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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Direito Disciplina: DIRA79 T03 – Teoria da Constituição e Organização do Estado Data: 17/09/2021 Aluna: Vitória Santana de Sousa Qual a contribuição das noções de Constitucionalismo, História das Constituições e Teoria da Constituição para a superação da crônica desigualdade social brasileira? Desigualdade social é definida como a “diferença no padrão de vida e nas condições de acesso a direitos, bens e serviços entre integrantes de uma sociedade”. Essas diferenças são claramente ilustradas no filme “Parasita”, ganhador do Oscar 2020. Há várias cenas que evidenciam a desigualdade social de modo visceral, merecendo destaque a cena em que os efeitos da chuva são opostos para dois grupos familiares. Na casa da família mais abastada, a chuva era uma visão paradisíaca, pois se via as gotas da chuva escorrendo pelas enormes janelas de vidro. Enquanto que na casa da família de baixa renda, os efeitos da chuva eram devastadores. Lá, a chuva representava a catástrofe para todo um bairro, isso porque as casas e ruas se viam alagadas. Inclusive, na casa dessa família, há uma inundação tão surpreendente que a água do vaso e todos os seus rejeitos se misturam ao restante da água que alaga a casa, ao mesmo tempo em que os moradores tentavam recuperar seus pertences pessoais que eram destruídos Paralelo a isso, a Constituição Brasileira de 1988 teve grande preocupação com a redução da desigualdade social, prevendo, em seu seu artigo 3⁰, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para alcançar tais objetivos a Constituição consagrou diversos princípios, direitos, instrumentos e programas determinando uma atuação positiva por parte do Estado. A título de exemplo, em seu art. 6, a Constituição elenca vários direitos sociais, como: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. A Constituição de 1988 passou a tornar os direitos sociais como obrigação e dever do Estado, dada sua força normativa, além de exigir a impessoalidade do Estado como forma de evitar favorecimentos pessoais em detrimento do interesse social. Nesse contexto, é possível observar, por meio da história das constituições, uma tendência nacional pela democratização de condições mínimas essenciais para a manutenção do indivíduo e sua dignidade como pessoa humana na sociedade. Desse modo, são inúmeras as contribuições do Constitucionalismo, História das Constituições e Teoria da Constituição na superação ou minimização da crônica desigualdade social brasileira. Isso porque existiram diversas consequências, já que as estruturas e tradições até então vigentes foram reformuladas e adaptadas a noção de democracia e “constitucionalização do direito” - direitos escritos na constituição, além do reconhecimento de sua força normativa, cujo caráter é vinculativo e obrigatório. Em síntese a conceitualização das noções de Constitucionalismo, História das Constituições e Teoria da Constituição dizem respeito à divisão e limitação dos poderes, a força normativa dos direitos, a obrigação do Estado em agir somente quando a lei permitir, entre outros fundamentos constitucionais e democráticos, que foram agregados ao longo do tempo. Sendo, inclusive, importante ressaltar que a Constituição de 1988, foi um marco dentro da história da constituição. Isso porque com a sua promulgação houve uma ratificação da Democracia, maior participação popular nas decisões, sufrágio universal, garantia de defesa dos direitos fundamentais, dentre outros. Em verdade, o direito social, o qual está ratificado pela Constituição Cidadã, é parte indispensável aos direitos fundamentais. Dado que a dignidade da pessoa humana é o pilar desses direitos e o principal objetivo do Estado Democrático de Direito. Dentro dessa perspectiva surge o trabalho como mecanismo essencial de garantia dessa dignidade dentro de um sistema capitalista. Nesse contexto, por consequência da tentativa estatal de maiores formas garantidoras de igualdade material, houve a inclusão da Seguridade Social, a qual está baseada em três setores: previdência social, assistência e saúde. A previdência social diz respeito somente aos contribuintes, sendo um seguro de que na velhice, incapacidade ao trabalho ou morte, esse contribuinte e seus dependentes não ficarão desamparados, ou seja, manterão sua qualidade de vida -moradia, alimentação, entre outros. Já a assistência diz respeito à promoção do bem-estar social devido somente aos desamparados, pois aqui é visto a obrigação do Estado com os seus cidadãos, sendo os indivíduos, sem qualquer restrição, possuidores de direitos. Entretanto vale a ressalva de duas correntes existentes na contemporaneidade. A primeira, reserva do possível, acredita que, apesar de ser obrigação do Estado zelar pelos direitos sociais e bem-estar de seus cidadãos, a escassez de recursos monetários é um fator limitante para essa concretização; enquanto que a segunda corrente, a do mínimo existencial, acredita ser dever do Estado zelar, promover e garantir, especialmente, os direitos sociais mais básicos como: moradia e alimentação, independentes de qualquer fator limitativo, uma vez que o Estado se garante a cumprir as obrigações constitucionais. A saúde, por sua vez, é um direito social e um dever do Estado a todos, independente de cor, gênero, nacionalidade e afins. Toda essa preocupação com a redução da desigualdade social é fruto de séculos de lutas sociais contra descasos estatais a essa população menos abastada, como ilustrada pelo próprio filme “Parasita”, em que os indivíduos lutam incansavelmente pelo seu bem-estar e melhores condições de vida. Contudo, ao longo da história das constituições brasileiras, os direitos trabalhistas eram tratados como tabu, inclusive Brasil afora, como demonstra Karl Marx, em seu livro O Capital, em que o Estado promovia leis para colocar os mais desfavorecidos em trabalho compulsório e compressão de salários. Por força da lei, Eduardo VI, rei da Inglaterra, em 1547, impõe que quem recusar trabalhar será escravo daquele que o denunciou como vadio. Inclusive, existia o salário máximo, e era proibido por lei pagar mais do que o máximo estabelecido a um trabalhador. Além disso, quem recebesse um valor acima do estabelecido era severamente punido. Isso visava a compressão dentro de limites favoráveis à produção, com objetivo de ampliar a jornada de trabalho e manter o trabalhador parcialmente dependente do trabalho, ou seja, para que ele não enriquecesse e fosse perdida uma mão de obra. Além disso, ao observar a história brasileira do trabalho é possível associar, também, às melhores condições sociais. Essa tese pode ser comprovada ao analisar os tipos hegemônicos de trabalhos que foram desenvolvidos no Brasil: trabalho escravo indígena, trabalho escravo negro, trabalho análogo a escravidão sofrido pelos europeus imigrantes, trabalho assalariado antes de 1930 e trabalho assalariado pós-1930. Sendo embasado sempre na presença ou ausência de leis visando o bem-estar social e direitos trabalhistas. Sob esse prisma, o trabalho escravo do índio, do negro e o trabalho análogo ao da escravidão dos imigrantes europeus estão associados à uma condenação de seus direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana, visto que não possuiam direitos constitucionais e eram vistos como bens de seus “patrões”. Não havia direito de greve, licença maternidade e paternidade, férias, carga horária máxima e, muito menos, saláriomínimo. Assim como afirma Karl Marx, em seu livro O Capital, “os primeiros acumularam riquezas e os últimos acabaram sem ter nada para vender, a não ser sua própria pele”. Em contrapartida, com o governo varguista e a promulgação da Constituição de 1934, os trabalhadores passaram a ter seus direitos garantidos constitucionalmente, como direito à previdência social, carga horária máxima, férias remuneradas, descanso semanal, salário mínimo e etc. A partir dessa constituição outros diversos direitos foram sendo incluídos e ratificados. “De março de 1931 a fevereiro de 1940, foram decretadas mais de 150 leis novas de proteção social e de regulamentação do trabalho em todos os seus setores. Todas elas têm sido simplesmente uma dádiva do governo. Desde aí, o trabalhador brasileiro encontra nos quadros gerais do regime o seu verdadeiro lugar”. Contudo é importante rebater o argumento de que esses direitos foram uma “dádiva do governo”, afinal ela foi fruto de inúmeras greves, revoltas e manifestações e não meramente uma “bondade do Estado”. Traçando um paralelo, o filme “Parasita” também ilustra a ascensão social do indivíduo mediante o trabalho, uma vez que a família de baixa renda consegue melhores condições de moradia, alimentação, perspectiva de vida, ao iniciar um trabalho que lhes geram renda. Consoante ao exposto, apesar da Constituição visar a superação da desigualdade social é preciso estar sempre observando a Administração Pública e suas ações e, principalmente, omissões. Isso porque, a participação popular é de extrema importância para que os direitos ratificados pela Constituição de 1988 não sejam apenas “papel”. Nesse aspecto, a própria Constituição prevê, como remédio constitucional, o mandado de injunção, o qual visa garantir que a Constituição não se tornará “letra morta”, evitando a omissão do legislador infraconstitucional. Tal informação é importante, uma vez que ainda é possível notar violações nos mais diversos direitos sociais, que vão desde a desigualdade de renda à fome. Assim, apesar da Constituição superar as desigualdades sociais, a realidade ainda não reflete essa perspectiva. A título de ilustração, o filme “Parasita” mostra diversos momentos de contraste causados pela desigualdade social. Nesse ínterim é apresentado uma família abaixo da linha da pobreza que mora em uma casa minúscula, já uma outra família milionária, cuja a casa é tão gigantesca que é possível que 6 funcionário, além dos 4 integrantes da família proprietária da casa, habitem por lá sem que a presença de nenhum deles seja notada por seus donos. Por tudo isso é possível concluir que, antes da Constituição de 1988 não era dado o devido enfoque a superação da desigualdade social e que, apesar da atual Constituição prever leis, instituições e programas para reduzir ou erradicar esses problemas sociais, ainda é necessária a fiscalização dos cidadãos sobre a atuação dos poderes públicos para a superação da crônica desigualdade social brasileira. Valendo-se da maior democratização do acesso à informação, participação direta de decisões e, inclusive, de impetrações de remédios constitucionais como o mandado de injunção. Referências bibliográficas: MARX, K. “A Assim Chamada Acumulação Primitiva” (cap. 24), IN: O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Jusbrasil.Princípio da reserva do possível. Disponível em <https://examedaoab.jusbrasil.com.br/artigos/396818165/principio-da-reserva-do-possivel>. Acesso em: 20/09/2021. BRASIL. [Constituição (1988)]. Título I: DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. [S. l.: s. n.], 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 set. 2021. BRASIL. [Constituição (1988)]. CAPÍTULO II: DOS DIREITOS SOCIAIS. [S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#:~:text=Art.%206%C2%BA%20S%C3%A3 o%20direitos%20sociais,desamparados%2C%20na%20forma%20desta%20Constitui%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 21 set. 2021. Significados. Desigualdade social. Disponível em: <https://www.significados.com.br/desigualdade-social/#:~:text=Desigualdade%20social%20representa%20a%2 0diferen%C3%A7a,%2C%20de%20g%C3%AAnero%2C%20entre%20outros> . Acesso em: 20/09/2021. PARASITA. Direção: Bong Joon-ho. Gravação de Pandora filmes. [S. l.: s. n.], 2019. Filme. DANTAS, M. A força nacionalizadora do Estado Novo. Rio de Janeiro: DIP, 1942. Apud BERCITO, S. R. Nos Tempos de Getúlio: da revolução de 30 ao fim do Estado Novo. São Paulo: Atual, 1990. A CONSTITUIÇÃO de 1934. 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