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1 Coordenação de Ensino FAMART www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 2 EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 3 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação SUMÁRIO Epidemiologia do envelhecimento ..................................................................................................................... 5 Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento ....................................................................................................................................................... 13 Epidemiologia: definição e objetivos ............................................................................................................... 16 Tipos de estudos epidemiológicos ................................................................................................................... 17 Estudos descritivos ................................................................................................................................................ 17 Estudos analíticos ................................................................................................................................................... 22 Estudos ecológicos ................................................................................................................................................ 23 Estudos seccionais................................................................................................................................................. 24 Estudos caso-controle .......................................................................................................................................... 27 Estudos de coorte ................................................................................................................................................... 29 Vieses e variáveis de confusão ......................................................................................................................... 34 O envelhecimento no Brasil: aspectos epidemiológicos ......................................................................... 36 ABORDANDO A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E EPIDEMIOLÓGICA ......................................... 37 1º. idade da pestilência e da fome: .................................................................................................................. 45 2º. idade da regressão das pandemias: ........................................................................................................ 45 3º. idade das doenças degenerativas e doenças causadas pelo homem: ..................................... 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................... 50 Referências ............................................................................................................................................................... 53 Todos os direitos reservados ao Grupo Famart de Educação. Reprodução Proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998. Grupo Famart – Comprometimento com o seu ensino. www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 5 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Epidemiologia do envelhecimento A ideia do Brasil como um país jovem sempre esteve presente na nossa mente e desenhou o nosso horizonte. No entanto, de repente, nos percebemos grisalhos. A pergunta que se faz é: como isso aconteceu? A estrutura por idade e sexo de uma população, num dado momento, é o resultado da sua dinâmica durante um longo período, isto é, do comportamento dos nascimentos, das mortes e das migrações nos últimos cem anos. É essa estrutura que condiciona a evolução da população, no sentido do seu crescimento, ou não, pois o que determina esse crescimento são a fecundidade e a mortalidade que, por sua vez, estão diretamente relacionados à idade e sexo (BERQUÓ, 1991) A população brasileira, assim como a da América Latina e Caribe, vem sofrendo, nas últimas cinco décadas, transições decorrentes de mudanças nos níveis de mortalidade e fecundidade, em ritmos nunca vistos anteriormente. Essas mudanças fizeram com que a população passasse de um regime demográfico de alta natalidade e alta mortalidade para outro, primeiramente com baixa mortalidade e, a seguir, baixa fecundidade. Isso levou a um envelhecimento da população. Quando se compara a proporção de jovens (menores de 15 anos) no Brasil, no ano de 1940 - 42,6% - com a de 2000 - 29,6% e a proporção de idosos (60 anos e mais) nos mesmos anos, 4,1% e 8,6%, respectivamente, tem-se uma ideia das transformações sofridas pela nossa população. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 6 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação A essas mudanças dá-se o nome de transição demográfica, que significa a passagem de um regime demográfico de alta natalidade e alta mortalidade para outro com baixa natalidade e baixa mortalidade. Embora o envelhecimento da população brasileira já pudesse ser prenunciado no início do século 20, pela queda da mortalidade, só por volta de 1960 é que esse fenômeno se estabeleceu realmente, com a queda brutal da fecundidade, passando de 6,2 filhos por mulher em 1940 para apenas 2,01 em 2007 (DATASUS, 2007). Se atentarmos para o fato de que 2,1 filhos por mulher é o valor de reposição da população, breve teremos uma população mais envelhecida ainda. Dessa forma, o processo de envelhecimento depende, também, da dinâmica da população mais jovem que 60 anos: se esta população crescer tão ou mais rapidamente do que a população mais idosa, algumas questões como o apoio às pessoas idosas podem ser menos problemáticas, mesmo que o crescimento absoluto da população mais idosa tenha suas próprias consequências econômicas. O que importa é o crescimento relativo dos dois segmentos da população: na medida em que a população de 60 anos e mais cresça mais rapidamente do que a população abaixo de 60 anos, haverá um maior envelhecimento. E é exatamente isso que se vê ocorrer no Brasil. Desde as décadas de 50/60, o crescimento do contingente idoso é maior, supondo-se que chegue em 2015/25 a ser cinco vezes o da população total (PALLONI; PELÁEZ, 2003). Dentro desse panorama, a parcela dos muitos idosos, ou seja, aqueles com 80 anos e mais, tem um crescimento ainda maior do que as restantes, pois cresce cerca de 4% ao ano, isto é, a uma taxa de 0,04, bem maior do que o crescimento da população total (0,008). O processo de envelhecimento nos países desenvolvidos ocorreu muito tempo depois de eles terem adquirido padrões elevados de vida, reduzido desigualdades sociais e econômicas e implementado um número de estratégias institucionaispara EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 7 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação compensar os efeitos das desigualdades residuais, ao menos na área de acesso aos serviços de saúde. O desenvolvimento social e econômico na América do Norte e Europa Setentrional e Ocidental já estava determinado quando as demandas de uma sociedade que envelhecia (e mesmo as preocupações sobre isso) foram reconhecidas. Ou seja, "os países desenvolvidos primeiro ficaram ricos e depois envelheceram; nós estamos ficando velhos antes de ficarmos ricos" (WHO, 2001). Em quase todos os países da América Latina e Caribe, um processo de EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 8 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação envelhecimento altamente comprimido começa a ocorrer no meio de economias frágeis, níveis altos de pobreza, desigualdades sociais e econômicas e, contraindo mais do que expandindo, o acesso aos serviços e recursos coletivamente financiados (PALLONI; PELÁEZ, 2003). O cronograma relativamente comprimido do envelhecimento na região pode, em parte pelo menos, ser traçado pela revolução médica e de saúde pública que provocou o declínio da mortalidade há quase meio século. As pessoas que estão alcançando os 60 anos depois de 2000 são aquelas que vivenciaram todos os benefícios da tecnologia em saúde introduzida durante o período pós Segunda Guerra Mundial, principalmente aquela relativa à sobrevivência na primeira infância. Portanto, os idosos da região nascidos anteriormente à Segunda Guerra, estiveram expostos à desnutrição e outras doenças em uma etapa precoce da vida, diferentemente do que sucede nos países industrializados que foram testemunhas de um aumento estável do padrão de vida. Acredita-se que essa exposição possa ter efeitos fisiológicos duradouros que podem afetar consideravelmente o estado de saúde dos adultos (PALLONI; PINTO-AGUIRRE; PELÁEZ, 2002). Por causa da maior esperança de vida das mulheres e da tendência dos homens ao recasamento, as mulheres viúvas ultrapassam dramaticamente os homens viúvos em todos os países. Mulheres idosas que estão sozinhas são altamente vulneráveis à pobreza e isolamento social. Usando dados do Estudo "Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento" (SABE), Santos (2003), mostrou que a proporção da esperança de vida sem incapacidade para o sexo feminino é menor do que para o masculino às idades de 60 e 75 anos. Concomitantes a essas mudanças demográficas ocorrem outras mudanças no comportamento da mortalidade e morbidade da população que deram origem ao conceito de transição epidemiológica proposto por Omran, em 1971 (OMRAN, 1971). EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 9 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Segundo o autor, a teoria da transição epidemiológica está focalizada na complexa mudança dos padrões de saúde e doença e nas interações entre esses padrões e seus determinantes e consequências. Essas mudanças dos padrões dizem respeito à diminuição da mortalidade por doenças infecciosas e aumento das doenças crônicas não-transmissíveis. Há autores que preferem o termo "transição da saúde", pois dizem que, a rigor, estão envolvidos dois aspectos básicos da saúde nas populações humanas. Por um lado, está a transição das condições de saúde, isto é, os processos de saúde e doença que definem o perfil epidemiológico de uma população, expressado em termos de morte, doença e invalidez. Por outro lado, está a resposta social organizada a essas condições, que se instrumentaliza por meio do sistema de atenção à saúde. A transição da atenção à saúde tem atuado de maneira importante sobre a transição epidemiológica, pois as novas tecnologias têm sido aplicadas à população através do sistema de atenção da saúde. Um dos mecanismos para as mudanças nas principais causas de morte tem sido a redução dos coeficientes de letalidade de algumas doenças (FRENK et al., 1991). Embora transição demográfica e transição epidemiológica não sejam a mesma coisa, pois a transição epidemiológica implica em mudanças nos padrões de morbidade, além da mortalidade, há uma relação fundamental entre elas, pois a queda inicial da mortalidade se concentrou nas causas de morte infecciosas. Por outro lado, a queda da fecundidade afeta a estrutura da população por idades e repercute no perfil de morbidade, pois a proporção crescente de pessoas de idade avançada aumenta a importância das doenças crônicas e degenerativas. Dessa forma, as doenças passam de um processo agudo que termina em cura ou morte, para um estado crônico que as pessoas sofrem durante longos períodos da vida (FRENK et al., 1991) e que quando não adequadamente controlados podem gerar incapacidades, comprometendo significativamente a qualidade de vida dessas pessoas. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 10 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Omran (1971), no seu trabalho a respeito da transição epidemiológica, estabelece cinco proposições. Na primeira delas o autor estabelece a premissa de que a mortalidade é fator fundamental na dinâmica populacional. A segunda propõe que, durante a transição, ocorrem mudanças de longa duração nos padrões de mortalidade e morbidade onde as pandemias de doenças infecciosas são gradualmente substituídas pelas doenças degenerativas e provocadas pelo homem como a forma mais importante de morbidade e a principal causa de morte. No tempo em que essa teoria foi proposta acreditava-se que o declínio da mortalidade havia chegado ao nível mais baixo possível e os ganhos na esperança de vida caminhariam a passos lentos e, pensava-se que sete décadas de vida era o mais próximo desse limite. No entanto, dados internacionais de tendência da mortalidade específica por causas indicam que a maioria da queda dos coeficientes de mortalidade específica por idade está ocorrendo como um resultado do declínio da mortalidade por doenças cardiovasculares. Porém, na América Latina, o processo de transição epidemiológica não pode ser considerado de forma tão linear como o fizeram autores anteriores. FRENK et al. (1991) chamam a atenção para a situação de saúde vivida pelo Brasil e que compreenderia superposição de etapas, ou seja, embora tenhamos doenças do desenvolvimento, ainda é grande a proporção de doenças de países não desenvolvidos. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 11 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Enquanto há uma proporção bastante alta de óbitos por doenças do aparelho circulatório, a proporção de doenças infecciosas e parasitárias ainda é bem diferente da dos países desenvolvidos. Doenças que se pensava extintas, em dado momento retornam, como, por exemplo, a febre amarela e a dengue. Essas situações golpeiam os países em desenvolvimento mais duramente. Embora esses países continuem lutando com as doenças infecciosas, má-nutrição e complicações do parto, eles são confrontados com o rápido crescimento das doenças não-transmissíveis. Essa "dupla carga da doença" comprime os já escassos recursos ao limite. A mudança das doenças transmissíveis para as nãotransmissíveis ocorre rapidamente no mundo em desenvolvimento, onde doenças crônicas tais como doença do coração,câncer e depressão estão se tornando, rapidamente, as principais causas de morte e incapacidade (WHO, 2001). Quais as consequências desse envelhecimento para um país em desenvolvimento como o nosso? Há várias opiniões sobre o que acontecerá com a saúde da população idosa. Uma delas diz que será possível que cada vez mais pessoas morram nas idades mais tardias; ou seja, a curva da mortalidade será EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 12 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação empurrada para a frente, isto é, toda a coorte se movendo para o ponto de máxima idade ao morrer. Essa tendência será acompanhada pela curva da morbidade, de tal modo que haverá maior sobrevida sem incapacidade. Uma segunda vertente acredita que conforme aumenta o tempo total de vida, as curvas da morbidade e incapacidade não acompanham e, portanto, mais anos serão vividos com má saúde ou dependência. Uma terceira opinião diz que a investigação científica pode levar a grandes incrementos da esperança de vida mediante a modificação dos processos de envelhecimento. De acordo com essa teoria, as três curvas - mortalidade, morbidade e incapacidades - se moveriam paralelamente. Ainda uma quarta linha é a de que as tendências da mortalidade, a frequência das doenças crônicas e a conservação da autonomia poderiam ser influenciadas de maneira independente mediante intervenções que retardassem o início da doença ou reduzissem suas consequências incapacitantes. Se se aceita que as tendências da mortalidade, morbidade crônica e incapacidade têm possibilidades independentes de melhorar, então podem ser feitas ações específicas que influam sobre cada uma delas de maneira diferente. A prevenção primária (por exemplo, melhoria da nutrição e redução do consumo de fumo e álcool), com certeza poderia influir nos três fatores, retardando o início de doenças crônicas progressivas e aumentando a sobrevivência e a proporção de pessoas que sobrevivem sem doenças em determinadas idades (OMS, 1984). Resultados do Estudo SABE, quando comparados dois grupos de mesma idade - 60 a 64 anos -, mas pertencentes a coortes diferentes, mostram um aumento nas doenças crônicas na coorte mais recente. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 13 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, as doenças crônicas são significativas e causa de incapacidade e reduzida qualidade de vida dos idosos. Ações de promoção da saúde e mudanças de hábitos podem diminuir as consequências dessas doenças, como vem ocorrendo nos EUA, com a queda das incapacidades em relação àquilo que era esperado. Para sabermos que rumos as populações tomarão, teremos que esperar mais algumas décadas. Mas, uma coisa é certa: teremos que mudar o paradigma atual. A ideia de pessoas idosas associada a doenças e dependência tem que ser substituída por mudanças que os façam permanecer mais tempo ativos e independentes. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento Os idosos, particularmente os mais velhos, constituem o segmento que mais cresce na população brasileira. Entre 1991 e 2000, o número de habitantes com 60-69, 7079 e 80+ anos de idade cresceu duas a quatro vezes mais (28, 42 e 62%, respectivamente) do que o resto da população brasileira (14%). Uma das consequências do crescimento da população idosa é o aumento da demanda por serviços médicos e sociais. A análise das informações existentes sobre internações hospitalares no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) mostra que o envelhecimento da população não pode ser encarado somente em termos do número absoluto ou relativo da população idosa, ou das repercussões desse aumento para a previdência social. As demandas dessa população por assistência médica são tão expressivas que o seu atendimento já responde por 23% dos gastos públicos com internações hospitalares do tipo I, no país. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 14 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Estudos epidemiológicos têm mostrado que doenças e limitações não são consequências inevitáveis do envelhecimento, e que o uso de serviços preventivos, eliminação de fatores de risco e adoção de hábitos de vida saudáveis são importantes determinantes do envelhecimento saudável. Como pode ser visto na Tabela 1, parte expressiva das causas de mortalidade entre idosos no Brasil poderia ser reduzida com a implementação de programas de prevenção e tratamento adequados. As doenças cardiovasculares constituem o principal grupo de causas de mortalidade entre idosos, em países como os Estados Unidos da América e o Brasil. Fatores de risco modificáveis, que são responsáveis pela morte prematura atribuída a doenças cardiovasculares entre idosos, incluem tabagismo, consumo excessivo de álcool, inatividade física, obesidade, dislipidemia e controle inadequado da hipertensão e do diabetes. A redução do risco cardiovascular temse mostrado custo-efetiva e deveria ser enfatizada ao longo da vida, da infância à velhice. Pneumonia e influenza são importantes causas de hospitalização e morte entre a população idosa. Todos os idosos deveriam receber, anualmente, vacinação contra a gripe e vacinação contra pneumonia – ou, pelo menos, uma vez na vida. A morbidade e a mortalidade associadas a diferentes tipos de câncer aumentam com a idade. Os cânceres de mama e da próstata são os mais frequentes entre mulheres e homens idosos, respectivamente. A prevenção secundária, por meio da detecção precoce, é a melhor forma de redução da mortalidade associada a esses cânceres. O uso de cigarro está associado a várias das principais causas de morte entre os idosos brasileiros, tais como as neoplasias EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 15 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação malignas da traqueia, brônquios e pulmões, e as doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Dietas ricas em frutas e verduras/legumes frescos, que contêm fibras, nutrientes essenciais e vitaminas, reduzem o risco de doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Do ponto de vista da Saúde Pública, a meta é a ingestão diária de cinco ou mais porções de frutas e verduras/ legumes frescos. Tabela 1 - Principais causas de mortalidade entre homens e mulheres idosos (60+) segundo o capítulo da CID-10* e as duas causas mais frequentes em cada capítulo (CID 3 dígitos). Brasil, 1996 Estudo inclui vigilância, observação, pesquisa analítica e experimento. Distribuição refere-se à análise por tempo, local e características dos indivíduos. Determinantes são todos os fatores físicos, biológicos, sociais, culturais e comportamentais que influenciam a saúde. Condições relacionadas à saúde incluem doenças, causas de mortalidade, hábitos de vida (como tabagismo, dieta, atividades físicas, etc.), provisão e uso de serviços de saúde e de medicamentos. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 16 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Populações especificadas são aquelas com características identificadas, como, por exemplo, determinada faixa etária em uma dada população. Normalmente, os estudosepidemiológicos na área do envelhecimento centram-se nos seguintes temas: investigação dos determinantes da longevidade e das transições demográfica e epidemiológica; avaliação de serviços de saúde; e investigações da etiologia e história natural das doenças/condições relacionadas à saúde comuns entre idosos. Informações sobre as condições de saúde dos idosos e seus determinantes, assim como suas demandas e padrões de uso de serviços de saúde, são fundamentais para orientar políticas de saúde voltadas a essa população. Estudos epidemiológicos de base populacional, ou seja, aqueles que investigam idosos residentes na comunidade, fornecem esse tipo de informação, mas ainda são raros no Brasil. Pelo nosso conhecimento, estudos com base populacional da saúde do idosos foram ou estão sendo desenvolvidos somente no Rio Grande do Sul, em três grandes cidades das regiões Sudeste e Nordeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza) e em duas pequenas cidades no interior do país. Existe, portanto, uma evidente carência de informações sobre as condições de saúde da nossa população idosa. No presente trabalho, serão apresentados alguns conceitos básicos da epidemiologia, suas aplicações e particularidades para o estudo dessa população e será feita uma introdução aos principais delineamentos de estudos epidemiológicos, utilizando-se exemplos de pesquisas realizadas no país. Epidemiologia: definição e objetivos A Epidemiologia é definida como o estudo da distribuição e dos determinantes das doenças ou condições relacionadas à saúde em populações especificadas. Mais EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 17 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação recentemente, foi incorporada à definição de Epidemiologia a “aplicação desses estudos para controlar problemas de saúde”. Tipos de estudos epidemiológicos Os estudos epidemiológicos podem ser classificados em observacionais e experimentais. De uma maneira geral, os estudos epidemiológicos observacionais podem ser classificados em descritivos e analíticos. Estudos descritivos Os estudos descritivos têm por objetivo determinar a distribuição de doenças ou condições relacionadas à saúde, segundo o tempo, o lugar e/ou as características dos indivíduos. Ou seja, responder à pergunta: quando, onde e quem adoece? A epidemiologia descritiva pode fazer uso de dados secundários (dados pré-existentes de mortalidade e hospitalizações, por exemplo) e primários (dados coletados para o desenvolvimento do estudo). EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 18 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação A epidemiologia descritiva examina como a incidência (casos novos) ou a prevalência (casos existentes) de uma doença ou condição relacionada à saúde varia de acordo com determinadas características, como sexo, idade, escolaridade e renda, entre outras. Quando a ocorrência da doença/condição relacionada à saúde difere segundo o tempo, lugar ou pessoa, o epidemiologista é capaz não apenas de identificar grupos de alto risco para fins de prevenção, mas também gerar hipóteses etiológicas para investigações futuras. No Brasil, existem importantes bancos de dados secundários com abrangência nacional – como o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM-SUS), o Sistema de Informações sobre Autorizações de Internações Hospitalares (SIH-SUS)25-28 e a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD, 1998) – que podem ser usados em estudos epidemiológicos. Os resultados apresentados na Tabela 1 constituem exemplo de um estudo descritivo utilizando dados do SIM-SUS. Outro exemplo do uso de dados secundários para estudo epidemiológico descritivo pode ser visto na Tabela 2. Nessa tabela, verifica-se que a mortalidade por doença de Chagas no Brasil vem diminuindo progressivamente, em quase todas as faixas etárias (exceto na de 70+ anos) e que o pico da mortalidade situa-se na sexta década de vida. Resultados semelhantes são encontrados quando as taxas de mortalidade são analisadas segundo coortes de nascimento. As maiores taxas de mortalidade entre as coortes mais velhas são, possivelmente, reflexo do sucesso do programa de controle da doença de Chagas no país, representando a redução da transmissão da infecção pelo Trypanosoma cruzi entre as coortes mais jovens. Dados secundários também têm sido utilizados para monitorar a qualidade da assistência hospitalar prestada ao idoso. Na Figura 1, pode-se verificar que a alta mortalidade entre idosos internados em uma clínica do Rio de Janeiro (que levou ao EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 19 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação seu fechamento temporário, a partir de denúncias divulgadas pela imprensa em 1996), já vinha ocorrendo desde 1993, sendo maior que a observada em hospitais de referência em vários dos meses estudados. Esse resultado mostra que a análise adequada de dados secundários de internações hospitalares poderia ter antecipado a identificação do problema pelos órgãos competentes, evitando o excesso de mortalidade só identificado em meados de 1996. Na Figura 2, são apresentados os resultados de um estudo descritivo usando dados primários. Nesse estudo, cerca de 1.700 idosos e uma amostra representativa de indivíduos mais jovens foram entrevistados para determinadas características, entre elas o hábito de fumar. Os resultados mostram que a prevalência de fumantes diminui com a idade, de forma consistente, em homens e mulheres. A redução do hábito de fumar entre pessoas mais velhas, também observada em outros trabalhos, é consequência de pelo menos um dos seguintes fatores: a) redução do hábito de fumar em virtude do aumento da idade; b) efeito de coorte (alteração nos hábitos em gerações diferentes); e c) viés de sobrevivência (menor sobrevivência dos fumantes). EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 20 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Tabela 2 - Taxas de mortalidade (por milhão) por doença de Chagas segundo o ano, com as coortes de nascimento assinaladas. Brasil, 1980, 1985, 1990 e 1995 EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 21 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 22 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Figura 1 - Taxa de mortalidade por 1.000 entre idosos (60+) internados na Clínica Santa Genoveva, Rio de Janeiro-RJ, e entre os pacientes dos hospitais de referência. Rio de Janeiro, 1993-maio de 1996 Figura 2 - Prevalência do hábito de fumar segundo o sexo e a faixa etária Estudos analíticos EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 23 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Estudos analíticos são aqueles delineados para examinar a existência de associação entre uma exposição e uma doença ou condição relacionada à saúde. Os principais delineamentos de estudos analíticos são: a) ecológico; b) seccional (transversal);c) caso-controle (caso-referência); e d) coorte (prospectivo). Nos estudos ecológicos, tanto a exposição quanto a ocorrência da doença são determinadas para grupos de indivíduos. Nos demais delineamentos, tanto a exposição quanto a ocorrência da doença ou evento de interesse são determinados para o indivíduo, permitindo inferências de associações nesse nível. As principais diferenças entre os estudos seccionais, caso controle e de coorte residem na forma de seleção de participantes para o estudo e na capacidade de mensuração da exposição no passado, como será visto a seguir. Estudos ecológicos Nos estudos ecológicos, compara-se a ocorrência da doença/condição relacionada à saúde e a exposição de interesse entre agregados de indivíduos (populações de países, regiões ou municípios, por exemplo) para verificar a possível existência de associação entre elas. Em um estudo ecológico típico, medidas de agregados da exposição e da doença são comparadas. Nesse tipo de estudo, não existem informações sobre a doença e exposição do indivíduo, mas do grupo populacional como um todo. Uma das suas vantagens é a possibilidade de examinar associações entre exposição e doença/condição relacionada na coletividade. Isso é particularmente importante quando se considera que a expressão coletiva de um fenômeno pode diferir da soma das partes do mesmo fenômeno. Por outro lado, embora uma associação ecológica possa refletir, corretamente, uma associação EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 24 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação causal entre a exposição e a doença/ condição relacionada à saúde, a possibilidade do viés ecológico é sempre lembrada como uma limitação para o uso de correlações ecológicas. O viés ecológico – ou falácia ecológica – é possível porque uma associação observada entre agregados não significa, obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra em nível de indivíduos. Na Figura 3, é apresentada a distribuição da proporção de óbitos por causas mal definidas entre idosos e a taxa de pobreza (proporção da população com renda per capita inferior a meio salário mínimo), segundo a macrorregião brasileira. Sabese que, para o conjunto da população idosa brasileira, cerca de 65% dos óbitos sem causa básica conhecida ocorrem sem assistência médica. Assim, a maior proporção de mortes por causas mal definidas nas regiões com maior proporção de habitantes com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo sugere que a falta da assistência médica ao idoso está associada à pobreza. Estudos seccionais Nos estudos seccionais, a exposição e a condição de saúde do participante são determinadas simultaneamente. Em geral, esse tipo de investigação começa com um estudo para determinar a prevalência de uma doença ou condição relacionada à saúde de uma população especificada (por exemplo, habitantes idosos de uma cidade). As características dos indivíduos classificados como doentes são comparadas às daqueles classificados como não doentes. Um exemplo de estudo seccional foi desenvolvido na cidade de Bambuí, situada no interior de Minas Gerais, para determinar a prevalência e os fatores sócio demográficos associados à depressão. Um questionário foi aplicado para identificar os indivíduos com depressão em uma amostra representativa da população da cidade EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 25 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação com 18+ anos de idade (1.041 participantes). Os episódios depressivos atuais estavam associados ao sexo (maior prevalência no sexo feminino, em comparação ao sexo masculino), à idade (maior prevalência nos mais velhos, em comparação aos mais jovens) e à condição atual de trabalho (maior prevalência entre aqueles que não estavam trabalhando, em comparação aos que estavam), conforme discriminação na Tabela 3. Saliente-se que as determinações do episódio depressivo atual e da ocupação foram feitas simultaneamente, ou seja, não foi possível saber se a ausência de trabalho foi anterior ou posterior ao surgimento do episódio depressivo. Esta é a característica fundamental de um estudo seccional: não é possível saber se a exposição antecede ou é consequência da doença/condição relacionada à saúde. Portanto, esse delineamento é fraco para determinar associações do tipo causa-efeito, mas adequado para identificar pessoas e características passíveis de intervenção e gerar hipóteses de causas de doenças. Em relação ao estudo de Bambuí, os resultados mostraram que a depressão é um importante problema de saúde na comunidade, especialmente entre mulheres, pessoas mais velhas e aqueles que não estão trabalhando. O resultado do estudo também gerou uma hipótese sobre a influência da ausência de trabalho no desenvolvimento do episódio depressivo. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 26 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Figura 3 - Proporção de óbitos por causas mal definidas entre idosos (60+) e taxa de pobreza segundo a macrorregião brasileira, 1997 Tabela 3 - Fatores sócio demográficos, independentemente associados à depressão nos últimos 30 dias determinada pelo Composite International Diagnostic Interview (CIDI). EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 27 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Estudos caso-controle Os estudos caso-controle e os estudos de coorte podem ser utilizados para investigar a etiologia de doenças ou de condições relacionadas à saúde entre idosos, determinantes da longevidade; e para avaliar ações e serviços de saúde. Os estudos de coorte também podem ser utilizados para investigar a história natural das doenças. Nos estudos caso-controle, primeiramente, identificam-se indivíduos com a doença (casos) e, para efeito de comparação, indivíduos sem a doença (controles) (Tabela 4). Depois, determina-se (mediante entrevista ou consulta a prontuários, por exemplo) qual é a Odds da exposição entre casos (a / c) e controles (b / d). Se existir associação entre a exposição e a doença, espera-se que a Odds da exposição entre casos seja maior que a observada entre controles, além da variação esperada devida ao acaso. Os estudos caso-controle, ao contrário dos estudos de coorte (ver a seguir), partem do efeito (doença) para a investigação da causa (exposição). Nesse artifício, EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 28 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação para residem as forças e as fraquezas desse tipo de estudo epidemiológico. Entre as vantagens, podemos mencionar: a) tempo mais curto para o desenvolvimento do estudo, uma vez que a seleção de participantes é feita após o surgimento da doença; b) custo mais baixo da pesquisa; c) maior eficiência para o estudo de doenças raras; d) ausência de riscos para os participantes; e) possibilidade de investigação simultânea de diferentes hipóteses etiológicas. Por outro lado, os estudos caso-controle estão sujeitos a dois principais tipos de vieses (erro sistemático no estudo): de seleção (casos e controles podem diferir sistematicamente, devido a um erro na seleção de participantes); e de memória (casos e controles podem diferir sistematicamente,na sua capacidade de lembrar a história da exposição). Essas limitações podem ser contornadas no delineamento e condução cuidadosos de um estudo caso-controle. Um estudo caso-controle investigar a associação de quedas entre idosos e uso de medicamentos está sendo desenvolvido no Município do Rio de Janeiro. Os casos são pessoas com 60+ anos de idade, internadas em seis hospitais do município por fratura decorrente de queda. Os controles são pacientes dos mesmos hospitais internados por outras causas. Até o momento, os resultados sugerem um maior risco de quedas e fraturas entre aqueles que fazem uso de benzodia-zepínicos (Odds Ratio-OR=1,9; Intervalo de Confiança-IC em nível de 95%=1,0-3,8) e miorrelaxantes (OR=1,9; IC95%=1,0-4,0). EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 29 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Tabela 4 - Delineamento de um estudo caso-controle Estudos de coorte Nos estudos de coorte, primeiramente, identifica-se a população de estudo e os participantes são classificados em expostos e não expostos a um determinado fator de interesse (Tabela 5). Depois, os indivíduos dos dois grupos são acompanhados para verificar a incidência da doença/condição relacionada à saúde entre expostos (a / a + d) e não expostos (c / c + d). Se a exposição estiver associada à doença, espera-se que a incidência entre expostos seja maior do que entre não expostos, além da variação esperada devida ao acaso. Nesse tipo de estudo, a mensuração da exposição antecede o desenvolvimento da doença, não sendo sujeita ao viés de memória como nos estudos caso-controle. Além disso, os que desenvolveram a doença e os que não desenvolveram não são selecionados, mas sim identificados dentro das coortes de expostos e não expostos, não existindo o viés de seleção de casos e controles. Os estudos de coorte permitem determinar a incidência da doença entre expostos e não expostos e conhecer a sua história natural. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 30 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Tabela 5 - Delineamento de um estudo de coorte A principal limitação para o desenvolvimento de um estudo de coorte, além do seu custo financeiro, é a perda de participantes ao longo do seguimento por conta de recusas para continuar participando do estudo, mudanças de endereços ou emigração. Os custos e as dificuldades de execução podem comprometer o desenvolvimento de estudos de coorte, sobretudo quando é necessário um grande número de participantes ou longo tempo de seguimento para acumular um número de doentes ou de eventos que permita estabelecer associações entre exposição e doença. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 31 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Por essas razões, são poucos os estudos de coorte com base populacional desenvolvidos entre idosos brasileiros. Um desses estudos (Epidoso) está sendo desenvolvido na cidade de São Paulo, onde cerca de 1.700 pessoas com 65+ anos estão sendo acompanhadas. Um outro estudo está sendo desenvolvido, onde estão sendo acompanhados todos os residentes na comunidade com 60+ anos de idade (cerca de 1.700 pessoas). De uma maneira geral, os principais objetivos de um estudo prospectivo consistem em determinar a incidência de condições adversas à saúde e investigar determinantes dessas condições. O delineamento básico do estudo de coorte de Bambuí está apresentado na Figura 4. Inicialmente, foi conduzido um censo para identificar todos os residentes na cidade. Em seguida, aqueles com 60+ anos de idade foram convidados a participar do estudo. Os que aceitaram participar foram incluídos na linha de base do estudo e submetidos a entrevista, exame físico e diversos exames laboratoriais. A entrevista foi realizada com a utilização de um questionário estruturado e précodificado, contendo informações sobre características sócio demográficas, morbidade auto- EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 32 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação referida, uso de medicação, uso de serviços de saúde e fontes de cuidados, hábitos de vida, aspectos psicossociais, história reprodutiva, função física e saúde mental. Foi constituída uma soroteca e um banco de DNA para investigações futuras. As informações obtidas na linha de base do estudo são denominadas variáveis exploratórias (exposição) e a sua associação com condições adversas de saúde (variáveis de desfecho) serão investigadas, comparando-se as incidências dessas condições ao longo do tempo, entre expostos e não expostos. As principais variáveis de desfecho investigadas nesse estudo são: morte; internações hospitalares; declínio físico e cognitivo; acidentes; episódios depressivos; e uso de medicamentos e de serviços de saúde. A adesão ao estudo foi alta, tanto na linha de base (dos 1.742 idosos selecionados, 92% foram entrevistados e 86% examinados) quanto no primeiro seguimento (somente 1,7% foram perdidos para acompanhamento). Esses resultados mostram que a escolha da cidade e a forma de abordagem da comunidade foram adequadas para garantir a adesão ao estudo na linha de base e a pequena perda de acompanhamento, condição essencial para o sucesso de um estudo de coorte. Nas últimas décadas, importantes estudos de coorte com base populacional de idosos vêm sendo realizados em países desenvolvidos. Os resultados dessas pesquisas têm sido fundamentais para subsidiar programas de prevenção e promoção da saúde dessas populações. Não se sabe, entretanto, se esses resultados são generalizáveis para países em desenvolvimento. Estudos de coorte com base populacional da população idosa nesses países são importantes para, entre outras razões: a) determinar a incidência de eventos adversos de saúde entre idosos, orientando estratégias de prevenção adequadas à realidade nacional; b) contribuir para o entendimento da etiologia de algumas doenças; e c) estudar fatores culturais, comportamentos e estilos de vida que podem EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 33 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação variar entre comunidades e países, associados a esses eventos. Figura 4 - Delineamento do estudo de coorte. 1996-2007 EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 34 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Vieses e variáveis de confusão Além dos aspectos gerais da pesquisa epidemiológica, os estudos sobre envelhecimento requerem alguns cuidados ou estratégias especiais a serem levados em conta, tanto no planejamento quanto na condução, análise e interpretação dos resultados. Entre esses aspectos, destaca-se o uso de respondentes próximos. Alguns idosos mais velhos podem estar muito doentes ou apresentar déficit cognitivo que impeça a sua participação na pesquisa. Nesse caso, pode-se recorrer a uma pessoa próxima para se obter alguma informação e assegurar a validade interna EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 35 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br| + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação do estudo. É fundamental, entretanto, que o uso de respondente próximo seja considerado na análise (mediante estratificação ou ajustamento, por exemplo) e na interpretação dos resultados da pesquisa. Uma dificuldade dos estudos epidemiológicos sobre envelhecimento é a definição da população-alvo. Isso é particularmente importante quando o estudo inclui idosos mais velhos, porque a institucionalização cresce de forma marcante com a idade. Estudos epidemiológicos de idosos residentes na comunidade, que excluem idosos institucionalizados, podem subestimar a prevalência de incapacidade na população. Esse viés será mais acentuado em comunidades com maior grau de institucionalização. O viés de seleção sempre deve ser lembrado em estudos do tipo casocontrole da população idosa. Ele ocorre quando casos e controles diferem entre si sistematicamente, devido à forma de seleção. O recrutamento de casos entre pacientes hospitalizados (ou institucionalizados) é particularmente sujeito ao viés de seleção, porque os fatores que levam à hospitalização – por exemplo: gravidade da doença, tabagismo e maior idade – também estão associados a muitos fatores de risco. O viés de sobrevivência, igualmente, deve ser considerado em estudos sobre a saúde do idoso. Os participantes idosos de estudos epidemiológicos são sobreviventes porque aqueles expostos a fatores de risco têm maior probabilidade de morte prematura. Esse viés tende a reduzir a magnitude das associações encontradas entre fatores de risco e doença/condição relacionada à saúde entre idosos. Para finalizar, também é importante considerar o efeito de variáveis de confusão nos estudos epidemiológicos sobre envelhecimento, ou seja, de fatores que podem ser uma explicação alternativa para a associação encontrada. O fator de confusão está presente quando duas variáveis são associadas, mas parte da EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 36 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação associação – ou toda ela – é decorrente de uma associação independente com uma terceira variável (de confusão). Por exemplo, as quedas podem estar associadas ao uso de diuréticos, sugerindo um efeito causal. A insuficiência cardíaca, entretanto, confunde esta associação porque o uso de diuréticos faz parte do seu tratamento e a insuficiência cardíaca é também um fator de risco para quedas. O efeito de confusão pode ser controlado mediante estratificação ou ajustamento na análise dos dados. A idade é um fator potencial de confusão de muitas associações porque, frequentemente, está associada à exposição e à doença/condição em diferentes situações. O efeito da idade pode ser controlado mediante pareamento, estratificação ou ajustamento na análise. Quando o estudo inclui idosos mais velhos, recomenda- se o ajustamento pela idade com intervalos mais curtos (ou como variável contínua), em lugar de intervalos mais amplos (cinco em cinco ou dez em dez anos, por exemplo). O envelhecimento no Brasil: aspectos epidemiológicos EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 37 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação A ideia do Brasil como um país jovem sempre esteve na nossa mente e desenhou o nosso horizonte. No entanto, presente de repente, percebemo-nos grisalhos. A pergunta que se faz é: como isso aconteceu? A estrutura por idade e sexo de uma população, em um dado momento, é o resultado da sua dinâmica durante um longo período, isto é, do comportamento dos nascimentos, das mortes e das migrações nos últimos 100 anos. É essa estrutura que condiciona a evolução da população, no sentido do seu crescimento, ou não, pois o que determina esse crescimento é a fecundidade e a mortalidade que, por sua vez, são fatores que estão diretamente relacionados à idade e sexo. A população brasileira, assim como a da América Latina e Caribe, vem sofrendo, nas últimas cinco décadas, transições decorrentes de mudanças nos níveis de mortalidade e fecundidade, em ritmos nunca vistos anteriormente. Essas mudanças fizeram com que a população passasse de um regime demográfico de altas natalidade e mortalidade para outro, primeiramente com baixa mortalidade e a seguir, baixa fecundidade. Isso levou a um envelhecimento da população. ABORDANDO A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E EPIDEMIOLÓGICA Quando se compara a proporção de jovens (menores de 15 anos) no Brasil, no ano de 1940 – 42,6% - com a de 2000 – 29,6% e a proporção de idosos (60 anos e mais) nos mesmos anos, 4,1% e 8,6%, respectivamente, tem-se uma ideia das transformações sofridas pela nossa população. A representação gráfica da distribuição da população segundo idade e sexo, ou seja, a pirâmide populacional, em intervalo de tempo de 50 anos, dá a visão dessa grande modificação. A uma pirâmide de forma piramidal, com base larga, paredes inclinadas e ápice pontiagudo, segue-se outra com forma que caminha a passos largos para o que se convencionou chamar de “barril” ou “bala de canhão”. A essas mudanças dá- se o nome de transição demográfica, que significa a passagem de um regime EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 38 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação demográfico de alta natalidade e alta mortalidade para outro, com baixa natalidade e baixa mortalidade. De maneira esquemática, pode-se dividir os países, quanto à sua transição demográfica, em três tipos: os de iniciação precoce da transição; os de iniciação tardia e aqueles que ainda não iniciaram a sua transição. No primeiro grupo estão, por exemplo, os países europeus ocidentais, que fizeram a sua transição há séculos. No segundo grupo estão os países da América Latina e Caribe, que iniciaram esse processo há cerca de 50 anos. E, finalmente, os países africanos, que ainda não iniciaram seu processo de transição demográfica, ou seja, ainda têm uma estrutura jovem de população. Embora o envelhecimento da população brasileira já pudesse ser prenunciado no início do século XX, pela queda da mortalidade, só por volta de 1950 é que esse fenômeno se estabeleceu realmente, com o declínio brutal da fecundidade, que passou de 6,2 filhos por mulher em 1940 para apenas 2,3 em 2000 e 2,1 em 2003. Se atentarmos para o fato de que 2,1 filhos por mulher é o valor de reposição da população, breve teremos uma população mais envelhecida ainda. Alguns estados brasileiros já vivem essa situação, por exemplo, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que têm taxas de fecundidade de 1,7 filhos por mulher. Dessa forma, o processo de envelhecimento depende, também, da dinâmica da população mais jovem que 60 anos: se esta população crescer tão ou mais rapidamente do que a população mais idosa, algumas questões, como o apoio às pessoas idosas podem ser menos problemáticas, mesmo que o crescimento absoluto da população mais idosa tenha suas próprias consequências econômicas. O que importa é o crescimento relativo dos dois segmentos da população: na medida em que a população de 60 anos cresça mais rapidamente do que a população abaixo de 60 anos, haverá um maior envelhecimento. E é exatamente isso que estamos vendo ocorrer no Brasil. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 39 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Na tabela 1 podem-se observar as taxas de crescimentodas populações de 60 anos e mais, e total. Desde as décadas de 50/60, o crescimento do contingente idoso é maior, supondo-se que chegue em 2015/25 a ser cinco vezes o da população total. Tabela 1. Taxas de crescimento da população brasileira, idosa e total, em diferentes épocas EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 40 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Dentro desse panorama, a parcela dos muitos idosos, ou seja, aqueles com 80 anos e mais, tem um crescimento ainda maior do que as restantes, pois cresce cerca de 4% ao ano, isto é, a uma taxa de 0,04, bem maior do que o crescimento da população total. O processo de envelhecimento nos países desenvolvidos ocorreu muito tempo depois de eles terem adquirido padrões elevados de vida, reduzido desigualdades sociais e econômicas, e implementado um número de estratégias institucionais para compensar os efeitos das desigualdades residuais, ao menos na área de acesso aos serviços de saúde. O desenvolvimento social e econômico na América do Norte e Europa Setentrional e Ocidental já estavam determinados quando as demandas de uma sociedade que envelhecia (e mesmo as preocupações sobre isso) foram reconhecidas. Ou seja, “os países desenvolvidos primeiro ficaram ricos e depois envelheceram; os países da América Latina e Caribe estão ficando velhos antes de serem ricos”. Nenhum país na América Latina apresenta uma história e um contexto institucional similares. Ao contrário: em quase todos os países, um processo de envelhecimento altamente comprimido começa a ocorrer no meio de economias frágeis, níveis crescentes de pobreza, aumentando, mais do que diminuindo, as desigualdades sociais e econômicas e, contraindo, mais do que expandindo, o acesso aos serviços e recursos coletivamente financiados. O cronograma relativamente comprimido do envelhecimento na região pode, em parte pelo menos, ser traçado pela revolução médica e de saúde pública que provocou o declínio da mortalidade há quase meio século. As pessoas que estão alcançando os 60 anos depois de 2000 são aquelas que vivenciaram todos os benefícios da tecnologia em saúde introduzida durante o período pós II Guerra Mundial, principalmente aquela relativa à sobrevivência na primeira infância. Na figura 2 pode ser observada a diferença temporal na transição demográfica dos EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 41 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação países desenvolvidos e dos em desenvolvimento. O que ocorreu em mais de 200 anos na Europa Ocidental está acontecendo em poucas décadas na América Latina. O crescimento da população idosa na América Latina está mais ligado às descobertas revolucionárias relativas às questões médicas e de saúde pública, principalmente a diminuição da mortalidade infantil que começou depois de 1930, e não, necessariamente, às melhorias nos padrões gerais de vida. Portanto, os idosos da região foram expostos à desnutrição e outras doenças, em uma etapa precoce da vida, diferentemente do que ocorreu nos países industrializados que foram testemunho de um aumento estável dos padrões de vida. Acredita-se que tais questões possam ter efeitos fisiológicos duradouros que podem afetar consideravelmente o estado de saúde dos adultos. Em resumo, a região está envelhecendo “prematuramente”, a composição por estado de saúde e incapacidade pode piorar e tornar-se desfavorável mais cedo do que tarde, e as redes familiares e domésticas estão perdendo terreno antes que mecanismos sociais para efetuar as transferências institucionais sejam adequadamente estabelecidos. Um fenômeno que acompanha o envelhecimento da população é a feminização da velhice. As mulheres vivem mais do que os homens em quase todas as partes do mundo. Por exemplo, para idades de 65 anos e mais, havia 75 homens para cada 100 mulheres na Europa em 2005. No Brasil, o censo de 2000 acusou, para a mesma faixa etária, 82 homens para cada 100 mulheres e o Estudo SABE, no Município de São Paulo, mostrou, no mesmo período, a existência de 179 mulheres para cada 100 homens de 75 anos e mais. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 42 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação Várias são as explicações para esse fenômeno como diferenças biológicas (por exemplo: o fator de proteção conferido por hormônios femininos em relação à isquemia coronariana); diferenças de exposição às causas de risco de trabalho; diferenças no consumo de álcool e tabaco, que estão sabidamente associados às causas de mortes mais frequentes na faixa etária acima dos 45 anos, como neoplasias e doenças do aparelho circulatório; diferenças de atitudes em relação à doença e incapacidade (as mulheres são mais atentas ao aparecimento de sintomas e sinais). No entanto, ao mesmo tempo em que as mulheres têm a vantagem de viverem por mais tempo, elas estão mais expostas que os homens à violência doméstica e discriminação no acesso à educação, renda, alimentos, trabalho significativo, cuidado da saúde, heranças, medidas de segurança social e poder político. Essas desvantagens cumulativas significam que as mulheres têm comparativamente aos homens, maior possibilidade de serem pobres e de apresentarem incapacidades e múltiplos problemas de saúde nas idades mais longevas. Usando dados do Estudo SABE (pesquisa longitudinal para traçar as condições de vida e saúde dos idosos residentes no Município de São Paulo, realizada por meio de entrevistas domiciliares em 2000 e 2006) de 2000, Santos, EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 43 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação mostrou que embora a esperança de vida seja maior para as mulheres, a proporção dessa esperança de vida sem incapacidade é maior para o sexo masculino. Devido à maior expectativa de vida das mulheres e da tendência dos homens de casarem com mulheres mais jovens e de recasarem se suas esposas morrerem, as mulheres viúvas ultrapassam dramaticamente os homens viúvos em todos os países. Mulheres idosas que estão sozinhas são altamente vulneráveis à pobreza e isolamento social. O papel tradicional das mulheres como cuidadoras da família, pode também contribuir para sua crescente pobreza e má saúde na idade avançada. Algumas mulheres são forçadas a desistir de empregos remunerados para exercer suas responsabilidades de cuidadoras. Outras, nunca tiveram acesso a empregos remunerados por conta de seu trabalho em tempo integral em papéis de cuidadoras não remuneradas, olhando as crianças, pais idosos, esposos doentes e netos. Assim, a provisão do cuidado da família é, frequentemente, executada em detrimento da segurança econômica e boa saúde da mulher cuidadora na idade mais tardia. Concomitantes a essas mudanças demográficas ocorrem outras mudanças no comportamento da mortalidade e morbidade da população. Essas mudanças deram origem ao conceito de transição epidemiológica proposto por Omran9. Segundo o autor, a teoria da transição epidemiológica está focalizada na complexa mudança dos padrões de saúde e doença e nas interações entre esses padrões e seus determinantes e consequências. Essas mudanças dos padrões dizem respeito à diminuição da mortalidade por doenças infecciosas e ao aumento das doenças não- transmissíveis. A Figura 3 mostra a evolução da mortalidade proporcional por doenças infecciosase parasitárias, doenças do aparelho circulatório, neoplasias malignas e causas externas. Alguns autores utilizam o termo “transição da saúde”, pois dizem que, a rigor, estão envolvidos dois aspectos básicos da saúde nas populações humanas. Por um EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 44 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação lado, está a transição das condições de saúde, isto é, os processos de saúde e doença que definem o perfil epidemiológico de uma população, expressado em termos de morte, doença e invalidez. Por outro lado, está a resposta social organizada a essas condições, que se instrumentaliza por meio do sistema de atenção à saúde. Um dos mecanismos para as mudanças nas principais causas de morte tem sido a redução dos coeficientes de letalidade de algumas doenças (coeficiente de letalidade é igual ao número de óbitos por determinada causa dividido pelo número de doentes pela mesma causa). A transição demográfica e a transição epidemiológica não são a mesma coisa, pois a transição epidemiológica implica em mudanças nos padrões de morbidade, além da mortalidade, havendo uma relação fundamental entre elas, pois a queda inicial da mortalidade se concentrou nas causas de mortes infecciosas. Por outro lado, a queda da fecundidade afeta a estrutura da população por idades e repercute no perfil de morbidade, já que a proporção crescente de pessoas de idade avançada aumenta a importância das doenças crônicas e degenerativas. Dessa forma, as doenças passam de um processo agudo que termina, frequentemente, em morte, para um estado crônico que as pessoas sofrem durante longos períodos da vida. Omran estabeleceu algumas proposições em relação à transição epidemiológica. A primeira aponta a premissa de que a mortalidade é fator fundamental na dinâmica populacional. A segunda propõe que, durante a transição, ocorrem mudanças de longa duração nos padrões de mortalidade e morbidade, onde as pandemias de doenças infecciosas são gradualmente substituídas pelas doenças degenerativas e provocadas pelo homem como a forma mais importante de morbidade e, a principal causa de morte. Nesse momento ocorrem três sucessivos estágios da transição epidemiológica. EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 45 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação 1º. idade da pestilência e da fome: Caracterizada não por mudanças nas taxas médias de mortalidade, mas por uma estagnação das taxas de óbitos em níveis extremamente altos por um período que se acredita que tenha sido de milhares de anos. Durante esse estágio as taxas de morte flutuaram em níveis altos entre picos e depressões em resposta a epidemias que periodicamente devastavam as populações. Os “grandes matadores” nessa época incluíam gripe, pneumonia, diarreia, varíola, tuberculose e outras doenças relacionadas. Crianças e recém-nascidos eram dizimados por essas doenças, embora as mulheres em idade reprodutiva também enfrentassem um alto risco por causa das complicações da gravidez e do parto. Uma vez que a maior parte das causas durante esse período tendia a atingir principalmente os jovens, os efeitos na sobrevivência eram profundos de tal modo que a expectativa de vida oscilava entre 20 e 40 anos 2º. idade da regressão das pandemias: É uma fase de transição caracterizada mais pelas rápidas mudanças nos componentes de nossa história epidemiológica. Durante esse estágio, os picos e depressões da mortalidade eram alisados inicialmente por rápidos incrementos em EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 46 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação saneamento e padrões de vida com medidas médicas e de saúde pública contribuindo significativamente, com a melhoria das condições de saúde e sociais. Aqueles que poderiam ter sucumbido às doenças infecciosas e parasitárias sobreviveram dos anos iniciais para idades adultas e velhas onde eles enfrentam os elevados riscos de morrer de doenças e agravos crônicos não transmissíveis. Como as doenças degenerativas e infecciosas tendem a matar nos extremos opostos da estrutura etária, a transformação nas causas de morte durante essa era resultou na redistribuição dos óbitos dos jovens para os mais velhos. Os efeitos mais favoráveis na sobrevivência foram, dessa forma, concentrados entre os recém-nascidos, as crianças e mulheres em idade reprodutiva. Durante esse estágio, a esperança de vida ao nascer aumentou para cerca de 50 anos; 3º. idade das doenças degenerativas e doenças causadas pelo homem: Tem sido descrito basicamente como uma fase de platô na história epidemiológica, onde se alcançou um nível de equilíbrio na mortalidade, mas consideravelmente mais baixo do que aquele do primeiro estágio. Neste estágio, o ritmo do declínio nas taxas de mortalidade através das estruturas etárias diminui assim que os limites teóricos dos declínios da mortalidade são alcançados. As principais causas de morte para a população são as ditas doenças e agravos crônicos não transmissíveis, tais como doenças cardíacas, cerebrovasculares, neoplasias que tendem a matar em idades próximas do que se acreditava ser o fim do “span vital” (limite biológico da vida humana ou animal). O efeito na longevidade é uma esperança de vida para a população que alcança sete décadas, e das quais se esperavam poucas mudanças no futuro. No tempo em que essa teoria foi proposta, acreditava-se que o declínio da mortalidade havia chegado ao nível mais baixo possível, e os ganhos na esperança de vida caminhariam a passo lentos e, pensava-se que sete décadas de vida era o EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 47 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação mais próximo desse limite. No entanto, dados internacionais de tendência da mortalidade específica por causas, indicam que a maioria da queda dos coeficientes de mortalidade específica por idade está ocorrendo como um resultado do declínio da mortalidade por doenças cardiovasculares. Assim, Olshansky definiu o que chamou de quarto estágio, ou seja, a idade das doenças degenerativas retardadas, representada por: a) rápido declínio das taxas de mortalidade, que estão concentradas principalmente nas idades avançadas, e que ocorrem em ritmos semelhantes para homens e mulheres; b) o padrão etário da mortalidade por causa permanece o mesmo do terceiro estágio, mas a distribuição etária das mortes por doenças degenerativas é desviada, progressivamente, para as idades mais velhas. c) os aumentos relativamente rápidos na sobrevivência são concentrados entre a população em idades avançadas. Neste estágio, as principais causas degenerativas de morte que prevaleciam durante o terceiro estágio da transição permanecem como os “grandes matadores”, mas o risco de morrer dessas doenças está redistribuído para idades ainda mais velhas. Na América Latina, no entanto, esse processo de transição epidemiológica não pode ser considerado de forma tão linear como o fizeram os autores anteriores. Frenk10 propõe um novo modelo denominado “polarizado prolongado”, que explicaria, em parte, a situação de saúde vivida pelo Brasil e que seria composto dos seguintes traços: Superposição de etapas: ao contrário da teoria original da transição epidemiológica, que pressupõe uma sequência unidirecional dos padrões de morbimortalidade, na AméricaLatina as diferentes etapas não se sucedem, mas, sim, superpõem-se. Embora o Brasil tenha uma proporção de óbitos por doenças do aparelho circulatório bastante alta (31,2%), a proporção por doenças infecciosas e EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 48 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação parasitárias ainda é bem diferente da dos países desenvolvidos - 5,5% para o Brasil contra 0,4% na Áustria; Contra-transição: os movimentos de contra-fluxo em vários países da América Latina têm sido frequentes, como mostra, entre nós, por exemplo, o retorno da febre amarela e da dengue; Transição prolongada: os processos anteriormente descritos, mostram que não há uma resolução clara do processo de transição. Os países em desenvolvimento continuam em uma situação de morbimortalidade mista, onde continua existindo uma grande incidência de infecções comuns, sem que se chegue ao predomínio completo das doenças crônicas, ao contrário dos países industrializados, que também passaram por essa superposição de etapas em que coexistiram os dois tipos de morbidade. A diferença é o caráter prolongado dessa superposição em alguns países latino-americanos; Polarização epidemiológica – a persistência das desigualdades sociais faz com que haja heterogeneidade nas etapas vividas pelos diferentes grupos sociais, convivendo padrões pré-transicionais, em algumas regiões com padrões de morbidade pós-transicional. Essas situações golpeiam os países em desenvolvimento mais duramente. Embora essas noções continuem lutando com as doenças infecciosas, má-nutrição e complicações do parto, elas são confrontadas com o rápido crescimento das doenças não-transmissíveis. Essa “dupla carga da doença” comprime os já escassos recursos ao limite. A mudança das doenças transmissíveis para as nãotransmissíveis ocorre rapidamente no mundo em desenvolvimento, onde doenças crônicas, tais como: doença do coração, câncer e depressão estão se tornando rapidamente as principais causas de morte e incapacidade. E quais são as consequências desse envelhecimento para um país não desenvolvido como o nosso? Há várias opiniões sobre o que acontecerá com a saúde EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 49 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação da população idosa. Uma delas diz que será possível que, cada vez mais pessoas morram nas idades mais tardias, ou seja, a curva da mortalidade será empurrada para frente e tenderá à “retangularização”, isto é, toda a coorte se movendo para o ponto de máxima idade ao morrer. Essa tendência será acompanhada pela curva da morbidade, de tal modo que haverá maior sobrevida sem incapacidade. Uma segunda vertente, acredita que conforme aumenta o tempo total de vida, as curvas da morbidade e incapacidade não acompanham e, portanto, mais anos serão vividos com má saúde ou dependência. Uma terceira opinião diz que a investigação científica pode levar a grandes incrementos da esperança de vida mediante a modificação dos processos de envelhecimento. De acordo com essa teoria, as três curvas – mortalidade, morbidade e incapacidades – mover-se-iam paralelamente. Ainda uma quarta linha, é a de que as tendências da mortalidade, a frequência das doenças crônicas e a conservação da autonomia poderiam ser influenciadas de maneira independente mediante intervenções que retardassem o início da doença ou reduzissem suas consequências incapacitantes. Se for aceito que as tendências da mortalidade, morbidade crônica e incapacidade têm possibilidades independentes de melhorar, então podem ser feitas ações específicas que influam sobre cada uma delas de maneira diferente. A prevenção primária (melhoria da nutrição e redução do consumo de fumo e álcool), com certeza poderia influir nos três fatores, retardando o início de doenças crônicas progressivas e aumentando a sobrevivência e a proporção de pessoas que sobrevivem sem doenças em determinadas idades. Tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, as doenças e agravos crônicos não transmissíveis são significativos, podendo causar incapacidade e reduzida qualidade de vida nos idosos. Ações de promoção da saúde e mudanças de hábitos podem diminuir as consequências dessas doenças, como EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 50 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação vem ocorrendo nos EUA, com a redução das taxas de incapacidade em relação ao esperado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo apresentou, alguns conceitos básicos da epidemiologia e os delineamentos de estudos epidemiológicos observacionais que podem ser utilizados para a investigação de doenças e fatores associados a elas na população idosa. A qualidade de um estudo epidemiológico depende, entre outros fatores, da representatividade dos participantes, da qualidade da informação sobre a exposição e a doença/condição relacionada à saúde, da ausência de vieses e do controle adequado das variáveis de confusão. Portanto, antes de iniciar uma pesquisa, é preciso definir, cuidadosamente, a população de estudo, o tamanho da amostra (quando for o caso) e o método de seleção dos participantes. Os instrumentos de coleta de dados devem ser desenvolvidos e pré-testados, tendo em vista o conjunto de informações ou medidas que se deseja obter. Para o desenvolvimento de um estudo epidemiológico, é preciso considerar as questões éticas pertinentes. No Brasil, aprovou-se, recentemente, um conjunto de normas éticas a serem observadas na condução de estudos envolvendo seres humanos. Por exigência dessas normas, os protocolos para desenvolvimento de estudos epidemiológicos utilizando dados primários devem ser aprovados por um comitê de ética credenciado. O envelhecimento das populações é um dos mais importantes desafios para a Saúde Pública contemporânea, especialmente nos países em desenvolvimento, onde o envelhecimento ocorre em um ambiente de pobreza e grande desigualdade social. Estudos epidemiológicos de boa qualidade e delineados de forma a contemplar essas especificidades são essenciais para subsidiar o desenvolvimento EPIDEMOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 51 www.famart.edu.b r | atendimento@famart.edu.br | + 55 (37 ) 3241 - 2864 | Grupo Famart de Educação de políticas de saúde adequadas à realidade da população de idosos nesses países, para que envelheçam com saúde. Para sabermos que rumos às populações tomarão, teremos que esperar mais algumas décadas. Mas, uma coisa é certa: há de se mudar o paradigma atual. A ideia de pessoas idosas associadas a doenças e dependência tem que ser substituída por mudanças que as façam permanecer mais tempo ativos e independentes. Atuando em função dessa mudança de paradigma a Organização Mundial da Saúde adotou o termo “envelhecimento ativo” para expressar o processo de conquista dessa visão13. Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. O envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais, e permite que as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades; ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados,
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