Buscar

Breve discurso aos psiquiatras - PEQUENO DISCURSO DE JACQUES LACAN PARA OS PSIQUIATRAS

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PEQUENO DISCURSO DE JACQUES LACAN PARA OS PSIQUIATRAS - 19671
En 1966 avait été créé, sous l’autorité du Dr. Henri Ey, le Cercle d’études psychiatriques. Un
cycle d’enseignement avait été organisé, dans lequel une section était réservée à la psychanalyse. C’est dans ce
cadre que le Dr. Jacques Lacan avait accepté d’intervenir. Le 10 novembre 1967, il y fit une conférence sur
la psychanalyse et la formation du psychiatre. Cette conférence fut enregistrée sur bande magnétique.
Rappelons le contexte de l’époque : la « Proposition du 9 octobre » par le Dr. Lacan, avec les dissensions qui
allaient aboutir à la création du « Quatrième Groupe », la préparation de la revue « Scilicet » avec son
principe du texte non signé, l’annonce faite par Lacan du litre de son prochain séminaire sur « l’Acte
psychanalytique » et l’annonce concomitante de l’échec de son enseignement en tant qu’il ne s’était adressé
qu’à des psychanalystes. Le transcripteur a pris le parti de donner à ce «  Petit discours aux psychiatres
de Sainte-Anne », une forme écrite qui reproduise dans la mesure du possible le style parlé, avec les artifices
de ponctuation qui ne peuvent être évités. Sont maintenus les suspens, les hésitations, scansions, répétitions et
lapsus comme parties intégrantes du discours. Des indications sur les variations du ton auraient inutilement
surchargé le texte, qu’on sache seulement que l’orateur ne se privait pas d’en faire usage : mordant, voire
grinçant au début, incisif et concis dans la partie où il s’agit de la théorie du langage, confidentiel et d’une
grande douceur à la fin. La très mauvaise qualité de l’enregistrement n’a pas permis de transcrire en totalité
quelques passages. D’où l’utilisation des signes […] qui indiquent des passages absolument inaudibles et
donc laissés en blanc ou les corrections du transcripteur. Entre crochets <…> quelques rares corrections au
texte de la transcription originale. Enfin entre parenthèses sont notées les réactions de la salle.
Agradeço a vocês por estarem aqui, hoje, tão numerosos. Procurarei tornar esta
coabitação momentânea não muito desagradável, considerando esta espécie de atenção
coletiva que vocês de bom grado me concedem.
No entanto, a princípio, não foi com essa intenção que aceitei falar, quase
resolutamente, porquanto foi mais ou menos assim que me apresentaram as coisas. E, se
escolhi este título – pois fui eu quem escolheu –, “Formação do psicanalista
e ....Psicanálise”(sic.) (1) –, foi por ele ter me parecido um tema especialmente
importante, mas a respeito do qual eu tendia a começar por – Deus meu! – o que se pode
ver, tocar, aquilo que, sob todos os aspectos, já está ali como resultado, a saber: como
uma constatação bastante desiludida.
A formação do psiquiatra não parece ser algo muito simples, nem tampouco
evidente. Diria que, até um certo ponto, esse enorme programa no qual me inscreveram o
testemunha. A fim de se conseguir deslocar tantas pessoas para a “Formação do
psiquiatra”, é preciso imprimir nisso um forte movimento. Enfim..., essa é uma certa
concepção da formação cada vez mais difundida: forma-se, forma-se. Formar com a
ajuda de comunicações, conferências, acúmulo de proposições, a respeito do que, aliás, se
1 10/11/1967 – « Conférence sur la psychanalyse et la formation du psychiatre à Ste Anne ». Esta 
conferência havia sido anunciada sob o título de “ A psicanálise e a formação do psiquiatra”. 
N.T.: texto disponível em: www.ecole-lacanienne.net/bibliotheque
1
http://www.ecole-lacanienne.net/bibliotheque
poderia perguntar, de tempos em tempos, qual pode ser o resultado disso, pois não se
pode dizer tampouco que aquilo que vocês ouvirão aqui, sobre o que lhes concerne como
psiquiatras – suponho que haja aqui uma grande maioria –, são formulações inteiramente
convergentes ou mesmo apenas compatíveis. 
Então, o que é que vocês vão fazer? Uma síntese, como se diz? Podemos chamar
isso de outro modo...por que não miscelânea?! Cabe dizer que algumas vezes a questão
relativa à diferença entre a miscelânea e a síntese é formulada seriamente.
Então, no momento, é evidente que a formação do psiquiatra parece acarretar
muito rebuliço no espaço e no tempo. Trata-se de ver… trata-se de ver, nela, qual é o
papel que pode e deve ser reservado à psicanálise.
O aspecto desiludido do qual falei há pouco é, em primeiro lugar, esta conjunção
que está verdadeiramente ao alcance de todos – penso que ninguém, aqui ou alhures,
enfim, ali onde houver psiquiatras, onde se fizer psiquiatria, levantará a voz contra o que
agora vou avançar – é que a psicanálise, no plano em que nos encontramos aqui, não está
no nível do coletivo. Não falo dos efeitos da psicanálise localizados aqui ou ali - essa é
uma outra questão à qual retornaremos mais adiante –, mas, sim, no nível do efeito de
massa..... Quando se trata do coletivo, utilizo o termo usado por Freud, termo que me
parece excelente porque, massa, não supõe ...nada de comum: não é uma consciência
coletiva. Não há necessidade de consciência de massa, há efeitos de massa. Porém, de um
modo geral, no nível dos efeitos de massa - que não passam da adição de um certo
número de efeitos particulares que se produzem -, a psicanálise teve como resultado o
fato de fazer o psiquiatra ocupar-se cada vez menos com o que chamamos o doente. Ele
se ocupa cada vez menos porque está inteiramente ocupado com sua formação
psicanalítica e pensa que enquanto não tiver a chave que a psicanálise poderá lhe dar,
pois bem – Deus meu!-, não valerá a pena fazer o que, até então, não passaria de uma
capina grosseira, uma abordagem leviana. 
O resultado é que, durante seu período de formação, precisamente naquele em
que ele é residente, ele não pensa absolutamente no que concerne à sua posição de
psiquiatra: ele se considera como psicanalista em formação. É para os dias melhores
vindouros que se irá esperar o resultado.
Além disso, há um certo número de mal-entendidos encontrados já nas bases.
Por exemplo, os que florescem na boca dos candidatos...E devo dizer que, no curso de
uma existência já longa, apresentaram-se a mim um bom número de candidatos à posição
de psicanalista. À guisa de uma historinha para começar a entrevista, eu lhes pergunto:
“enfim, o que é que o impele nessa via?”. É claro que essa é uma pergunta para a qual
sobejam respostas. Uma delas, porém, se faz sempre presente porque é, com certeza, a
mais nobre: trata-se do desejo de compreender seus doentes. É evidente que não posso
dizer que esse não seja um motivo inteiramente aceitável. De fato, a primeira coisa que
aparece e se manifesta muito bem é que há algo de estranho no que concerne à
compreensão, quando se está na presença daquilo que, cabe dizê-lo, é o coração, o centro
2
do campo psiquiátrico e que se deve chamar por seu nome: o louco. Psicótico, se
quiserem. 
Porém, não há só isso na experiência de um psiquiatra, há também uma
quantidade de outros doentes que chegam, por questões de polícia, enquadrados desse
mesmo modo. Mas, afinal, afinemos nossos violões. Saibamos do quê temos que falar: do
louco. Podemos falar sobre muitas outras pessoas além dos loucos, pessoas que chegam
aos mesmos lugares que aqueles nos quais tratamos do louco: são os dementes, pessoas
enfraquecidas, desagregadas, postas temporariamente no estado de menos-valia mental.
Esse não é, propriamente falando, o objeto do psiquiatra.
Por isso é que é preciso fazer uma grande diferença entre uma certa teoria que se
pode chamar, mais ou menos com justa razão, de desestruturação da consciência, ou
qualquer outro modo de um organodinamismo atuando no sentido de uma função
mínima, mas não se pode negar que ele aparece - justamente na medida que o dito
organodinamismo teve todo o tempo para retomar suas luzes –, que é preciso mudar de
registro quando se fala do louco, propriamente dito. Aliás, os própriosrepresentantes
desse organodinamismo sentem necessidade de mudança de registro, e não podem
classificar de modo unívoco as demências e as loucuras no mesmo registro jacksoniano,
digamos. Quando se trata do louco, deve-se fazer intervir uma outra coisa que chamamos
– quando se está desse lado – personalidade, para começar..., e não somente consciência.
Ora, é verdade que não compreendemos esse louco e que se vem ao encontro do
psicanalista declarando-lhe ser... a esperança, a... certeza... É que se espalhou um
zunzunzum de que a psicanálise ajuda a compreender. E, assim, entra-se com uma bela
passada no caminho da psicanálise: chegar a compreender o louco. Entretanto, é claro
que se pode ficar esperando, pela simples razão de que é uma má jogada acreditar que
seja nesse registro da compreensão que a análise deva atuar. Com isso quero dizer que há
algo da psicanálise que tem a possibilidade de exercer uma ação sobre o louco, é
evidente, mas, por ela mesma, a psicanálise não é uma técnica cuja essência seja difundir
a compreensão, ou mesmo estabelecer qualquer coisa dessa ordem entre o analisante e o
analista, se dermos à palavra “compreensão” um sentido como o jasperiano, por exemplo:
uma comunidade de registro, alguma coisa que vai se enraizar em uma espécie de
Einfühlung, de empatia, que faria com que o outro se tornasse transparente, à maneira
ingênua como nos acreditamos transparentes a nós mesmos, não fosse o fato de que, a
psicanálise consiste, justamente, em descobrir que não somos transparentes nem a nós-
mesmos! Por que então os outros se tornariam transparentes para nós?
Se há algo que cabe a psicanálise destacar, enfatizar, certamente não é o sentido,
no sentido que, de fato, as coisas fazem sentido, ou que acreditamos comunicar um
sentido, mas, sim, marcar em quais fundamentos radicais de não-sentido e em quais
lugares os não-sentido decisivos existem e sobre os quais se fundamenta a existência de
um certo número de coisas chamadas fatos subjetivos. É muito mais no balizamento da
não-compreensão e pelo fato de dissiparmos, apagarmos, soprarmos o terreno da falsa
compreensão que alguma coisa vantajosa pode se produzir na experiência analítica.
3
De modo que, como vocês podem observar, essa experiência do candidato
psiquiatra que chega como candidato para fazer-se analisar engaja-se, desde os primeiros
passos, desde o primeiro minuto, desde o primeiro segundo de sua abordagem, no plano
do mal-entendido, que posso muito bem qualificar de mais radical porque, na verdade,
como eu disse há pouco, entre os candidatos que escutei, vi uma grande maioria das
pessoas fazer a seguinte declaração de intenção, como se diz, mas porque – eu já lhes
disse ao vê-los tão numerosos - abrandei-me um pouco -, cheguei aqui com um grande
discurso feito de rugidos, mas agora o temper. Então, na realidade, não houve UM SÓ
DELES que também não me dissesse: “Venho aqui a fim de melhor compreender meus
pacientes”!.Posso afirmar que TODOS partem desse erro de princípio. Isso diz tudo...
Naturalmente, não estou aqui diante de candidatos para ensinar a doutrina, a
teoria, para corrigir ou discutir, estou aqui para registrar com qual pé eles partem. Como
vocês veem, eles dão partida, todos eles, com o pé que não deviam. Enfim, eles não são
nada, nada esclarecidos. Podemos nos perguntar, até certo ponto, como isso acontece,
porque não é a primeira vez que acontece o que acabo de lhes dizer. Eu repito isso, entre
outras coisas, Deus meu ...., estamos entrando agora no décimo ano de meu ensino. Como
vocês podem ver, o efeito é...magistral, cabe dizê-lo! Isso quer dizer que, é claro, há
coisas que não penetram, simplesmente por serem ensinadas assim, ex cathedra.
Talvez haja pessoas que suspeitam do que acabo de dizer, da validade disso que
acabo de dizer. Penso ser esse o caso, em geral, das pessoas analisadas por mim, assim
como, aliás, de todos os que passaram por uma verdadeira análise. Se a psicanálise deve
ensinar-lhes alguma coisa é, evidentemente, que aquilo que se colhe no final não é da
ordem da intersubjetividade do sentido, considerada como sublime. É uma experiência de
uma ordem completamente diversa. No final, o que se ganhou é, em termos precisos, o
fato de se ver que aquilo que acreditávamos compreender tão bem, justamente dele, nada
compreendíamos. Isso tampouco quer dizer que se conquistou outra coisa, inteiramente
caracterizada na observação que se constituiu, quanto ao que se poderia chamar uma
compreensão mais profunda. Se não é isso o que se colhe ao final, e certamente não é, eu
diria que, de um modo geral, não se sai intacto de uma análise.
Portanto, o fato de que o preconceito continue a circular no discurso comum é,
muito precisamente, alguma coisa cuja natureza deve nos fazer tocar na falha que pode
existir entre o discurso comum e essa experiência, a experiência da análise. Se vocês se
reportarem a tudo o que acabo de dizer, as minhas observações precedentes,
naturalmente eu insisti muito nessa... pequena questão do umbral – pois, no fim das
contas, considero que isso é o que está mais imediatamente ao alcance de vocês, uma vez
que não suponho que todos aqui já tenham entrado nessa via –, e também no resultado
final de que falei há pouco, no nível do coletivo como...não sei bem o quê, e que é com
certeza o objeto de questões válidas, que podemos chamar, designar com um termo que
não é meu. Tomei esse termo emprestado de um jovem residente que veio me ver,
esforçando-se para me dizer o que ele sentia, ele que era efetivamente uma das pessoas,
dentre as que já encontrei, mais sensíveis ao que constitui a experiência da posição do
4
médico ao abordar o campo do louco, a realidade do louco, o confronto com o louco, o
enfrentamento com o louco. Devo dizer que é bastante excepcional, ele mantinha de
modo muito..... muito vivo, muito fresco, muito novo, o que há - digamos a palavra – de
angústia nesse encontro, nesse enfrentamento. Não lhe pareceu que a psicanálise
diminuísse em nada a observação sobre o encontro com o louco. Para caracterizar como
era a sala de plantão, ou seja, uma massa coletiva, na qual ele estava, e a relação entre o
que ali se passava e a psicanálise, ele encontrou uma palavra que acho excelente, e que
marca exatamente como vem sendo o efeito da introdução da psicanálise nesse campo,
digamos, há uns trinta anos. No campo francês, ele qualificou o resultado de um profundo
[e .... bem] acentuado PASSIVO.
De fato, é muito surpreendente..., muito surpreendente que depois de um certo
tempo que corresponde a esses trinta anos, não tenha havido, no campo da psiquiatria, no
campo dessa relação com este objeto, o louco, a menor..., a menor descoberta! Nem
mesmo a menor modificação do campo clínico, a menor contribuição. Com todos os
meios de interrogação consideravelmente acrescidos que se tem em mãos, é claro que
tudo o que se pode ver especificar, num certo momento, através de uma pequena
referência a um elo psíquico, à associação de certos quadros com certas dosagens,
enfim..., tudo isso sempre foi extraordinariamente fugaz. Ao cabo de dois ou três anos,
ninguém mais falava da pequena síndrome que tal ou tal descrevera. E continuamos com
a bela herança do séc. XIX, constituída, integral, não é?… É claro que se acrescentou um
pouco ao que se havia esboçado [não falemos dos grandes nomes franceses, que não
pronunciarei, para falar de um outro...], acrescentou-se alguns detalhes, alguns retoques,
mas, no conjunto... Enfim, quais são os últimos complementos constituídos tecnicamente
aos quais chamo descobertas, especificação de tal entidade clínica? Pois bem, refiro-me a
Clérambault. Clérambault… Se vocês quiserem procurar na ponta mais extrema, ali onde
isso se torna completamente minúsculo, tomem este último retoque: minha tese “A
paranoia de autopunição”. Eu acrescento uma pequena pecinhaao encaixe Kraepelin-
Clérambault. Bom e depois...? Eu pergunto...: “isto me interessaria?”, pois talvez eu
tenha esquecido alguma coisa, alguém que tenha trazido um novo quadro clínico?
Certamente, nem tudo está na clínica. Mas a clínica traduz alguma coisa, no sentido da
compreensão ou da extensão, não sei bem, mas com certeza no sentido do que é, do que
deveria ser a psiquiatria. Como vocês sabem, a psiquiatria, atualmente – soube disso pela
televisão – faz parte do campo da medicina geral, tendo como base o fato de que a
própria medicina geral entra inteiramente no dinamismo farmacêutico. Evidentemente, ali
se produzem coisas novas: se obnubila, se tempera, se interfere ou se modifica...Mas não
se sabe nada do que se modifica, nem, aliás, onde irão dar essas modificações, nem
mesmo o sentido que elas têm, já que se trata de sentido.
Então, bom…., [já temos o suficiente] dessas coisas, e penso que o [teste] da
coisa, a referência, seja o que lhes disse há pouco: o rapaz que parecia distinguir-se entre
todos os seus colegas, [por marcar], por chamar pelo nome o que lhe parecia
verdadeiramente irredutível, quero dizer, a angústia. Ela era para ele totalmente
5
coextensiva à sua experiência com o louco. Pelo fato de ele estar em análise, ele se
achava igualmente no dever de ir…., de ir ao encontro do louco.
Será que vamos dar a esse [efeito/seu afeto] de angústia uma espécie de valor
místico? Não, não é nada disso. O fato de estarmos angustiados não é porque a angústia
seja o importante. [Não falo] de uma experiência existencial. Será que [estou aqui] para
enaltecê-la, para fazer, de algum modo, seu panegírico, tal como um traço característico?
Não, [não disse isso, esta noite]. Mas, enfim, deixando de lado o que a angústia tem de
angustiante, diria que é inteiramente decisivo, para se conceber o que acontece com o
louco, que se leve em consideração o fato de que aquele que se posiciona como psiquiatra
na presença do louco, quer ele queira quer não, ele ali está concernido.
Irremediavelmente concernido! Se ele não se sente concernido – e isto é algo
inteiramente demonstrável, tangível, sem que se precise, para tanto, fazer intervir a
experiência psicanalítica -, se ele não estiver concernido, isso se dá através de certos
procedimentos que se manifestam – quando olhamos de perto, de modo não contestável,
quer sejamos ou não psicanalistas - como procedimentos que o protegem do que lhe
concerne, se vocês me permitem dizê-lo. Quer dizer que ele interpõe entre ele próprio e o
louco um certo número de barreiras protetoras, ao alcance dos grandes mestres da
medicina. Por exemplo, ele interpõe outras pessoas que lhe fornecem relatórios, não é...?
Depois, para os que não são grandes mestres da medicina, basta ter uma pequena ideia,
um organodinamismo, por exemplo, ou qualquer outra coisa assim, uma ideia que os
separa desta.... desta espécie de ser que está diante deles, o louco. Uma ideia que os
separa do louco, rotulando-o como uma espécie, entre outras, de coleóptero, da qual se
trata de dar conta em seu estado natural.
O que é este “estar concernido”? Não é, de modo algum, ou forçosamente um
afeto. É claro que isso toma a forma da angústia, conforme disse há pouco. A angústia,
como afeto, não é um afeto assim tão simples. A prova disso, é a dificuldade que temos
para dar conta dela: “medo sem objeto”, por exemplo. Apenas o fato de se precisar “sem
objeto”, bem mostra que nela há outra coisa além da dimensão afetiva. Sentimos a
necessidade de mencionar que, ali, esperávamos encontrar um objeto, objeto que não é
simplesmente alguma coisa que lhes remói em alguma parte das tripas. É uma certa
relação, uma relação com um objeto ausente.... vocês percebem? Bom...Enfim,...
deixemos isso de lado. A questão não é essa. Quero simplesmente precisar-lhes que
quando falo da relação do psiquiatra no que concerne ao louco, digo que, nela, não se
deve levar as coisas no plano do afetivo, do elã, ou de sei lá eu que tipo de coisa que
forçaria essa dificuldade de relacionamento...
É evidente que não era do lado do elã generoso que eu indicava a solução. Aliás,
para retornar ao personagem exemplar do qual falei há pouco, para ele, certamente não
era também por esse lado, no sentido de orientar-se,….pela impressão, pela coisa única
que ele julgava dever ser retida nessa relação que lhe parecia, devido ao seu destino, ter
esse caráter absolutamente privilegiado. Então, o que estou lhes dizendo é que, no que
concerne a esse louco, seja ele quem for, vocês não vão lhe dar o seio, assim como
6
Rosen, como Mme Sechehaye. Vocês não lhe darão o seio, em primeiro lugar porque ele
não lhes pede. E isto é talvez o que há de mais perturbador: ele não lhes pede o seio. Em
suma, se a questão do louco pode ser esclarecida pela psicanálise, pois bem, será
evidentemente a partir, em primeiro lugar, de um outro centramento, o que chamamos
relação primeira. Talvez vocês entendam do que estou falando.
Procurarei fazê-los perceber porque esse centramento…. não é nada dado, assim,
através de tudo que se diz, através de tudo que dizemos, através de tudo o que se
relaciona e através de tudo o que é referido no que concerne à psicanálise. E, no entanto,
esse centramento ali está incluído. E é extremamente difícil aceder a ele depois de muito
se ter ouvido falar de psicanálise, pois o curioso é que o fato de se ter tido acesso à
corrente da psicanálise deixa tão intocado quanto antes uma espécie de mundo de
preconceitos. Retornamos ao discurso comum que se opõe a esse ‘recentramento’. Esse
recentramento, [eu o expressei manifestamente de um modo….]. Enfim...
Encomendam-nos repensar – como se diz – alguma coisa que, no caso, não é
exígua, já que se trata do próprio pensamento! Encomendam-nos repensar o pensamento
e....isso não se faz facilmente. É preciso dizer que depois da descoberta de que há
pensamento inconsciente muito ter surpreendido o mundo, isso provocou, na verdade,
uma espécie de bloqueio geral durante os dez, vinte anos seguintes e mesmo depois.
No início de minha residência, ainda havia um homem de talento que se
chamava Charles Blondel, que articulou coisas sobre a consciência mórbida, cujo
argumento era que o pensamento e a consciência são forçosamente da mesma dimensão e
que, consequentemente, era impensável que houvesse pensamentos dentro do
inconsciente. Pois é....
Depois disso, se progrediu muito. Como ninguém mais pensou no que é a
consciência e, aliás, tampouco no que é o pensamento, as coisas se tornaram naturalmente
mais fáceis, sobretudo porque se faz muito barulho por isso! Hein?….Há os
existencialistas, os fenomenólogos, há os...os...os filólogos e, atualmente, os
estruturalistas. Então, tudo isso, todos esses discursos se superpõem, todos são mantidos
de algum modo, para a formação de vocês, não é? Vocês se formam radicalmente em
tudo, isto é, seja o que for que se diga a vocês, isso lhes traz, em suma, mais ou menos o
mesmo efeito, ou seja, tudo isso é um blá-blá-blá destinado a lhes seduzir. Então, não há
mais objeção ao inconsciente O inconsciente é o pensamento, sim, todo mundo sabe
disso. E o que se pode fazer, não é?
Devo dizer-lhes que a formação [...] esses discursos bem construídos, não acho
que é deixando que eles façam uma espécie de circo...., que esses discursos, um depois do
outro, que funcionam um correndo atrás do outro..., não acho que isso possa ter, de modo
algum, um papel de formação.
Um fiozinho de nada, sim, que vocês mesmos encontrariam sozinhos, nessa
relação com esta coisa verdadeiramente única, problemática, que lhes é dada, não direi
com o título de louco, porque isso…., não é um título. Um louco é, apesar de tudo,
alguma coisa….; isso resiste, e ainda não está prestes a desaparecer simplesmentepor
7
causa da difusão do tratamento farmacodinâmico. Se vocês tivessem um fiozinho de
nada, fosse qual fosse, isso valeira mais do que qualquer coisa, tanto mais que isso os
levaria necessariamente àquilo de que se trata.
Para mim, o fiozinho de nada foi este – eu não era um espertalhão –, esta coisa
que se articula assim: o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Eu poderia ter
partido de um outro ponto, mas esse me pareceu sério; ou o inconsciente não quer dizer
absolutamente nada, ou, desde que ele nos é apresentado [….],quero dizer [….] como
psicanalistas, interrogá-lo a título de ele ser uma linguagem com um certo número de
propriedades que só existem na dimensão da linguagem: como tradução por exemplo. 
Então...isso só é evidente se, a esse respeito, se puder extrair dessa experiência e
desse fiozinho de nada atado a ela, um certo número de questões, ou seja, um certo
número de respostas, particularmente a esta questão: o que é uma linguagem? Porque, se,
numa primeira aproximação, é impossível afastar isto: a linguagem ali está e é inclusive o
que domina, essa é a melhor ocasião de se fazer a pergunta...Quando eu comecei com
meu fiozinho de nada, não se havia chegado ainda – peço-lhes que acreditem; vocês o
esquecem porque, em primeiro lugar, vocês nasceram ontem, ... – nem todo mundo falava
de linguística e, sabe Deus como, se falava dela na mais total confusão! Não é a difusão
das ideias que esclarece o espírito e que, por isso, o condiciona às luzes. Enfim, por ora,
não há ninguém que não encha a boca para falar em termos de “significante”,
“significado”, “comunicação”, “mensagem”...., se caminha para todo lado com isso, é a
única sola que se tem. Quando se faz fisiologia, considera-se que a tireoide envia uma
mensagem à hipófise...., chamamos isso de mensagem...Tudo bem, é uma questão de
definição. Trata-se de ver se é uma linguagem. A partir do momento em que se introduz a
palavra “mensagem”, fica muito difícil não se imaginar que a hipófise receba a
mensagem... e a responda! Fala-se também de mensagem, mais ou menos referindo-se a
não sei qual objeto que se descobre no céu. Traduz-se em termos de mensagem o fato de
que ele seja simplesmente visto, que envie fotos...em mensagem!
Cabe dizer que esse seria um jogo totalmente inocente, caso a linguagem não
estivesse aí envolvida, e, em primeiro lugar de um certo modo: é que se torna cada vez
mais difícil falar da linguagem, por causa de todo este grande zum zum-zum
monopolizando as palavras que poderiam servir para enganchar as coisas nesse domínio
já bastante complexo e tão difundido por toda parte, a tal ponto que, na verdade, nem
uma gata conseguiria encontrar nele seus filhotes. Enfim..., eu sou um dos responsáveis
desta espécie de grande confusão na qual estamos mergulhados no momento, porque
comecei a falar de linguagem há dezessete anos. Naquela época, estávamos na flor
dá....da moral, com a situação, o engajamento... Vocês conhecem outras dessas
baboseiras! 
De todo modo, há pessoas que se ocupam da linguagem. O que eu acho mais
encorajador é que aqueles que se ocupam verdadeiramente da linguagem, a empregam no
mesmo sentido cujas dimensões eu desenvolvi, ou seja, no que ela queria dizer em meu
discurso. Ali onde se sabe do quê se fala, em primeiro lugar, todo mundo se dá conta de
8
que uma linguagem não é feita de signos. Isto quer dizer que uma linguagem não tem
relação direta com as coisas. Um signo, para defini-lo de um modo claro e simples, eu
direi como o penso sem que ninguém me conteste: é o que representa alguma coisa para
alguém. A linguagem não serve para isso, ela não é feita de signos, ela pode ser estudada.
A função do signo sempre foi muito importante, até mesmo perfeitamente importante
demais. Além disso, desde o tempo em que surgiu a semiótica médica, não há nenhuma
necessidade dela, nunca ninguém se interessou minimamente pela linguagem.
O que perturba, é claro, é que a linguagem tem, em geral, uma significação, quer
dizer que ela engendra o significado. Justamente por isso é que nos demos conta de que a
relação eventual que a linguagem pode ter com as coisas é uma relação terceira, ternária,
e há que se distinguir o significante, o significado, e, eventualmente, o referente, que nem
sempre é fácil de encontrar, assim como o significado não é fácil de se circunscrever. No
entanto, é nisso que se joga o jogo do impreciso das coisas, isto é, o que faz com que, por
exemplo, uma linguagem seja ou não adequada. Uma linguagem, mais do que ser signo
das coisas - diremos antes algumas coisas para os que nunca ouviram a enunciação muito
elaborada que já dei sobre isso -, digamos - para que nos entendamos hoje - que sua
função é... fazer o contorno, não das coisas, mas da coisa. De todo modo, isso se torna
muito perceptível para nós quando se trata da experiência analítica.
A coisa, que um dia chamei de Coisa Freudiana, que está no coração e que não
se toca facilmente - e asseguro-lhes que nunca chegaremos a compreendê-la -, essa coisa
é circunscrita pela linguagem. E escreverei a coisa como acoisa, para indicar que ela não
se distingue por sua presença.
Além do mais, a linguagem é alguma coisa inteiramente necessária. Falo,
naturalmente, do primeiro roçado, inteiramente necessário…., para que vocês possam
compreender meu fiozinho de nada: o inconsciente é estruturado como uma linguagem.
Todo mundo sabe, vive-se dentro disso, só que é bastante curioso, e mesmo muito
curioso, especialmente quando se fala da linguagem, sempre se acredita que se está
obrigado a ir na direção do que é exatamente o contrário da experiência comum: a
linguagem não é feita para a comunicação. A prova disso está o tempo todo ao nosso
alcance. Vocês devem se dar conta disso quando, por exemplo, vocês estão com seu
parceiro ou parceira e têm que explicar algumas coisas. Em primeiro lugar, não é somente
porque as coisas não vão bem, mas porque não há esperança. E quanto mais vocês
tentam, menos vocês comunicam...Enfim! [risos]. Já lá vão pelo menos dezessete anos
que me esforço recomeçando sempre as mesmas coisas, obtendo, aliás, sempre o mesmo
resultado, que de fato é formidável. Por um momento, isso os diverte, é claro, são jogos
de palavras, intelectualizo uma cena de casal, é uma intelectualização bastante conhecida.
Então, para que serve a linguagem se ela não é feita expressamente para
significar as coisas – quero dizer que essa não é de modo algum sua primeira destinação
-, e nem tampouco para comunicar? 
9
Pois bem, é simples, simples e capital: ela faz o sujeito. Isso já basta
enormemente. Caso contrário, como é que vocês justificariam a existência daquilo que
chamamos sujeito no mundo? 
Será que podemos nos compreender? A resposta é inteiramente accessível: nós
nos compreendemos tro-can-do o que a linguagem fabrica.
Será que não fica claro, quanto à comunicação que se imaginaria ter, que quando
vocês dizem uma frase ela representa uma mensagem e que, do outro lado, a frase é a
mesma que a pronunciada por vocês?….Para dizer a verdade, não é a frase pronunciada
por vocês que é importante, mas sim a que está do outro lado, é claro. É justamente por
isso que vocês não sabem o que haviam dito. É capital que vocês o saibam: cada vez que
vocês falam com alguém, vocês não sabem o que dizem, e quando falam sozinhos, menos
ainda. 
Contudo, em resultado da linguagem, alguma coisa acontece. Desde que se
encontrou esse sagrado intermediário, alguma coisa acontece, às vezes com o outro, na
verdade, sempre com o outro e, por isso, ela lhes retorna sempre de modo imprevisto e
em sentido inverso. E é bem assim que o que se chama ser humano tem sua primeira
experiência; nós nos damos conta de que acontecem coisas quando se fala. Essas coisas
podem muito estar circunscritas nelas próprias e, inclusive, é o que eu me esforço para
escrever nesses dezesseteanos que tanto mencionei: a teoria.
Por exemplo, a linguagem fabrica o desejo! E, afinal, o desejo não é alguma
coisa muito...muito comum. Entre os filósofos, sempre se considerou que o desejo seria o
objeto a ser afastado para se alcançar o que chamamos de conhecimento; a consciência é
perturbada, supostamente, pelo desejo..., o que aliás é verdade. Mas isso se deve ao que
acreditávamos ser o conhecimento! Não vou entrar nesses detalhes ou...distinguir o que
prevaleceu durante séculos no que concerne à função do conhecimento, das posições
muito diferentes que são as que devemos adotar atualmente pelo fato de se haver criado
uma ciência que não deve nada às categorias do conhecimento, e que, sobre isso, não se
comporta nada mal - talvez nós nos comportemos pior - , mas não é essa a questão. É que
a ciência funciona e....uma multidão de dimensões suscitadas, sugeridas por esta
[psicologia] do conhecimento estão totalmente caducas e fora de jogo.
O que há de interessante nisso é que, ao se considerar o que chamei há pouco de
sujeito como sendo absolutamente coextensivo ao registro cada vez mais elaborado da
ciência, pode-se chegar a dar uma teoria completamente diferente, completamente
distinta e manejável de um modo inteiramente diverso do que se fez até hoje, daquilo que
é, propriamente falando, o desejo. Temos, inclusive, eventualmente, a felicidade de
perceber que houve, entre alguns raros filósofos do passado, alguma coisa, não sei bem o
quê, a qual se poderia chamar um pressentimento. Penso em Spinoza. Seja como for, essa
teoria, como se sabe, ou se acredita saber, eu a dei e até mesmo a afinei durante anos.
Estou muito longe de pensar que dei sua formulação definitiva, mas, naquilo que dei, há
algo que me parece bastante prometedor. Devido aos cuidados que tive, há nela um
pequeno começo de formalização, ou seja, alguma coisa pode se exprimir através do que
10
há de mais puro e de mais manejável na função do significante, isto é, um manejo de
letrinhas. É de uma certa maneira de manejar essas letrinhas e inseri-las entre elas
mesmas em conexões definidas que se fundou a teoria do desejo, teoria que nos dá a
esperança de um desenvolvimento ulterior muito mais preciso, desde que nela se aplique
esta espécie de capacidade mental referida à combinatória. 
Evidentemente, isso supõe o simples reconhecimento daquilo que não é dado de
maneira comum na formação que vocês recebem como médicos, formação que se pode
qualificar de positivista. Isso é o que não lhes é tornado familiar, por falta de uma
verdadeira formação matemática que não seja simplesmente um instrumento para uso dos
conhecimentos sobre as coisas enquanto coisas, entes. Isso se tornou perfeitamente
perceptível através de um certo uso da matemática, mas que não é seu privilégio. É que,
por ela mesma, a combinação dos significantes constitui uma ordem, um registro, que
vocês podem qualificar como quiserem, podem fazer dela um jogo. Contudo, é um jogo
tão sério, que isso é o que constitui o sério do jogo. O que há de engraçado no jogo é que
ele é uma das coisas mais submetidas a leis, não há jogo que não consista em um certo
rigor…., ou seja, em uma combinatória entre significantes; significantes, posto que não
são signos. Mas o significante que defini muito precisamente nesta fórmula e que, afinal
de contas, merece que eu a venha repetindo, não fosse pelo fato de que se pode dizer que
ninguém a expressou antes de mim: um significante é o que representa um sujeito, para
quem? Justamente, não é para quem, é para um outro significante.
Isso pode lhes parecer opaco, pouco compreensível, mas, como acabo de
adverti-los, pouco me importa, pois não é feito para vocês compreenderem, é feito para
que vocês se sirvam disso....e para que vejam que isso funciona sempre, não somente que
funciona sempre, mas que começa a [render] a partir daí. Isso quer dizer duas coisas:
primeira, o significante só recebe seu status ali; segunda, só recebe seu status de sua
relação com outro significante que inaugura a dimensão da bateria significante. Surgem,
então, algumas questões: essa bateria é finita ou infinita? Evidentemente, podemos
continuar: por um lado, o que infinito quer dizer; por outro, que o significante é anterior
ao sujeito; para que apareça essa função, uma vez que ela é definida por um sujeito, ela
se distingue do que se pode chamar, por exemplo, psiquismo, conhecimento,
representação. Ela é inteiramente diferente de tudo isso, pois ela é uma dimensão do
ser...: há sujeito só e unicamente depois de ter havido o significante.
Quanto à questão de saber como o significante aparece antes que apareça o que é
o sujeito propriamente falando, podemos também respondê-la. Foi precisamente para dar
uma resposta formal que introduzi este campo, esta dimensão do Outro como lugar do
significante. Sobre esse Outro, com certeza vocês me perguntarão: onde ele está, hein?
Será que é o espaço comum? Será que é o ouvido do vizinho? Será que é isso ou
aquilo?... Isso é não compreender nada do que consiste um sistema formalista. Esse Outro
é precisamente um lugar definido como necessário a essa primariedade da cadeia
significante.
11
No início é assim, já que antes há…. o sujeito2; a dimensão que chamamos
verdade é introduzida, uma vez que só há dimensão da verdade a partir do momento em
que há significante.
Não há nem verdade nem mentira na dissimulação, por exemplo, ou na exibição
do animal, pela simples razão que elas são exatamente o que são, nem mentirosas nem
verdadeiras; elas respondem a este efeito de captação [reduzido]. É nisso que elas não são
do registro do significante. O significante é outra coisa.
É a partir do momento em que ele engendrou o sujeito e em que ele se inscreve
em algum lugar no nível do Outro que a dimensão de alguma coisa que se propõe sempre
como verdade – mesmo quando é uma mentira, pois não seria uma mentira se isso não se
propusesse como uma verdade – tem essa dimensão do significante. Observem isto: o
Outro, em nenhum caso, é a garantia da verdade. Porque o Outro, por ele próprio, nada
nos diz que ele é um sujeito. Há pessoas que dizem que ele é um sujeito, chamam-no
Deus, com diversos qualificativos: bom Deus, Deus mau….isso é um outro caso, um
outro passo a ser ultrapassado. Não temos nenhuma necessidade de ultrapassá-lo para dar
a teoria da linguagem. 
A experiência da análise não é senão a de realizar o que acontece com essa
função: a do sujeito. Ocorre que isso se desdobra em um certo efeito mostrando-nos que,
naquilo que é primordialmente importante dessa função do significante predomina uma
dificuldade, uma falha, um furo, uma falta relativa a essa operação significante, muito
precisamente ligada à confissão, à articulação do sujeito enquanto afetado por um sexo. É
porque o significante manifesta faltas eletivas no momento em que aquilo que diz Eu se
diz macho ou fêmea, que acontece de ele não poder dizer isso sem acarretar o
surgimento, no nível do desejo, de alguma coisa bastante estranha, alguma coisa que
representa, nem mais nem menos, a escamoteação simbólica – entenda-se, não mais a
encontramos em seu lugar – a escamoteação de uma coisa inteiramente singular que é,
em termos precisos, o órgão da copulação: o que, no Real, é melhor destinado a provar
que um é macho e outro é fêmea, hein?
É isso! Esse é o grande achado da psicanálise. Um achado que só pode ser feito,
estritamente, por ter sido feito de um modo que lhe dá um sentido. É o caso de se dizer
que lhe dá um sentido admissível, em nível diferente daquilo que Spinoza - já que falei
dele há pouco, cabe voltar a falar dele agora – chamava historialae, pequenas histórias:
porque mamãe ou papai não deram o bastante, acredita-se nisso...enfim, em um montão
de coisas que não se sustentam. O que se chama castração é isso: para que alguma coisa
venha se articular em função do significante– do significante enquanto primordial ao
sujeito -, alguma coisa que porta o sujeito no plano sexual, é preciso que ali intervenha o
seguinte: enquanto [...] do significante, que seja como faltante que se represente
precisamente o órgão da copulação.
2 N.Transc.: trata-se certamente de um lapsus. A lógica designa que, nessa frase (e nesse lugar), venha o 
termo ‘significante’: “Há o significante antes do sujeito”. 
12
Isso merece que se preste um pouquinho de atenção, pois o fato de a experiência
ser levada de um modo correto, ou seja, que se tenha prosseguido a experiência analítica,
dá conta de que: seja o que for que digamos, apenas e simplesmente uma experiência
conduzida com a ajuda e no interior da mediação significante, na qual tudo que se pode
acrescentar a isso do que chamamos efeitos psíquicos, ou seja, reação, defesa, resistência
– ou, se vocês quiserem -, afeto, transferência, tudo isso só ganha seu sentido se
chegarmos a apontar aí, [a desembaraçar], a localizá-lo no registro de uma formalização
que tem como ponto de partida e como base a primordialidade da cadeia significante em
relação ao sujeito.
É evidente que não será nesta noite que lhes farei a demonstração disso. Mas, se
algum dia o que eu disser tiver um alcance qualquer, é certo e claro, em todo caso, que
não digo outra coisa, não faço outra coisa senão prosseguir nessa construção há
exatamente dezessete anos, tal como lhes falei há pouco.
O que resta no final da experiência analítica não é outra coisa senão [….], pelo
fato de essa experiência, que lhes permite saber como é se pôr no lugar do sujeito, nessa
dependência muito especial em relação ao significante, que faz com que tal ou tal
enunciado seja deduzido, por exemplo, da validade desta fórmula enunciada por mim
como: o desejo só se concebe, só toma seu justo lugar, só se anima se vocês efetivamente
tiverem percebido que ele se formou neste lugar que chamei, há pouco, o lugar do Outro;
que, por sua natureza e por sua função, ele é desejo do Outro. Essa é, precisamente, a
razão pela qual, em nenhuma circunstância, vocês não podem reconhecê-lo sozinhos. Isso
é o que justifica que a análise só possa ser prosseguida com a ajuda do analista, o que não
quer dizer que o analista seja o Outro. Ele é algo muito diferente que não posso explicar-
lhes esta noite.
Enfim, para aqueles que teriam uma vaga ideia disso, mesmo uma pequena ideia,
devo dizer que a proposta [de se deterem] paradoxal que avanço diante de vocês esta
noite, será , ainda assim, suficientemente estimulante para aqueles que tenham vontade de
saber um pouco mais sobre isso. Posso dizer-lhes que esse é o tema de meu seminário
este ano. Nele, procurarei precisá-lo de um modo como ainda não pude fazê-lo, porque há
muitas coisas que ainda não pude fazer, porque não se pode imaginar a que ponto eu sou
didático em meu ensino. Com isso, quero dizer que parto da ideia de que...bem: é
bastante certo que não compreendam nada do que digo. Minha única chance é repeti-lo o
tempo suficiente para que isso acabe mobiliando alguma parte dos cérebros. Não há
porque se surpreender, é claro, que durante um certo tempo não se tenha nada melhor a
fazer do que me repetir, vagamente. Aliás, para alguns, isso tem um outro uso que pode
ser sempre desenvolvido, justamente porque o que formulo é muito incompreensível, e
que em torno do que ensino há um certo esnobismo. Então, quando se é distinguido desse
modo, ensina-se Lacan no Instituto de Psicanálise de Paris, por exemplo, isso é distinto.
Mas isso não quer dizer que se compreenda o que digo. Aliás, como acabo de lhes dizer,
o que digo não é feito para compreender. É feito para nos servirmos dele e, com o tempo,
acabará acontecendo o que sempre acontece quando as fórmulas funcionam; acabamos
13
sempre nos servindo muito estupidamente. Então, nos damos conta que isso esclarece
algumas perspectivas. Não há nenhuma necessidade de se sentir, anteriormente, o choque
intuitivo da verdade. 
No entanto, isso não quer dizer que a verdade não esteja referida à coisa... A
verdade está referida justamente no fato de que aparece em toda essa questão alguma
coisa de inesperado, sobre a qual eu lhes falei há pouco, ou seja, a intrusão
verdadeiramente incrível, obscena, deslocada, totalmente fora do lugar, da sexualidade,
ali onde menos se a esperava. Afinal de contas, é preciso dizê-lo, não é porque agora
temos o conhecimento de que ela ali está que sabemos mais sobre ela! Pois tampouco
basta chamar isso sexualidade. Há pouco, tentei dar-lhes uma fórmula mais precisa,
dizendo-lhes que a sexualidade concerne à confissão do sujeito afetado por um sexo. Não
é vagamente a sexualidade, não é tudo o que se pode saber sobre a sexualidade. A prova
disso é que, atualmente, tudo o que se pode saber sobre a sexualidade – e passos foram
dados sobre esse assunto depois de Freud, experiências foram feitas - , atualmente se sabe
um pouquinho mais sobre o que é...., por exemplo, o cromossoma sexual. E para quê isso
nos serve em psicanálise? Pois bem, para absolutamente nada. Não se trata de
sexualidade em seu conjunto, em sua essência, como se, aliás, isso existisse em algum
lugar... A sexualidade não tem nenhum sentido. Há fatos biológicos que se reportam a
coisas que geralmente são qualificadas de sexuais; depois, quando se olha de perto, vê-se
que há uma quantidade de estágios e que esses estágios não se recobrem. E, se tomarmos
as coisas no nível hormonal, por exemplo, ou no dos caracteres ditos sexuais secundários,
vê-se muito bem que a repartição, o jogo das coisas, não é o mesmo que se o tomamos no
nível das funções celulares. Então, não falemos da sexualidade como se ela fosse uma
coisa vaga e grande...Não, há alguma coisa que se produz para o sujeito nesse
nível....Dado que isso chega ali onde não o esperamos, e que, em todo caso, há uma coisa
bem certa que é o fato de que isso resiste, e resiste tanto que, seja o que for que se pense,
longe de estarmos verdadeiramente habituados ao que Freud descobriu, isto é, que a
sexualidade ali está concernida, nós sempre nos encontramos nisso da maneira mais
enérgica. E isso, por uma simples razão: é que é no nível dessa declaração de sexo, ali
exatamente onde eu a introduzo, que se colocam as coisas. De fato, há nisso algo que
parece tão opaco e, para dizer tudo, incompreensível, que nos refugiamos em todas as
outras espécies de ideias sobre a sexualidade: fazemos entrar em jogo a sexualidade como
emoção, como instinto, como afeto, como atração. Todos os tipos de coisas que nada têm
a fazer na questão. Vale antes procurar compreender o de que se trata no nível do que
chamaria o ato sexual, sendo o ato alguma coisa concebida como tendo essencialmente
nele próprio essa dimensão significante. 
Não se trata simplesmente de saber o que se faz e como se opera; trata-se de
perceber que o que traz dificuldades é que se entra no ato sexual para que tal ou tal, se
prove macho ou fêmea, por exemplo. 
É a partir do ato que começam as dificuldades. É do ato enquanto significante
que, como significante, falha. Disso decorre minha observação: definitivamente, não
14
importa o que vocês façam, senhoras e senhores, vocês nunca terão certeza absoluta de
serem machos ou fêmeas. Essa é a coisa...
Enfim,….acho que esta noite eu me deixei levar um pouquinho….O que gostaria
de lhes dizer é que o fim, a ponta, o ápice da experiência psicanalítica se caracteriza no
fato de que ela é precária. Quero dizer que não basta ter tido por um momento essa
experiência que é a do sujeito como sendo determinado por todos os significantes que lhe
preexistiram. É claro que é na medida que esses significantes lhe são mais próximos, por
serem os que constituíram aquilo de onde ele surgiu um dia, ainda que por acaso, ou seja,
o desejo de seus pais. Ainda que tenha sido por acaso, foi ali que ele caiu, isto é, tudo o
que lhe acontece– pelo menos no início – vai depender desse lugar que se chama, no que
concerne a seus pais, o desejo, que já se manifesta em sua existência – e podemos tomar
a palavra existência em todos os sentidos que vocês quiserem lhe dar, inclusive
existencialista -, [existência] do Outro, desse Outro que ali está encarnado também pela
relação de seus pais com esse Outro como lugar do significante. É ali que o sujeito vem
cair e não é possível que isso não tenha uma função determinante sobre tudo o que vier a
lhe acontecer.
Gostaria de voltar aos psiquiatras e lhes transmitir minha álgebra.... Lamentarei
muito se ela não lhes parecer imediatamente surpreendente...enfim. Essa é uma fórmula
de polidez. Não tenho tempo de escrevê-la de outro modo, mas, em contrapartida, acho
que poderá lhes dar uma pequena ideia das maneiras simples com as quais se pode
expressar certas coisas para que elas não sejam, em seguida, confundidas com outras.
[Lacan vai ao quadro].
Há pouco, eu lhes falei do órgão, órgão copulatótrio uma vez que ele falta; eu
lhes indiquei o que isso queria dizer, a ordem de verdade que permite descobrir que se
tomou o bom começo… Há outras coisas que vêm neste lugar onde o órgão falta, há
inclusive outras coisas que se colocam, expressamente feitas para que não percebamos
que ele falta. Foi o que chamei, em minha álgebra, objeto a. Todos os que têm uma leve
nuança do que é a psicanálise devem saber a relação de ‘homotopia’, ou seja, no-mesmo-
lugar, que pode existir entre a castração e a função eventualmente desempenhada por um
certo número de objetos. A tal ponto que se fala de castração anal, oral e tudo o que a isso
se segue. Não darei, aqui, um curso sobre isso. Seja como for, esse objeto a é a fórmula
geral daquilo que se manifesta de modo absolutamente decisivo e causal na determinação
daquilo que a descoberta do inconsciente nos permitiu perceber: a divisão do sujeito.
Esse sujeito não é simplesmente como na teoria matemática, por exemplo, na
qual uma sequência de cadeias significantes apenas transmite de uma ponta a outra um
único um só e unívoco sujeito, aliás impossível de se localizar em algum dos
significantes dos quais se trata. Ora, certamente se produz alguma coisa diferente da
função, do efeito de linguagem em toda sua generalidade, que está estreitamente ligada
ao que é seu primeiro efeito, ou seja, a uma certa participação do corpo enquanto real.
Estritamente ligada ao fato de que o sujeito atua precisamente neste duplo registro. Isso
que faz com que, se podemos depurar o sujeito da ciência, o sujeito de uma cadeia
15
matemática como alguma coisa simples e unívoca, nós não podemos fazê-lo no caso do
ser falante, que é um ser vivo, pela simples razão que alguma coisa permanece encadeada
precisamente a essa origem, ou seja, a essa dependência primeira da cadeia significante,
que não é manejável ao seu bel-prazer, que permanece fixada em certos pontos. E que
mesmo alguns dados da experiência, dentre os mais evidentes como, por exemplo, o de
que sua mãe não tem pênis, não é uma coisa que funcione para uma parte do sujeito, para
a parte dividida, pela simples razão que, para essa parte dividida, é preciso, não que ela
não o tenha, mas que ela tenha sido privada dele. Eis o que S/ (barrado) designa: o sujeito
enquanto dividido em uma certa relação com o objeto a. Esse objeto a tem por
propriedade ser aquilo que faz o desejo, já que o desejo é o que é suportado pela fórmula
da fantasia. Esse desejo depende do desejo do Outro, ou seja, o que é formalizável no
nível do Outro como efeito do desejo. Estando diante de vocês, esta noite, faço aqui uma
reserva, na medida que os suponho – no que concerne ao que lhes digo, e que repito, de
tempos em tempos -, embrutecidos pelo cansaço. Então, inscreverei aqui o que não
inscrevi em nenhum outro lugar, mas o faço a fim de impedir que isso escape: demanda
de a. Tenho minhas razões para pô-lo assim, isso é muito simples. Mas, para esta noite,
isso pode bastar. O que faz a ligação do desejo, uma vez que ele é função do sujeito, do
próprio sujeito designado como efeito de significante, é que o a é sempre demandado ao
Outro. Essa é a verdadeira natureza da ligação que existe [para] este ser que chamamos
normalizado.
Então, para lhes explicar as coisas de modo simples, há homens livres. E o que
tenho dito desde sempre, pois eu o escrevi para o Congresso de Bonneval muito antes dos
dezessete anos que mencionei – vocês não imaginam o quanto estou velho -, é que os
homens livres, os verdadeiros, são precisamente os loucos. Para eles, não há demanda de
a, pois o louco tem o seu a. É o que ele chama de suas vozes, por exemplo. E o motivo
de vocês se angustiarem diante dele, com toda razão, é porque o louco é um homem livre.
Ele não está ligado ao lugar do Outro pelo objeto a, ele tem o a à sua disposição. O louco
é verdadeiramente o ser livre. Nesse sentido, o louco é, de certo modo, um ser de
irrealidade, um absurdo, absurdo aliás magnífico assim como tudo o que é absurdo. Os
filósofos chamaram o bom Deus causa sui, causa de si. Digamos que o louco tem sua
causa em seu bolso, por isso ele é um louco. Por isso é que, diante dele, vocês têm um
sentimento bastante particular que deveria constituir para nós um progresso, progresso
capital, que poderia resultar do fato de alguém dentre os psicanalisados ocupar-se
verdadeiramente do louco, um dia. É verdade que, de tempos em tempos, isso resulta em
alguma coisa que se parece com a psicanálise, com os primeiros sucessos. Não vai muito
além disso. E por que não vai muito longe? Eu lhes digo porque: é que a experiência da
psicanálise é uma experiência precária. E por que ela é precária? Porque há o psiquiatra.
Quando vocês saem de uma análise dita didática, vocês retomam a posição psiquiátrica.
A posição psiquiátrica é perfeitamente definível do ponto de vista histórico. Há
um senhor que se chama Michel Foucault que escreveu a História da loucura. Ele
explica, ele enfatiza... [neste exato momento, a rolha de uma garrafa de água mineral
16
espoca sozinha], ele demonstra de modo magnífico [risos] – vocês estão vendo, isto é um
signo. É bonito, não? É o que se chama calor comunicativo- Foucault demonstra a
mutação essencial resultante do momento em que esses loucos - com os quais se agira até
então, Deus meu, conforme se vê em todo tipo de registros, principalmente nos registros
do Sacré - foram tratados da maneira que chamamos humanitária, ou seja, internados.
Essa operação não é de modo algum sem interesse, do ponto de vista da história da
mente...., pois foi precisamente ela que nos permitiu pôr em questão a existência de
alguma coisa que se poderia chamar de sintomas. Só se começou a ter uma idéia de
sintoma a partir do momento em que o louco foi isolado
Naturalmente, esse livro fundamental de Michel Foucault teve um sucesso que
se pode dizer verdadeiramente notável. E não houve sequer um psiquiatra que se tenha
ocupado dele! Peço a vocês que me apresentem uma única resenha desse livro de Michel
Foucault que tenha sido publicada em uma revista psiquiátrica. É absolutamente
chocante! Porque aborda alguma coisa absolutamente capital para a compreensão da
posição do psiquiatra! Ele reinsere as coisas em um contexto que permite ver, de fato, o
de que se trata: o que quer dizer Esquirol e Pinel? Aqui, neste momento, não se trata de
fazer política..., de modo algum. Trata-se de se dar conta de uma certa função nascida
com essa prática constituída em isolar o louco. O fato de tendermos, hoje, a isolá-los cada
vez menos, significa que introduzimos aí outras barreiras, outras muralhas...das quais
esta, em particular: nós os consideramos muito mais – e esta é a tendência psiquiátrica –
como objetos de estudo do que como um ponto de interrogação no nível do que acontece
com um certo tipo de relação do sujeito, daquilo que situa o sujeito emrelação a esta
alguma coisa que qualificamos de objeto estranho, parasita, ou seja, a voz,
essencialmente. Como voz, ela só tem sentido por ser suporte do significante. 
A partir disso, o que acontece com a posição do psiquiatra nos permitirá
vislumbrar, se assim posso dizê-lo, que ela não é uma posição simplesmente. Além do
fato de [observá-lo], ou seja, de tomar uma certa posição de princípio que é também
radicalmente contrária, se isso é possível, ao que nela pode ser experimentado, uma vez
que o psiquiatra saberia a que ponto chegou a consideração do sujeito, o que faz barreira
é o fato de o psiquiatra estar integrado a uma certa relação hierárquica; quer ele o queira
quer não, ele está em posição de autoridade, de dignidade, de defesa de uma certa posição
que, em primeiro lugar e antes de tudo, é a sua. Trata-se precisamente de ele responder a
essa existência do louco mediante outra coisa que não a angústia. Não avançarei mais
sobre esse assunto nesta noite, pois se poderia pensar que pretendo, de algum modo, por
em questão a posição do psiquiatra. Ela não pode ser diferente do que é. Eu questionaria,
antes, o fato de minha dignidade, se assim posso dizê-lo, [não ter acusado] um certo
escalão de voz nestas espécies de reuniões das quais se almejaria que fossem de
sociedades científicas, que são as que provam que os psicanalistas conservam, em sua
hierarquia, alguma coisa que é da mesma ordem que essa distância, esse escalonamento
em relação ao objeto, e que constitui justamente a impossibilidade na qual está o
17
psiquiatra, no concerne à abordagem da realidade do louco a partir de um novo ponto de
vista.
O que quero enfatizar esta noite, é alguma coisa, uma consideração – como os
estou vendo aqui, e conheço muito bem as expressões de vocês, dos que já ouviram falar
sobre algumas coisas e de outros que ainda não - da qual vocês não tiveram qualquer
informação até o momento, e que é a seguinte: essa história do sujeito, vocês me diriam,
não é para entificá-lo, isso podia acontecer no tempo de Freud, mas já é passado. Penso,
contudo, que vocês se dão conta de uma certa transformação considerável pela qual nosso
mundo está passando, e que faz com que o sujeito, em nosso tempo, seja alguma coisa
que a existência da ciência define como sujeito. Nossa ciência só se constituiu de uma
ruptura que se pode datar, e sua época não é outra senão o século de ouro, o século XVII.
A ciência nasceu precisamente no dia em que o homem rompeu as amarras com tudo o
que se pode chamar de intuição, conhecimento intuitivo, e se remeteu ao puro e simples
sujeito introduzido, inaugurado inicialmente sob a forma perfeitamente vazia enunciada
no cogito: penso, logo sou. Hoje, está inteiramente claro aos nossos olhos que essa
fórmula, embora decisiva, não se sustenta, pois ela permitiu o seguinte: não se teve mais
necessidade de recorrer à intuição corporal para se começar a enunciar as leis da
dinâmica. 
A partir daquele momento nasceu a ciência, correlativa a um primeiro
isolamento do sujeito puro, se assim posso dizer. Esse sujeito puro, é claro, não existe em
nenhum lugar, a não ser como sujeito do saber científico. É um sujeito do qual uma parte
é velada, justamente a que se exprime na estrutura da fantasia, ou seja, que comporta uma
outra metade do sujeito e sua relação com o objeto a. O fato de que tudo o que até aqui se
interessou, sem o saber, nessa estrutura real, isto é, a maneira como ela foi tratada até
agora, a maneira como isso se inscreve nas relações sociais, a maneira como, de algum
modo, toda a construção social se fundou sobre essas realidades subjetivas, mas sem
saber nomeá-las, é claro que a expansão, a dominância desse sujeito puro da ciência é o
que leva a esses efeitos dos quais vocês são todos atores e participantes, ou seja: esses
profundos remanejamentos das hierarquias sociais que constituem a característica de
nosso tempo. Pois bem, o que vocês devem saber, porque irão vê-lo cada vez mais – até o
momento, foi tão naturalmente que vocês não o viram, embora isso salte aos olhos – é
que há um preço a pagar pela universalização do sujeito, uma vez que ele é o sujeito
falante, o homem. 
O fato de que se apaguem as fronteiras, as hierarquias, os graus, as funções
régias e outras, ainda que permaneçam sob formas atenuadas, quanto mais isso caminha,
mais isso recebe um outro sentido, e mais isso se torna submetido às transformações da
ciência, mais é o que domina toda nossa vida cotidiana, até a incidência de nossos objetos
a. Não posso me deter aqui, mas se há um dos frutos mais tangíveis que, atualmente,
vocês podem tocar todos os dias, no que concerne aos progressos da ciência, é que os
objetos a cavalgam por toda parte, isolados, sozinhos e sempre prontos a pegá-los na
primeira esquina. Não faço aqui alusão a outra coisa senão à existência do que chamamos
18
as mass-media, estes olhares errantes e estas vozes insensatas pelas quais vocês estão
muito naturalmente destinados a serem cada vez mais rodeados, não sendo suportados
senão [o que é do interesse] pelo sujeito da ciência que os derrama em seus olhos e em
seus ouvidos.
Só que isso tem um preço – vocês ainda não se deram conta dele, embora alguns
o tenham atravessado; afinal, alguns de vocês não tinham apenas um ou dois anos de
idade naquela época, e muitas coisas aconteceram -, é que, provavelmente devido a essa
estrutura profunda, os progressos da civilização universal se traduzirão, não somente em
um certo mal-estar como já o Sr. Freud o percebera, mas em uma certa prática que vocês
verão se tornar cada vez mais extensa, que não mostrará seu rosto imediatamente, mas
que tem um nome e, quer o transformemos ou não, sempre quererá dizer a mesma coisa:
a segregação.
Vocês poderiam ter um reconhecimento considerável para com os senhores
nazistas, eles foram os precursores, no que concerne a concentrar as pessoas. Logo
depois, tiveram imitadores, um pouco a leste – esse é o preço dessa universalização, uma
vez que ela resulta do progresso do sujeito da ciência.
É precisamente enquanto psiquiatras que vocês poderiam ter algo a dizer sobre
os efeitos da segregação, sobre o sentido verdadeiro que isso tem. Saber como as coisas
se produzem permite certamente lhes dar uma forma diferente, uma guinada menos brutal
e, se quiserem, mais consciente do que quando não se sabe a quê se cede… O que vocês
representam na história, se assim posso dizê-lo, e como as coisas andam depressa, o que
se verá logo, talvez dentro de trinta ou cinquenta anos é que já havia outrora alguma coisa
que se chamava o corpo dos psiquiatras, e que se achava em uma posição análoga ao que
seria preciso inventar para compreender o de que se tratará nas agitações que se
produzirão e em níveis planetários, acreditem, no nível das iniciativas, constituindo uma
nova repartição [interhumana] que se chamará: efeito de segregação. Neste momento, o
historiador dirá, Deus meu, os caros psiquiatras nos dão um pequeno modelo do que
poderia ter sido cogitado e que teria nos servido, mas, na verdade, eles não o fizeram
porque, naquele momento, eles dormiam. E por que? Deus meu, porque eles nunca viram
claramente do que se tratava em sua relação com a loucura, a partir de um certo período.
Eles não viram sabe Deus porquê, se dirá. Eles não viram justamente porque tinham os
meios de vê-lo. Simplesmente porque a psicanálise estava ali e porque a psicanálise é
muito difícil. E é muito difícil por que? Porque, no fim das contas, fizeram da psicanálise
alguma coisa que podemos chamar de um meio de acessão social. Acessão social a quê?
A alguma coisa que não é muito complicada. Falei muito com meus colegas americanos
sobre questões de técnica, por exemplo, e o que lhes parecia decisivo para a manutenção
de certos hábitos, de certos costumes, de uma certa rotina, diziam eles, era a tranquilidade
deles. Nada lhes parecia mais decisivo para motivara maneira de interromper ou terminar
a sessão, por exemplo, do que o fato de que poderiam estar absolutamente seguros de que
às dezesseis horas e cinquenta minutos eles iriam tranquilamente beber seus whiskies. Eu
lhes dou minha palavra! Não estou exagerando. Para dizer tudo, há muitas outras coisas
19
bastante repousantes em psicanálise, tal como ela está atualmente organizada, não fosse
por essa espécie de progressão, de acesso seguro a posições que se considera tanto mais
eminentes quanto mais se seja suposto deter um saber que os outros, os pequenos, os
novatos, enfim aqueles aos quais ainda não se teria dado a baraka, ou seja, a bênção não
têm. Por outro lado, em muitos casos, se pode observar claramente alguém que sai de sua
análise capaz de ver as coisas que o psicanalista veterano – que pelo tempo, teve tempo
de se esquecer inteiramente sua experiência que chamei de precária – deixa passar
tranquilamente. 
Então, com certeza eu poderia pensar que, depois de tudo, não falei para obter
grandes resultados. Embora eu tenha falado por um tempo tão longo, está claro que toda
uma ordem de costumes, no que concerne à transmissão da experiência psicanalítica, se
verifica não apenas não ter sido nada tocada, mas conserva todo seu prestígio, todo seu
poder de atração sobre os jovens gênios excitados pelo almejo de a ela dedicarem sua
existência. Sim, na verdade, eu poderia pensar que falei por longo tempo e por pouca
coisa, se, afinal, permanece o obstáculo que me permitiria – isso seria fácil – mostrar a
mesma ausência de progresso nas verdades analíticas, que naquelas que designei há
pouco relativas à experiência psiquiátrica.
É evidente que não basta se servir de meu vocabulário para rotular... coisas que
foram ditas antes de mim de uma outra maneira, para que isso tenha um efeito mínimo
sobre o que efetivamente acontece na prática psicanalítica. Sim, não basta nem mesmo,
eu diria, repetir simplesmente o vocabulário – ninguém mais se dá conta de que o
desejo,... a demanda... As pessoas se esqueceram completamente que ninguém havia
falado do desejo e da demanda antes de eu ensinar a distingui-los, mas isso não tem
nenhuma importância porque se pode falar do desejo e da demanda e isso não ter
nenhuma espécie de efeito na prática analítica, sequer o menor início de iluminação no
pensamento do psicanalista que os emprega. Pode-se também transcrever de modo mais
inteligente, se assim posso expressar-me – eu queria, hoje, lhes dar uma teoria inteligente,
mas, como vocês vêem, o tempo me ultrapassa –, pode-se falar de maneira mais
inteligente sobre o que estou expondo e até transcrevê-lo de um modo muito mais
interessante. Porém, há nisso uma coisinha que só descobri muito recentemente e que
lhes comunico porque estou de bom humor [isso não faz parte de meu plano]. Observei
isso depois de... – devo dizer que, desde o início, me pautei pelo princípio de que não há
propriedade intelectual, eu sempre disse isso, desde os primeiros minutos de meu ensino
– enfim... Por que uma outra pessoa não poderia retomar o que exponho? E até mesmo, se
ela assim o quiser, como se fosse dela. Não vejo nisso nenhum obstáculo. Nessa ordem
das coisas, por que se diria que isso pertence ao Sr. Fulano? Só que, [em função de um
objetivo] secundário, retomei minhas posições. 
Há então aqueles que fazem isso, bom..., há muitos atualmente que o fazem.
Inclusive, alguns de meus alunos pensam… “Sim, agora vamos fazer outra coisa: a
doutrina de Lacan! Sabemos que é verdadeira, está estabelecida, adquirida, todo mundo
concorda e, afinal, é a doutrina que está circulando!”... É assim.
20
Porém, há uma coisa muito chocante. É que aqueles que fazem muito bem o
trabalho da transmissão, sem me citarem, regularmente perdem a ocasião, com frequência
visível, aflorando em seus textos, de fazerem apenas um pequeno achado: eles poderiam
ir mais longe. Pequeno ou até mesmo grande. Pelo fato, é claro, de eu nunca ter tempo de
dizer tudo, de tudo transformar em moeda corrente: enquanto eu viver, não creiam poder
tomar qualquer das minhas fórmulas como definitiva… ainda tenho alguns outros
pequenos truques dentro de minha sacola de malícias! Algumas vezes, nada é mais
visível que o fato de que eles estão muito próximos de encontrarem esse achado, antes de
mim... E me daria muito prazer alguém encontrar um achado em minha sacola de
malícias antes de mim [risos]! Mas, nada acontece! Pois bem, então por que não me
citam? Porque, assim, todo mundo acredita que é deles. E eles estão tão fascinados por
isso, por quererem que tenham sido eles que disseram isso – efetivamente todo mundo
sabe que fui eu, mas pouco importa -, que ficam impedidos de dar o pequeno passo
seguinte. 
Já é tarde, e não posso... Gostaria de trazer alguns exemplos, embora não queira
ser malvado...[risos]. E por que, por que eles fariam o pequeno achado se me citassem,
hein? Não é pelo fato de me citarem, mas porque, pelo fato de me citarem, eles me
presentificariam – acontece a mesma coisa em relação aos nomes próprios em uma
análise. Vocês sabem que é extremamente útil dizê-los. Eles evocariam o contexto, o
contexto de tumulto no qual desenvolvo tudo isso. O simples fato de enunciá-lo nesse
contexto de tumulto, me remeteria ao meu lugar, lhes permitiria fazer justo o pequeno
achado seguinte e dizer; “Taí,… isso está grosseiramente incompleto. É possível se dizer
alguma coisa muito mais inteligente!”. Só que,… só que há um obstáculo que faz com
que... – isso tem uma certa relação com... Eu lhes explicarei em um outro momento.. -,
isso se chama alienação, não é? [risos]. Há coisas como essa...nas quais não se tem
escolha. Na última vez que lhes fiz um pequeno discurso, eu lhes falei de uma coisa
engraçada sobre a psicanálise que passou... – porque, no fundo, tudo o que eu digo,
passa! Posso dizer, tudo o que eu quiser, não é? Isso não lhes faz diferença... - , eu lhes
falei da besteira e da canalhice, entre outras... Pois bem, a psicanálise - não posso
desenvolver isso esta noite – é um domínio absolutamente extraordinário e específico.
Isso é o que poderia, de fato, fazer pensar que ela é verdadeiramente de natureza
científica. Nunca ousei dizê-lo: na psicanálise, não há nela nenhum lugar para a
canalhice; nela, a canalhice não pode se manifestar. É, como vocês sabem, a bolsa ou a
vida… não se tem escolha. Naturalmente escolhe-se a vida...e ficamos com a bolsa
desbeiçada.
Pois bem, ali onde não se pode escolher, isso é o que eu chamo alienação –
observem que chegamos a uma definição completamente diferente da usual -, ali onde
não podemos escolher uma alternativa forçosamente escolhemos a besteira, um
pouquinho desbeiçada pela canalhice.
É isso. 
21
Até logo.
Tradução: Vera Avellar Ribeiro – 28/09/2005
 
22

Continue navegando