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1 RENAN CORADIN DISPNEIA A dispneia é um termo usado para caracterizar uma experiência subjetiva de desconforto para respirar composta por sensações qualitativamente distintas em intensidade. MECANISMO DA DISPNEIA: A atividade motora respiratória emana de grupos de neurônios, localizados no bulbo. As descargas respiratórias eferentes ativam os músculos respiratórios, que expandem a caixa torácica, inflam os pulmões e levam à ventilação. Quimiorreceptores, localizados nos vasos e cérebro, bem como mecanorreceptores, localizados nas vias aéreas, pulmões, caixa torácica e músculos respiratórios, estão envolvidos na regulação automática da respiração e também parecem desempenhar um papel em promover as sensações de dispneia. Mudanças na PCO2 e PO2 são detectadas pelos quimiorreceptores centrais, localizados no bulbo, e pelos quimiorreceptores periféricos, localizados na carótida e aorta. Sinais originados nesses quimiorreceptores são transmitidos de volta para o tronco cerebral, para o ajuste da respiração e manutenção da homeostase acidobásica. Impulsos aferentes a partir de receptores vagais também interferem no padrão respiratório: receptores pulmonares de estiramento são estimulados à medida que o pulmão se expande; receptores de irritação, localizados no nível do epitélio brônquico, são ativados pela estimulação mecânica da mucosa brônquica, altas taxas de fluxo aéreo e elevações do tônus da musculatura brônquica; as chamadas fibras C, localizadas no interstício pulmonar, em proximidade aos alvéolos, respondem a elevações das pressões intersticiais e capilares. Os músculos respiratórios também possuem receptores sensoriais: fusos musculares são abundantes nos músculos intercostais e estão envolvidos em reflexos no nível espinal e supra-espinal. O diafragma contém receptores tendinosos, que exercem atividade inibitória sobre a atividade respiratória central. Todos esses sinais aferentes, gerados por mecanorreceptores pulmonares e torácicos fornecem importantes informações relacionadas à situação mecânica da bomba ventilatória, bem como das mudanças no comprimento e força de contração dos músculos respiratórios. Tais informações permitem ajustes da atividade dos neurônios motores, respiratórios, visando à adaptação frente à mudanças da função dos músculos respiratórios ou da impedância do sistema ventilatório. 2 RENAN CORADIN A sensação de dispneia parece surgir pela ativação de sistemas sensoriais, envolvidos com a respiração. A informação sensorial, por sua vez, seria enviada para centros cerebrais superiores, onde o processamento dos sinais modularia a expressão da sensação evocada, sob a influência de fatores cognitivos e comportamentais. Uma teoria geral para o surgimento de dispneia, comumente aceita, é a chamada teoria da dissociação eferente-reaferente. Ela postula que a dispneia resultaria de uma dissociação ou desequilíbrio entre a atividade de neurônios motores, respiratórios, localizados no sistema nervoso central e a correspondente informação sensorial aferente, captada pelos receptores especializados, localizados nas vias aéreas, pulmões e caixa torácica. O contínuo feedback aferente, a partir desses receptores sensoriais, permitiria ao cérebro avaliar a efetividade da resposta aos comandos neurológicos, motores, enviados para os músculos respiratórios, sob a forma do surgimento de fluxos, volumes e pressões, proporcionais ao estímulo inicial. Quando as respostas aferentes não fossem proporcionais aos estímulos motores iniciais, a respiração tornar-se-ia consciente e desconfortável. RESUMO DO MECANISMO Vários mecanismos podem explicar o surgimento da dispneia. De forma geral, sua presença pode sinalizar para alteração funcional respiratória. O estímulo para a ventilação é regulado por nervos periféricos (na face e nas vias aéreas), mecanorreceptores (na parede torácica e no diafragma) e barorreceptores (para CO, e O,); uma excitação excessiva desses sensores é o gatilho para a dispneia. Interferência em barorrectores: Alterações nas trocas gasosas por doenças estimulam o centro respiratório excessivamente, para aumentar a ventilação, promovendo a sensação de dispneia. Mecanorreceptores: Receptores na parede torácica, principalmente na musculatura respiratória acessória, podem estimular o centro respiratório por compressão na parede torácica ou pelo uso excessivo da musculatura intercostal, como ocorre nos transtornos de ansiedade. A musculatura acessória é bem mais fatigável do que o diafragma e, quando utilizada em excesso, gera sensação de falta de ar. Nervos periféricos: A região anterior da face e a parede das vias aéreas apresentam sensores de fluxo de ar. Quando se detecta redução do fluxo habitual, o centro respiratório é estimulado para aumentar a ventilação, como em um mecanismo de defesa. Se esses nervos estão 3 RENAN CORADIN muito sensíveis ou há redução demasiada do fluxo de ar, o centro respiratório é estimulado e a dispneia pode ocorrer. Esse mecanismo pode ser entendido no dia a dia quando observamos a conduta habitual de um leigo ao deparar com um indivíduo com mal-estar repentino: geralmente, a postura é de abanar a face, o que promove uma sensação de bem-estar. Esse é o fenômeno do "ar fresco", que exemplifica a importância dos nervos periféricos na gênese da dispneia. Um indivíduo com doenças das vias aéreas (mesmo um resfriado) apresenta desnudamento da mucosa e exposição de terminações nervosas, tendo a sua sensibilidade aumentada podendo ocorrer a sensação de que o fluxo está inadequado, justificando a dispneia. TIPOS DA DISPNEIA • Ortopneia: piora quando o paciente entra em decúbito. Melhora em pé. Piora ao deitar-se. Causas: insuficiência cardíaca, paralisia diagramática, traqueomalácia, obesidade e DPOC. • Dispneia paroxística noturna: paciente acorda com falta de ar intensa durante a noite. Comum na ICC. • Trepopneia: piora quando se deita em decúbito lateral sob o pulmão acometido (um lado há dispneia e no outro não). Do lado contralateral não sente. Causas: Derrame pleural maciço. • Platipneia: desconforto respiratório em posição ortostática, piora ao sentar-se. Comum em casos de pericardite. Melhora ao deitar-se. Acontece em pessoas com shunt cardíaco. • Dispneia de Esforço: É o nome dado ao surgimento ou agravamento da sensação de dispneia por atividades físicas. • Asma cardíaca: É um termo inapropriado, usado para designar a queixa de chiado no peito e a presença de sibilos em pacientes com insuficiência cardíaca esquerda e sintomas de dispneia. Habitualmente, tais achados são encontrados em indivíduos com ortopnéia e dispneia paroxística noturna. Admite-se que o estreitamento das pequenas vias aéreas por edema da mucosa e reflexos gerados a partir de receptores nervosos, localizados no interstício pulmonar, com consequente broncoespasmo, estejam envolvidos na gênese de tais fenômenos. • Aos esforços (grandes, médios, pequenos e repouso). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • Frequência respiratória acima de 30 incursões por minuto • Saturação < 90% • Instabilidade hemodinâmica • Uso de musculatura acessória, fala entrecortada, estridor, murmúrio vesicular assimétrico, estertores difusos • Cianose e sudorese 4 RENAN CORADIN • Agitação psicomotora e alteração do estado mental ETIOLOGIAS DO QUADRO DE DISPNEIA ASMA: o diagnóstico é realizado, principalmente, por meio de dados clínicos e pode ser confirmado por testes de função pulmonar, sobretudo com provas de resposta ao broncodilatador ou broncoconstrição com metacolina. O uso de espirometria ou de medidores de pico de fluxo (peak flow) em unidades de emergência é de extremaimportância; DPOC: o diagnóstico baseia-se na demonstração de obstrução de fluxo e pode ser realizado de maneira confiável com base em dados clínicos e funcionais. Por exemplo, relação VEF1-CVF <0,7 (Capacidade Vital Forçada-Volume Expiratório Forçado no 19 segundo) com VEF1 <80% do predito; Doenças intersticiais pulmonares: pacientes apresentam padrão restritivo na espirometria e exames de imagem, como radiografias e tomografia de tórax com cortes finos, e evidenciam diversos padrões de infiltrados intersticiais; Doenças vasculares pulmonares: hipertensão pulmonar primária e doença tromboembólica pulmonar são causas de dispneia crônica. Ecocardiograma, cintilografia de ventilação/perfusão e tomografia helicoidal podem ajudar no diagnóstico; Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC): a radiografia de tórax pode ser útil no diagnóstico. Os pacientes podem apresentar congestão pulmonar e cardiomegalia. A presença de índice cardiotorácico maior que 0,5 é sensível para o diagnóstico, mas, quando maior que 0,6, a especificidade diagnóstica é maior. AVALIAÇÃO DA DISPNEIA AGUDA: A dispneia pode ser classificada em aguda e crônica. Considera-se dispneia aguda quando o sintoma aparece em poucas horas ou dias e define-se dispneia crônica quando o sintoma persiste por mais de 30 dias. Exame físico do paciente com dispneia aguda deve-se buscar por: • Alteração do nível de consciência ou agitação • Fala fragmentada • Incapacidade de manter o esforço respiratório • Retrações e uso de musculatura acessória • Cianose • Sudorese profusa. Muitos pacientes em insuficiência respiratória apresentam-se ansiosos e sentam- se eretos ou apoiando os membros superiores, com taquipneia, uso de músculos acessórios e sudorese profusa. Achados que contribuem para o diagnóstico da causa de dispneia: retraces da 5 RENAN CORADIN parede torácica; estridor; sibilos; estertores; diminuição dos sons respiratórios; arritmia; sopros cardíacos; som de terceira bulha; som de quarta bulha; Sons cardíacos abafados ou diminuídos; Hiperfonese de segunda bulha pulmonar (P2); turgência jugular; baqueteamento digital. CAUSAS DA DISPNEIA AGUDA: • Cabeça e pescoço: Angiodema; Anafilaxia; infecções de faringe, laringe e região cervical; Corpo estranho em vias respiratórias; Traumatismo cervical. • Parede torácica: Traumatismo torácico; Fratura de costelas; Tórax instável. • Pulmonares: Exacerbação da DPOC; Crise de asma; Embolia pulmonar; Pneumotórax; Pneumonia e infecções respiratórias (bronquite, traqueobronquite e laringite); Síndrome do desconforto respiratório agudo; Contusão pulmonar ou outra lesão pulmonar; Hemorragia. • Cardíacas: Síndrome coronariana aguda; Descompensação de insuficiência cardíaca; Insuficiência cardíaca aguda; cardiomiopatia; arritmia; disfunção valvar; tamponamento cardíaco. • Neurológicas: AVE; doença neuromuscular. • Toxico/metabólicos: intoxicação por organofosforado; Envenenamento por monóxido de carbono; Ingestão de substâncias tóxicas ou medicamentos; Cetoacidose diabética; Sepse; Anemia; Síndrome torácica aguda. • Crise de pânico. AVALIAÇÃO DA DISPNEIA CRÔNICA: A ausência de história de tabagismo diminui a chance de diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). ALGORITMO PARA INVESTIGAÇÃO DE DISPNEIA CA: 1ª etapa: Os exames laboratoriais podem incluir hemograma, hormônio tireoestimulante (TSH), BNP, função renal, glicemia e eletrólitos. As provas de função pulmonar incluem espirometria, volumes pulmonares, difusão de monóxido de carbono e teste de broncoprovocação, de acordo com o quadro clínico do paciente. A radiografia de tórax também deve ser incluída na investigação. Caso seja realizado o diagnóstico, o tratamento específico deve ser instituído. Se não for realizado o diagnóstico ou houver dúvida, deve-se passar para a segunda etapa. 2ª etapa: deve-se realizar o teste de esforço cardiopulmonar (TECP). Com este teste, é possível identificar o padrão de limitação física que o paciente apresenta e determinar se a limitação é pulmonar, cardiocirculatória, periférica ou por descondicionamento físico. Caso o diagnóstico não seja confirmado, deve- se prosseguir para a etapa 3. 6 RENAN CORADIN 3ª etapa: busca causas menos frequentes de dispneia por meio de tomografia de tórax, cintigrafia de ventilação/perfusão, broncoscopia, toracocentese, ecocardiograma de estresse e cateterismo cardíaco, entre outros (endoscopia digestiva alta, tomografia de seios da face). PRINCIPAIS CAUSAS DE DISPNEIA CRÔNICA: • Cabeça e pescoço: Discinesia de laringe; Corpo estranho em vias respiratórias; • Parede torácica: Cifoescoliose; Alterações de caixa torácica; • Pulmonares: DPOC; Asma; Broncospasmo induzido por exercício; Doenças ocupacionais (asbestose, silicose); Tromboembolismo pulmonar crônico; Hipertensão pulmonar; Derrame pleural crônico; Bronquiectasias; Doenças intersticiais pulmonares; Hemorragia. • Cardíacas: Insuficiência cardíaca sistólica; Insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal; arritmia; doenças pericárdicas; disfunção valvar; cardiomiopatia. GRAUS DA DISPNEIA ACHADOS CLÍNICOS: • Frequência respiratória acima de 30 incursões por minuto • Saturação < 90% • Instabilidade hemodinâmica • Uso de musculatura acessória, fala entrecortada, estridor, murmúrio vesicular assimétrico, estertores difusos • Cianose e sudorese • Agitação psicomotora e alteração do estado mental • Acometimento das VA superiores por corpo estranho, trauma, infecções angioedema, anafilaxia, estridor. • Asma: dispneia, sibilo e dor/opressão torácica (tríade clássica). • Quadro febril arrastado: penso em pneumonia, miocardite e pericardite. 7 RENAN CORADIN • DPOC: tosse crônica produtiva, dispneia ao esforço, gasometria retentora, sibilos. • Insuficiência cardíaca: dispneia aos esforços, dispneia paroxística noturna, edema de MMII e estase jugular. • Tromboembolismo pulmonar: queixa súbita, taquicardia, dor torácica e sinais de TVP (escore de wells) • Psicogênica: bolo na garganta, parestesia, sintoma de sufocamento. • Pneumotórax: clínica abrupta, histórico de trauma, paciente jovem, dor torácica, longilíneo. • Neoplasia; • Doenças neuromusculares; • Angioedema: avaliara a língua, lábios, faringe e laringe. Exames complementares: ECG, radiografia de tórax, oximetria de pulso, hemograma e perfil metabólico, BNP (diferencia se é causa cardíaca ou causa pulmonar), gasometria e tomografia de tórax. Tratamento: Todos os pacientes com dispneia devem ser encaminhados para a sala de emergência e receber as medidas iniciais de atendimento ao paciente grave, incluindo oxigênio suplementar ou intubação orotraqueal, se necessário. O tratamento definitivo depende da etiologia da dispneia. Pacientes com asma e DPOC, por exemplo, têm como tratamento o uso de broncodilatadores; já pacientes com IC são tratados com diuréticos e vasodilatadores. .
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