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SUJEITO-E-TEXTO

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Prévia do material em texto

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Série C adernos P üc
CONSELHO GERAL DE EDIÇÃO
Arlette D'Antola, Cansa Abud da Silva,
Elaine da Graça de Paula Caramella, Leila Bárbara, 
Mara Sofía Zanotto de Paschoal, Paulo Edgar Rezende, 
Paulo Henrique Sandroni, Salvador Sandoval 
e Suzana Aparecida da Rocha Medeiros.
edtc
editora da puc-ip
C onselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (vice-reitora acadêmica e presidente do Conselho), 
Hlávio Vespa.siano Di Gior^ Hisako Miyashiro, José Manuel de Arruda Alvün, 
José J. (Queiroz, Leila Báitara, Maria do Carmo Guedes (diretora da EDUC), 
Paulo Henrique Sandroni, Paulo Freire e Sergio Vasconcelos de Luna.
SUJEITO
E
TEXTO
eni orlandi 
eduardo guimarães 
j.j. courtine 
claudine haroche 
Silvia t. m. lane (apres.)
série cadernos puc>31
educ
1 9 8 8
Pbijo e Produção EdUonal; Jtufírfi Tjuqum r Rohrna A:zi
PrqMTJçio de origtnus. Dany Al-Bekv Kanaan
Revisio dl traduçio cm O h m m perscnando: Frtdn /ndursh'
Composiçio'. Edrui Mana da Silva Nascanento 
Jussara R, Gomas 
Tâma M. Camargo
Cipa. Valter Caídana (layour) e Suely Fragoso
Dadoi de Cicüofpiçáo ni Pofafaiçio (GDP) loieraacioaaJ 
(Cimm Bnedein do Livro, SP, Bevil)
5946
Sujeilod texio/EniOrlindi... (e<ii.|.-SâoPaulo: EDUC. 1985. 
(SérwOdemofPUC. ÍSSN
0102-2040; n. 31)
'Publicada com apoio do PROEO/SESu^EC.
I. Lúifuapcffl- Filosofia 2. Psicolopa soaal 3. Sub)etividade I. 
Orlaadi, Eoi Fiilancili, 1942-11. Sérit.
88-1399
COD-401
-153
-302*
índicet pns cattflogo ráiEniáCico:
I: Ltofroagero; Filosofia 401 
1 Pnooiopa socib] 302
3. Sobjcovidade; PraccHoa meocau: Pncologu 153
© Auiora
Dimioi reacrvadoi pm eaa ediçáo de 1.000 cionplarea
edtt - Editora da PUC-SP
Rua Moott AJepe. 984. Sio Paulo - SP.CEP030I4 
Tde/oner 62-0280 ou 263-0211. nmus 350 e 300
SUMARIO
APRESEI^AÇÀO
Silvia T. Maurer Lañe.............................................. 7
A iiKompletude do sujeito - e quando o outro somos nos?
Eni Pukinelli Oriandi.............................................. 9
Unidade e dispersão: uma questão do texto e do sujeito 
Eni Pukinelli Oriandi
Eduardo Cuúnaráes.................................................. 17
0 homem persciutado - semiología e antropología política 
da expressão e da ñsiooomia do século XVn ao século XIX 
J. J. Courtine
Claudine Haroche..................................................... 37
Oa anulação à emergencia do sujeito: os paradoxos da lite* 
ralidade no discurso (elementos para urna história do indivi­
dualismo)
Claudine Haroche................................................... 61
SOBRE o s AUTORES
Silvia T . Maurer Lañe é coordenadora do Programa de Estudos 
Pós>Graduados em Psicologia Social da Pontificia Universidade 
Católica de São Paulo.
Em Pulcinelli Orlandi e Eduardo Guimarães são pesquisadores 
no Instituto de Estudos Lingüísticos da Universidade Estadual de 
Campinas.
Claudine Haroche e Jean-Jacques Courtine sao pesquisadores no 
Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), em Paris.
APRESENTAÇÃO
Falar sobre Sujeito e Texto é falar sobre a subjetividade. 
Subjetividade 6 pensar, é sentir. É ser pessoa que age, e esta é o 
objeto da psicologia.
Pensar e sentir necessitam da linguagem, um mais do que o 
outro, nnas para ambos a palavra tem uma função fundamental.
Daf a necessidade de estudarmos a psicologia da linguagem, 
não a psicolingãfstica - que, atrelada à lingüística, reificou a lin­
guagem - sim a fala e o pensamento que assinalam o caráter social 
e h is t^ c o do ser humano.
A concepção de homem que embasa essa psicologia da lin­
guagem é aquela em que indivíduo e grupo são indissociáveis, 
tomando a comunicação um fato central, a partir do qual se de­
senvolvem o pensamento, as representações, a própria consciên­
cia social. Por outro lado, a relação indivíduo - grupo se dá em 
atividades que, pensadas, levam ao movimento da consciência.
Este homem assim concebido exige necessariamente a con­
tribuição de várias áreas do conhecimento - da biologia à sociolo­
gia, antropologia, história e economia política. É o homem que se 
produziu ao longo da história da civilização, a partir do momento 
em que a ferramenta e a linguagem foram inventadas.
Assim como o homem, a linguagem também só pode ser co­
nhecida numa abordagem interdisciplinar - ela 6 produzida social 
e historicamente, ela se transforma com as mudanças da sociedade 
e dos homens. Ela objetiva o subjetivo, assim como subjetiva o 
objetivo.
É em função desta concepção de homem e da linguagem que 
temos promovido encontros no Laboratório de Psicologia Social 
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da 
PUC-SP, visando o diálogo inteidisciplinar.
A participação de Eni Orlandi (da UNICAMP) e de Claudi- 
ne Haroche (do Laboratório de Psicologia Social de Paris), nesses
encontros, tem tido de grande importância para a diicuislo e ic* 
flcxâo, nossa e de nossos alunos. Agora, queremos compartilhar 
com um pdblico maior, através da publicação de seus artigos na 
série Cadernos PUC, esperando que este *óbvio* que é a lingua­
gem possa ser entendido em todas as suas implicações, levando a 
uma compreensão mais profunda do ter humano.
Os artigos que compõem este volume nio slo delimitados 
por uma área de conhecimento (disciplina). A preocupação co­
mum é compreender como a linguagem é produzi^ social e hisio- 
ncamente, como ela constitui e é constituída pelo ter humano. E, 
ao mesmo tempo em que ela cristaliza instituições, ela as nega e 
as transforma pela refkxio e açlo do homem.
Em A incompletude do sujeüo, Eni Orlandt analisa o sujeito 
que fala, inserido necessariamente numa realidade social e histó­
rica. Um sujeito que é história produzida na relação com o Outro 
e, é esse confronto que leva à reversibilidade a qual possibilita o 
dizer.
Em Unidade e dispersão: uma questão do texto € da sideito 
(Eni Orlandi e Eduardo Guimarães), o Autor é analisado en­
quanto Sujeito que ocupa várias posições das quais decone o 
ideológico e, ao mesmo tempo, afirma a sua identidade que se 
materializa num texto que é unidade e dispetilo. Um exemplo de 
análise do discurso concretiza a teoria.
Em O homem perscrutadot Claudlne Haroche e J. 1. Courtl^ 
ne partem da noçáo de persona onde o mesmo é o outro, onde o 
hornem é sempre duplo, onde o real e o aparente estío num jogo 
constante, constituindo a identidade, que é analisada ao longo da 
história.
No artigo Da amdaçáo á emergência do ndetío, Claudlne 
Haroche analisa como, através dos séculos, é tratada a questio da 
objetividade/subjetividade, em que condições sociais, econômicas 
e polfticu váo produzir uma linguagem e uma gramática que irlo 
permitir tratar o indivíduo de formas diveriu até chegarmos ao 
individualismo de nossos dias.
Boa leitura.
Sihda T. hiaurer Lane
A DCOMFLEnJDB DO SUIEnD 
E quodo o ooliD MRBOi láiT*
Eni PukintlU OrkuuS
Aqueles que tío ilbioe diiem que se deve cofoeçar do oo> 
mee» *. Mm difícilmente defínem o que é ou onde é o começo. 
Tamsém é comum te dizer que te deve icabtr o que te começa. 
Mu poucot te tentem itteguradot de que completifun alguma 
coita ao colocarem um ponto final.
Emborâ na realidade» u coitu lejam utim, é natural <)iie 
te pneieoda que ot peicurioe, ou o fazer» tejam completos* com 
comdço, mek) a fím.
Eua muma vontade q̂inmce no domfhio do injello: q o m 
ter inteiro. ‘
A|»iq t̂ervaçôet que fareoioe. tratam do sujeito o6 domlblo 
da l̂ 'nguqptm, ou mait especifícamente» no da Análise do fHicor- 
to .
A noçio de lujelto que i^llzo deriva de coocepçio que vl 
na l^guagem uro tralNÜbo» uma fonna de interação entre homeq e 
realidade natural e social.
Nettt perspectiva» o texto» escrito ou oral» é apreendido no 
processo de inierlocuçio: é o centro comum que se faz na Intera- 
çlo entre falante e ouvinte. Auim» o domfnio de cada um doe in- 
terkcutores» em si» é parcial e td tem a unidade nc/db texto. Con- 
seqüeotemente» a signifícaçlo te dá no espaço discursivo (inter* 
vale) criado (constituído) peUufnoi doisinterlocutores.
A esM natureza intervalar da constituiçáo da unidade textual 
e àn sentidos corresponde um dominio de incompleiude que 
eaii te necessariamente na constituiçio dos sujeitos.
-------
* Eftt «Qgo loi poMicado cm foAc ée S. fmàf. Slo PmIo. FoIIm dc Mcahl. 
2M1.8j.FoÍbeoro pp.4-5.
I ̂ o texto (o que se diz) nio é soma de palavras, nio é soma 
de frases, nio é soma de interlocutores, e umpouco esgoia-se em 
seu espaço fechado. Tem relação com a exterioñdade, com as 
condições em que se produz, com outros textos.|*
E nesse sentido que se tem proposto urna teoría nio-subjeti- 
va do uso da linguagem.
Quando dizemos não>subjetiva, queremos dizer que, embora 
a noção de sujeito seja fundamental, porque não hã discurso sem 
sujeito, hã, ao mesmo tempo, uma des-centraltzação dessa noção: 
o conceito de discurso despossui o sujeito de seu papel central 
para integrá-lo no funcionamento dos enunciados, dos textos, cu­
jas condições de possiblidade são sistematicamente articuladas 
sobre formações ideológicas. Não se pode apreender, no discurso, 
um sujeito-em-si, mas sim um sujeito constituído socialmente pois 
não são só as intenções que contam, já que as convenções cons- 
titueiQ pane fundamental do dizer.
Assim, de certa forma, falar (dizer) é aer-se estranho, é di­
vidir-se, uma vez que os processos discursivos n io têm sua ori­
gem no sujeito, emlrora se realizem necessariamente nesse sujeito.
Dessa contradição inerente à noção de sujeito deriva uma 
relação dinâmica entre idcntidadCT1lltn1dadcMnaid|nMo que, ao 
marcar a identidade, att^iza (separa) porque diitin |na, ( .n o 
mesmo tempo, integra, porquoaidcntldade é feiu de uma re ltâ õ .
Na linguagem, essa contradítonedade- fwde. aet miiMTla a 
partir da ilusão do sujeito, relação existente entre formação dis­
cursiva e formação ideológica.
Essa ilusão pode ser observada em duas formas de esqueci­
mento denominadas n* 1 e n^ 2.̂ Em relação ao esquecimento 
n- 1, a ilusão origina-se de um apagamento: apaga-se para o su­
jeito o processo pelo t^ual uma seqflência discursiva concreta é 
produzida ou reconhecida como tendo um sentido. Ele recusa a 
inclusão necessária de toda seqflência em uma formação discursi­
va (e não outra) para que essa seqflência tenha um sentido (e não 
outro).3 Nessa recusa, o sujeito tem a impressão (a ilusão) de que 
é ele próprio a fonte desse sentido, isto 6, ele se representa como 
criador absoluto de seu discurso. Esse aoagamento é um apaga­
mento total e podemos chamá-lo inconsciente, ideológico.
Resta dizer que esse esquecimento, assim como o outro do 
qual falarei em seguida, são necessários, isto é, não há possibili­
dade de discurso sem eles.
O esquecimento n^2 ê parcial e semiconsciente. Há uma 
seleção feiu pelo falante, em relação aos processos de produção 
de uma Ifngua deurminada, em que ele vai delimitando o que diz 
e. conseqflentemente, excluindo o que sena possível dizer, na­
quela mesnu situação. Esse esquecimento dá ao sujeito a impres-
in
t io , t ilusão de realidade do pensamento, ou seja, o discurso se 
apreatnta com o reflexo de teu conhecim ento objetivo da ícalida* 
de. h e tsa perspectiva, a escolha entre as várias construções ( u 
paráíiases possíveis) é tignifícativa. Fonnam-se, ao longo do di* 
zer, iam flias parafrásticas - o que h lo se diz mas que se poderia 
dizer naquelas condições - e que fazem parte do que se diz.
Em suma, o dizer n io é apenas o dom ínio do locutor, pois 
tem t ver com as condições em que se produz e coro outros dize- 
res, isto é , com os lugares em que ele passa. Eu diría: o dizer tem 
sua história.
N essa história particular, os protagonistas do discurso, pela 
sua inserção com o parte de uma ordem social, de uma cultura, 
não podd2 ser loniados idealm ente, mas sim em relação a um 
certo lugar que ocupam no interior desta formação social. For is­
to , são, aa mesmo lem po, protagonistas do discurso e protago­
nistas no discurso: produzem e estão reproduzidos rMquUo que 
ptodizem .
Não se deve, pois, endurecer nenhum dos pólos dessa cot>- 
tradição, ou seja. não penso em um sujeito absolutamente dono de 
t i. au im cooio não penso que o sujeito seja completamente de­
terminado pelo que lhe vem de fora. O espaço da subjetividade, 
na liaguagem , é tenso.
A forma m ecanicista, oom que se lem encarado essa relação, 
m oeia-se nas posições que, ou hipertrofiam um sujeito-cm -si, 
criativo, auio-suficienie, todo-poderoso, ou então, caindo no lado 
opoi to , enfatizam o fu, a tirania do outro. D ois extrem os opostos 
de coipocência.• " f gT I Sf wf
Essas pos Íçõ« deixam de lado a m uhiplicidade Inscrita em 
uma^noção dinâmica de sujeito: o sujeito é m dltiplo porque atrs; 
v e s^ e é atravessado por vários discursos, porque não se relaclo^ 
na mecanicamente coro a ordem social da qual iãz pane, porque 
reprfsetua vários papéis e lc .
É a essa dinâm ica, à possibilidade da troca de papéis (e de 
seut. estatutos) que cham o reversibiUdade,^
A relação eu/tu é reversível. Na linguagem essa é a condi­
ção para que haja discurso. Sem a reversibilidade • seja ela real, 
possível ou ilusória - a fala não se constitui. É porque o tu pode 
ocupar o lugar do outro (do fu) e vice-versa, que o dizer se esta­
belece.^ ,
I Por esse aspecto, que é o da reveisibUidade, e que é condi­
ção necessária de qualquer discurso, vemos que não dá para se 
esuncar o movimento que constitui as identidades. Já que em 
terriios de representações: 1) não há separação categórica, dada a 
priori, entre o estatuto do eu e o do outro', t 2) representamos vá-
II
nos p ip éis (ou temos v irios e su m u » ) ao mesmo tempo. É • itso 
que me refíro quando co loco que bá urna instância em que o outro 
som os nós. O que pode ter dito pela metáfora do *um dentro do 
outro*, ou , na versio polftica, pela afinn açio de que n iq M aepa- 
raçâo estanque entre o p r e ^ ^ e pprimkto.
A o*hlo dennos a im poftiñeia devida I revefiib ilidade, o io 
estariamos boje absolutizando a fu n çio do ousno com o antes se 
absolutizou a fun çio do eu? E essa absolutizaçâo o io seria o 
síntoma de um mesmo denominador comum com o Poder? Ou se­
ja. retomando o discurso psicanalílko: n io estaría a í o desejo de 
ultrapassar, de transgredir? A vontade de ter poder absoluto, de 
ser com pleto, desta vez colocando a responsabilidade (a origem ) 
no outrol
Quero enfatizar o fato de que a n o ç io de sujeito carrega 
consigo a de contradição e a de incom pletude.
Quer me parecer que, embora o texto, por d efin iç io . seje in­
com pleto, assim com o o sÍo os sujeitos dafna linguagem , as leo ­
nas tém procurado desconhecer essa incom pletude. A ssim , as teo­
rias que postulam a dom inincia do ew ou a tirania do o i s io teo- 
r iu que refletero o que eu cbamaria dé Uutáo da com pU tyde.
Alé o momento fiquei em tom o da n o çio de contradiçio. 
Gostaria de colocar a n o ç io de sujeito em oulia perspectiva, ou 
seje, considerar outros aspectos de sua constituição, que n io se 
esgotassem nem na postura que pende categóricam ente para um 
dos pólos (o do eu ou do lu) e que t io pouco enrijecesse a relaçio 
de contradiçio. Alguma coisa que o io estacionasse na idéia de 
conflito.
A flm de encaminbar a reflex io nesaa d ireçio , vou sHoar um 
fato que proponho com o ilustração do dom inio de incom pletude 
que é inerenm ao sujeito.
mNHA VIDA DARIA UM ROMANCE
Essa vontade de cristalizar instâncias e poderes, que tem seu 
reflexo na percepção m ecanicista da relaçio entre o cu e o outro 
deriva do fato de serem estas entidades incom pletas.
' O jogo de relaçio que, ao mesmo tempo, revela e recusa 
a incompletude pode aparecer sob diversas formas quando a 
questio é a identidade. E há um fato particularmente interessante 
para se observar isso: a produçio escr iu autobiográfica.
De maneiras m üliiplas, em obras de vários gêneros, de v i­
rios níveis de qualidade, e escritaspor autores de gerações dife­
rentes, h i atualmente, um grande número de obras autobiográfi­
cas.
12
A questão (provisârie). e o lio , é a seguinte: por que há essa 
abundiocia de autobiografias publicadas?
.Para leqKmder, podem os seguir vários caminhos que nos 
mostram configurações diversas e que derivam de razões do do> 
minio da história, da literatura, da psicanálise, da política, da crí­
tica cultural etc. Nem pretendemos que esse seja um fato exclusi­
vo de nossa ápoca. D eve ser cíc lico . N o entanto, ioieressa-nos 
discuti-lo tal com o se mostra hoje.
Indico algumas perspectivas, chcunscritas, entretanto, à 
ilustsBçio da questão da relação entre o eu e o lu , tal com o co lo - 
queí.
0 quadro de referência para as reflexões que se seguem á 
dado pela relação entre o público e o privado, já que este é o 
prim^.iro aspecto que ressalta ao pensarmos essa fonns de produ­
ção iterária em que o autor fala diretamentc de si mesmo (de sus 
privacidade) e de modo público.
Entre as várias respostas que se podem sugerir a respeito 
desta *leodência*. alguooat especialm ente me têm chamado a aien-
/ • A o ae escrever resgata-se a irrqioiência em le la ç io ao 
real. Quando se mostra oprim ido, o rnmor identifica o outro que p 
oprime. Isso, colocado na pcispeciiva histórica, pode ser visto qsr 
lim: ao contar sua história (contida) ela vira estória (liian iu ra) f' 
pass^ pq^ a História (contada). É um processo ds legitim ação. * ^
 ̂ I Esi^ % a forma da salda do silêncio. Sendo que esse sMêncio 
lein p aeblido de censura, da opressão, da fiiüia de liberdade q da 
falta de perspectiva de ágir sobre o real, da im possibilidade ds 
critícar, de discordar. Na história brasileini. esse é apenas m t dos 
lugares em que se mostra o deslocam ento da advidads política, ou' 
seja,' a Delta de espaço para essa atividade em seu lugar mais pró-, 
prio, É . dessa Donna, um Dsio que nrostra o estrangulamento das 
alieàiativas de discordância. ,
! Representa um modo dê rooçóo á oprêsêáo, rrs perspectiva 
histürico-social. política: ao contar a opressão, torno públicos 
seu s mecanismos.
1 2 . Uma outra espécie de resposu possível á a que revela a 
crise de identidade, d a is a forma que lem a nossa sociedade: a da 
dispersão.
Para a constituição da identidade, não bastam as relações: é 
preciso recom põ-las, dar-lhes unidade, a partir de uma vontade 
que^se dá com o autoria. E a escrita permite esse distanciam ento 
do qotidiano (análise), favorecendo a fixação de pontos de vista.
• A suspensão dos acontecim entos para observação, pela es­
crita, permite a auto-referêfK:ia sem ss intervenções que se dariam
13
na situação ordinána de vida. N essa v e n to o autor escreve para 
falar de si mesmo, direlamente.
É um mcdo de reaçáo ao autom atism o do cotidiano. O ou­
tro parece aer o objeto (Uuadrio) da atenção mas o eu-mesmo é o 
objeto final déla.
3. E pÑsn citar mais urna possibilidade de resposta, entra etn 
causa a ideología do sucesso: *01ha eu aqui*. *Eu sou poeta*. 
‘Porque nto?*.
De repente descobre-se que. primeiro, eu-mesmo posso ser 
objeto de interesse (numa v isto deslocada do anti-herói) e . ae- 
gundo, eu-mesmo posso ser objeto de atenção de m ilhdes de bra­
sileiros. O que é preciso é aparecer. É a solução do esponienefs- 
mo. a que está no escopo da cultura de m usa.
Esse, eu diria. é um modo de reaçdo ao <
^ x N essa s diferentes interpretações - pois afinal as três poasi- 
b iíi^ d es derivam da questão *de quem (ou o quê) se está ftüaiKlo 
de?* - há sempre a tentativa, a procura da cooipleiude através de 
apagamentos. Em i . apagan>-se os lim ites histdria/estdria/H isld- 
ria. ou, em outros term os, o lim ite entre o eu-pessoai e o tuzpaUí. 
tico. Em 2 . apagam -se os lim ites que determinam o oBjeto legíti­
mo da narração, isto ¿ . o s lim ites daquilo que é legitim o contar: 
conti-se o eu. Em 3. apagam -se os lim ites do que se costum a con­
siderar alvo digno de interesse: coloca-ae o eu com o objeto de 
interesse geral.
Podemos entender esses apagam enios oemu m anifestações 
do que eu chamaria de ideologia do f ragntenub io , da promoção 
de experiéncta e do cotidiano etc . Ou aeja. bá toda urna ideologia 
política, científica , literária, de ra-valorizaçio dos m odos inform áis 
de organização, de conhecim ento, de arle e tc . Havería seu equiva­
lente na relação entre individual e un iven al, particular e geral, 
público e privado, real e im aginário, com o fonna de integração 
(de com pletude). que se apresenta nos m odos de reação que ob­
servamos através do 'fenômeno* das autobiografias. O que pode­
mos resumir dizendo que todos essea m odos de reação, ou antes, 
todas essas respostas que se procuram efetivar, compartilham o 
seguinte aspecto: elas produzem um deslocam ento na concepção 
de literatura, ou . mais dirctam ente, na relação coro a linguagem .
Alguns d estes nxxSos são considerados mais legítim os do 
que outros. N o entanto, de forma geral, e por aerem vistos de 
forma m onolítica, provocam , por aua vez, dois dpos de resposta 
dos críticos oficiait: ou o discurso da com petência (*Essa é uma 
má literatura, uma literatura menor* e tc .), ou o discurso da facili­
dade (*É isso ai. é uma experiência válida, é preciso ousar* etc .). 
Acho que ambos os discursos — o da com petência e o da facilida-
14
de •> oftüoeai do roesroo lugar, o da disputa pela voz que categori­
za (cataloga); a voz do dono, o dono da voz. conx> diría Chico 
Buarque. E n io dá para se desconhecer a pluralidade de causas, 
de manifestações possíveis e de interpretações várias a respeito 
desse mesmo fato.
Além disso, há efeitos inieressanies que se podem observar 
nesse acooiecim eoto.
Por esem plo, o de que se pode falar de outros para falar de 
si^, pode-se falar de si para falar de outros e pode-se falar de si 
para falar oe'ai. Uma vez desencadeado o processo da escriu na 
sua dimensfto pdblica. náo temos mais certeza de qual dessas pos­
sibilidades é que estará atuando efetivamente.
Dois exem plos literários me vêm à mente quaiKlo afinno is- 
•o.
O que eu considero com o o reverso dessa medalha do auto- 
biogrsüsm o. que é o conto 'Folha de ocorrência*, de C. Vogt.^
A morte, aí. é que se multiplica em 'incompatibilidades, 
oontracições de datas, locais e circunsiiiKias*. E de personagens 
(identidades). ^
Em relaçioi ao fato que aqui estamoa explorando, podemoa 
dizer ^ue as personagens oeste conto se transtraidam em várias 
possfves. enquanto ae mantêm fixos os fatos. Essa é uma maneira, 
de contar que. ao passar do contido para o contado, n lo privilegia* 
um rti mas fsla da perspectiva de iodos oa eur. que s io persona; 
gens e se dissolvem . E que. por isto, ficam m iito mais defuiidas e 
preseikfBS.
GKi en fio , eaae onesmo caao de Identidade pode ser visto, de 
outra perspectiva, em R. B oovicino, no que foi chamado um auto- 
retrato deinolidor. “Se sou persorugem de bijuteria/palavra de 
segunda m ão/traduçio da traduçáo da tra."
Fodenaos tomar. airaSa, uma d ireçio diversa, em que outra 
forma e outra dtmenaáo é dada i questão da identidade. Para 
Ilustrar essa outra d ireçio , cito uma passagem do Frdro, de Pla­
tão.^
T rata-^ da passagem em que. questionado por Fedro a res­
peito da suá crença em relação I interpretação do mito de Bõ.^as 
e de Orfüa, Socrátes responde que lhe parece ridículo estudar coi­
sas estanhas, antes de saber o que, de fato, ele prdprio é. Assim , 
ao invés de Investigar esses problemas, dizia Sócrates, “cuido 
apena^ de examinar-me**. D izia mais: “Quero saber se sou algum 
m onst^ mais com plexo e mais cego do que T ííão, ou algum ser 
iTuús delicado e mais sim ples e que tem, por natureza, algo de lu­
minoso e de divino*'.
I
IS
Expiorando-se a ironia socritica destas aíiniiações, pode­
mos chegar ao entendimento de que. ao voltar-se para si mesmo, 
o homem acaba por ter de conhecer profundamente todas as ou­
tras coisas.
O que meleva. como forma de rispender essa reflexio, a 
dizer que a questão do sujeito não 6 uma questão fechada e que. 
nesse passo, é que poderiamos começar a formular questões mais 
reais sobre essa noção.
N oti» e Rffr if ir ia i BíM iogrfficM
1. PÊCHEUX. M. Les vérüés de Ia Pólice. Paris. Maspero. 1973.
2. Comparem-se os sentidos da palavra democracia referida a uma forma­
ção discursiva cap iu lisu e a uma formação discursiva socialista, por 
exemplo.
3. A aulo-referiocia é um procedimento que, além da autobiografia, tem 
feito o estilo de uma forma atual de critica.
4. VoGT. C . Folha de o c o n in d a . Folha de S. Paulo. S io Paulo. Folha da 
ManhlL 22.03.83. Folhetim, p. 2.
5. Pl a t ã o . Fedto. In : . Diálogos. Trad. bras. de Jaime Bruma. 3* 
ed. São Paulo, Cultiix, 1937.
16
UNIDADB B DISreRSAO: 
m i qucftBo do texto e do njdto
ti
V
Eni PiilcineUi Or'andi 
Eduardo Guimarães
IXL Vamos panir da afirmaçlo de que o discurso é uma 
dlspenAo de textos e o texto ¿ uma dispersilo do sujeito.* Assim 
sendo, a constituidlo do texto pelo sujeito 6 heterogênea, isto é, 
ele ocupa (marca) v á ríu posições no texto.
Podemos entlo dizer que o discurso é caracterizado por uma 
dupla dispersio: a dos textos e a do sujeito.
|Uma outra maneira de aíinnar e s u heterogeneidade, inscrita 
na oéçio de discurso, é definir o sujeito como descontinuidade è 
0 texio como espaço de disMoções mdltiplu.^
•Cssu reflexões nos levam a aíinnar que o texto é atravessa­
do par várias posições do sujeito.
^Resta perguntar: o que revelam e s su v á iiu posições?
< O que procuraremos mostrar nesK estudo é que e su s dife- 
rentqê p o s iç te do sujeito no texto correspondem a diversu /or- 
maçòes dixursivas. Isto se dá porque em um mesmo texto pode­
mos encontrar enunciados de discursos diversos, que derivam de 
várias formações discursiva.
. A constituiçlo do texto, do ponto de vista da ideologia, nfo 
é homogênea. O que é previsível, já que a ideologia nio ê uma 
máquina lógica, sem descontinuidades, contradições etc. É isto 
que ^ difereiitet posições do sujeifo represenum no texto.
l . l J À outra afirroaçlô que nos interessa, e que deriva de 
F o ucau li^ la de que slo as formas de assujeitamento ideológicas 
que goveiram os mecanismos enunciativos.
I Daí que estes últimos slo infinitaroente mais complexos que 
jaqudles postulados pela liberdade do 'sujeito falante* das T e o n u 
da Enunciaçáo. . ..
I / ' . / /» ' 1 , • M 7.» * '
\
"f *
17
Segundo essas teorías - que t£m conx> autor fundamental E. 
Benveniste, postulando a necessidade de se considerar o ato de 
produção da linguagem - o sujeito-locutor centraliza esse ato de 
produção e aparece como fom e da linguagem. Além disso, há nos 
textos, segundo essas teorías, marcas que atestam a relação do 
sujeito com seu dizer e, através dele, com o mundo. Na constitui­
ção da subjetividade, que é segundo as Teorias da Enunciação a 
propriedade principal da linguagem, o sujeito dela se apropria 
“defínindo-se ao mesmo tempo a si mesmo como eu e a um par­
ceiro como tu '\^ As marcas da enunciação manifestam o jogo da 
intersubjetividade.
Nas Teorias da Enunciação é como se o universo da enun­
ciação se tomasse o ültimo refúgio da problemática ideológica da 
liberdade.^
Na perspectiva da Análise do Discurso, ao contrário, não há 
essa liberdade e as marcas que atestam a relação entre o sujeito e 
a linguagem, no texto, não são detectáveis mecânica e enpiríca- 
mente. Os mecanismos emmciativos não são unívocos nem auto- 
evidentes. São construções discursivas com seus efeitos, de cará­
ter ideológico.
As marcas são pistas.^ Não são encontradas diretamente. 
Para se atingi-las é preciso teorizar. Além disso, a relação entre 
as marcas e o que elas significam é tão indireta quanto é indireta 
a relação do texto com as suas condições de produção. No domí­
nio discursivo não se pode, pois, tratar as marcas ao modo ‘posi­
tivista* como na lingõfetica.
1.2. As duas afirmações dos parágrafos iniciais dizem res­
peito à unidade do discurso frente à complexidade (diversidade de 
processos) da sua constituição.
Para entender essas colocações talvez seja preciso explorar 
em profundidade a derínição de discurso como ‘regularidade de 
uma prática’, definição em que a unidade do discurso não está na 
“coerência visível e horizontal dos elementos formados, ela resi­
de bem aquém, no sistema que toma possível e rege uma forma- 
çâo’’.7
Ou seja, para caracterizar um discurso é menos inqxiitante 
(e possível) remeter a um conjunto de textos efetivos do que a um 
conjunto virtual, o dos enunciados produzíveis confonne às coer- 
ções da formação discursiva.
O discurso não é um conjunto de textos, é uma prática. Para 
se encontrar sua regularidade não se analisam seus produtos mas 
os processos de sua produção.
Enfim, há um sistema de regras que define a especificidade 
da enunciação: há uma dispersão de textos mas o seu modo de
18
inscrição histórica permite defini-la como um espaço de regulari­
dades enunciativas.^
Resta dizer que, como vemos, fala-se sempre em discurso e 
enunciado de modo a explicitar as suas relações, mas a noção de 
texto vem sempre pressuposta e indefínida. Dado o fato de ser 
o texto uma unidade complexa, tem sido diñcilmente assimilada 
pelas diferentes teorias que tratam do discurso. Um dos nossos 
propósitos nesse trabalho.é esclarecer um pouco mais essa noção 
e suas relações com a de discurso.
1 3 . Da mesma forma que pensar as marcas em si é uma 
postura que revela o mecanicismo e o empirismo de uma certa 
tendência lingüística, também é essa mesma postura que se mostra 
quando se pensa a relação automática do discurso com a situação. 
O discurso não é um reflexo da situação, nem está mecanicamente 
determinado por ela.
Além disso, o discurso não tem como função constituir a 
‘‘representação fíel de uma realidade mas assegurar a permanên­
cia de uma certa representação**.^ Por isso há na gênese de todo 
discurso o projeto totalizante de um sujeito, projeto este que o 
converte em autor. Este projeto é o de “assegurar a coerência e a 
completude de uma representação**.
O sujeito se constitui como autor ao constituir o texto. A 
autoria é o lugar em que se constrói a unidade do sujeito. É onde 
se realiza o seu projeto totalizante.
Esta é uma das dimensões em que se revela a “ interpelação 
do indivíduo em sujeito** ̂̂ interpelação esta que traz consigo, 
necessariamente, a aparência de unidade que a dispersão toma.
Podemos observar, dessa forma, os efeitos da ideologia; ela 
produz a aparência da unidade do sujeito e a da transparência do 
sentido. Estes efeitos, por sua vez, funcionam como ‘evidências’ 
que, na verdade, são produzidas pela ideologia. Tomá-lo como 
uma realidade é ñcar submerso na ideologia, na sua construção 
enquanto evidências. Para não fazê-lo, isto é, para exercer uma 
função crítica, é preciso levar em conta dois fatos: a) o processo 
de constituição do sujeito; e b) a materialidade do sentido.
1.4. Os fundamentos de uma teoria não-subjetiva do sujeito 
é que podem dar conta da ilusão da autonomia e unidade en­
quanto efeitos ideológicos da ‘interpelação do indivíduo em su­
jeito*.
Vale ressaltar que é em relação à tal constituição do sujeito 
que também se pode pensar a relação entre inconsciente e ideolo­
gia: o recalque inconsciente e o assujeitamento ideológico estão 
materialmente ligados, segundo Pêcheux^^, no interior do que se 
podería designar como processo do signiñeante na interpelação e
19
identificaçáo do sujeito. Processo pelo qual se realizam as condi­
ções ideológicas.
Para compreender este processo comecemos por dizer que a 
categoria do sujeito é a categoria constitutiva de toda ideologia; 
não há ideologia sem sujeito.
A evidência de que eu c tu somos sujeitos, tal como a certe­
za da signifícação, isto é, a evidência da transparência da lingua­
gem, é, como dissemos, um efeito ideológico (elementar).
Observar o processo de constituição do sentido edo sujeito 
é observar o *teatro da consciência'. Paralelamente, podemos di­
zer que a unidade do discurso também é um espetáculo, 6 uma 
cena de teatro, em dois atos:
1- ) A evidência do sujeito, ou melhor, sua identidade, es­
conde que esta resulta de uma identificação, que é o que constitui 
sua interpelação.
Essa interpelação — que se dá pela ideologia — produz o su­
jeito sob a forma do sujeito de direito (jurídico) que, historica­
mente, coresponde à formar-sujeito do capitalismo: sujeito ao 
mesmo tempo autônomo (e, logo responsável) e determinado por 
condições externas;
2- ) A evidência do sentido, de sua parte, esconde seu cará­
ter material, a historicidade de sua construção.
1.5. É a relação do sujeito com o texto<, deste com o discur- 
sOt e a inserção do discurso em uma form ação discursiva deter­
minada que produz a impressão da unidade, a transparência, em 
suma, a completude do seu dizer.
Com os conceitos de paráfrase e polissemia, Orlandi^^ pro­
curou deslocar a dicotomía paradigma/sintagma que sustentava 
tradicionalmente a reflexão sobre o uso da linguagem.
Cremos que novo deslocamento se faz necessário teorica­
mente. Este deslocamento é o que, ao invés de tratar, no dominio 
da enunciação, dos modos de enunciação do discurro como por 
exemplo, os do discurso citado — trata do próprio modo como a 
dispersão e a unidade jogam na constituição da textualidade. 
Trata-se desta vez de se considerar a unidade na dispersão: de um 
lado, a dispersão dos textos e a dispersão do sujeito; de outro, a 
unidade do discurso e a identidade do autor. As dicotomias são, 
pois; texto/discurso, sujeito/autor.
Tratar da construção dessa unidade (do discurso) e dessa 
identidade (do autor) é atingir o modo pelo qual o texto é atraves­
sado por várias formações discursivas.
Neste estudo, procuraremos fazer isso, salientando, nesse 
modo de organização, a relação entre form ação discursiva e po­
lifonia. As marcas que tomaremos para observar essa relação são
20
as catyunçõeSf a negação e as formas de indeterm inação gramati- 
cal.
Como dissemos, as várias posições do sujeito podem repre­
sentar diferentes formações discursivas no mesmo texto. É preci­
so, no entanto, ressaltar que a relação entre as diferentes forma­
ções discursivas no texto podem ser de muitas e diferentes natu­
rezas; de conñonto, de sustentação mútua, de exclusão, de neu­
tralidade aparente, de gradação etc.
Por outro lado, o resultado da relação de autoria do sujeito 
com essa pluralidade de formações discursivas no texto não é ne­
cessariamente a de harmonizar, excluir etc. E isto pode ser obser­
vado pelo modo de existência da polifonia no texto.
Em suma, tomamos a polifonia coroo um dos lugares de se 
observar a relação entre as diferentes formações discursivas e a 
constituição do texto em sua unidade.
1.6. Observemos, agora, essa relação entre texto, sujeito 
e form ação discursiva.
De acordo com a Análise do EHscurso, o sentido não existe 
em si mas é determinado p>elas posições ideológicas colocadas em 
jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzi­
das.
As palavras mudam de sentido segundo as px>sições daque­
les que as empregam. Elas tiram seu sentido dessas px>sições, isto 
é, em relação às formações ideológicas nas quais essas px>sições 
se inscrevem.
A formação discursiva se define como aquilo que numa 
formação ideológica dada (isto é, a partir de uma posição dada em 
uma conjuntura sócio-histórica dada) determina o que px>de e de­
ve ser dito.
As pjalavras recebem, pois, seu sentido da formação discur­
siva na qual são produzidas.
Se isto se dá com o sentido, px>r outro lado, também os indi­
víduos são interpelados em sujeitos falantes (sujeitos de seus dis­
cursos) p>elas formações discursivas que, px)r sua vez, representam 
as formações ideológicas que lhes correspx>ndem.
Uma palavra recebe seu sentido na relação com as outras da 
mesma formação discursiva e o sujeito-falante af se reconhece.
A formação discursiva é, enfim, o lugar da constituição do 
sentido e da identincação do sujeito. É nela que todo sujeito se 
reconhece (em sua relação consigo mesmo e com outros sujeitos) 
e af está a condição do famoso consenso intersubjetivo (a evidên­
cia de que eu e tu somos sujeito) em que, ao se identifícar, o su­
jeito adquire identidade. É nela também, como dissemos, que 
o sentido adquire sua unidade.
21
Esta é urna forma de explicitar o que dissemos no final do 
Ítem 1.3.
1.7. Resta estabelecer com alguma precisão a relação entre 
enunciado, texto, discurso, formação discursiva.
A relação entre texto e discurso não é biunfvoca (um discur­
so não é igual a um texto e vice-versa). Por outro lado, o texto 6 
unidade de análise mas não é unidade de construção do discurso. 
Nem por isso deixa de ser um ccmceito mediador imprescindível: 
a unidade de construção do discurso é o enunciado mas ele tem 
de ser referido ao texto para poder ser apreendido no processo de 
construção do discurso.
Um texto, tal como ele se apresenta enquanto unidade (em- 
pínca) de análise, 6 uma superfície linguística fechada nela mes­
ma: tem começo, meio e fim.
Como diz Pêcheux, é impossível analisar um discurso como 
texto, enquanto superfície fechada em si mesma, “mas é necessá­
rio referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um es­
tudo definido das condições de produção**.’ ̂ Ou seja, é preciso 
tomar o texto como discurso, enquanto estado determinado de um 
processo discursivo. O conceito de discurso deve aí ser entendido 
enquanto conceito teórico que corresponde a uma prática: efeito 
de sentidos entre locutores.
O texto, de seu lado, se constitui de enunciados. O enuncia­
do é enunciado na medida em que aparece em um texto, compre­
endido este na perspectiva discursiva. Os diferentes enunciados 
podem marcar düeientes p>osições do sujeito no texto.
Isto se dá de tal forma que pode haver enunciados de forma­
ções discursivas (F.D.) diferentes em cada texto efetivo. Assim:
texto texto
22
Pensando-se a relação dos textos com os funcionamentos di- 
ciirnivos que constituem os diferentes tipos de discurso (com suas 
propriedades), podenws dizer que um tipo de discurso, como o 
fomalístico, por exemplo, é constituído de uma pluralidade de 
textos efetivos que, por sua vez, são marcados por formações dis­
cursivas diferentes.
No entanto, como há a vocação totalizante do sujeito (au- 
tt>r), estabelece-se uma relação de dominftncia de uma formação 
discursiva sobre as outras na constituição do texto.
Cada texto tem, assim, uma certa unidade discursiva com 
que ele se inscreve em um tipo de discurso determinado. Então, 
no discurso jornalístico, por exemplo, temos textos da formação 
discursiva x , outros da formação discursiva y etc.
Sem esquecer, portanto, que essa unidade textual, constituí­
da enquanto dominftncia, resulta ela mesma, segundo o que vimos 
colocando anteriormente, de um efeito discursivo: o texto é hete­
rogêneo e se apresenta como uma unidade, dada sua relação com 
o discurso e sua inscrição em uma formação discursiva especffica 
que se confronta com outras.
É esse efeito ideológico discursivo que procuraremos estu­
dar na construção do texto, com o unidade que se constitui de um 
concerto polifónico.
Pensando-se todas essas variedades de formas e funções 
inscritas na multiplicidade de instâncias que caracterizam o dis­
curso é que podemos entender Foucault quando propõe **fazer 
uma história dos objetos discursivos que não os enterrasse na pro­
fundidade comum de um solo originário, mas desenvolvesse o ne­
xo das regularidades que regem sua dispersão*\ Ou melhor: *‘em 
lugar de reconstituir cadeias de inferências (como se faz fneqüen- 
lemente na história das ciências ou da IfUosoña) em lugar de esta­
belecer quadros de diferenças (como fazem os lingüistas), descre- 
veria sistem as de dispersão'* (grifo nosso).
1.8. Vejamos, finalmente, de forma mais direta, como se 
relacionam noções como as de sujeito e autor.
De aconfo com ÍFoucault^^há processos internos de controle 
e delimitação do discurso. Esses processos se dão a título de prin­
cípios de classiricaçâo, de ordenação, de distribuição, visando 
domesticar a dimensão do acontecimento e do caso do discurso. 
l'a l controle pode ser observado em noções como as de com entá­
rio , autor e disciplina.^^
Ver na fecundidade do autor, na multiplicidade de comentá­
rios e no desenvolvimento de uma disciplina, recursos infinitos 
pam a criação dos discursos é um hábito e tem suas razões. Mas
23
para se preciar seu papel positívo e multiplicador é preciso se 
levar em consideração, também, sua função restritiva é coercitiva. 
Nesse sentido é que trazemos para a reflexão o princípio da auto­
ria.
Trata-se de considerar o autor como princípio de agrupa­
mento do discurso, como unidade e origem de suas signifícações, 
como foyer de sua coerência.
Segundo Foucault, o princípio da autoria não vale, entre­
tanto, para tudo nem de forma constante. Há discursos que circu­
lam sem derivar seu sentido e eficácia de um autor ao qual se po­
de atribuí-los: conversas, decretos e contratos que necessitam de 
quem os assine mas não de autores, receitas técnicas que se 
transmitem no anonimato etc. No sentido em que estamos toman­
do a noção de autoria, e que é uma extensão ao de Foucault, a 
própria unidade do texto é efeito discursivo que deriva do princí­
pio da autoria. Desse modo atribuímos um alcance maior e que 
especifica o princípio da autoria como necessário para qualquer 
discurso, colocando-o na origem da textualidade. E aí retomamos 
Foucault: o princípio do autor limita o acaso do discurso “pelo 
jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do 
eu*\
Podemos pensar essa unidade que se faz a partir da hetero- 
geneidade e que deriva do princípio da autoria como uma função 
enunciativa. Teríamos, então, as várias funções enunciativas do 
sujeito falante, como segue, e nessa ordem: locutor, enunciador e 
autor. Onde o locutor é aquele que se representa como eu no dis­
curso, o enunciador é a perspectiva que esse eu constrói, e o au­
tor é a função social que esse eu assume enquanto produtor da 
linguagem. O autor é das dimensões enunciativas do sujeito a que 
está mais determinada pela exteriorídade (contexto sócio-históri- 
co) e mais afetada pelas exigências de coerência, não-contradi- 
ção, responsabilidade etc.
De certo modo, explicitar o princípio da autoria é desvelar o 
que produz o apagamento do sujeito.
Esse é um lugar interessante para observar a relação dinâmi­
ca entre sujeito e discurso.
Se é verdade, como diz a enunciação, que o sujeito se marca 
no discurso por um mecanismo enunciativo, não é menos verdade 
que, por aí, em contr^artida, também o disciuso se inscreve no 
sujeito. E essa inscrição, esse efeito discursivo, resulta no apa­
gamento do sujeito.
O falante é o material empírico bruto, e enquanto enuncia­
dor é o sujeito dividido em suas várias posições no texto. O autor, 
ao contrário, é diferença (originalidade) sem ser divisão (in-
24
tlIvÉdiiiiliiUüe). O autor, então, enquanto tal, apaga o sujeito pro- 
«lii/intio uina unidade que resulta de uma relação de determinação 
tio «ufeito pelo seu discurso. Desse modo vê-se a ação do discur- 
■o aohne o sujeito.
1'ortanto, é na relação entre discurso e sujeito que poden>os 
nl>frender o jogo entre a liberdade (do sujeito) e a responsabilida­
de (do autor).
2.0. lYocuraremos, nesta parte, ilustrar a relação entre uni’ 
ittuie e dispersão. Para isto faremos a análise enunciativa dos re- 
coitei^^’ discursivos de um texto. Nesta análise será utilizado o 
com eito de polifonia^ formulado inicialmente por Bakhtine^^ e 
a<|ui ulitizado na perspectiva da Semântica da Enuociação. Nesta 
l>crspectivB considera-se que na enunciação há papéis diferentes 
assumidos pelo sujeito.
Por um lado consideramos o locutor e seu alocutário. O lo- 
t iiior é aquele que se representa como eu na enunciação, repre- 
srninndo-se, internamente ao discurso, como o responsável pela 
enunciação realizada: o locutor é uma fígura constituída intema- 
mrnie e marcada no texto pela formas gerais do paradigma do eu: 
() alocutário é o m do discurso, é o correlato do locutor.^^
Por outro lado temos o nível da relação entre enunciador 
r lirstinatàrio. O enunciador é a posição do sujeito que estabelece 
a iwrspectiva da enunciação. Esta perspectiva pode ser a do pró- 
piio locutor^ pode ser, ao contráño, a do alocutário, e neste caso 
o locutor constitui um recorte enunciativo como se ele fosse 
enunciado da perspectiva de seu alocutário; pode ser uma pers- 
fiectiva de uma voz genérica^^, do senso comum, por exemplo; 
|hkJc ser a perspectiva de uma voz que apresenta o discurso como 
uma verdade inquestionável, 6 o que se pode chamar, assumindo 
uma perspectiva correlata à de Perelman^'^ sobre os auditórios, de 
enunciador universal.
Tomando estas categorias, caracteriza-se uma raunciação 
coHK) polifónica sob dois aspectos. No primeiro, tem-se polifonia 
se o recorte produzido representa mais de um locutor para o 
enunciado. E 6 preciso levar em conta o próprio modo de repre­
sentação do locutor que: a) pode marcar-se como eu no texto; b) 
<x'ultar-se na impessoalidade; c) e mais que representar-se como 
responsável pela enunciação, lepresentar-se como locutor-en- 
tfiMinío-pessoa, como origem do discurso, ao qual o discurso refe­
ra. l>estas diferenças nos ocuparemos com mais detalhe na pró- 
pna análise do texto.
Um segundo tipo de polifonia é quando se representa mais 
dr um enunciador num recorte, ou seja, mais de uma perspectiva 
dr onde se realizam as enunciações. Rxle haver, para um recorte.
25
um enunciador que corresponde ao locutor e um enunciador gené­
rico, por exemplo.
A análise que faremos dos recortes se baseará nas instruções 
que a Semântica da Enunciação oferece para explicar o modo co­
mo se constróem tais sentidos. Vale lembrar que esta teoria se­
mântica não considera que os conteúdos das estruturas lingüísti­
cas são imediata e mecanicamente explicáveis. Ao contrário, o 
que se procura explicar é como os sentidos são constituídos nos e 
pelos recortes discursivos, ou seja, na instância de discurso.
2.1. AnalisenK)s agora o texto ‘A lição da greve’25 (anexo 
I). Para esta análise utilizaremos as descrições, p>ortanto as instru­
ções produzidas pela Semântica da Enunciação para a explicação 
do sentido de diversas estruturas linguísticas como P, mas (no 
em anío) P, pois 0^7; ^ negaçáo^^ e as formas de indetermi- 
nação que vimos estudando mais recentemente.^^
Faremos a análise considerando, inicialmente, e sem maiores 
detalhes, os quatro primeiros parágrafos do texto como um único 
recorte. Em seguida ix>s deteremos na análise dos dois últimos pa­
rágrafos, notadamente no do penúltimo.
Antes desta análise é indispensável localizar o texto em ob­
servação. CXi seja, dar algumas informações sobre as condições 
de sua produção. Ele foi escrito por um banqueiro, durante a se­
mana da greve dos bancários em setembro de 1985. Esta greve se 
deu logo depois da queda de um ministro de Estado (ministro da 
Fazenda) que era tido como uma das peças não muito homogê­
neas na máquina do Governo. Registre-se que o próprio editorial 
deste número da Isto É considera que a entrada do novo ministro 
deu coesão à equipe ministerial e que no episódio da greve, se­
gundo o mesmo editorial, observou-se a primeira manifestação 
desta coesão.
Ressalte-se, ainda, que a revista não apresentou, neste mes­
mo número, nenhum artigo de nenhum bancário. >
2.1.1. Vamos à análise da organização do texto. Podemos 
tontar os quatro primeiros parágrafos como correlatos de um re­
corte que apresenta no primeiro parágrafo argumentos para uma 
conclusão como O Brasil está construindo sua democracia (C). O 
no entanto do início do segundo parágrafo inverte esta direção 
argumentativa e acumula um conjunto de argumentos, todos na 
direção oposta à da conclusão acima. Ou seja, argumenta-se, e 
estes argumentos são apresentadoscomo predominantes, para O 
Brasil não está construindo sua democracia (“ C).
É interessante notar que tanto os argumentos iniciais na di­
reção de C quanto os demais na direção de 'C são construídos 
como numa narrativa quase impessoal dos fatos. A aparente im­
26
l>cssoalidade só se desvela se observamos elementos de avaliação 
como obviam ente e legitim am ente no primeiro parágrafo; as as­
pas em ”superior’' no terceiro p>arágrafo; ou ainda avaliações 
como m eros no quarto parágrafo.
Estas observações nos levam a considerar que o locutor (fí- 
gura responsável pela enunciação e que se representa como tal no 
discurso) se oculta neste caso. Diremos, então, que o locutor é um 
locutor impessoal^ que representaremos como L-. E a perspectiva 
de onde fala é a de um enunciador correspondente a L-.
É notável, no entanto, que enquanto o locutor (L-) se oculta 
é possível encontrar neste recorte a representação do locutor-en- 
quanto-pessoa (Lp). Esta figura da enunciação é a pessoa no 
mundo que entre suas características tem a de se apresentar no 
discurso como sendo sua origem. Consideraremos que a caracteri­
zação de Lp não é meramente psicológica mas social e histórica. 
Assim, neste caso, Lp é o banqueiro que se apresenta como um 
L- que se oculta na impessoalidade. A representação de Lp neste 
recorte aparece, exatamente, pelas avaliações que registramos 
acima. O bviam ente, legitim am ente, m eros marcam a incursão de 
Lp no texto. Mais interessante ainda é o caso de ''superior”. 
Aqui as aspas fazem duas coisas. Por um lado L- relata a fala de 
outro locutor, L j , que teria dito algo como: *'o banco está fecha­
do por ordem superior” . Por outro lado Lp critica a ordem relata­
da por L ]. Poderiamos dizòr que há neste caso três locutores: L- 
que relata a fala de L | a qual informa a ordem de L2. E o que Lp 
critica é a ordem de L2.
2.1 JL. Feitas estas observações acerca do movimento dis­
cursivo deste recorte inicial do texto, tomemos agora o quinto pa­
rágrafo e analisemo-lo com mais detalhe.
B
Ninguém contesta a necessidade de ser revista a le­
gislação salarial, pois é injusto o aumento que não
cobrir a inflação, /bem como hã de ser alterada a lei_
de greve, para compatibilizá-la com o regime demo­
crático. //Mas não é compreensível que se violente a_
lei, se desprezem os legítimos direitos dos cidadãos e
que o Estado se omita cm suas obrigações constitu-_
cionais, /pois democracia se ordem e respeito às leis 
não é democracia, mas campo aberto para submeter 
a vontade da maioria.
Al
A2
Bl
B2
Podemos considerar, neste caso, um recorte que apresenta 
uma articulação pelo m as entre duas sequências do parágrafo, e 
que cada uma destas seqüências organiza-se em recortes internos 
a este recorte maior (recorte 1). Assim apresentaremos primeiro o
27
recorte 1 e em seguida o recorte interno correlato à primeira parte 
do recorte 1, e depois o recorte interno correlato à sua segunda 
parte.
Antes da análise do recorte 1, algumas considerações sobre 
o mas argumentativo.
As análises da Semántica Argumentativa têm mostrado que 
a constituição do sentido da enunciação da seqüéncia P, mas 
Q deve ser explicado por urna instrução que representamos como 
segue:
r 'r
í x mas -----)-r30
__ 1 l _ _ J
Ei Ei
onde, X é conteüdo de P e Y o conteüdo de Q e r e ' r as conclu­
sões a que levam e que são preenchidas segundo a situação; Ej e 
Ej são dois enunciadores que em cada situação são configurados 
também de modo especffico. Ou seja, na perspectiva de um enun- 
ciador (Ep se argumenta com X a fovor de urna conclusão r, mas 
na perspectiva, que se apresenta predomiiuuite, de um segundo 
enunciador (Ej), se argumenta para a conclusão oposta ' r. A 
perspectiva de E j, em gcral, corresponde à do locutor.
Vejamos, então, o sentido do Recorte I considerando a ins­
trução especifícada acima:
legitimidade 
da greve
ilegitimidade 
da greve
mas
J
E o (= I - )
B •) ilegitimidade 
da greve
J
El ( - L-)
Consideramos que aqui também o locutor é um locutor im- 
pcssoalizado, pelas mesmas razões apresentadas para o recorte em
que se incluem os quatro parágrafos inicias. Assim L- realiza sua 
argumentação representando a posição deste locutor impessoal, 
ou seja, tanto Ej q i^ to Ej são preeenchidos na situação pela 
mesma perspectiva. E interessante ressaltar que com o conteddo A 
o locutor apresenta urna argumentação tomada como de dominio 
público, mas o locutor apresenta B como argumento mais forte e 
definitivo contra este primeiro argumento e assim sustenta a ile­
gitimidade da greve.
Observa-se, então, que na construção do texto, neste recor­
te, há urna, diríamos, monofonização da polifonia enunciativa. Ou 
seja, as duas possíveis {perspectivas devem ser interpretadas, am­
bas, com a persf)ectiva do locutor, e especifícamente de L- (um 
locutor im{Pessoal).
Agora o Recorte 2:
L-
E2 (= banc^ios) - há quem (empresários, governo) 
não quer a revisão da legislação 
eleitoral
Eq (=L-) — ninguém contesta ...salarial
4 pois é injusto o aumento... não 
J cobrir a inflação
ífy (=L-) — (bem como) não há de ser altera­
da... compatibilizá-la com o regime 
denKx:rático
A análise de Aj está feita segundo a {>ersp)ectiva da Semân­
tica da Enunciação de que a negação é sempre |x>lifônica: um 
enunciador (Eq) nega o conteúdo afirmado da {5ers{pectiva de ou­
tro enunciador (E2). Além disso utilizamos para Aj a análise de 
sequências como P, pois Q que considera que seus conteúdos X e 
Y, res{>ectivamente, têm a seguinte orientação argumentativa: 
Y— ) X. Mais es{5ecificamente: Y sustenta o modo de enunciação 
sob o qual se diz X (no caso, ninguém contesta). Consideremos 
também que bem como^ ao articular argumentos, orienta-os na 
mesma direção e com igual força.
29
Tomemos o Recorte 3\
E l (= L -)
E2 (= bancários) democracia scm ordem 
e respeito a leis injustas 
é democracia
Eun — B2
A relação argumentativa entre Bi e B2 é a de P, pois Qy 
como comentamos antes. A duplicidade de enunciados em B2 está 
também ligada à polifonia da negação.
Pela análise do recorte 3 se pode observar que o locutor im­
pede a possibilidade de concluir a favor da greve sustentando o ar­
gumento contra a greve na voz de um enunciador universal (E^„), 
ou seja, na perspectiva de urna voz inquestionável. E é esta voz 
que garante Bj como argumento a favor da ilegitimidade da gre­
ve. Esta voz universal sustenta, em oposição ã voz dos bancários, 
ou trabalhadores em geral, implícita, que democracia é or­
dem, é lei. E é esta perspectiva universal que garante a argumen­
tação contra a opinião generalizada a favor da greve. É extrema­
mente notável que para o locutor representar esta opinião genera­
lizada ele instala urna outra voz a ela oposta que mostra que há 
pessoas, instituições etc, que não querem a mudança na lei do 
salário. E apaga a categoria social de onde se produz esta voz 
pela contraposição de urna voz impessoal (a perspectiva de L-), 
segundo a qual ninguém é contra as mudanças. Em seguida, po­
rém, se contrapõe a esta voz que ainda favorecería a greve. As­
sim, o uso da perspectiva do locutor in^ssoal, inclusive susten­
tada em Ê Q no recorte 3, é urna forma de apagar a voz de E2 
(dos bancários) que seria então um forte argumento para a greve. 
Apagando esta voz apresenta um argumento a favor da greve, mas 
a ele ainda se contrapõe apoiando-se numa voz universal cujo 
conteúdo é o slogan do liberalismo: “Democracia é ordem, é lei“ , 
mesmo que a lei seja injusta. O que se vê, então é que a perspec­
tiva de Ej (=L-), mobUiza a p^spectiva de E^j, a seu favor. É a 
voz de E ^ que sustenta a voz efe quando se opõe ao argu­
mento favorável à greve.
30
Uma outra questão importante: o fato de a perspectiva de E2 
( = bancários) ficar ilhada no interior da perspectiva de Eq (= L -) 
no primeiro caso, e no interior de Eyj, no segundo, mostra que 
o locutor construiu o texto de modo a apagar estas vozes. Nota- 
se, então, que o locutor apaga esta perspectiva (a de E2 [= bancá­rios]) pela organização que dá ao texto: a perspectiva de E2 não 
conta para a progressão do texto, nem como pressuposto, que da­
na o quadro do discurso, nem como posto que se articularia no 
encadeamento textual.
Quanto a este apagamento de E2, vemos que é mais um 
apagamento da pluralidade possível de vozes da enunciação. As­
sim, esse texto vai se reduzindo a uma perspectiva única e impes­
soal que silencia a polifonia da enunciação. Ou seja, discursiva­
mente ele estabelece o silêncio de todas as vozes alternativas.
Há uma coisa especial nisso tudo. Das duplicidades encon­
tradas e que são articuladas no dizer estão a perspectiva de um 
Em) que sustenta a perspectiva de L- (Eq) e ainda a incursão da 
perspectiva de Lp nesta perspectiva impessoal. E isso mostra, 
então, que a perspectiva impessoal é a máscara da perspectiva de 
Lp (o banqueiro, o representante dos banqueiros).
2 .1 3 . Sobre o recorte correlato ao sexto parágrafo, seria 
interessante ressaltar que é só neste recorte que o locutor coloca 
uma marca tão direta de primeira pessoa (primeira pessoa do plu­
ral. Deste modo, o locutor representa um enunciador que não cor­
responde mas inclui Lp (o locutor-enquanto-pessoa), o banqueiro, 
que assim se apresenta junto com todos os demais brasileiros. Por 
esta via o locutor apaga, neste final, as diferenças sociais e ideo­
lógicas que seu próprio texto representou para poder desenvolver 
a argumentação, e , mais uma vez mascara a perspectiva domi­
nante do texto, a de Lp.
3. Dissemos que um texto se constitui de enunciados. Di­
remos, agora, por outro lado, que o texto se organiza segundo os 
recortes constituídos pela enunciação daqueles.^ ̂ E estes recortes 
têm o seu sentido constituído segundo instruções semântico- 
pragmáticas.
As instruções para interpretação dos sentidos dos recortes 
são instruções para se explicar a intenção atestada nos enuncia­
dos.
É possível considerar a constituição dos sentidos dos recor­
tes em seu aspecto discursivo. Tomaremos assim a questão da in­
tenção e das instruções como o lugar em que se pode observar 
a articulação entre o dom ínio discursivo e os mecanismos enun­
ciativos.
Antes de nos átennos a essa articulação, traremos para essa
31
reflexão a fato de que» na Análise do Discurso, se opera com a 
distinção entre Semántica Lingüística e Semántica Discursiva.
Ao manter essa distinção, a Análise do Discurso visa atingir 
o lugar especíñco da língua que corresponde à construção do 
efeito-sujeito. O efeito-sujeito é o efeito ideológico necessaria­
mente inscrito na linguagem, pelo qual o sujeito tem a impressão: 
de ser a fonte do sentido do que diz (quando na veidade reto­
ma sentido preexistentes; e 2-) da realidade de seu pensamento, já 
que, para ele, o que diz só podería ser dito do modo como diz. 
Em suma, o efeito-sujeito coloca o sujeito como origem de seu 
dizer e representa o sentido como transparente.
A Análise do Discurso, ao levar em conta a distinção entre a 
Semántica Lingüística e a Discursiva, ao mesmo tempo em que 
reconhece a existência do efeito-sujeito no seu objeto de estudo, 
evita reproduzi-lo no seu interior. Isto Ihe permite dar conta desse 
efeito, ou pelo menos, tomá-lo observável.
Paralelamente, o que podemos destacar nesse nosso estudo, 
é que, pela observação da relação entre mecanismos enunciativos 
e funcionamentos discursivos, toma-se possível apreender um 
outro aspecto do efeito-sujeito: o da autonomia do sujeito na 
constituição do sentido e sua função na construção da unidade do 
texto.
Especificando um pouco mais, sabemos que a Análise do 
Discurso considera que o sujeito é socialmente constituído e o 
discurso se dá no interior de formações ideológicas. Assim, o 
conceito de discurso despossui o sujeito falante de seu papel cen­
tral para integrá-lo no funcionamento dos enunciados, cujas con­
dições de possibilidade são sistematicamente articuladas sobre 
formações ideológicas.^^
Pela observação do efeito-sujeito, na perspectiva discursiva, 
se questiona a autonomia e se relativiza a fiinção da intenção. 
Então, conx> a intenção do sujeito é representada no enunciado 
como autônoma, se procura determinar os mecanismos discursivos 
pelos quais ela 6 produzida na sua relação com a ideologia.
Dessa forma, diremos que as intenções que produzem a or­
ganização textual, e que resultam na unidade do texto, indicam 
aspectos cruciais do ñmcionamento discursivo.
Podemos mesmo dizer que é na passagem da dispersão do 
sujeito (em suas diferentes posições) para a identidade do autor e 
da dispersão dos textos para a unidade do discurso que podemos 
apreender a constituição da ilusão da autonomia (e unicidade) do 
sujeito.
No caso do texto analisado, podemos ver como nele estão 
representadas várias posições do sujeito. De um lado, a de um lo­
cutor impessoal (L-), e a do banqueiro (Lp).
32
Por outro lado, representa a perspectiva ou de um enuncia- 
dor universal ou de um enunciador correspondente a L- ou Lp, 
representando também um enunciador correspondente aos traba­
lhadores. Vale lembrar ainda que o texto incorpora, no caso da 
expressão superior’\ dois outros locutores, Lj e L2, cujas 
enunciações são relatadas e criticadas. Essas várias posições do 
sujeito permitem observar o jogo entre as várias formações dis­
cursivas que atravessam o texto.
Ainda em relação ao texto, vemos também como tudo isso 
recebe uma organização tal que toda éssa multiplicidade de posi­
ções do sujeito é subsumida pela perspectiva de Lp (banqueiro) 
que é contra a greve e que se apresenta como tal (de dentro da 
perspectiva do discurso liberal) através do enunciador universal 
que, para se constituir, silencia o discurso dos bancários (traba­
lhadores). Assim, os apagamentos que observamos na análise 
mostram que a unidade deste texto, construída por seu autor, se 
estabelece sobre uma ilusão bem específica; é a ilusão que, por 
exemplo, encobre a voz dos bancários, representa uma opinião 
como verdade inquestionável, quando o que há é a perspectiva de 
Lp (banqueiro) e de sua classe.
Desse modo, podemos dizer que as várias formações discur­
sivas que atravessam o texto podem ser apagadas, na organização 
do mesmo, em função de uma formação dominante (a que Lp re­
presenta).
Como dissemos, as diferentes posições do sujeito corres­
pondem a diferentes formações discursivas qu^ por sua vez, se 
configuram pelas diferentes relações que estabelecem com a 
ideologia. Desse modo, as diferentes formações discursivas indi­
cam que o sujeito é ideologicamente heterogêneo, (e muitas ve­
zes, mesmo, contraditório) e, consequentemente, mostram também 
que um texto não funciona compactamente em relação à ideolo­
gia. No entanto, a formação dominante que rege as diferentes po­
sições do sujeito no texto propicia-lhe unidade.
Enfim, é preciso ressaltar que tratamos aqui de duas pers­
pectivas: a da Teoria Polifónica da Enunciação e a da Análise do 
Discurso.
De um lado, a Teoria Polifónica da Enunciação, ao tratar 
das intenções representadas no texto, permite apreender o modo 
de organização textual, consideradas as diversas posições do su­
jeito.
Por outro lado, a Análise do Discurso procura mostrar, em 
relação à organização textual, como se constrói a unidade do 
texto a partir do processo de produção do sentido e do sujeito. 
Para tal, não prescinde do concurso da ideologia. Na perspectiva
33
discursiva, o conceito de ideologia incorpora e faz avançar a no­
ção de sujeito e a de inq>lícito da Semántica Enunciativa.
Quanto ao sujeito, ela o faz, evidenciando o seu modo de 
construção, a ilusão da sua unidade e autonomía; quanto ao im­
plícito, ela o coloca como efeito discursivo que se produz pelas 
«posições que o sujeito ocupa no jogo entre os diferentes sistemas 
de re]!^sentação em que o sentido se constitui. Tudo isso mostra 
sua materialidade, logo seu caráter histórico e a qualidade de sua 
não-transparência.
NoIbs e Refesêndas BiUkigiifkais
1. A palavra sujeito é usada em nòsso trabalho referindo aoque Pêcheux 
(1975) charcoi forma-sujeitOy ou seja, o sujeito afetado pela ideologia.
2. F o u CAULT, M. (1%9). a arqueologia do saber. Petrópolis, Vozes, 
1972.
3. Idem, ibidem.
4. BenvENISTE, E. Problemas de lingüística geral. São Paulo, Nacio- 
nal/EDUSP, 1976.
5. MalDIDIER, E. et alii. ‘Discours et idéologie: quelques bases pour une 
ztchñxcht'.LangueFrangaise. (15): 116-142,1972.
6. GinSBURG, C. ‘Signes, traces, pistes’. Le Débat. (6): 3-44, nov. de 
1980.
7. FouCAULT, M. Op. dt.
8. MaingUENEAU, d . Genèses du discours. Bruxelas, Mardaga, 1954.
9. ViGNAUX, G. ‘Argumentation et discours de la norme’. Langa- 
ges. (53): 67-86,1979.
10. Idem, ibidem.
11. ALTHUSSER, L. (1970). Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 
São Paulo, Martins Fontes, 1974.
12. PÊCHEUX, M. Les vérités de la Pólice. Paris, Maspero, 1975.
13. ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu fimcionamento, as formas de dis­
curso. São Paulo, Brasiliense, 1983.
14. VOLOSHINOV, V . N. (Bakhtine). (1980). El signo ideológico y la fi­
losofia dei lenguage . Buenos Aires, Nueva Visión, 1976.
15. PÊCHEUX, M. Op. dt.
16. Idem. Anatyse automatique du discours. Paris, Dunod, 1969.
17. FOUCAULT, M. Op. dt.
18. Idem. Lordre du discours. Paris, GalUmard, 1971.
19. Idem, íbibem.
20. A noção de recorte aqui utilizada é a estabeledda por Oriandi (1983, 
1984). Ver notas 13 e 33.
21. B a k h t in e , M. La poétique de Dostoievski. Paris, Seuil, 1963.
22. Ver, sobre a distinção entre locutor/alocutório em relação a enuncia- 
dor/destinatário: DUCROT, O. ‘Analyses de textes et linguistique de 
rénonciation’. Les mots du discours. Paris, Minuit, 1980. pp. 7-56 e 
DuCROT, O. ‘Esquisse (Tune théorie polyphoniqi» de Fénondation’.
34
Le dire et le dit. Paris, Minuit, 1984. pp. 171-233. Ver também: GUI­
MARÃES, E. R. J. ‘Nao só mas também: polifonía e argumentação'. 
Cadernos de Estudos Lingüísticos. UNICAMP. (8):79-108, 1985 
e Guimarães, E. R. J. ‘Formas de indeterminação: um processo 
enunciativo, 1985 (inédito).
23. Ver a este respeito: GUIMARÃES, E. R. J. ‘As conclusivas, portanto’. 
1985 (mimeografado).
24. PERELMAN, Ch. Uempire rhétorique. Paris ̂Vrin, 1977.
25. Santos, T. A. ‘A lição da greve’. Isto E. São Paulo. Gazeta Mer­
cantil. (456): 72, 18/04/85.
26. AnscOMBRE, J-C. & DucROT, O. ‘Deux njais en français?’ Lín­
gua. (43): 23-40, 1977. e VOGT, C. & DUCROT, O. ‘De magis a 
mas: urna hipótese semântica’. In: VOGT, C. Unguagem, pragmática e 
ideologia. São Paulo/Campinas, Hucitec/Funcamp, 1980. pp. 103-128.
27. V oG T, C. ‘Indicações para urna análise semántica - Argumentativa 
das conjunções porque, pois, já que! In: VOGT, C. Unguagem, prag­
mática e ideologia. São Paulo/Campinas, Hucitec/Funcamp, 198C^ pp. 
43-60.
28. V oG T, C. & DuCROT, O. Op. cit. e DuCROT, O. ‘Esquiase d’une 
théorie polyphonique de l’enonciation’. Le dire et le dit. Paris, Minuit, 
1984,pp. 171-233.
29. Guimarães, E. R. J. Formas e indeterminação: um processo enun­
ciativo. (1985, inédito).
30. A seta e o sinal---- ) significam argumento a favor de. Ou seja, X é
argumento a favor de r, Y é argumento a favor de ~r, e este último ar­
gumento é mais forte que o primeiro. Desta forma o que se diz orienta 
argumentativamente para >.
31. ORLANDI, Eni P. ‘Segmentar ou recortar?’ Ungüística: questões e 
controvérsias. Uberaba, Fiube, 1984. pp. 9-26.
32. PÊCHEUX, M. & Fuchs, C. ‘Mises au point et perspectives à propos 
de l’analyse automatique do discours’Langages. (37):37-80, 1975.
33. MaINGUENEAU, D. Jnitiation aux méthodes de Ianalise du discours. 
Paris, Hachette, 1976.
35
o HOMEM PERSCRUTADO 
Semiologia e aníropdogia poláxai d i expressão e d i 
fískxninia do sácok) XVn ID sécalo XDC
J. J. Courtine 
Claudxne Haroche 
Tradução: La(s Ribeiro Rotnano
Todo mundo vi o que pareces 
ser, mas muao poucos percebem 
o que reaimenu és.
Maquúvel, 0 Principe, p. 126
Nos pñmeiros anos deste século, Mauss começava a retraçar 
uma história ‘social’ da' noção de pessoa. Signiñeando otigina> 
riamente 'máscara de teatro’, o termo latÍDO persona, derivado do 
etrusco, devia rapidameote acabar por designar a máscara', a per­
sonagem de teatro ao osesmo tempo que '*a verdadeira natureza 
do indivCduo**.̂ A ambivalência da palavra se eocontra, portanto, 
entre os primeiros estóicos que
[aplicavam] ao indivfduo em sua oaturezâ nua toda 
máscara arrancada e, ao meamo tempo, (mantinhaml 
o sentido do artificio: o sentido do que é a intimidade 
daquela pessoa e o sentido do que ¿ penooagem.'
Mauss nota então que, o termo persona devia tomar um 
sentido jurídico, cada vez miis marcado a partir do século 11 a.C 
- a independência e a respoosabilidade da pesaot estando ai 
acentuadas - é somente com o cristianismo que a oposição git»> 
co-lañni, entre a máscara e a natureza do individuo, vai-ae trans>
37
fonnar de maneira decisiva: a dualúiaíie que caracteriza a própria 
noção de pessoa se encobre progressivámente. ao ñm de múlti­
plos debates religiosos, diante da exigência de um dade da pessoa, 
que se acha desde então definida como urna substância racional, 
indivisível, individual.
Quaisquer que sejam o contexto e a intenção última do texto 
de Mauss. o que importa aqui. antes de mais nada, é que ele colo­
ca a existência de urna intenoridade irredutível do individuo à so­
ciedade.
Há (escreve) uma esfera da vida psíquica que, por 
pouco desenvolvido que seja o dpo coletivo, varia de 
um homem para outro e pertence partículaimente a 
cada um: 6 a que é formada (...) pelos senõmentos 
(...), base de toda individualidade: ela é inalienável e 
não depende da condição social.^
A ambivalência primeira do termo persona testemunharia, 
desta forma, uma distância **enxre as exigências societais e as as­
pirações individuais”.* O interminável debate e a impossível di­
visão das tarefas entre as sociologías e as psicologias encontram 
aqui seu fundamento e sua causa, assim como a exigência de in­
divisibilidade da pessoa, da qual o texto de Mauss sublinha, em 
segundo lugar, a emergência histórica. Dualidade ou indivisibili­
dade da pessoa: a questão, fundamentalmente, decorre do políti­
co.
O HOMEM DUPLO
Um mesmo sujeito é, efedvaixientB, outro: é o que revela a 
etimologia do termo ‘pessoa’, sobre o qual se fiindam. no entanto, 
as concepções jurídicas, políticas ou ainda gramaticais da indivi­
dualidade: o sujeito de direito, o cidadão, o sujeito gramatical. E 
esta dualidade original resiste sob as expressões da unidade: a 
afirmação do ser suscita a questão da aparência, a procura da 
identidade fiaz surgir a máscara, a interioridade da pessoa privada 
se exterioriza na personagem pública, o sujeito de uma enunciação 
se declina nas formas do sujeito do enunciado.
Não é possível, pois, restringir-se à simples constatação de 
um distanciamento entre uma individualidade inalienável de sen­
timentos, ou de aspirações, e as exigências de uma condição so­
cial, como propõe Mauss. O homem como sujeito social ê, efeti­
vamente, hom anjiuplo, ao jnesmo~ tempo ser e apm ncia, 
pois é esta a^n d içáo de todo ser exposto ao olhar
39
o ser aí se decompõe, de uma maneira semackmai, 
entre seu ser e sua aparénda, entre de mesmo e o ti­
gre de papd que exibe (_) Be dá de si. ou recebe do 
outro, alguma coisa que £ máscara, duplo, invólucro, 
pele desprendida.^
A etimologia do termo persona registra, assim, um flato de 
estrutura; ¿ sob uma forma destacada dele próprio que o sujeito 
entra na vida social, sob a preexistência de um olhar que dormoa 
sua existência individual, de uma exteriorídade indissociável do 
sentimento de sua interíorídade. E pouco importa, por consequên­
cia, opor a verdadeira natureza do ser à falsidade de sua aparên­
cia: importa, ao contrário, sublinhar o caráter inelutável deste 
desdobramento: a.vida social consagra o sujeito a uma forma se­
parada dele mesmo, a uma máscara. E desta decomposição de si, 
que termina em uma máscara - seja ela de resistência ou de sub­
missão, de impassibilidade ou de enaoçáo - a impostura ê a regra.Este desdobramento e seus efeitos fundamentam a própria 
representação do político. Esta inscreve-se. com efeito, em um 
jogo de formas duplas onde sempre se interroga o ‘real’ sob a *a- 
parência’; as intenções aquém dos discursos, a sinceridade atrás 
da retórica, o homem real sob a máscara do soberano, a verdade 
além das aparências. Na opinião comum que pretende que os dis­
cursos políticos sejam mentirosos, ou que os homens que os fa­
zem sejam personagens de palco, ilusionistas, donos das aparên­
cias, uma necessidade fundamental transparece: se a política se 
assemelha ao teatro, é na medida em que o desdobramento aí rei­
na sem divisão; é porque a política e o teatro tiram da própria es­
trutura do olhar sua einergêiicia. sua condição de possibilidade, o 
princípio daquilo que os coloca em cena.
Pode-se compreender, então, que a impostura, a aparência, a 
dissimulação sejam inseparáveis do pensamento do político coo» 
representação, isto ê, como forma dupla onde o que está dito, 
proclamado, mostrado, añxado faz nascer logo o sentimento da­
quilo que está calado, sufocado, dissimulado ou disfarçado - uma 
certa indefinição que, desde logo. alimenta o medo, mantêm a es­
perança, excita a suspeita, permite o cálculo.
A relação do olhar com o que se quer ver é uma re­
lação de impostura. 0 sujato se apresenta como di- 
fereote do que é e o que se lhe dá para ver não é o 
que ek quer ver.̂
O campo político é o lugar do olhar onde se estabelecem 
dominações, aceitanhse servidões, organizam-se resistêiidas no
39
jogo das representações: nenhum poder sabería, efeovamente. se 
impor sem uma esdatégia da aparência, nenhuma resistência sabe­
ría af se opor sem uma astúcia da aparência. A decifração da apa­
rência é, assim, um jogo crucial do político, das lutas que al se 
desenrolam; desnascarar o adversário e colocá-lo a nu. descobrir 
seus mais secretos desígnios sob suas intenções declaradas, des­
pojá-lo do poder dos signos e conñscar este último a seu provei­
to.
O espetáculo político é, consequentemente, atravessado por 
questões ñirtivas ou insistentes que tomam o sentido da expressão 
por objeto: qual é o sentido de um rosto? O que dissimula a im- 
passibüidade do soberano ou então a inexpressividade de seus 
súditos? Pode-se ler a expressão, deciíirar a do adversário, tomar­
se dono da sua e jogar com isso? Que ameaça pode se esconder 
sob o sorriso complacente, ñxo, na máscara composta pela hagio­
grafía?
São os olhos exóticos, levemente asiáticos, do bo- 
aiem funuuido o cachimbo, que lhe dão sua máscara 
bastante rude de trabalhador, um ar irônico? Alguma 
coisa no olhar e os traços faz com que creiamos 
vê-lo sorrir conúnuamente...^
Olhou a enorme face. Foram precisos, quarenu anos 
para ele saber oue espécie de sorriso se escondia sob 
0 bigode negro.”
Adivinhar a interiorídade de um sujeito a partir das marcas 
signiñcaotes que se oferecem para serem lidas sobre seu rosto, 
compor-se a mais favorável expressão para chegar a seus ñns... 
Estas são questões longínquas, indissociáveis, desde a origem, do 
exercício do poder e presentes ao prõptio nascimento da reflexão 
moderna sobre o político:
Não é predio, pois. que um Prhidpe tenha todas as 
qualidades adma nomeadas, m u 6 preciso que cie 
pareça tê-tas (_) como parecer piedoso, ííel, huma­
no, íntegro, religioso; e sê-lo, m u estar com o espi­
rito preparado de modo que, predsando não sê-lo, 
possu e saibu tornar-te o contrário.^
O Príncipe é um homem duplo que pratica uma ciência política 
das aparências: misericordioso quando é preciso, implacável 
quando é necessário. Piedoso ou impiedoso, ninguém sabe; cada 
um, assim, o temerá. Tanto mais que uma piedade visível pode 
mascarar uma severidade extrema: o desdobramento do Príncipe
40
constrói a ambigüidade constitutiva do poder político e se ali­
menta déla. Ele se decompõe em úma exterioridade ostentada, 
urna superficie que os olhares escnitam e sobre a qual eles se 
quebram, e urna interioridade muda da qual nada deve transpare­
cer. Que importa então o que exprime; ele Jamais oferecerá ao 
olhar senão o enigma de sua opacidade, o paradoxo de sua indife­
rença.
Quando K. observava o castelo, pareda-lhe. às ve­
zes. que contemplava algudn que permanecia lá ha- 
qúilamente, e que olhava à sua frente (_ ) livremente, 
despreocupadamente, como se se encontrasse abso­
lutamente só e ninguém o observasse, e. no entanto, 
ele devia ver que o observávamos. mas isso não 
peiturbava em nada seu repouso; era esta a causa ou 
o efeito deste repouso? Os olhares do observador 
deslizavam sobre o castelo, sem poder se fixar em 
nada...*̂
DECIFRAÇÁO DA APARÊNCIA
A questão ^ aparência do soberano esteve sempre no? âma­
go da reflexão política sobre o poder. O texto de Maquiavel sus­
cita, assim, uma fascinação ambígua: há, no desdobramento ne­
cessário de todo poder, alguma coisa de inconfessável, sem'dúvi­
da, diante da exigência de uma coincidência de intenção e de apa­
rência sobre o que se fundam as concepções jurídicas ou políticas 
da pessoa ou do Estado. O ‘maquiavelismo* não é uma perversão 
do político, ele anuncia sua regra.
O aspecto do homem ordinário, em compensação, não tem 
senão pouca importância: a questão do sentido dos rostos foi lar­
gamente desenvolvida fora da reflexão política. O estudo da ex­
pressão do homem sem importância encontrou-se. do século XVQ 
ao século XDC, desenvolvido sucessivamente em trabalhos de 
metafbica, de estêtíca, de ñsiologia. de medicina e de criminolo- 
gia. Da história deste conjunto de trabalhos, gostaríamos de lem­
brar aqui alguns elementos que permitem compreender sua inten­
ção e indicar seus deslocamentos. Mas, sobreôido, de dar-lbe um 
sentido no campo polúico e nas suas transformações, prologando 
o projeto, começado por Foucault, de uma história poiúicg dos 
corpos:
Mas o corpo também está diretunenie imerso em um 
campo político; as relações de poder produzem sobre , 
ele uma apreensão imediata, elas o investigam, o 
marcam, exigem dele xmais (..) Esta tecnologia polí- 
õca do corpo é d&fnsa, raramente formulada em dis- I 
cursos cootínuos e sistemálioQs; da k compõe fre-
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qúeotemeate de partes e de trechos; otiliza ferra- 
mentas ou procedimentos disparatados^ ̂
Corpos soberanos ou corpos assujeitados; trata-se, assiin, de 
encontrar, na descondnuidade, a dispóaáo e a fingmentaç&o dos 
discursos, através de certos modos de observação do_rosto e 
da expressão, as diferentes formas de vaa'̂ ílculo das aparências 
que, investigando seu corpo visfvel, para falar uma interío- 
ridade muda, contríbufram para moldar o bomem moderno.
As pesquisas estéticas de Le Brtin, a ñsiognomonia de La- 
vater, denoJogia de Cali, os trabalhos de Darwin sobre a expres­
são das emoções, a antropologia críniinal de Lombroso consti­
tuem aqui os marcos.*̂
Não nos deteremos, no entanto, diante das origens seculares 
desta observação do corpo, em tradições fílosóñcas, literárias, fí- 
siolõgicas ou medicais; não faremos senão evocá-las: assim, no 
século XVn, a tradição ñlosóñca dos ‘tratados das paixões’ ou, 
ainda, as correntes literárias que se aplicaram na pintura de *ca- 
racteres’1̂ ; da mesma maneira no século XDC o romance natura­
lista, ou ainda, estes pequenos romances populares designados 
pelo nome de ’íisiologias’J^ Um deslocamento se opera, no en- 
tanto, entre o século e o XDC, um deslizamento nas próprias 
formas de descrição do corpo individual, como sinal de uma 
identidade psicolt^ca e de uma procedência social, o que é ates­
tado pela literatura: assim La Bniyère pinta, sob ‘caraaeies’. 
qualidades ou essências dos indivíduos definidos, das identidades 
conhecidas no universo da mundanetdade, mundo fechado onde 
“todo mundo se conhece, e cujo tipo.mundano constitui a unida- 
de ¡mediata" No século XDC, em compensação, aparecem as 
massas: sociedades anônimas, trabalhadtmas, multidões
das grandes cidades oferecem ao romance naturalista e às ’ñsio- 
logias’ um novo universo de referência. Persoruigeiis safdas

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