “Vamos definir, portanto, um sistema político, audaciosamente, como qualquer estrutura persistente de relações humanas que envolva controle, influência, poder ou autoridade, em medida significativa” (DAHL, 1988, p. 13-14).
Zygmunt Bauman, na obra Em Busca da Política, expõe o absurdo da vida social baseada em crenças contraditórias. 
As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que costumam ter crédito hoje – nossas crenças – não são exceção. Com efeito, achamos que a questão da liberdade, por exemplo, pelo menos na “nossa parte” do mundo, está concluída e (descontando correções menores aqui e acolá) resolvida da melhor maneira possível. De qualquer forma, não sentimos necessidade (de novo, salvo irritações menores e fortuitas) de ir para as ruas protestar e exigir maior liberdade do que já temos ou achamos ter. Mas, por outro lado, tendemos a crer com a mesma convicção que pouco podemos mudar – sozinhos, em grupo ou todos juntos – na maneira pela qual as coisas ocorrem ou são produzidas no mundo. Acreditamos também que, se pudéssemos mudar alguma coisa, seria inútil e até irracional pensar em um mundo diferente do que existe e aplicar os músculos em fazê-lo surgir por acharmos que é melhor do que este aqui. Como cultivar essas duas crenças ao mesmo tempo é um mistério para qualquer pessoa treinada no raciocínio lógico. Se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo? E que liberdade é essa que desestimula a imaginação e tolera a impotência das pessoas livres em questões que dizem respeito a todos? 
As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia lógica. Nem uma nem outra é, de forma alguma, fantasiosa. Nossa experiência comum tem mais do que o suficiente para sustentar cada uma delas. Somos bem realistas e racionais ao acreditar no que acreditamos. Por isso, é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios. E é importante saber também como podemos viver com essa contradição; e, sobretudo, por que a maior parte do tempo não a notamos e, quando o fazemos, não ficamos particularmente preocupados (BAUMAN, 2000, p. 10).
O filósofo polonês afirma que estamos sem pontes e sem lugares prontos para empreender os desafios de reanimação da política, identificando os impasses.
O aumento da liberdade individual pode coincidir com o aumento da impotência coletiva na medida em que as pontes entre a vida pública e a privada são destruídas ou, para começar, nem foram construídas; ou, colocando de outra forma, uma vez que não há uma maneira óbvia e fácil de traduzir preocupações pessoais em questões públicas e, inversamente, de discernir e apontar o que é público nos problemas privados. Em nosso tipo de sociedade, as pontes estão de modo geral ausentes e a arte da tradução raramente é praticada em público. 
Enquanto a arte da tradução se encontra no atual e lamentável estágio, as únicas queixas ventiladas em público são um punhado de agonias e ansiedades pessoais que, no entanto, não se [tornam] questões públicas apenas por estarem em exibição pública (BAUMAN, 2000, p. 10-11).
Concluindo seu raciocínio, destaca: “À falta de pontes firmes e permanentes e com as habilidades de tradução não praticadas ou completamente esquecidas, os problemas e agruras pessoais não se transformam e dificilmente se condensam em causas comuns” (BAUMAN, 2000, p. 11).
Para Bauman (2000, p. 11), vivemos em um tempo de política esvaziada. Com “pessoas que se sentem inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade, [elas] não podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. E continua: 
As instituições políticas existentes, criadas para ajudá-las a combater a insegurança, são de pouca ajuda. Em um mundo que se globaliza rapidamente, em que grande parte do poder – a parte mais importante – foi retirada da política, essas instituições não podem fazer muito para fornecer segurança ou garantias. O que podem fazer e o que fazem o mais das vezes é deslocar a ansiedade difusa e dispersa para um único elemento de Unsicherheit – o da segurança, único campo em que algo pode ser feito e visto. O problema, porém, é que se fazer algo efetivamente para curar ou ao menos mitigar a inquietude e incerteza exige ação unificada, a maioria das medidas empreendidas sob a bandeira da segurança são divisórias, semeiam a desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar inimigos e conspiradores por trás de toda discordância e divergência, tornando, por fim, ainda mais solitários os que se isolam. O pior de tudo: se tais medidas nem chegam perto da verdadeira fonte da ansiedade, desgastam toda a energia que essas fontes geram, energia que poderia ser utilizada de modo muito mais efetivo se canalizada para o esforço de trazer o poder de volta ao espaço público politicamente administrado (BAUMAN, 2000, p. 11).
 Observação
Unsicherheit, para Zygmunt Bauman (2000, p. 11), é uma palavra poderosa e um sinal dos tempos. Diz o seguinte: “o mais sinistro e doloroso dos problemas contemporâneos pode ser mais bem entendido sob a rubrica Unsicherheit, termo alemão que funde experiências para as quais outras línguas podem exigir mais palavras – incerteza, insegurança e falta de garantia”.
Para ele, “o verdadeiro poder ficará à distância segura da política e a política permanecerá impotente para fazer o que se espera da política”. Seu projeto de resgate da política afirma, explicitamente, que esta deve “exigir de toda e qualquer forma de união humana que se justifique em termos de liberdade humana para pensar e agir, e pedir que deixe o palco caso se recuse ou não consiga fazê-lo” (BAUMAN, 2000, p. 11-14).
A busca de Zygmunt Bauman é a de uma ágora possível, de um espaço público de qualidade, com “o poder de volta ao espaço público politicamente administrado”. Para ele, o poder foi retirado da política. Diz que isso implica um corte entre a imanência do poder republicano e seu plano institucional, abstrato. Acentua que há um declínio do questionamento, que devemos pensar em liberdades individuais e coletivas, debatendo o assunto. 
Nesse contexto, Bauman traz à tona duas questões:
· Qual é a relação entre globalização capitalista, esvaziamento da política (com a retirada do poder), incerteza, insegurança e falta de garantias?
— Unsicherheit.
· Qual é o seu projeto de sociedade?
— Pontes! Assevera que elassão necessárias para refazer os caminhos cortados. 
A política no plano existencial, em seu sentido mais concreto, das relações sociais cotidianas, é o que ocupa Bauman. Põe-se de frente com o descrédito generalizado com a política, o fazer político institucionalizado, embora também enxergue esperança na política (re)conquistada, ressignificada; daí, o título de seu livro – Em Busca da Política. 
Assim como o professor emérito Giannotti, Bauman vê a contradição como pedra de toque para a discussão, a reflexão. Seu ponto de partida é a constatação de crenças contraditórias perfazendo as tramas da modernidade: uma crença desmedida na liberdade; a outra, na impossibilidade de que essa liberdade sirva à mudança. O autor assume as dificuldades lógicas e ontológicas em lidar com essas perspectivas. 
 Observação
Bauman se refere a uma expectativa próxima daquela que um garoto tem de fazer 18 anos para emancipar-se, tornar-se independente. Retrata uma idealização de ruptura, de liberdade sem medidas. Normalmente, desmentida, insatisfeita. 
As estruturas sociais (horizontais e verticais), tomadas do ponto de vista histórico, são formas-conteúdo cujas dimensões vêm continuamente reelaborando e aprofundando laços pessoais e coletivos – desenraizando-se culturalmente – conforme sua organização política. A direção, a fisionomia e a territorialidade de um povo e/ou de uma nação dependem da configuração do poder, como bem acentua o geógrafo Paul Claval (1979), figura que estudaremos mais adiante. Ele é um dos grandes responsáveis por integrar as racionalidades antropológicas, etnológicas, geográficas, econômicas e políticas, encadeando fenômenos complexos de modo simples e didático, sem reducionismos.
 Lembrete
A política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas instituições, com regras e objetivos abstratos.
Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social
Poder alguma coisa é estar em condições de realizá-la. A análise do poder é, em um primeiro sentido, a análise da gama de ações que se sabe aplicar à modificação do meio, explorá-lo e dele retirar o que é necessário para a vida.
O poder não é apenas sobre poder fazer as coisas por si mesmo, é também fazer com que sejam realizadas por outros. Ao império direto sobre o mundo, acrescenta-se, assim, um império indireto, que é ao mesmo tempo um império sobre os outros (CLAVAL, 1979, p. 11-12). 
Os fatos do poder têm uma dimensão espacial que se relaciona com os elementos que eles incorporam. São fatos organizacionais que envolvem a mobilização de recursos físicos e dependem indiretamente da maneira como são explorados e utilizados pela sociedade; são fatos relacionados, cujo alcance varia muito com a quantidade de informação, cuja troca promove a legibilidade dos códigos adotados. A geometria das formas mais puras de poder, relação hierárquica absoluta e autoridade, é relativamente simples, porque coloca apenas um pequeno número de elementos. A geometria dos fatos de influência aparece como mais complexa e mais variável: a cada figura da dominação associa-se um tipo particular de configuração. É importante analisar esta geometria das formas básicas de poder (CLAVAL, 1979, p. 21).
Paul Claval (1979, p. 11) sublinha a todo momento que “a vida social está inscrita no espaço e no tempo”, lembra em toda a sua obra que “é feita de ação sobre o meio e interação entre os homens. Conecta pessoas que, para sobreviver, devem obter do meio ambiente a alimentação, a energia e as matérias-primas de que precisam”. 
Há unidade em sua concepção de vida social, pois o ambiental e o social transformam-se nas dimensões física, biológica e cultural do poder. E há ubiquidade da política, como quer e acerta Robert Dahl (CLAVAL, 1979, p. 13).
Paul Claval abriu as trilhas antropológicas e geográficas (estatuto do humano e de sua territorialidade diversa) da reflexão e espacialização do poder. Assim, a cultura, marca original de cada grupo, requer “comunicações que reduzem a viscosidade natural e a opacidade do espaço”, somente desse modo sendo mantida e reproduzida (1979, p. 11).
O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da evolução, produzindo toda a degradação ambiental a que estamos sujeitos, ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas relações pelo surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos: 
Vários níveis podem ser distinguidos: 
1) A situação mais simples é a do poder puro: a relação é perfeitamente dissimétrica, o que comanda não deve nada àqueles que ele dirige; ele pode usá-los como meios para alcançar os fins que ele estabeleceu para si mesmo; ele age dando ordens e executando-as sem hesitação. 
2) O exercício do poder é facilitado quando aqueles que a ele estão submetidos aceitam a situação como natural e reconhecem a legitimidade da autoridade. 
3) A dissimetria nem sempre é tão marcada como no poder puro e na autoridade; aparece nas relações em que cada qual dá e recebe, mas desigualmente: aí estamos lidando com jogos de influência. 
4) Finalmente, há casos em que o desequilíbrio não é percebido pelos atores do relacionamento: a liberdade de alguns é reduzida sem que se apercebam; então, falamos sobre o efeito da dominação inconsciente (CLAVAL, 1979, p. 12).
Para o autor, as dificuldades em pesquisar e estudar as questões diretamente ligadas ao poder dão-se porque assumem múltiplas formas: “para alcançar os mesmos resultados, as sociedades utilizam tipos de relação muito diferentes, o que explica a variedade de organizações espaciais dos grupos e a complexidade de sua arquitetura” (CLAVAL, 1979, p. 12). Ele diz que as raízes do poder estão nesse duplo eixo: submissão ecológica antropocêntrica (toda a natureza está à mercê dos interesses humanos) e sujeição de outros seres humanos (o que contraria as principais máximas éticas de igualdade).
Assim, o geógrafo destaca uma questão de ordem fundamental:
A igualdade de filósofos e moralistas é postulada: é o que qualquer indivíduo merece, qualquer que seja sua idade e suas forças, na medida em que seja, será ou estará na posse das capacidades que tornam a dignidade humana. Situações reais têm desigualdades de fato. O poder é a consequência: é muito natural, mesmo que vá contra as aspirações idealistas (CLAVAL, 1979, p. 12).
Ele passa a enumerar os casos gerais com a finalidade de exemplificar e apontar um panorama de relações comuns de poder, no seio da vida humana.
a) A criança chega em um estado de dependência absoluta. Ela tem habilidades, mas estas não se desenvolvem automaticamente. Potencialidades exigem, para se revelar, estímulos fornecidos pelo ambiente material e social. Sem relações com o mundo e com os outros, a aculturação seria impossível: os modelos que permitem entender o que está acontecendo e se preparar para as escolhas são feitos pela sociedade, em particular a sociedade próxima dos pais, o grupo primário (CLAVAL, 1979, p. 12).
O autor detalha o modo como essas relações ocorrem:
A criança vive muito fortemente sua dependência: ela precisa de proteção, amor e carinho para resistir ao ambiente que a rodeia e ameaça. Ela é, desde cedo, a experiência ambígua das relações de poder: ela constantemente se confronta com a vontade de seus pais em sua conquista do meio ambiente; este traz-lhe, no entanto, a segurança que lhe é necessária. A atitude resultante é composta de revoltas e submissão aceita porque expressa humilhação e alívio: é nesse sentido que Pierre Legendre fala do amor da censura que lhe parece caracterizar a nossa sociedade.
A relação de poder assume sua dimensão social através dos conflitos que a criança vive com seu pai. Seus impulsos profundos a transformam em direção a sua mãe, mas ela encontra em seu pai um rival com quem é invejável; ela aspira a eliminá-lo para permanecer mestre do que é mais caro para ela. O pai aparece como o intruso, o outro, o representante de uma ordem externa que é violenta, mas devemos aceitar se queremos entrar no jogo dos adultos e nos tornar adultos.
Fora do grupo primário, o poder tem outras raízes [além]das dificuldades da aculturação – mas tira proveito, quando se manifesta, dos reflexos ambíguos que a socialização criou para todos. 
b) O poder às vezes nasce do uso do constrangimento físico: a imposição da força obriga sua vontade. Enquanto somente podem confiar em seus músculos e sua determinação, sua ação rapidamente encontra um limite: aqueles que são dominados podem unir-se e libertar-se.
O poder também nasce da capacidade de alguns para influenciar aqueles que os atendem: ao serem atraentes, convincentes... Pressionando, eles aceitam seus pontos de vista, provocam dedicação, despertam anexos. Assim, vemos que nos grupos emergem líderes cuja autoridade é reconhecida pela maioria e que [eles] conseguem influenciar o comportamento de todos.
Que o poder assim tem raízes psicológicas individuais e coletivas é indubitável, mas, se não encontrasse outra justificativa, permaneceria tão limitado em suas manifestações que dificilmente mereceria ser estudado. Além disso, implementando uma multidão de relações opostas, seus efeitos quase se cancelariam. 
c) O poder é indispensável para a solução de um grande número de problemas. O ambiente resiste à iniciativa dos homens: quando estão isolados, algumas empresas lhes são proibidas. Para tirar o máximo partido do meio ambiente, as ações devem ser organizadas. No campo da vida de relação, é o mesmo: desde que não tenhamos certeza dos termos de uma troca, desde que não existam convenções para dar valor constante aos bens, os signos ou os seres que passam de um a outro, as questões são exaustivamente solucionadas uma a uma; cada transação pode avançar ou recuar na escala de prestígio de consideração e de influência; a preocupação igualitária dá-lhe um valor político: você não deve permitir que outros ganhem mais do que você ganha (CLAVAL, 1979, p. 12-13).
Claval (1979, p. 14) caracteriza o contrato social como “metáfora” ou “mito” fundador do pensamento sobre o social da modernidade. Assevera que “a aceitação de regras comuns facilita a vida social, libera o indivíduo da obsessão da má-fé: ele sabe que será tratado com justiça enquanto as convenções forem respeitadas pelas partes. Isso permite ampliar a esfera da vida de relação” (p. 128). Contrato social, fundado no movimento contratualista, ou ainda jusnaturalista, como um grande acordo que a todos envolve tanto nas obrigações quanto nos direitos, é fundamental ao raciocínio político, por isso será tratado de modo crítico em vários trechos do livro-texto.
A síntese de seu raciocínio deveria estar na base da reflexão, das ações e intervenções na realidade, pois Paul Claval, já em suas primeiras linhas, aponta a divisão entre os que insistem “nos mecanismos, nos automatismos, nas regulações inconscientes e benéficas” e os que, como ele próprio em seu livro, pretendem mostrar que “o jogo social nunca é inocente”, pois, “atrás das retroações que limitam aparentemente o poder dos indivíduos, desmascara-se a ideologia que oculta os mecanismos reais e leva a esquecer o peso desigual dos participantes e os que instituíram as regras sociais e com elas se beneficiam” (CLAVAL, 1979, p. 7).
A referida cisão está na base do pensamento moderno, separando a realidade, posta, de um lado, sob o foco de perspectivas naturalizantes que, no limite, instituem o funcionamento perfeito de sistemas (os referidos automatismos, mencionados por Claval) e, de outro, sob o foco de perspectivas de fundo político (que não deixam de ser filosóficas e/ou científicas). São visões de mundo diferentes por serem baseadas em equilíbrio ou conflitos; são determinantes das práticas sociais.
Paul Claval (1979), ao tratar o que chama de “geometria das formas elementares de poder”, apresenta os dois tipos básicos de relação de poder, o que se submete ao “poder puro” e o que se conforma à “autoridade”. 
· o poder puro: caracterizado pela ação da força no alcance dos objetivos de uns sobre os outros, o que também define a escala necessária ao estabelecimento das estruturas e dos instrumentos de aplicação; 
· a autoridade: de base ideológica e econômica, aceita, portanto, sob efeito de acordos quanto à delegação e representatividade, bem como de discursos indutores das ações.
Claval procura dar conta das espacializações do poder nas várias escalas, além de se debruçar sobre o que denomina “geometria das formas complexas de poder”, demonstrando como é erigida a trama social. Para tanto, aponta as relações:
· entre indivíduo e sociedade;
· sociais ou impessoais;
· societais ou customizados;
· societárias, pertinentes às instituições políticas.
A principal busca de Paul Claval, articuladora das demais, é pelas territorialidades (regiões mantidas, ocupadas) e territorializações (em processo de ocupação).
Os conceitos espaciais são fundamentais para a reflexão sobre a realidade e para nela interferir. Eles são vitais em razão da condição espacial de todos os seres e coisas. São eles: lugar, território, região e espaço geográfico. Eles têm papel crucial na lida com as estratégias dos agentes em exercício de seus poderes.
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A respeito dos conceitos elencados, recomendamos o texto de Werther Holzer:
HOLZER, W. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente. Território, ano lI, n. 3, p. 77-85, jul./dez. 1997.
 Lembrete
O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da evolução, produzindo toda a degradação ambiental a que estamos sujeitos, ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas relações pelo surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos.
Para Paul Claval (1979), estudioso da vida social, nossa sociedade indaga ansiosamente sobre o poder. Ele comenta obras que marcaram seu tempo em busca de esclarecimento das origens, formas e papéis do poder no mundo contemporâneo. Contudo, elas tratam, infelizmente, de agregados abstratos (índices estatísticos isolados, indicadores de atividade econômica, política, cultural), sem suas raízes ecológicas, sem os habitat, sem as distâncias a percorrer, sem dispersões a organizar, concebendo as entidades sociais como desprovidas de território, de modo “a-espacial”. É nessa frente que Paul Claval quer atuar, compreendendo as estruturas de “grandes grupos em grandes países”, garantindo “sua colaboração em tarefas de monitoramento e controle” dos recursos planetários. 
Há organizações hierárquicas emergentes, e Claval (1979) as chama de poder puro, designando-as como incapazes de criar a coesão indispensável às sociedades modernas. Também a questão da autoridade é trazida à reflexão, por fornecer a liga simbólica necessária a quaisquer projetos de expansão de grupos e sociedades. Todavia, Paul Claval adverte que o jogo de influências e o alargamento de domínios desencadeiam tensões que, o mais das vezes, confrontam-na. A autoridade, em meio aos sistemas de crença que lhe dão amparo e algum sentido, materializa-se (ou “espacializa-se”) no mundo como divisões em espaços, mais fechados e privativos que abertos. Entra em cena a discussão sobre a função do público, suas definições e expressões.
A autoridade desempenha uma atribuição geográfica elementar em nosso mundo. Na medida em que os sistemas de crença nos quais se baseia são questionados, toda a divisão do mundo em grandes espaços é colocada em xeque (se trouve en porte à faux).
Há uma discussão essencial sobre a vitalidade política e cultural dos espaços públicos, em especial com Jürgen Habermas, Richard Sennett, Roberto DaMatta e Nelson Saldanha. 
A relevância dos espaços públicos para o exercício social de construção histórica e simbólica do humano (sociabilidade, convivência, trocas em geral) é expressa tanto em atividades locais, como ganhar as ruas, em blocos de carnaval ou manifestações políticas, quanto em eventos regionais, nacionais e globais, como movimentos sociais de maior alcance por educação, saúde e políticas públicas. 
Quando escrevia Espaço e Poder, Paul Claval (1979) via uma retomada das questões de poder pelos pesquisadores, colocando em primeiro plano o papeldo poder, da dominação, da influência ou da autoridade. Contudo, segundo o autor, “insistia-se sobretudo nos mecanismos, nos automatismos, nas regulações inconscientes e benéficas”. 
O autor reitera continuamente a intenção de clarificar “o jogo social”, que “nunca é inocente”, o que se descobre analisando movimentos e estratégias históricas (determinantes, em diferentes graus) que interferem limitando, deslocando e neutralizando o poder de cada indivíduo. Daí a importância dos estudos territoriais dos processos sociais no desmascaramento das racionalidades e ideologias que ocultam as intenções reais dos agentes promotores da dinâmica institucional (os que instituíram as regras sociais e com elas se beneficiam), fazendo-nos esquecer o peso político desigual entre estes e os participantes comuns. O problema maior é que se comuns são alguns, não há comunicação que unifique. Então, surge a questão: como ser povo além da artificialidade de nação?
Para ele: 
O poder surge, assim, como um elemento de explicação indispensável, que é, porém, mais invocado do que analisado: denunciam-se os modelos clássicos de equilíbrio para ressaltar a existência de conflitos e tensões onde antes não se viam a harmonia e o entendimento. Na massa considerável das publicações que dão destaque ao papel dos fatos da dominação, é surpreendente constatar a pobreza das reflexões sobre a natureza do poder, a diversidade de suas manifestações e seu lugar no conjunto da arquitetura social (CLAVAL, 1979, p. 7).
Uma constante de seu raciocínio é o interesse pelos “aspectos concretos da vida social, pela articulação espacial dos grupos, pelas redes que os unem, pelas fronteiras que os separam, pelos domínios por onde se estendem” (CLAVAL, 1979, p. 7-8).
O geógrafo francês aponta a satisfação corrente no meio acadêmico com respostas superficiais do tipo: “uma coletividade, uma classe ou um indivíduo são capazes de impor sua vontade aos outros”. 
Então, ele diz: tudo fica explicado? Apenas aparentemente, segundo ele, porque 
Seria esquecer a influência da distância e da extensão: dependendo de como um homem age sobre os outros, impondo-lhes sua vontade pela força, ou levando-os a aceitar a autoridade de que está investido, ou jogando com seus dons e a simpatia que sabe criar à sua volta, ou tirando partido de sua posição econômica, de sua situação geográfica ou de sua aptidão para inventar novas soluções e fazer com que sejam adotadas, os limites espaciais de sua influência variam. Em certos casos, nada retém os impulsos que partem dele; em outros, sua dominação se detém quase que imediatamente. As sociedades são modeladas pelo alcance das relações assimétricas: algumas são necessariamente curtas; outras unem, sem nada perder de sua eficácia, os pontos mais distantes (CLAVAL, 1979, p. 8).
Um tema, mais especificamente uma via de interpretação dos avanços nos estudos do poder, diz respeito à identificação das modernizações de TI: 
A cibernética e a teoria dos sistemas revolucionaram a pesquisa em ciência política, ressaltando a análise das redes de relação e dos circuitos de informação: o modelo de autorregulação ou de sujeição recém-explorado no domínio das ciências aplicadas não definia um tipo de organização que operava em qualquer corpo político? (CLAVAL, 1979, p. 8-9).
Tais estudos impulsionaram as modelizações e quantificações de uma vertente das ciências políticas, mas não muito exitosa. Para Paul Claval (1979, p. 9), Michel Foucault foi o grande responsável pelos avanços das ideias nesse campo, evidenciando as “técnicas de controle e de vigilância, fazendo-se historiador minucioso do grande ‘encarceramento’ da época clássica e, depois, dos procedimentos penitenciários”, explorando os meios de o todo social coagir moral e fisicamente seus membros, “exercendo em relação a eles uma inquisição mais ou menos permanente. Assim, o poder que ele analisa não é, simplesmente, negativo: é repressão, certamente, mas também inovação, instituição de ordem nova” (CLAVAL, 1979, p. 9).
O autor associa os estudos de Foucault a certas pesquisas realizadas em outros países, nos Estados Unidos, particularmente, onde os teóricos das organizações fizeram progredir um pouco, nas mesmas linhas, a teoria do exercício do poder. Ao mencionar o trabalho de Robert Dahl, diz que ele superou as teses sobre a origem da riqueza, mostrando também os “limites das generalizações de Floyd Hunter, de Wright Mills e, em uma geração anterior, de Robert Lynd” (CLAVAL, 1979, p. 9).
A teoria das organizações, em suas vertentes experimental ou especulativa, envereda tanto por caminhos pouco conhecidos quanto por outros pouco ou nada evidentes, em busca da gênese e lógica de agrupamentos sociais, sendo preciosa nessa empreitada, pois, ao basear-se em estudos etnográficos, arqueológicos, historiográficos, geográficos, de história da economia, entre outros, concorre para restaurar a compreensão complexa.
Claval acentua o seguinte: 
Interessamo-nos pela sua faceta mais importante para compreender a arquitetura espacial das sociedades e para apreender o jogo das assimetrias que ao mesmo tempo limita e garante o exercício da liberdade. A grande lição dos fatos do poder é que não há, no espaço, liberdade sem um mínimo de organização, que essa organização é uma ameaça para cada pessoa e restringe a autonomia das escolhas: as alienações da humanidade moderna têm sua origem no desenvolvimento de dominações indispensáveis à formação de áreas de grande circulação e de livre deslocamento (CLAVAL, 1979, p. 10).
Para Paul Claval, 
A autoridade apresentou menos atrativos aos pesquisadores contemporâneos: eles só a abordam sob um aspecto, de tal maneira lhes parece difícil justificá-la no âmbito de uma sociologia ou de uma “politicologia” racionais. Os historiadores e os juristas não sofrem do mesmo constrangimento: não são teóricos da adequação perfeita dos meios aos fins, mas constatam a existência de autoridades reconhecidas como legítimas pelos que estão a ela sujeitos; entre eles, Jean Gottmann encontrou o essencial da inspiração de sua grande obra sobre o território – uma das que mais contribuíram para o conhecimento racional das relações entre o poder e o espaço (CLAVAL, 1979, p. 9).
O pesquisador francês segue a exposição sobre política mencionando o papel fundamental de Max Weber na definição do ponto de partida da análise moderna ao estabelecer as categorias poder, autoridade, dominação ou influência.
“Na medida em que a autoridade e o poder variam em função das doutrinas daqueles que os exercem ou sofrem, a contribuição da reflexão normativa, desde Hobbes, Locke ou Rousseau, integrou-se, mas sob uma forma nova, à teoria contemporânea dos aspectos espaciais do poder” (CLAVAL, 1979, p. 9).
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Recomendamos os textos de Viviane Forrester e de Jacques Généreux sobre os horrores da economia e da política. Généreux dialoga com as teses de Forrester.
FORRESTER, V. Horror econômico. São Paulo: Unesp, 1997.
GÉNÉREUX, J. O horror político. São Paulo: Bertrand, 1999.
Paul Claval enumera as relações intrínsecas entre a sociedade e o poder. Diz que as diferenças que nos caracterizam não podem ser confundidas com desigualdades! Nessa conjuntura, é vital destacarmos um trecho sobre o assunto, feito pelo doutor em geografia Gilvan Charles Cerqueira de Araújo.
 Notas sobre as relações de poder e o território
[...]
1. Sobre o poder
Inevitavelmente, a fundamentação dessas características territoriais perpassa pelo conceito de poder, por isso [são] necessárias algumas concepções de poder e suas fontes de emanação para com o território. Nessa relação do poder com o território é que inicialmente a concepção de poder se torna importante e, após esse passo, leva o conceito para suas zonas de uso corrente e também mais complexas, como o Estado, os governos e as classes sociais.
Dos principais autores que tratam da problemática do poder, faremos uso de um concentrado conjunto de propostas, contando com uma pequena genealogia do conceito feita por Lebrun (1981); o poder discursivo e a maneirapela qual o poder ora foi tratado em sua proximidade com a economia, ora em relação à ciência jurídica, e como superar essa dicotomia de Michel Foucault (1979); a figuração do poder e suas formas extremadas nos conflitos sociais e sua relação com o uso da violência, em Hannah Arendt (1994); as interpretações políticas do poder em seu formato vertical de ação ao longo da história dos Estados e suas formas de governo, em Burdeau (2005) e Dallari (1976).
Gérard Lebrun (1981) faz um retorno histórico do poder. Basicamente, o autor elabora uma dialética epistemológica entre a concepção clássica de poder dominador e coercitivo, historicamente ligado à ideia de Estado, e também busca e reflete sobre a crítica às teorias anglo-saxônicas do poder enquanto “soma zero” – uma herança da teoria dos jogos, na qual em algum momento, para cada dominado, haverá um dominante e vice-versa, fechando o sistema em si. Nesse sentido é que o autor nos apresenta a definição da ideia de poder, aproximando-se do poder enquanto manifestação de forças:
Em suma, o poder não é um ser, “alguma coisa que se adquire, se toma ou se divide, algo que se deixa escapar”. É o nome atribuído a um conjunto de relações que formigam por toda parte na espessura do corpo social (poder pedagógico, pátrio poder, poder do policial, poder do contramestre, poder do psicanalista, poder do padre etc.) (LEBRUN, 1981, p. 8).
Durante toda sua exposição, Lebrun (1981) valoriza o importante papel dos teóricos renascentistas e modernos em suas elucubrações a respeito do Estado. Em uma tentativa de aliar as teorias clássicas de poder central do soberano ao poder multifacetado e diluído dos contemporâneos, o autor propõe a transferência da dominação pela manipulação estatal, vistas nos dias de hoje pela aliança simbiótica entre liberalismo e regimes democráticos de governo. Portanto, para o autor, “o Estado moderno é menos abertamente dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a desobediência do que em preveni-la. É feito menos para punir do que para disciplinar” (LEBRUN, 1981, p. 33).
Segundo Foucault (1979), há uma diferenciação das forças existente entre os indivíduos de uma sociedade. Isso quer dizer que o poder não está localizado apenas em uma direção, localidade ou organismo, como os Estados, escolas e prisões, mas sim em todas as trocas de experiência dos sujeitos. 
A crítica do filósofo francês é pautada em duas extremidades de contrariedade em relação às concepções históricas de poder. Por um lado, temos, como Lebrun (1981) ressalta, a tradição do poder estatal na figura do soberano, por outro, a corrente marxista de alinhamento do poder com as forças produtivas no desenrolar da história pelas sociedades. Nas palavras de Foucault, temos a seguinte situação entre esses dois extremos:
No caso da teoria jurídica clássica, o poder é considerado como um direito de que se seria possuidor como de um bem e que se poderia, por conseguinte, transferir ou alienar, total ou parcialmente, por um ato jurídico ou um ato fundador de direito, que seria da ordem da cessão ou do contrato. O poder é o poder concreto que cada indivíduo detém e que cederia, total ou parcialmente, para constituir um poder político, uma soberania política. Nesse conjunto teórico a que me refiro, a constituição do poder político se faz segundo o modelo de uma operação jurídica que seria da ordem da troca contratual. [...] No outro caso – concepção marxista geral de outra coisa, da funcionalidade econômica do poder. Funcionalidade econômica no sentido de que o poder teria essencialmente como papel manter relações de produção e reproduzir uma dominação de classe que o desenvolvimento e uma modalidade própria da apropriação das forças produtivas tornaram possível. O poder político teria nesse caso encontrado na economia sua razão de ser histórica (FOUCAULT, 1979, p. 174-175).
O viés econômico que permeia a história é inegável, mas o importante é não deixar para trás o substrato que tanto as instituições quanto os interesses econômicos fundamentam, ou seja, a repressão, a dominação e a manipulação não só dos soberanos, mas também de todos que por alguma contingência específica estiverem exercendo o domínio sob outro indivíduo ou comunidade: “o poder é essencialmente repressivo. O poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, isto não é uma novidade” (FOUCAULT, 1979, p. 175).
Não há por que negar a mobilidade escalar do poder, indo dos mais colossais aparelhos estatais de controle até os comandos imperativos vociferados por coronéis ou burocratas em vilas e comunidades isoladas. Assim, conseguimos extrair o caráter “essencialista” do poder, colocando-o como forças em processos contraditórios de manifestação:
A partir do momento em que tentamos escapar do esquema economicista para analisar o poder, encontramo-nos mediatamente na presença de duas hipóteses: por um lado, os mecanismos do poder seriam de tipo repressivo, ideia que chamarei por comodidade de hipótese de Reich; por outro lado, a base das relações de poder seria o confronto belicoso das forças, ideia que chamarei, também por comodidade, de hipótese de Nietzsche (FOUCAULT, 1979, p. 176).
Outra importante representante do pensamento político e filosófico contemporâneo, Hannah Arendt (1994) – apesar de haver concordância com o pensamento de Michel Foucault, a autora resgata a importância do poder coletivo, caso assim não fosse, a própria ideia de Estado perderia o seu fundamento[footnoteRef:1] –, aprofunda a questão do poder de repressão do Estado, por meio da validação legítima do uso da violência adquirida pela justificativa de consenso de nomeação do aparelho estatal como protetor da ordem social. [1: “O uso da força é um dos elementos da vida internacional. Nos Estados, o governo dispõe do monopólio legal do recurso à violência e o utiliza para tornar impossível o uso privado da coação física: a imagem normal da vida política é a de relação desenvolvida pacificamente pela negociação e a concessão, ou de regimes calmos, estabelecidos depois de breves choques, revoluções ou guerra civis: mesmo quando estas se prolongam, a luta armada surge como um elemento anormal contra a natureza” (BURDEAU, 2005, p. 203).] 
E nessa reflexão entre o poder, o jogo de forças e a validação da autoridade é que Arendt explora a violência como expressão máxima de visibilidade concreta do poder manifestado. No entanto, assim como há a necessidade dessa aceitação coletiva, a autora também reitera que devemos conceber o poder em seu formato impessoal, coletivo, multiverso para além do indivíduo:
O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está “no poder”, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome (ARENDT, 1994, p. 36).
O poder acaba por se enraizar das instituições para os seus representantes pessoais, e o instrumento de sua perduração diante da população subalterna será a mais clara possível, a violência: “[...] Os que vivem sob um déspota não tem nenhum interesse pessoal em obedecer às injunções que lhe são feitas ou respeitar as proibições que vêm limitar sua liberdade. Se o senhor não pudesse recorrer à força física, ninguém se curvaria às suas ordens” (CLAVAL, 1979, p. 23).
Por essa razão, as punições aos dissidentes à ordem dominante serão avassaladoras e inegociáveis; assim o foram com os revoltosos na Bahia, no Maranhão, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro e, mais do que punir, o objetivo principal era utilizar este símbolo do mando do poder como exemplificação para as outras pessoas, a favor ou não de algum tipo de posicionamento contrário aos comandos do rei.
Em concordância tanto com Foucault como com Arendt, Georges Burdeau (2005) diz que o poder é o encontro desigual de forças. A manifestação dessa desigualdade gerará avisibilidade do poder enquanto diminuição ou sobrepujamento dos dominados diante do comando e ordens de quem domina [...] “todo o problema do Poder se deve a essa dualidade dos elementos que o constituem e se influenciam reciprocamente: a vontade de um chefe e o poder de uma ideia que, a um só tempo, o sustenta e o supera” (BURDEAU, 2005, p. 6).
Além de Burdeau (2005), haverá outros autores que reafirmarão a importância do poder em grande magnitude, o poder do Estado. Essa concepção clássica, apesar de termos demonstrado a opinião dos autores em ultrapassá-la, ainda é recorrente nos estudos jurídicos e políticos. Por isso, assim como Lebrun (1981) lembra-nos da importância do poder estatal, é Dallari (1976, p. 40) que apresenta algumas diretrizes quando o interesse for discutir o Estado e suas maneiras de uso e manifestação do poder:
a) O poder, reconhecido como necessário, quer também o reconhecimento de sua legitimidade, o que se obtém mediante o consentimento dos que a ele se submetem. 
b) Embora o poder não chegue a ser puramente jurídico, ele age concomitantemente com o direito, buscando uma coincidência entre os objetivos de ambos.
c) Há um processo de objetivação, que dá precedência à vontade objetiva dos governados ou da lei, desaparecendo a característica de poder pessoal.
d) Atendendo a uma aspiração à racionalização, desenvolveu-se uma técnica do poder, que o torna despersonalizado (poder do grupo, poder do sistema), ao mesmo tempo que busca meios sutis de atuação, colocando a coação como forma extrema.
Eis que chegamos então à questão central da qual nos propomos tratar, que é a relação entre o Estado e o território. Não apenas geógrafos voltados a assuntos ligados à política irão defender o estudo dessa relação. A negligência da geografia para com a política é lembrada por Foucault (1979) em sua afirmação do protagonismo do espaço e dos geógrafos. 
E também mais enfaticamente temos Burdeau (2005, p. 15) defendendo a retomada dos estudos históricos sobre o Estado e o território, pois, se o território “[...] é assim ligado à ideia do Estado, ele exige, para que a ideia não se desagregue, que o Estado se empenhe em aprimorar as relações entre os indivíduos e seu contexto geográfico”. Por essas razões, os geógrafos possuem lugar cativo no aprofundamento de estudos a respeito dessa relação, por seu arcabouço teórico e fundamentação conceitual:
As dimensões espaciais dos fatos do poder foram negligenciadas. A geografia política voltou-se prematuramente para a análise do Estado e não soube dissecar as engrenagens dos governos e sua articulação sobre a sociedade civil. A parte de influência, autoridade e poder que existe na sociedade civil à margem das estruturas propriamente políticas foi esquecida pela maioria dos sociólogos e economistas e exagerada pelos marxistas que negaram a importância do Estado, elemento da superestrutura, tratado com um desprezo um pouco altaneiro. Uma visão justa dos problemas implica que a extensão e a distância sejam levadas em conta em toda interpretação dos elementos sociais, e que seja concedido um lugar às assimetrias das arquiteturas sociais (BURDEAU, 2005, p. 215).
O que autor está afirmando nada mais é que a preocupação em unir esferas complementares, em uma análise que se volte para elementos como sociedade civil, território, instituições estatais, história cultural, características econômicas (e observemos que ele critica o economicismo da história, assim como Foucault), e a revalidação da importância da superestrutura. Em suma, para se falar de indivíduo e sociedade, há de se ter em mente que entre a terra e o homem há muito mais que instintos, valoração monetária e fins de uso imediato.
O poder e suas relações na sociedade possuem diferentes faces de manifestação, a depender da situação em que ele está sendo analisado, por isso há, como afirma Foucault, ora a tendência econômica, ora a histórica ou cultural.
E justamente por se tratar de uma conceituação de primeira grandeza nas ciências sociais é que o poder terá na geografia um lugar cativo, relacionado a estudos específicos no que tange à sua expressão espacial. E nesse sentido nos voltamos agora à maneira pela qual o poder passa a ser estudado na ciência geográfica, ou seja, por meio de seu potencial político, econômico e cultural.
2. Poder e espaço geográfico, as faces do território
[...]
Pode-se, nesse momento, propor um aprofundamento em relação a esse importante e imprescindível conceito-chave do pensamento geográfico que é o território. Vejamos o que diz Marcos Saquet (2007, p. 142) sobre o território, apresentando-nos uma definição ampla e contundente sobre esse conceito:
O homem age no território, espaço (natural e social) de seu habitar, produzir, viver objetiva e subjetivamente. O território é um espaço natural, social e historicamente organizado e produzido, e a paisagem é o nível do visível e percebido desse processo. O território é chão, formas espaciais, relações sociais, e tem significados; produto de ações históricas (longa duração) que se concretizam em momentos distintos e superpostos, gerando diferentes paisagens. Há, no território: identidade e/ou enraizamento e conexões nos níveis nacional e internacional; heterogeneidade e unidade; natureza e sociedade; um processo histórico com definições territoriais específicas para cada organização social e o aparente, que corresponde à paisagem. 
Reincidentemente, com a premissa espacial, o próprio Raffestin (1993) nos conecta diretamente com o que foi exposto anteriormente sobre as relações de poder, mas nesse caso essas relações são observadas e analisadas em sua expressão espacial, ou melhor, geograficamente. Para o autor:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço. [...] O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia, [seja] informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
E por meio dessa citação voltamos à situação, ou seja, a ação do poder em um determinado lugar (sítio), configurando assim o que outros autores chamarão da presença política e da própria política no espaço geográfico, que acabou por se tornar ao longo dos anos um dos ramos mais profícuos de estudos pela geografia.
Na confluência da presença das relações de poder no espaço geográfico com a potência material de análise desse posicionamento é que o território se fortalece epistemologicamente. Em suma, é pelo território que a materialidade da realidade objetiva se torna passível de análise teórica e metodológica pelo labor geográfico, pois nele se agregam a potência e a inerência material do mundo em que vivemos em conjunto com as relações sociais (de poder), formando múltiplos territórios e territorialidades.
E nesse entendimento do conceito de território consideram-se as facetas simbólica e subjetiva que compõem esses territórios, pois além do domínio, controle e posse da terra, há a filiação a essa área do espaço geográfico, que lhe dá uma significação própria, engendrando as territorialidades,[footnoteRef:2] que, somadas às relações de poder, aumentam consideravelmente o grau de importância que os territórios possuem para um indivíduo ou uma sociedade: “A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima” (SANTOS, 1996, p. 51). [2: “Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’” (HAESBAERT, 2004, p. 3).] 
[...].
Adaptado de: Araújo (2017, p. 24-32). 
Política no plano da existência
Nos capítulos iniciais de Éticaa Nicômaco, Aristóteles aplica o termo “política” a um assunto único – a ciência da felicidade humana – subdividido em duas partes: a primeira é a ética e a segunda é a política propriamente dita. A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e a vida de um homem [seria] o resultado do meio em que ele existe, das leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele pertence. Na zoologia de Aristóteles, o homem é classificado como um “animal social por natureza”, que desenvolve suas potencialidades na vida em sociedade, organizada adequadamente para seu bem-estar. A meta da “política” é descobrir primeiro a maneira de viver que leva à felicidade humana, e depois a forma de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. A primeira tarefa leva ao estudo do caráter (ethos), objeto da Ética a Nicômaco; a última conduz ao estudo da constituição da cidade-Estado, objeto da Política. Esta, portanto, é uma sequência da Ética, e é a segunda parte de um tratado único, embora seu título corresponda à totalidade do assunto. Aliás, já na geração anterior a Aristóteles, Platão, seu mestre, havia abrangido as duas partes do assunto em um só diálogo – A República.
No esquema global das ciências segundo Aristóteles, a “política” pertence ao grupo das ciências práticas, que buscam o conhecimento como um meio para a ação, em contraposição às ciências teóricas (a metafísica e a teologia, por exemplo), cujo conhecimento é um fim em si mesmo. As ciências práticas se subdividem, por sua vez, em conformidade com a sistemática dicotômica de Aristóteles, em dois grupos: as ciências “poiéticas” (ou seja, produtivas), que nos ensinam a produzir coisas, e as ciências no sentido mais estrito, que nos mostram como agir; as primeiras visam a algum produto ou resultado, enquanto a prática mesma do conhecimento adquirido é o próprio fim no caso das últimas. As primeiras incluem as profissões e os ofícios, e as últimas abrangem as chamadas “belas-artes” (a música e a dança, por exemplo), que são em si mesmas um fim.
A ciência prática por excelência é a “política”, isto é, a ciência do bem-estar e da felicidade dos homens como um todo; ela é prática no sentido mais amplo da palavra, pois estuda não somente o que é a felicidade (o assunto da Ética), mas também a maneira de obtê-la (o assunto da Política); ao mesmo tempo ela é prática no sentido mais estrito, pois leva à demonstração de que a felicidade não é o resultado de ações, mas é em si mesma uma certa maneira de agir (KURY, 1985, p. 7). 
A política nasce da diversidade e se encaminha em busca da felicidade, é uma premissa ao modo aristotélico e confirmado por Hannah Arendt. Então, fazemos política porque somos diferentes. Assim, se fôssemos idênticos, algo bastante chato, não haveria política. Política é o resultado de nossa condição humana, como bem afirma Hannah Arendt em seus livros A Condição Humana e O Que é Política?
Somos diferentes, logo fazemos política. Parece muito simples.
O excerto a seguir traz uma parte do raciocínio complexo de Hannah Arendt sobre a política nas escalas e circunstâncias individual e planetária: 
Essa contradição [entre a liberdade política e a vida] manifesta-se da maneira mais palpável porque sempre foi prerrogativa da política exigir, em certas circunstâncias, o sacrifício da vida dos homens que nela participam. Só que, é claro, essa exigência deve ser entendida no sentido de exigir-se do indivíduo que sacrifique sua vida para o processo de vida da sociedade; de fato, existe aqui uma relação que pelo menos impõe um limite para o risco de vida: ninguém pode ou deve arriscar sua vida se com isso colocar em perigo a vida da Humanidade. Ainda voltaremos a examinar essa relação, que como tal chegou à nossa consciência porque só agora dispomos da possibilidade de pôr um fim à vida da Humanidade e de toda a vida orgânica; na verdade, quase não existe uma categoria política e quase não existe um conceito político tradicional que, medido nessa mais jovem possibilidade, não se tenha demonstrado ultrapassado na teoria e inaplicável na prática e, na verdade, justamente porque, em certo sentido, o que está em jogo hoje, pela primeira vez, também na política externa, é a vida, ou seja, a sobrevivência da Humanidade.
Mas essa relação da própria liberdade com a sobrevivência da Humanidade não risca do mapa a oposição entre liberdade e vida, na qual se assentou toda a coisa política e que continua decisiva para todas as virtudes especificamente políticas. Até se poderia dizer, com muito direito, que é esse próprio fato, de que hoje o que está em jogo na política é a existência nua e crua de todos, o sinal mais evidente da calamidade em que nosso mundo caiu – calamidade que, entre outras coisas, consiste em a política ameaçar ser riscada da face da Terra. Pois o risco a ser corrido por aquele que lida na esfera política – na qual deve levar tudo a conselho, antes de sua vida – diz respeito não à vida da sociedade ou da nação ou do povo, para o qual ele sacrificaria sua vida; diz respeito muito mais à liberdade, tanto a própria como a do grupo ao qual o indivíduo pode pertencer, e com ela a segurança da existência do mundo no qual esse grupo ou esse povo vive, e que ela construiu no trabalho de gerações para encontrar um alojamento seguro e calculado a longo prazo para agir e conversar – quer dizer para as verdadeiras atividades políticas. Em circunstâncias normais, ou seja, nas circunstâncias que eram decisivas na Europa desde a Antiguidade romana, a guerra era de fato apenas a continuação da política por outros meios e isso significa que ela sempre podia ser evitada se um dos adversários decidisse aceitar as exigências do outro. Tal aceitação poderia custar a liberdade, mas não a vida.
Essas circunstâncias, como todos sabemos, hoje não existem mais; quando olhamos para trás, elas nos parecem uma espécie de paraíso perdido. Mas se o mundo em que vivemos agora também não deriva e nem se explica – de maneira causal ou no sentido de um processo automático – pelos tempos modernos, mesmo assim ele cresceu no solo desses tempos modernos. No que concerne à coisa política, isso significa que tanto a política interna para a qual o objetivo mais elevado era a própria vida como a política externa que se orientava pela liberdade como o bem mais elevado viam na força e no agir violento seu verdadeiro conteúdo (ARENDT, 2002, p. 30).
Um tema que lhe é muito caro, a preservação da vida, depreende da tensão entre os imperativos da política interna (ações que dependem do indivíduo) e as ameaças da política externa (relações que tomam o indivíduo), internacional.
Reafirmamos, em consonância com Zygmunt Bauman, aquilo que nos move neste livro-texto: a política somente é importante porque está na vida diária, no cotidiano de todos. Ela está em toda parte, em qualquer passo dado. Assim, precisamos levar esse conteúdo para a política profissional, institucionalizada.
O texto que destacaremos a seguir é da obra 10 Lições sobre Hannah Arendt (2012), de Luciano Oliveira.
Terceira lição
[...]
Quando Arendt se refere à política em um sentido positivo, está se referindo ao que foi a experiência da polis grega! Arendt, recordemos, foi aluna de Heidegger e deste guardou algo do seu método: “A volta dele aos filósofos gregos, sua luta com a etimologia mesma das palavras que eles utilizaram, para lhes recapturar a primeira e fresca apreensão da maravilha e terror do Ser”. Seguindo suas pegadas, Arendt repetidas vezes explicita a sua visão da política como estando baseada na experiência grega clássica. Em A Condição Humana, um capítulo sobre o que seria a essência da ação política se chama, exatamente, “A solução grega”. E mais tarde dirá:
Empregar o termo “político” no sentido da polis grega não é nem arbitrário nem descabido. Não é apenas etimologicamente e nem somente para os eruditos que o próprio termo, que em todas as línguas europeias ainda deriva da organização historicamente ímpar da cidade-Estado grega, evoca asexperiências da comunidade que pela primeira vez descobriu a essência e a esfera do político.
A resposta sobre o que seria tal essência, que ela exploraria mais sistematicamente no livro de 1958, já está no conjunto de manuscritos [...] em alemão que só em 1993 foram publicados na Alemanha, com o título Wast ist Politik?, e que Jerome Kohn publicou em uma versão inglesa com o título Introdução na política, preservando assim a ideia de introducere – “fazer entrar”. Foi na Grécia Antiga – mais exatamente em Atenas –, na época de seu maior esplendor, que ela, a política, apareceu, em um espaço um tanto simbólico que os gregos chamaram de polis. Ali, os homens livres e iguais – aqueles que estavam libertos das necessidades laborais da vida – compareciam e davam-se à experiência política por excelência, a ação, ou seja, o ato de vir a público e, em companhia de seus pares, iniciar com palavras e atos algo novo cujo resultado não podia ser conhecido de antemão.
Diferentemente do que pode parecer ao senso comum, que tradicionalmente vincula o “milagre grego” à época da imbatível tríade Sócrates-Platão-Aristóteles, a polis ateniense que Arendt tanto admira é anterior ao período que Platão inaugura. Citando-a: “A política como tal existiu tão raramente e em tão poucos lugares, que, falando historicamente, só umas poucas épocas extraordinárias a conheceram”. Na Grécia Antiga, essa “época extraordinária” já tinha passado quando emergiu o pensamento político grego que mais conhecemos, do qual Platão e Aristóteles são os nomes mais conhecidos. Mas o período inaugurado pelos diálogos socráticos já assinala a decadência da polis, e tal decadência, pelo menos no plano teórico, chega a ser debitada na conta de ninguém menos do que o próprio Platão – pelo seu esforço de “libertar o filósofo dos assuntos políticos”. Por que isso? Porque foi a polis ateniense que condenou Sócrates à morte! A explicação é dada pela própria Arendt:
O hiato entre a filosofia e a política se abriu historicamente com o julgamento e condenação de Sócrates, que na história do pensamento político é um momento crítico análogo ao julgamento e condenação de Jesus na história da religião. Nossa tradição de pensamento político começou quando a morte de Sócrates levou Platão a desesperar da vida da polis.
Viriam daí, de um lado, a hostilidade platônica ao reino das opiniões múltiplas e voláteis vigentes na polis, onde as decisões seriam fruto de um exercício permanente de discussão e persuasão, e, de outro, a valorização da figura do “rei-filósofo”, espécie de expert detentor de um saber acima da plebe e gozando de um privilégio sobre os cidadãos ordinários. Começava a decadência da política como o agir comum de cidadãos livres, daí em diante – em um processo que chegou ao paroxismo nos tempos modernos – reduzidos, quando muito, à condição de eleitores ocasionais. Confundem-se aqui processos históricos e culturais que incluem desde a decadência de Atenas e, posteriormente, da República romana, até a desvalorização da “esfera política” promovida pelo cristianismo, ao assimilá-la “ao mundo terrestre da concupiscência”.
Assim, Platão carrega a responsabilidade de ter substituído a práxis da persuasão pela ideia de dominação na ordem do político. O movimento atinge sua culminância, no alvorecer da Modernidade, com o pensamento de Hobbes, que estabelece uma equivalência significativa entre o exercício do poder e o emprego da força bruta. Tal concepção tinha se tornado natural às vésperas do século XX, estando presente em pensadores tão diferentes quanto Marx ou Weber, autor da célebre definição do poder como o monopólio do exercício da violência: 
É nesse contexto que nasce a ideia de que a política é uma necessidade, de que a política em sentido amplo é apenas um meio para se alcançarem fins mais elevados situados fora dela e de que ela deve, portanto, justificar-se em termos desses fins.
Em suma, um mal necessário. A conexão entre essa “volta aos gregos” e a crítica a Marx se aclara quando se considera que a participação na polis nada tinha a ver com finalidades práticas como a satisfação das necessidades, assunto doméstico por definição. Ou seja, enquanto Arendt, na esteira dos gregos, vê na política a mais nobre atividade humana, Marx a vê como um estorvo do qual convém um dia se livrar. Entendamo-nos: Marx é, como Arendt, um libertário. Afinal, o que quer a revolução tão esperada por ele senão libertar o homem do império da necessidade? Mas é aqui, justamente, que as coisas se complicam. Lembremos que o grego que tinha assento na polis era um homem liberto das necessidades materiais da existência, e, portanto, livre para discutir e deliberar com seus pares, igualmente libertos. Havia o mundo privado da casa, no qual tais necessidades eram satisfeitas à base da dominação sobre as mulheres e os escravos, e no qual não havia que se falar em deliberação, e havia a “esfera pública”, na qual não havia dominação, mas igualdade. Entre uma coisa e outra, nada. Não havia o que Arendt vai chamar de “sociedade” ou de “o social”. Por uma série de razões que não vem ao caso abordar – até pela imensidão do assunto –, posteriormente ao declínio da polis ocorreu um fenômeno que adquirirá uma importância cada vez maior e que Arendt assim descreve: “A esfera da vida e de suas necessidades práticas, que na Antiguidade como na Idade Média fora considerada a esfera privada por excelência, ganhou uma nova dignidade e adentrou a arena pública em forma de sociedade”. 
Estamos aqui diante de um fenômeno que nos é inteiramente familiar: uma concepção de política “na qual o Estado é visto como uma função da sociedade”, algo como “um mal necessário em prol da liberdade social”, prevalecente no mundo moderno. É aqui onde se introduz a crítica a Marx, que se alguma finalidade vê na política é justamente a de pôr-se a serviço dessas necessidades, evidentemente para superá-las, e, com isso, decretando seu próprio fim, por ter se tornado supérflua.
Marx, para Arendt, atribuíra ao trabalho uma importância suprema na vida humana [...].
Fonte: Oliveira (2012, p. 19-21). 
Hannah Arendt e Zygmunt Bauman são fundamentais nesse assunto, pois ambos procuram a vida nos conceitos, em seu conteúdo social. Vão além do exercício teórico, seus trabalhos são exercícios políticos. 
Nesse ponto do texto, enfatiza-se a face mais elementar, mais básica da política, aquela do nosso dia a dia. Quando queremos ou precisamos seguir uma direção, trilhar um caminho, trata-se de ação política, conforme acentua Arendt, citada por Lincoln de Abreu Penna em sua resenha sobre a autora: 
[...] Hannah não pretendia escrever um trabalho acadêmico clássico, uma ciência política convencional. Desejava ocupar-se de uma outra dimensão da política, aquela na qual ela se revela por inteiro, isto é, a política que tem a ver com as condições básicas da existência humana. É esta introdução que se propôs a examinar.
Partindo da premissa segundo a qual o sentido da política é a liberdade, Hannah Arendt sugere que comecemos a recuperar o seu sentido original, pois a história do século XX é a história, se não de sua supressão, pelo menos de sua obstrução. A frequência de guerras e revoluções nesse século “têm em comum entre si o fato de serem símbolos da força“, tornando o convívio com a liberdade mais uma utopia do que uma conquista real e construtiva (PENNA, [s.d.]).
Arendt destaca temas como pluralidade, diálogo e negociação: 
“A política”, diz ela, “baseia-se na pluralidade dos homens”. Em seguida, acrescenta, “política trata da convivência entre diferentes”. Assim, se a pluralidade implica coexistência de diferenças, a igualdade a ser alcançada através desse exercício de interesses, quase sempre conflitantes, é a liberdade, e não a justiça, pois é aquela, a liberdade, que distingue “o convívio dos homens na polis de todas as outras formas de convívio humano que eram bem conhecidas dos gregos” (PENNA, [s.d.]).
E o autor continua:
[...] na política, temos de diferenciar entre objetivo, meta e sentido. 
[...] A esses três

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