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1 2 Feira de Santana Universidade Estadual de Feira de Santana 2017 3 © 2017 Universidade Estadual de Feira de Santana Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Todos os direitos desta edição reservados aos autores-organizadores. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização dos autores. Universidade Estadual de Feira de Santana Avenida Transnordestina, s. n., Novo Horizonte, CEP.: 44.036-900, Feira de Santana, Bahia. Tel.: +55 (75) 3161-8000 Conselho editorial: Corina Teresa Costa Rosa Santos, Diego Ferreira Pimentel e Rômulo Ruan Santos da Silva. Capa: Rômulo Ruan Santos da Silva. Disponível também em: <http://www.uefs.br>. (Periódicos > Livros eletrônicos). Ficha Catalográfica - Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS www.uefs.br D635 Direito do consumidor aplicado ao direito à saúde : análise de julgados / Corina Teresa Costa Rosa Santos, Diego Ferreira Pimentel, Rômulo Ruan Santos da Silva, organizadores. – Feira de Santana : Universidade Estadual de Feira de Santana, 2017. 224 p. Ebook ISBN: 978-85-7395-274-2 1. Direito do consumidor. 2. Direito à saúde. 3. Análise de julgados. I. Santos, Corina Teresa Costa Rosa, org. II. Pimentel, Diego Ferreira, org. III. Silva, Rômulo Ruan Santos da, org. IV. Titulo. CDU: 347.451.031:614 4 Organizadores Corina Teresa Costa Rosa Santos Diego Ferreira Pimentel Rômulo Ruan Santos da Silva Autores Antônio Carlos Lima de Jesus Bruna Letícia Santos Mercês Bruna Portugal Silva de Oliveira Carine Carvalho Figueredo Daniela Trindade Borges Eliabe Ribeiro Vidal Evelyn Bahia Lima Fernanda Meirelles Martins Hianca Santos Silva Ingrid Nascimento Freitas Isa Malena Ormond de Miranda Jean Marks Almeida Rios Jobervan Rios Evangelista Filho Júlia Dória Rodrigues Katiana Silva Sampaio Santos Laíze Oliveira Costa Lidiane Bitencourt da Silva Lucas Viana da Silva Luciete Duarte Araújo Luiz Sérgio Carneiro Moreira Marcos Freitas Ribeiro Mirna Graziela Carvalho Pereira Nílton de Oliveira Almeida Júnior Rômulo Ruan Santos da Silva Samyr de Oliveira Galindo Scheila Santos Borges Vanessa de Brito Vaz Victória Andrade Vieira 5 SUMÁRIO 1. A REALIZABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE ATRAVÉS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Uma análise dos planos de saúde ............................................................................. 11 Rômulo Ruan Santos da Silva e Victória Andrade Vieira 2. A HIPERVULNERABILIDADE DA GESTANTE NOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS OPERADORES DOS PLANOS DE SAÚDE ...................................................................................... 24 Bruna Letícia Santos Mercês e Fernanda Meirelles Martins 3. O DIREITO À SAUDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA ........................................................... 47 Bruna Portugal Silva de Oliveira 4. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: as relações estabelecidas pelos contratos de planos de saúde à luz do direito do consumidor.................................................................................................... 72 Carine Carvalho Figueredo e Lucas Viana da Silva 5. UMA ANÁLISE DOS PLANOS DE SAÚDE ATRAVÉS DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE SOB A ÉGIDE DO DIREITO DO CONSUMIDOR .................................. 82 Daniela Trindade Borges, Evelyn Bahia Lima e Marcos Freitas Ribeiro 6. A RELAÇÃO HOSPITAL-PACIENTE SOB A ÓTICA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. ..................................................................................................... 95 Eliabe Ribeiro Vidal e Hianca Santos Silva 7. OS PLANOS DE SAÚDE E A MATERIALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR: DIALOGANDO A PROTEÇÃO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA ................................................... 107 Ingrid Nascimento Freitas e Isa Malena Ormond de Miranda 8. PLANOS DE SAÚDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA: uma breve incursão sobre a jurisprudência nacional ....................................................................................................................... 122 Jean Marks Almeida Rios, Jobervan Rios Evangelista Filho e Júlia Dória Rodrigues 9. A LEI DO ACOMPANHANTE PARA OS CONSUMIDORES DE PLANO DE SAÚDE .......... 141 Katiana Silva Sampaio Santos e Vanessa de Brito Vaz 10. SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL: A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na proteção do Direito à Saúde ...................................................................................... 151 Laíze Oliveira Costa 11. A ATUAÇÃO DO ESTADO E DE ENTES DE DIREITO PRIVADO COMO FORNECEDORES NO DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .................................................................................................................................. 173 Lidiane Bitencourt da Silva e Samyr de Oliveira Galindo 12. ALCOOLISMO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA SOB A PERSPECTIVA CONSUMERISTA ............................................................................................................................. 188 Luciete Duarte Araújo e Scheila Santos Borges 13. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE – UMA DICOTOMIA ENTRE O MAIOR CONHECIMENTO DE SEUS DIREITOS E O DESSERVIÇO DAS PRESTADORAS .................................................. 200 Luiz Sérgio Carneiro Moreira e Nílton Oliveira Almeida Júnior 14. APLICABILIDADE DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO DIREITO À SAÚDE .................. 212 Antônio Carlos Lima de Jesus APRESENTAÇÃO | 6 6 APRESENTAÇÃO Cidadania é um conceito que vai se transformando, no tempo e espaço, de acordo a história de cada povo e país, marcado pelas lutas sociais, sempre daqueles que estão em condições indignas e desumanas, explorados pelas classes mais abastadas, independentemente do regime econômico, político e jurídico. No século XVIII foi quando floresceu a ideia de felicidade para a coletividade, e, com isso, a possibilidade de que todos alcançassem a condição de ter educação, além da fabricação de bens e alimentos, impulsionada pela revolução industrial, quando o homem cria instrumentos capazes de produção em massa. Também nesse século surge o conceito do direito natural: todos nascem em condições iguais. Uma profunda mudança no mundo de privilégios da aristocracia. Na revolução industrial e com o avanço do capitalismo começam novas formas de luta. As relações de trabalho são degradantes, os mais vulneráveis – os trabalhadores – passam a buscar novos direitos; como o do trabalho com salário digno, moradia, educação e saúde. É uma luta na própria sociedade, para que tais direitos sejam reverberados para todo o povo, sem distinção de raça, gênero e classesocial. São os direitos sociais. No século XX, após a segunda guerra mundial, surge Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito à vida, liberdade, aos direitos civis, à educação, à saúde, à moradia, ao lazer e ao trabalho. No Brasil as lutas sociais percorreram mais de três décadas, até que os direitos humanos em sua completude fossem, finalmente, fazer parte do contrato social. O direito à saúde que foi consagrado na Constituição Federal é universal e gratuito, resultado de uma luta reformista pela democratização da saúde. Historicamente há uma tensão que permeia os sistemas de seguridade social, que confronta duas lógicas: uma privada, vinculada à lógica do seguro, individual/ocupacional, que depende de contribuições prévias; outra pública, cuja cobertura é universal e decorre do reconhecimento do estatuto de cidadania. 7 Na década de 20 começam a ser desenvolvidas ações de proteção social, mas que não constituíram um sistema de seguridade social. Nos anos 30 e 40, o chamado sistema de proteção social apresenta elevado nível de fragmentação, fortes traços de seletividade das demandas sociais e uma atuação cada vez mais focalizada no atendimento aos mais pobres. Entre as décadas 1970-1985 – início da luta pela democratização – movimentos sociais somam-se a experiências no seio de prefeituras oposicionistas. O resgate da dívida social passa a ser tema central da agenda. Intensifica-se a demanda pela construção de uma nova ordem institucional democrática – assembleia nacional constituinte –, e em 1988 a Constituição Federal é promulgada, representando uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro – conformação do estado democrático de direito Portanto, a Constituição de 1988, em seu art. 198, consagrou o direito à saúde, quando criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e instaurou legalmente a obrigatoriedade da descentralização dos recursos e da gestão. Além desses dispositivos constitucionais, a Lei 8.142/90 que regulamentou a criação dos Conselhos Estaduais de Saúde e os Conselho Nacional de Saúde, tendo como gestão a forma colegiada, e a composição paritária entre os órgãos de governo e representantes da sociedade civil. O art. 1º da Lei 8.142/90 determina que: “contará, em cada esfera, de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de saúde; e II - O Conselho de Saúde”. O § 2º do art. 2º, define que o Conselho de Saúde é “o órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, com caráter permanente e deliberativo e atua na formulação de estratégia e no controle da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.” CONSTITUIÇÃO FEDERAL (art.196) normatiza: Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário à ação e serviço para sua promoção, proteção e recuperação. A história do SUS (Sistema Único da Saúde): 8 1980: 7° Conferência Nacional de Saúde: Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-Saúde). Pela grave crise fiscal que o pais vive naquela época, cria-se órgãos para administrar melhor os poucos recursos. O PREV-Saúde, por falta de apoio político, não é implementado. 1983: Ações Integradas de Saúde (AIS): AIS - Discussão entre reformistas com os setores do INAMPS tentando solucionar a crise previdenciária. Executadas pelos MS-INAMPS-Secretarias Estaduais. 1986: 8° Conferência Nacional de Saúde: [...] saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e o acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis. A “Lei Orgânica da Saúde” é formada pelas Leis 8.080 e 8.142, que regulam: Lei 8.080: A organização e a gestão; As competências e atribuições das três esferas de governo; funcionamento e participação complementar do setor privado; Política de recursos humanos; Recursos financeiros, planejamento e orçamentos e, em seu art. 4º, define o Sistema Único da Saúde: O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Lei 8.142: Define a participação social, transferências intergovernamentais de recursos de financiamento. Aos poderes Executivos dos entes federados coube a construção de políticas pública, gestão e controle do direito à saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS), portanto de atuar na ponta, a prestação dos serviços à sociedade. Podemos analisar que hoje a saúde está enferma, é incapaz de atender com eficiência e eficácia à população mais vulnerável. A gestão do SUS em quaisquer dos Estados e municípios é ineficiente, para não dizer inexistente. Na verdade, não é o sistema 9 SUS, pois é um conceito de prestação saúde pública, avançado inteiramente democrático e justo, mas, sim a gestão do sistema. A iniciativa privada passou ser uma alternativa para a faixa econômica que pode custear um plano de saúde. Cresceu, exponencialmente, em paralelo ao público, um sistema de saúde privado, com inúmeros planos de saúde, clínicas, hospitais e laboratórios com preços variados. Mas, isto não significa que o sistema é eficiente e eficaz, ao contrário na maioria das vezes os usuários não são atendidos nas suas demandas. Então, no Brasil hoje temos um sistema privado e público complexo e ineficiente, no cumprimento do Direito à Saúde para o povo, seja na faixa social com recursos financeiros ou não, são os mais vulneráveis que mais sofrem para terem mínimo de atendimento para suas necessidades básicas. Na esteira desta realidade, os cidadãos estão buscando cada vez mais o Judiciário em busca de justiça, de fazer cumprir o que dispõe a Constituição: a obrigação do Estado e das Empresas em disponibilizar os instrumentos para a realização da saúde em sua plenitude. Portanto, o livro em voga pretende analisar as decisões dos tribunais sobre reivindicações da sociedade para cumprimento do direito à saúde, especialmente da iniciativa privada, no Judiciário. Ao mesmo tempo que apresenta a busca deste direito social – o direito à saúde –, demonstra que a eficácia nos processos no Judiciário, tiveram como causa serem baseados no Direito do Consumidor. O Direito do Consumidor é um ramo do direito relativamente novo no Brasil, e que foi consagrado, também, na Constituição Federal de 1988. Em 1990 foi promulgado o Código da Defesa do Consumidor, um ramo que veio recheado de avanços significativos na interpretação, na proteção e abrangência no direito. É verdade que o direito do consumidor é um direito que nasce no bojo do capitalismo, sistema econômico que incentiva o consumo de forma brutal, mas é exatamente por esta questão que é o direito que protege o consumidor, é um avanço, e mais, a Constituição de 1988 o elevou ao patamar dos direitos fundamentais. Finalmente, o livro é o resultado da última avaliação solicitada por mim das disciplinas Direito à Saúde e Direito do Consumidor as quais eu ministrei (em 2016.1), 10 cujo teor foi a elaboração de artigos sobre decisões dos tribunaisem que os processos judiciais se baseassem no Direito do Consumidor para alcançar e obter Acesso à Saúde. Gostaria de enfatizar a todos os meus alunos como estou orgulhosa e muito emocionada em constatar o nível elevado acadêmico dos artigos, uma grande vitória para esta professora. Corina Teresa Costa Rosa Santos Mestra em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL) Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana 11 1. A REALIZABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE ATRAVÉS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Uma análise dos planos de saúde Rômulo Ruan Santos da Silva 1 Victória Andrade Vieira 2 1 INTRODUÇÃO Como ramo do direito, o Direito do Consumidor visa à proteção do sujeito no amparo às suas relações jurídicas. Fato é que o consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano, porém, com efeito, a novel sociedade de consumido apresenta a característica da unilateralidade3 da produção, na qual uma das partes é responsável única e exclusivamente pelas regras do fornecimento de produtos e serviços à outra parte, que não participa efetivamente. Como consequência, essa exposição se estende também ao direito dos que dependem de atendimento médico, pois muitas vezes o consumidor se depara com riscos contra a sua vida ou que não são sanados e cuidados como deveriam ser. Portanto, cabe a este artigo relacionar a atuação do Direito do Consumidor no tocante à manutenção e 1 Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. 2 Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. 3 BOLZAN, LENZA, 2013 12 eficácia daquele que é um dos direitos basilares do nosso ordenamento jurídico pátrio: o Direito à Saúde. De início, é fundamental análise da saúde sob a ótica da Constituição Federal de 1988, mediante tratativa do conceito de saúde trazido pela Constituição Federal, e como sendo este direito fundamental. Ambos os ramos jurídicos citados buscam proteger o sujeito de direitos, todavia, em generalidades diferentes: enquanto o Direito do Consumidor visa, em linhas gerais, proteger o consumidor, em suas relações jurídicas, frente ao fornecedor, (aqui lê-se fornecedor de produtos ou serviços), o direito à saúde transfere-se do dever do Estado em garantir ao cidadão uma qualidade digna de vivência, não se restringindo apenas a um sistema hospitalar eficiente. Em especial, analisar-se-á a tratativa dos planos de saúde como alternativas ao mercado de saúde suplementar e seu consequente descumprimento de obrigações às quais lhe são devidamente devidas, analisando, assim, o desvio de finalidade que alguns planos e que dão motivo ao ingresso de ações judiciais pelos usuários diante do constrangimento e da exposição que sofrem. É importante destacar e esclarecer, portanto, como funciona a imposição de cláusulas abusivas por parte de operadoras de planos de saúde, como, por exemplo, da negativa de procedimentos. O objetivo deste trabalho, pois, é ultrapassar as generalidades que podem ser elencadas entre os dois Direitos em destaque, relacionando-os na medida das suas garantias respaldadas em leis e na apreciação da função estatal em garantir um atendimento eficiente às necessidades da população, dando destaque à atuação judicial no combate a práticas abusivas de algumas operadoras de planos de saúde. 2 DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO FUNDAMENTAL E SOB RESPALDO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É de saber comunitário ser a saúde um direito de todos e dever do Estado, para tanto a Carta Magna estabelece ser a saúde um direito social fundamental decorrente do 13 princípio da dignidade da pessoa humana. Tal direito foi introduzido no ornamento jurídico federal em 1988 estando vinculado à ordem social, ao bem-estar e à justiça social. Desta forma, estabelece a Constituição Federal, nos dizeres do seu art. 6º que: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifos nossos). Assim, o art. 196 ratifica: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Grifos nossos). De todos os direitos sociais, o direito à saúde possui particular importância, sendo, inclusive, tratado em capítulo próprio - demostrando o cuidado do constituinte à tutela jurídica diferenciada desse bem universal e indissociável -, visto que está intimidante atrelado ao direito à vida e à proteção constitucional à dignidade da pessoa humana. Essa tratativa dada pelo Estado obriga-o a prestar de forma eficiente e positiva as diretrizes dadas à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde. Para tanto, ao Estado caberá não somente efetivar o acesso da população ao tratamento médico com qualidade, como também prestar melhoria na qualidade de vida populacional. Todavia, embora a normas do art. 196 da Constituição Federal não especifique o conceito de saúde e não delimite o objeto desse direito fundamental, o conceito moderno de saúde passou por uma evolução significativa ao longo dos anos. Em 1948, a OMS estabeleceu a definição de saúde como "um estágio de bem-estar físico, mental e social e não só a ausência de doenças ou enfermidades"4. Portanto, não cabe à Lei restringir a extensão desse direito fundamental, devendo agir em conformidade com o atual conceito de saúde, que supera o significado estrito de ausência de doença, e abrange a garantia do completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo, conforme bem elucida Machteld Huber: 4 BRODY, 2015. 14 A antiga definição minimiza o papel da capacidade humana em lidar com desafios físicos, emocionais e sociais da vida de maneira autônoma e não reconhece que as pessoas são capazes de viver com uma sensação de bem-estar e realização mesmo quando sofrem de uma condição crônica ou deficiência. 2.1 Código de Defesa do Consumidor Diante da ineficiência da intervenção estatal sobre as relações de consumo, já na década de 70 surge a necessidade de criação da uma lei capaz de elevar as manifestações do Conselho de Defesa do Consumidor capitaneado por uma comissão de juristas da época. O conjunto sistemático de normas jurídicas que visa a defender um grupo específico, os consumidores, é considerado uma lei de função social norteada por princípios e fundamentos edificados na relação jurídica de consumo entre aqueles que são produtores, fabricantes, intermediários e adquirentes - sendo pessoa física ou jurídica - e que se servem dos bens ou serviços, de modo a garantir proteção necessária ao mais vulnerável. Segundo Rizzatto Nunes, em sua obra “O Código de Defesa do Consumidor e os planos de saúde: o que importa saber”: A lei 8.078/90 que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor ingressou no sistema jurídico de forma horizontal, atingindo toda e qualquer relação jurídica na qual se possa identificar num pólo o consumidor e em outro o fornecedor transacionando serviços.” (Grifos nossos).Assim, tal tratativa significa que o CDC deverá atingir indiscriminadamente qualquer relação jurídica respalda pela presença de dois polos: o fornecedor e o consumidor. Além disso, essa cobertura será feita mediante a concretização do CDC como função social, caracterizando-se pela imposição de noções valorativas, a fim de orientar a sociedade, positivando uma série de direitos assegurados ao grupo tutelado e impondo deveres aos restantes. 2.1.1 Direito do consumidor como um direito fundamental Primeiramente, a par de entender a atividade que o ordenamento constitucional exerce sobre os demais ramos jurídicos para tutela dos direitos fundamentais, importante ressaltar a existência de hierarquia no tocante as normas jurídicas brasileiras. As normas constitucionais são hierarquicamente superiores em relação às demais leis e atos. Desta forma, nenhuma lei ou ato administrativo poderá contrariar uma norma constitucional. 15 Segundo entendimento de Claudia Lima Marques, no tocante à disciplina tutelar das relações de consumo, o Direito do Consumidor pode ser introduzido mediante origem constitucional ou Introdução Sistemática, através do sistema de valores (e direitos fundamentais) que a Constituição Federal de 1988 impôs no Brasil5. Isso significa que, assim como o direito à saúde, a promoção da defesa do vulnerável nas relações de consumo deve ser vista como sendo um direito fundamental, passando a ser dever do Estado e respaldado no princípio da pessoa dignidade humana. Ademais, é importante ressaltar a abordagem do direito do consumidor, como direito fundamental, no tocante à presença da força normativa da Constituição, dando prioridade e primazia aos critérios que densifiquem suas normas. Nesse sentido, salienta- se que nenhuma lei ou nenhum decreto será precipuamente capaz de alterar os dizeres constitucionais acerca da proteção do indivíduo consumidor. Outro ponto que não pode ser afastado em relação ao direito do consumidor como direito fundamental é a interpretação do direito privado com base no princípio da dignidade da pessoa humana, considerando, desde logo, o consumidor como a parte vulnerável na relação de consumo. O tema passa a ser abordado tendo em vista as necessidades dos consumidores e o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, interesses econômicos, bem como a melhoria da sua qualidade de vida (GRINOVER, 2009) 6. Assim, ainda segundo doutrinadora Cláudia Lima Marques: [...] certos estão aqueles que consideram a Constituição Federal de 1988 como o centro irradiador e o marco de reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa sociedade, um direito privado solidário. Em outras palavras, a Constituição seria a garantia (de existência e de proibição de retrocesso) e o limite (limite-guia e limite-função) de um direito privado construído sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor como princípio geral. Logo, o amparo constitucional que possui o Direito do Consumidor traz uma conotação imperativa no mandamento de ser do Estado a responsabilidade de promover a defesa do vulnerável da relação jurídica de consumo. 2.2 Relações de consumo 5 BOLZAN. LENZA, 2013 6 FILHO, 2015. 16 Em linhas gerais, relação de consumo pode ser definida como o vínculo que o une o fornecedor e o consumidor. Porém, ao mesmo tempo pode ser entendida sob o âmbito da complexidade, sendo analisada através das diversas perspectivas da pluralidade de direitos, deveres, poderes, ônus e faculdades que nela entrelaçam. Ademais, a relação de consumo será sempre entendida como uma relação obrigacional complexa, no qual podem incidir três categorias de deveres: primários, secundários e laterais ou anexos. Os primários caracterizam a obrigação, os secundários são prestações que estão diretamente ligadas com a obrigação e os anexos, correspondem a deveres de conduta, obrigações que se traduzem em deveres de cooperação com a contraparte.7 2.3 Planos de saúde sob submissão legal Apesar de ser menos tangente ao conhecimento geral, o Código de Defesa do Consumidor também traz garantias no tocante à proteção da saúde daqueles que estão sob sua proteção. Importante ressaltar que tais garantias não se limitam aos produtos ou serviços adquiridos no mercado e ponto. Elas se estendem aos serviços que não foram ainda prestados, mas que possuem a expectativa de serem, caso surja necessidade, é o caso, por exemplo, dos Planos de Saúde. Como titular de direitos previstos no CDC, o usuário de planos de saúde também se encontra exposto às prerrogativas e aos contratos impostos pela outra parte. A agregação entre a legislação específica da saúde suplementar e os direitos previstos no CDC garante tangência entre as normas protetivas do consumidor. Assim, a Lei 9656/98, específica para os planos de saúde, indica no art. 35-G que se aplicam subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadores de planos privados de saúde as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Assim, a regulamentação da saúde não fica restrita apenas a um ordenamento específico, mas encontra-se fortalecida diante da interseção entre diversos ramos. Desta forma, o mercado de saúde suplementar depende da implementação entre o poder público, operadores de mercado, médicos, prestadores de serviços e consumidores, conforme assim indica o art. 197 da CF/88: 7 BIONDI, 2009. 17 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Assim, a Constituição Federal considera a regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e serviços de saúde como de relevância pública. Sendo legítima a oferta de planos privados de assistência à saúde por parte das operadoras do ramo, esta comercialização deverá ser podada pela submissão à disciplina do Poder Público. Em síntese, os planos de saúde são regulados pela Constituição Federal, que assegura o direito à saúde como um direito fundamental, pela Lei nº 9.656/98, por medidas provisórias, pelo Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, órgão criado pela nova legislação, e pelo Código de Defesa do Consumidor. Todo cuidado é útil para evitar que os planos de saúde desviem da sua finalidade de prestar assistência médica aos seus usuários e faltem com respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Importa-se podar a interesse exclusivo de algumas operadoras em obter somente o lucro proveniente da contração dos serviços, ao passo em que aumentam o número de cláusulas abusivas aos seus consumidores. 3 DA APLICABILIDADE DO DIREITO DO CONSUMIDOR AOS PLANOS DE SAÚDE O ponto principal deste artigo, é discutir a aplicabilidade do direito do consumidor ao direito à saúde. Logo, é essencial que inauguremos este capítulo com a citação da súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Súmula 469 STJ. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.8 Tal súmula foi publicada em 6 de dezembro de 2010 pela Segunda Seção do STJ, com base no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, e a Lei dos Planos de 8 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&data=&livre=%40d ocn&opAjuda=SIM&tipo_visualizacao=null&thesaurus=null&p=true&operador=e&processo=469&livreMinistro=&relator=&data_inicial=&data_final=&tipo_data=DTDE&livreOrgaoJulgador=&orgao=&ementa= &ref=&siglajud=&numero_leg=&tipo1=&numero_art1=&tipo2=&numero_art2=&tipo3=&numero_art3= ¬a=&b=SUMU>. Acesso em 4 de novembro de 2016. 18 Saúde, Lei 9.656/98, tendo como relator do projeto de Súmula, o Ministro Aldir Passarinho Júnior9. A Súmula veio para consolidar o entendimento há muito aplicado pelo próprio STJ, de que, afinal, os Planos de Saúde devem se sujeitar às normas do CDC, sem reservas, não importando, inclusive, o nome ou a natureza jurídica que adote.10 A Ministra Fátima Nancy Andrighi, no mesmo sentido, afirma, inclusive, que a natureza do trato sucessivo dos contratos de saúde, leva o CDC a ser aplicado, inclusive, a planos de saúde que tenham sido contratados antes de tal Súmula.11 Para apoiar esse entendimento, podemos recorrer ao Recurso Especial 1106789 RJ 2008/0285867-3, no qual a Ministra Andrighi afirma: III. Da cobertura contratual em face de novos procedimentos médicos. Alegação de violação aos arts. 6º, VI, 39, IV, 47 e 51, IV, § 1º, II e III do CDC. De início, não se afigura sustentável a afirmação contida no acórdão recorrido segundo a qual o CDC não seria aplicável à controvérsia (fls. 262), afirmação essa que serviu de antecedente a uma aplicação incondicional do princípio da equivalência das prestações como fundamento para a improcedência do pedido. O contrato versa sobre nítida relação de consumo e foi assinado em 1992, quando já em vigor a Lei nº 8.078/90, de forma que não há qualquer óbice à utilização de tal diploma como base legal para a análise da questão. A partir dessa correção, verifica-se que a sentença, ao contrário, reconhecera a obrigação da seguradora com base na aplicação de princípios consumeristas que informaram o conteúdo de cláusula contratual genérica relativa à autorização para cirurgias gastroenterológicas, de forma que esta passou a abarcar, necessariamente, técnicas inexistentes à época da contratação, mas relativas a doenças cobertas pelo seguro. (REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 18/11/2009.) (Grifos nossos). 9 REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES. A segunda seção do STJ aprovou a súmula 469 que determina a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde. Disponível em: < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2492399/a-segunda-secao-do-stj-aprovou-a-sumula-469-que-determina- a-aplicacao-do-cdc-aos-contratos-de-plano-de-saude>. Acesso em 4 de novembro de 2016. 10Resp 267.530/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12/3/2001. 11REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 18/11/2009. 19 Assim, resta inteiramente demonstrada por tal precedente, dentre os muitos que apoiaram a Súmula 469 STJ, que não há mais espaço para interpretação que não aplique o Código de Defesa do Consumidor, e a legislação consumerista como um todo, aos contratos de saúde, especialmente, a qualquer tempo. Para exemplificar a factualidade de tal conquista para o cidadão brasileiro, partindo do pressuposto de que a aplicação do CDC é uma conquista, por ser mais benéfico ao cidadão, reconhecendo sua vulnerabilidade e protegendo-o contra abusos, convidamos- vos a analisar conosco os aspectos fundamentadores do voto da Ministra Fátima Nanci Andrighi no Recurso Especial 1106789 RJ 2008/0285867-3. 3.1 Analisando o julgado O caso trata de uma cidadã fluminense, a quem abreviaremos para R.12, portadora de obesidade mórbida. Desde 1992 a autora era assinante de plano de saúde junto a Unimed Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio De Janeiro LTDA. Em 2005, já portadora de obesidade mórbida que colocava em sério risco sua vida, recebeu determinação médica para se submeter a um procedimento nomeado de “gastroplastia redutora”.13 O plano, obviamente, recusou-se. Inclusive, o Voto dá a entender que a gastroplastia redutora, foi negado porque o Plano de Saúde alegou ser a cirurgia calcada em caráter estético, embora houvesse plena comprovação de que a vida da autora estava em risco, inclusive, flagrantemente contrária à previsão expressa no contrato de “cirurgia gastroenterológica”. Incidiu-se antecipação dos efeitos da tutela, realizando-se com sucesso a cirurgia antes da prolatação da sentença de primeiro grau. O Plano de Saúde arguiu que a época da contratação, 1992, do plano pela autora, a cirurgia em questão sequer existia, além da alegação da necessidade de paridade econômica das prestações conforme avençado. 12 As informações sobre o caso são públicas, bem como o nome das partes, disponíveis no site: < http://www.stj.jus.br/>. 13 Popularmente conhecida como cirurgia para redução de estômago. 20 A sentença de primeiro de grau, além de condenar a ré ao pagamento de todas as despesas com o tratamento, condenou-lhe adicionalmente, em R$ 10.000,00 decorrentes de danos morais. O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foi desfavorável à autora. Ao subir ao STJ, de início, a Ministra Andrighi classificou o Recurso Especial em discussão, como irresignação quanto ao mérito, passando a consolidar a aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, no caso em comento. A primeira pontuação que a Ministra Andrighi faz em seu Voto é sobre a insustentabilidade da alegação de que o CDC não se aplica à controvérsia em comento. Primeiramente, deixa-se claro que o CDC (Lei 8.078/90) é pretérito à assinatura do contrato (1992). Em seguida, analisou-se o conteúdo de cláusula contratual genérica relativaà autorização para cirurgias gastroenterológicas, de forma que esta passou aabarcar, necessariamente, técnicas inexistentes à época da contratação, mas relativas a doenças cobertas pelo seguro. O ponto central da discussão, superado, por sinal, é que a doença era genericamente coberta, ao tempo da contratação, mas o tratamento não existia. O foco do Voto, pousa, então, em precedentes que nos lembram que o contrato não pode se basear nos tratamentos, mas nas patologias. Prescrevendo tratamentos, quaisquer que esses sejam, ou venham a ser, ressalte-se, no tempo da invocação do contrato. Qualquer cláusula que pouse sua base nos tratamentos para as patologias, ao invés das patologias independentemente dos tratamentos é flagrantemente abusiva. Tira a liberdade do médico, o senhor do tratamento, enquanto especialista. (...) parece-me que a abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, consumidor do plano de saúde, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno do momento em que instalada a doença coberta em razão da cláusula limitativa.14 14 REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 18/11/2009. 21 E, lançando o CDC como desentenebrecendor, chega-se à conclusão maior que qualquer cláusula duvidosa deve sempre ser interpretada em favor do consumidor. Como alinhavo final, à fina costura que é o reconhecimento de complexo paramento de direitos, invoca-se, mais uma vez, a Lei 9.656/9815, que prevê expressamente a cobertura para a cirurgia de redução de estômago. Assim, a chave para o restabelecimento da sentença foi o reconhecimento de uma cláusula genérica, controversa e, se interpretada de modo desfavorável à consumidora, abusiva. 3 CONCLUSÃO Não restaram dúvidas, de que no momento jurídico pós-CDC, seria impossível desconhecer a interpretação mais favorávelà consumidora e a abusividade do estabelecido pela ré em relação aos Planos de Saúde. O momentum jurídico atual, seguindo um caminho em volta, é o da concessão de direitos, é o de total proteção aos interesses do consumidor, diríamos, não por necessidade social, mas econômica, já que o sistema prejudicar-se-ia a se próprio se não criar um sistema de serviços e fornecimentos que dê segurança ao cidadão comum em empenhar o seu dinheiro. Se o sistema é confiável, as pessoas adquirirão seus produtos e serviços sem reservas. No caso da Saúde, nada mais necessita de tanta segurança no dinheiro investido, pois, o medo universal da morte, é algo sobre o qual o mercado sabe tirar proveito em forma de lucro de maneira assustadoramente eficiente. E é função do Estado garantir que o seu nacional não seja explorado nesse processo, a fim, primordialmente, de evitar que o sistema colapse sobre si mesmo, garantindo, mais importantemente, o funcionamento perfeito do sistema econômico. A situação em enfoque, é comparável ao fim da escravidão no mundo, encorajada pelo governo britânico16, a fim de que houvesse uma expansão massiva da clientela recém-liberta, capaz de adquirir seus produtos. Não havia como sustentar um 15 Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. 16 NARLOCH, Leandro. 22 sistema no qual muitos produzem e poucos adquirem. Assim, valeu mais a pena para o capital, pagar salários que depois retornariam em forma de lucro. O Direito do Consumidor surge para evitar que, na persecução do lucro, o sistema abuse do seu poderio, advindo do capital acumulado, em desfavor da população. Mas não nos enganemos, ele está garantindo a sobrevivência do sistema, de igual forma. E nos fiando no fato de que a saúde agora é um bem que pode ser adquirido, ou melhor, segurado, devemos nos prender a defesa ferrenha de que o Estado garanta uma prestação eficiente, pela lei e pela atividade jurisdicional. A Constituição desta República soube estabelecer o direito à saúde de forma genérica, mas suficiente para fundamentar um sem-número de decisões favoráveis ao longo de suas poucas décadas de existência, mas, ousamos afirmar, o Código de Defesa do Consumidor, vem-nos auxiliar com as practicalities17, ou mais acuradamente, com a realizabilidade do Direito à Saúde no dia a dia do cidadão brasileiro. 17 Questões pragmáticas, aspectos práticos, viabilidade. 23 REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. São Paulo, 2003. BIONDI, Felipe Thomaz. Plano de saúde x Direito do consumidor: desvio de finalidade. Acesso em 04 de novembro de 2016. BOLZAN, Fabrício. LENZA, Pedro. Direito do Consumidor Esquematizado. Editora Saraiva. São Paulo, 2013. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Súmula 469 STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&d ata=&livre=%40docn&opAjuda=SIM&tipo_visualizacao=null&thesaurus=null&p=true& operador=e&processo=469&livreMinistro=&relator=&data_inicial=&data_final=&tipo_ data=DTDE&livreOrgaoJulgador=&orgao=&ementa=&ref=&siglajud=&numero_leg=&t ipo1=&numero_art1=&tipo2=&numero_art2=&tipo3=&numero_art3=¬a=&b=SUM U>. Acesso em 4 de novembro de 2016. BRODY, Jane E. Como o conceito de saúde mudou ao longo dos anos. Acesso em 04 de novembro de 2016. FILHO, Eujecio Coutrim Lima. A defesa do consumidor como um direito fundamental. Disponível em https://jus.com.br/artigos/40894/a-defesa-do-consumidor-como-um- direito-fundamental. Acesso em 04 de novembro de 2016. NARLOCH, Leandro. Abolição da escravidão: A luz que veio da Inglaterra. Aventuras na História. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/abolicao- escravidao-luz-veio-inglaterra-435570.shtml>. Acesso em 7 de novembro de 2016. NETO, Gonçalo Ribeiro de Melo Neto. Práticas abusivas nos contratos de plano de saúde e atuação do Ministério Público. Acesso em 04 de novembro de 2016. NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva. 8ª Ed. 2015. ___________REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES. A segunda seção do STJ aprovou a súmula 469 que determina a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde. Disponível em: < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2492399/a-segunda-secao-do-stj- aprovou-a-sumula-469-que-determina-a-aplicacao-do-cdc-aos-contratos-de-plano-de- saude>. Acesso em 4 de novembro de 2016. VANNUCCI, Rodolpho. NETO, Geraldo Fonseca de Barros. O Direito do Consumidor de plano de saúde à informação adequada. Acesso em 04 de novembro de 2016. 24 2. A HIPERVULNERABILIDADE DA GESTANTE NOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS OPERADORES DOS PLANOS DE SAÚDE Bruna Letícia Santos Mercês 18 Fernanda Meirelles Martins 19 1 INTRODUÇÃO Com o advento da Constituição Federativa da República Brasileira, em 1988, diversos direitos fundamentais ganharam espaço no ordenamento jurídico brasileiro. No seu amplo rol de direitos e garantias, a Carta Maior abordou um tema crucial que concretiza o princípio da universalização dos Direitos Humanos - o direito de defesa ao consumidor - , previsto no seu art. 5º, XXXII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Diante disso, o presente artigo pretende traçar um panorama específico da problemática que diz respeito à responsabilização dos fornecedores dos planos de saúde 18 Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. 19 Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. 25 nos possíveis danos causados aos consumidores, analisando a relação recíproca existente entre o direito do consumidor e o direito à saúde. Verificada a vulnerabilidade do consumidor, o foco do trabalho é dedicado àquelas que possuem a vulnerabilidade ainda mais acentuada: as gestantes. Evidenciando a rotina gestacional da mulher, na busca por seu direito básico à saúde, somada ao limites e precariedade da saúde pública, que acaba por incitar a contratação dos planos de saúde por uma parcela da população brasileira, surge a inquietação do porquê, diante de toda clareza trazida no Código de Defesa do Consumidor e realçada a importância do Direito à Saúde, o sistema de prestação de serviço, público ou particular, insiste em caminhar precário. O artigo tem como objetivo geral explanar a importância da relação entre o Direito do Consumidor e o Direito à saúde, destacando a imprescindibilidade de um vínculo recíproco. Além disso, apresenta julgados que comprovam a existência da efetiva reparação dos danos estéticos e morais, observada a falha na prestação dos serviços dos planos saúde, e reforçam a importante presença de um Código que garante a defesa do pólo vulnerável dentro do cenário das relações jurídicas. De forma subsidiária, mas não menos importante, será apresentada a aplicabilidade da teoria do diálogo das fontes, harmonizando e solucionando o caso concreto da forma mais completa possível. Destaca-se, ademais, a morosidade do sistema judiciárioquando se faz necessária a proteção legal dos diversos direitos fundamentais englobados pelo assunto, prejudicando, inclusive, o acesso à justiça do garantido a todo e qualquer cidadão. 2 DIREITO À SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR Garantir a saúde é um dever do Estado que encontra respaldo no texto constitucional, é um direito social fundamental que possui relação intrínseca com o princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece que o modelo de saúde adotado no Brasil é um sistema misto, ou seja, apesar de declarar que a saúde é um direito de todos e que deve ser assegurada pelo do estado, também define que a iniciativa privada poderá atuar na área da saúde. Ademais, temos como exemplo os planos de saúde privados que prestam serviços aos seus usuários. 26 O direito à saúde, ainda, não se limita ao funcionamento regular de um sistema hospitalar. Essa garantia estende seus efeitos aos direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que traz em seu art. 6º: São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. O constante progresso da produção, da distribuição, da prestação de serviços, do consumo e da contratação acabou por colocar o consumidor em uma conjuntura de clara desvantagem em suas relações frente aos fornecedores. Dessa forma, a partir da presunção de vulnerabilidade do consumidor, se estabeleceu o direito do consumidor, que, reconhecendo essa fragilidade nas relações jurídicas, procura proporcionar uma igualdade material entre as partes, consubstancializando-se, pois, nesta perspectiva, no enfrentamento pela proteção à vida e à saúde. Em 1988, foi promulgada a Lei 9.656, que passou a regulamentar o funcionamento dos planos e seguros de saúde, vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) ofertado pelo Estado não é capaz de atender toda a demanda populacional, impulsionando a contratação dos serviços privados por parte da população. Como consequência, o Código de Defesa do Consumidor passou a atuar de forma subsidiária, mas não menos importante, visto que protege de forma satisfatória os consumidores dos abusos praticados pelas empresas de saúde, tanto por meio de ações judiciais quanto pela atuação dos Programas de Proteção de Defesa do Consumidor (PROCON). Os planos e seguros de saúde restam regulamentados pelas seguintes Leis: O Código de Defesa do Consumidor (nº 8.078/90), Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656/98), a Resolução Normativa da ANS nº 226 de 2010 e a Lei de criação da ANS, nº 9961/2000, todos em consonância com a Constituição e as demais letras normativas do ordenamento jurídico brasileiro. Destaca-se, nesse aspecto, a importância da teoria do diálogo das fontes, que merece tópico específico, abordado posteriormente. 27 Partindo dessa premissa, é inegável a correlação que pode ser estabelecida entre o direito à saúde e o direito do consumidor. Nessa perspectiva, o liame existente entre os planos de saúde privados, por exemplo, e o contratante é notoriamente uma relação de consumo, já que preenche todos os requisitos presentes do CDC, tanto em seu artigo 2º quanto no artigo 3º. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PLANOS DE SAÚDE A responsabilidade civil diz respeito ao múnus de compensar ou ressarcir o dano que uma pessoa ocasiona a outra. Tal teoria, dessa forma, busca definir e estabelecer em quais circunstâncias um indivíduo pode ser considerado responsável pelo dano sofrido por outro e em que proporção será determinado a repará-lo. O Código Civil de 2002, apresenta em sua estrutura um capítulo intitulado “Da responsabilidade civil”, abordando, a priori, a responsabilidade extracontratual (arts. 927 a 954), uma vez que o seu dispositivo inaugural versa acerca do ato ilícito (art. 186) e ao abuso de direito (art. 187). Destarte, a responsabilidade contratual, consequência do inadimplemento das obrigações, consta dos arts. 389 a 420 do CC/2002. Nada obstante a essa categorização, Fernando Noronha20 preleciona que a divisão da responsabilidade civil em extracontratual e contratual configura “um tempo do passado”, visto que os princípios e regramentos básicos que orientam as duas categorias de responsabilidade civil são idênticos. De acordo com Tartuce,21 “o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor representa uma superação desse modelo dual anterior, unificando a responsabilidade civil”, uma vez que pouco importa, para a lei consumerista, se a responsabilidade civil é consequência de um contrato ou não, já que o tratamento diferenciado se refere apenas aos produtos e serviços. 20 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 432-433. 21 TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor : direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves.– 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 118. 28 O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, acolhe a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços como regra. Dessa forma, procura-se facilitar a tutela dos direitos do consumidor, tendo em vista a alegação de vulnerabilidade do consumidor, a insuficiência da responsabilidade subjetiva e o fato de que o fornecedor tem de responder pelos riscos que seus produtos e serviços acarretam, já que lucra com a venda. As empresas de planos de saúde privados supracitadas, prestando o serviço objeto de contratação de maneira reiterada e por meio de remuneração, é configurada perfeitamente no conceito de fornecedores estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, conforme dispõe o art. 3º, §2º: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Ademais, a segunda seção do STJ aprovou a Súmula 469, com a seguinte redação: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde", coadunando com o art. 35-G da Lei nº 9.656/98, que versa a respeito dos planos de saúde, com a seguinte redação “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990.” Isto posto, tais empresas podem vir a ser consideradas como responsáveis diante de algum dano sofrido pelos usuários no atendimento médico-hospitalar, que poderá ser motivo de uma postulação em juízo de uma indenização. 29 É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça o fato de que o beneficiário deve ser assegurado de que a rede de serviços conveniados, colocada à sua disposição, seja capaz e adequada para prestar os serviços médico-hospitalares necessários e com apropriado atendimento destes, afirmando, ainda, que fatores financeiros, da remuneração destes serviços pelas operadoras privadas de planos de saúde, não são limitadores na contratação e utilização destes serviços para atendimento adequado dos seuspacientes. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 138059 MG 1997/0044326-4, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 13/03/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 11.06.2001 p. 197<BR>JBCC vol. 193 p. 77<BR>LEXSTJ vol. 146 p. 104). Dispõe o Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Apreende-se, como consequência da aplicação do CDC, que qualquer defeito na prestação do serviço determina a responsabilização objetiva e solidária da operadora devido ao risco-proveito por ela assumido e a responsabilização subjetiva do profissional liberal (art. 14, § 4º do CDC) que motivou os danos físicos ou morais causados ao paciente. É fato notório que os planos de saúde constantemente negam a seus clientes coberturas a alguns procedimentos médico-hospitalares, sejam eles materiais, tratamentos ou medicamentos. Tal conduta resulta em um número cada vez maior de consumidores que recorrem ao Poder Judiciário com o escopo de tutelar o que entendem ser de direito e, constantemente, cumulam-se ações com pedidos de indenização por dano moral. 3.1 Diálogo das fontes 30 Há diferentes tipos de empresas privadas que prestam uma assistência suplementar aos serviços públicos de saúde, delegados pelo Estado nos termos dos arts. 197 e 199 da Constituição Federal. Estas empresas e as suas atividades vêm definidas na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. No entanto, apesar da existência de legislação específica que rege a sua atividade, o Código de Defesa do Consumidor também é utilizado para orientar as relações estabelecidas e, principalmente, para garantir os direitos dos consumidores frente à possibilidade de abusos praticados por empresas e instituições. Dessa forma, é essencial o acolhimento da Teoria do Diálogo das Fontes. A Teoria supracitada surge para afastar a ideia de que as leis devem ser aplicadas de forma isolada umas das outras, partindo da premissa de que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma unitária. Essa teoria, por sua vez, rompe com o paradigma da exclusão das normas para buscar a sua coexistência ou convivência, a fim de que haja a predominância de uma norma em relação à outra no caso isolado ou até mesmo a aplicação concomitante de todas elas. O Diálogo das Fontes propõe a aplicação simultânea e coerente das leis existentes no ordenamento, considerando os princípios da ponderação, da proporcionalidade e da conciliação, em concordância com a Constituição Federal, objetivando chegar à decisão mais justa e eficiente. Considera-se, então, o preceito de que as leis não se excluem apenas por fazerem parte de diferentes ramos jurídicos. É importante salientar que a teoria do Diálogo das Fontes, especificamente em relações de consumo, encontra previsão expressa para sua aplicação, conforme se infere do art. 7º, do CDC: Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Este dispositivo legal reafirma a ideia de sistema no ordenamento jurídico, de unidade. 31 4 A CARACTERIZAÇÃO DOS DANOS MORAIS NA RELAÇÃO DE CONSUMO A reparabilidade dos danos morais é relativamente hodierna no Brasil, tendo sido adotada e tornada pacífica através da Constituição Federal de 1988, pela previsão expressa no seu art. 5º, V e X. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Em primeiro plano, vale trazer a discussão acerca do alcance dos danos morais na jurisdição brasileira. Não existe conceito legal de dano moral na codificação brasileira, cabendo à jurisprudência estabelecer, a partir de casos concretos, as agressões que o configuram. A concepção que prevalece na doutrina brasileira é a de que dano moral compreende a lesão de forma ampla aos direitos da personalidade, afastando-se a ideia de uma relação de consumo com conteúdo redutível a dinheiro. Segundo Carlos Roberto Gonçalves22, é aquele (...) que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., (...) e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.” (GONÇALVES, 2009, p.359). Durante um longo período de tempo, a discussão a respeito da possibilidade de indenização por um dano exclusivamente moral, apesar de ser doutrina nacional majoritária, era recusada pela jurisprudência, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. Até pouco antes dos anos setenta, o STF não admitia reparação pecuniária aos sofrimentos morais, se deles não resultassem nenhum dano material. Somente com a vigência da Lei 22 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. v. IV. 32 Maior, a repercussão do assunto ganhou contornos positivos e concretos. Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva23, A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância à moral como valor ético-social da pessoa e da família. (...). Ela, mais que as outras, realçou o valor da moral individual, tornando-a mesmo um bem indenizável. (...) A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação que integram a vida humana como dimensão imaterial. (...). Daí porque o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.” (SILVA, 2000, pág. 201). Em 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, o alcance da ressarcibilidade nas relações de consumo firmou-se ainda mais importante, realçada a vulnerabilidade do consumidor. Em seu artigo 6º, inciso VI, prevê como direito básico de todo consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Posteriormente, o Código Civil de 2002, coadunando com a redação constitucional e consumerista, consagrou a autonomia do dano moral em seu artigo 186, estabelecendo que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Na análise de um pedido de dano moral, o juiz possui liberdade para apreciar, valorar e arbitrar a indenizaçãodentro dos parâmetros pretendido pelas partes e à luz da Constituição, definindo a justa solução das controvérsias. Não há definição de um critério legal e objetivo para a fixação do valor ressarcido pelo dano causado. Entretanto, o julgador deve manter-se coerente no que diz respeito à indenização, de forma compensatória, não podendo ser ínfima - de modo a servir de humilhação à vítima - nem exorbitante - a fim de evitar o enriquecimento sem causa. O STJ, na ilustre função de criar e uniformizar a jurisprudência brasileira, definirá os critérios de razoabilidade da imputação de indenização por danos morais, sem prejuízo das especificidades de cada caso concreto. Vale ressaltar que o judiciário não deve aferir a escala do dano apenas em relação ao valor da indenização, mas inclusive no grau de nocividade na esfera imaterial 23 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. 33 da vítima. Nesse viés, afirma o STJ que “mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral"24, além do disposto na Súmula nº 227 que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. É sabido, portanto, que no direito do consumidor, a respeito do nexo causal entre o ato lesivo e a devida reparação, não se espera do lesionado que prove o defeito do produto, exigindo-se somente a prova do acidente de consumo. O fato do produto ou do serviço, em razão da responsabilidade objetiva imputada ao fornecedor, é fator essencial para configurá-la. [...] Por mais louvável que seja a ampliação do dever de reparar, protegendo-se as vítimas de uma sociedade cada vez mais sujeita a riscos – decorrentes das novas tecnologias, dos bancos de dados pessoais, dos aparatos industriais, da engenharia genética, e assim por diante –, não se pode desnaturar a finalidade e os elementos da responsabilidade civil. O dever de reparar não há de ser admitido sem a presença do dano e do nexo de causalidade entre a atividade e evento danoso, tendo por escopo o ressarcimento da vítima.” (TEPEDINO, 2004, p. 2-3). É dever do fornecedor, bem como do Estado, prevenir os danos que recaem sobre o produto ou serviço prestado, seja ele moral, material, individual ou coletivo. O fornecedor responde objetivamente pelos danos causados, salvo exceção prevista no art. 14, § 4º do CDC. Além disso, cabe fundamentalmente ao Estado, na condição de responsável pela defesa da vulnerabilidade do consumidor na relação jurídica de consumo, fiscalizar de forma efetiva o produto ou serviço por meio de seus órgãos competentes. Caso nenhuma das prevenções acima obtenha êxito, tanto por parte do fornecedor, como do poder político, imprescindível torna-se a reparação satisfatória dos prejuízos sofridos pelo consumidor. Para existir a responsabilidade civil, todavia, é imprescindível que haja o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do agressor, sendo este fundamental em qualquer que seja a modalidade (objetiva ou subjetiva). De acordo com Peixoto Netto25, “o dano 24 (STJ - Quarta Turma - RESP 303396/PB - Min. BARROS MONTEIRO - 05/11/2002 - DJ DATA: 24/02/2003 PG:00238). 25 PEIXOTO Felipe. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ - Salvador: Edições Juspodivm, 2013, p. 196. 34 deve estar vinculado a determinada ação ou omissão, sem o que inexistirá obrigação de reparar”. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, não faz alusão ao nexo causal em nenhum de seus dispositivos. Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves26, o Código Civil adotou a teoria do dano direto e imediato onde, no art. 403, “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Embora o artigo mencionado se refira à responsabilidade civil contratual, tal entendimento foi estendido e a doutrina depreende que o dispositivo consagra a tese segundo a qual apenas os danos direta e imediatamente conexos com a ação ou omissão é que são indenizáveis. Ademais, a jurisprudência também adota a teoria da causalidade direta e imediata. Verificado o liame de causalidade entre o ato-lesivo e os danos efetivamente ocasionados, deve-se proceder à prova dos prejuízos ocasionados na relação consumerista. De antemão, importante ferramenta à mão dos mais vulneráveis e hipossuficientes é o mecanismo da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), que lhes possibilita estar em mínimas condições de paridade frente à hegemonia técnica e informacional dos fornecedores. Assim, após comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o vício do produto ou serviço fornecido, correlacionando a proteção do direito à indenização devida, independe da existência de culpa do fornecedor, nos termos do art. 12º, caput, e art. 14º, caput, do CDC: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” 26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 524. 35 Desta forma, aduz-se que a prova da culpa pelo dano cometido em razão da má prestação do serviço ou periculosidade do bem fornecido é extremamente difícil de ser produzida pelo consumidor, em face da sua vulnerabilidade. O CDC registra, dessa forma, a aplicação da concepção de responsabilidade objetiva presumida, a fim de evitar maiores danos em razão de relação de consumo composta por maus fornecedores. Excepcionam a regra os profissionais liberais, que apenas respondem se lhe for apurada a culpa (art. 14, § 4º do CDC). 5 OS PLANOS DE SAÚDE, A GESTANTE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Em primeiro plano, importa registrar a natureza do plano de saúde no âmbito jurídico. Comporta-se como um contrato de consumo, cujo objeto é a prestação de serviços com predominância de obrigações de fazer. São celebrados, onerosamente, através da adesão da parte consumidora às cláusulas estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sempre observando o disposto pelo Código de Defesa do Consumidor, interpretando-as de forma mais benéfica ao pólo vulnerável da relação. Dispõe o art. 51 do CDC, em diversos incisos, inúmeras situações que geram nulidade de determinadas cláusulas contratuais, vez que vão de encontro aos princípios dispostos no Código em questão. Cabe ao Estado intervir nos contratos privados a fim de restringir a liberdade contratual, equilibrando e harmonizando o interesse das partes. Para garantir uma maior segurança do consumidor diante do serviço contratado, deve sempre ser levado em consideração o Princípio da Transparência, previsto no art. 4º, caput, do CDC e adotado pela Lei nº 9656/98 em seu art. 16, impondo às empresas que operam planos de saúde o dever de clareza e informação. O STJ decidiu que tais empresas seencontram obrigadas ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação adequada, ou seja, aquela completa, gratuita e útil. Além disso, o mencionado tribunal afirma que sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, as informações prestadas por corretor a respeito de contrato de seguro-saúde (ou plano 36 de saúde) integram o contrato que vier a ser celebrado e podem ser comprovadas por todos os meios probatórios admitidos.27 O dever de informar deriva do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser honrado durante todas as fases da relação contratual. Segundo Nelson Nery Junior28 No sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4º, III, do CDC à ‘boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores’, como princípio básico das relações de consumo (...), de modo a fazer com que haja ‘transparência e harmonia nas relações de consumo’ (art. 4º, caput, CDC), mantido o equilíbrio entre os contratantes" Realçada a importância do dever de informação e transparência nas relações contratuais em questão, torna-se válido mencionar a sua imprescindibilidade quando o caso diz respeito à negativa da empresa prestadora dos serviços do plano de saúde. Quando um usuário pretende alguma consulta ou procedimento, por exemplo, e recebe uma negativa do fornecedor, resta claro o direito à completa informação, abrangendo especialmente o exato motivo da negação. A situação parece específica, mas decorre naturalmente da qualidade de fornecedor no mercado de consumo, que lhe impõe o dever de informar de forma precisa, clara e completa o serviço prestado ao consumidor. Prova disso consta na Resolução 08/1998 do Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU, através do art. 4º, quando impôs às operadoras de planos de saúde o dever de "fornecer ao consumidor laudo circunstanciado, quando solicitado, bem como cópia de toda a documentação relativa às questões de impasse que possam surgir no curso do contrato (...)". Ainda que reste cristalino o direito de o usuário do plano de saúde receber todas as informações no que diz respeito às negativas de consultas e procedimento, o que se percebe na prática é exatamente o contrário: as empresas fornecedoras se abstêm de justificativas, desampara o consumidor, e deixa como a solução mais segura a busca pelo moroso sistema judiciário. Nesse âmbito, o consumidor se depara com a problemática do 27 (REsp 531.281/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 23-8-2004). 28 Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, pp. 438-439. 37 acesso à justiça, levando em conta a morosidade e o custo de uma ação. Gabriela Maia Rebouças29 afirma que, para haja a efetivação da perspectiva normativa do acesso à justiça, é necessário a superação dos obstáculos que obstruem tal acesso, inclusive no que diz respeito às desigualdades econômicas, que se refletem nas custas judiciais, ao tratamento diferenciado aos direitos difusos, como no caso em questão, o direito à saúde, e à busca pela efetividade do processo. “Ter acesso ao Estado, à justiça é condição sine que non para acessar qualquer outro direito.” Como mencionado, a especificidade do artigo estaria na configuração das gestantes como pólo vulnerável da relação de consumo, trazendo julgados que comprovariam a ineficácia da prestação de serviço dos planos de saúde no período gestacional. Comprovando o estado agravado de vulnerabilidade das gestantes, dispõe o art. 18 da Lei nº 9.656 de 1998: Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, referenciado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei implica as seguintes obrigações e direitos: (...) II - a marcação de consultas, exames e quaisquer outros procedimentos deve ser feita de forma a atender às necessidades dos consumidores, privilegiando os casos de emergência ou urgência, assim como as pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade, as gestantes, lactantes, lactentes e crianças até cinco anos. Diante de um maior estado de fragilidade da mulher gestante, o seu direito de informação, assim como o da obediência das cláusulas contratuais, advinda da boa-fé objetiva, já se encontra figurado enquanto cidadão, sendo realçado, a fim de prevenir transtornos ao longo da gestação. Caso haja recusa do fornecimento do serviço por parte do plano de saúde, a empresa responderá indubitavelmente de forma objetiva, dispensando a verificação de culpa, conforme o art. 12 do CDC. Segundo o Ministro do STJ, Luís Felipe Salomão30, a recusa injustificada, por parte do plano de saúde, de cobrir procedimento médico, configura abuso de direito, capaz de gerar dano moral indenizável. 29 REBOUÇAS, Gabriela Maia. Tramas entre subjetividades e Direito: a constituição do sujeito em Michel Foucault e os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 147 e 148 30 STJ, AgRg no REsp 1.253.696, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4a T., DJ 24/08/11 38 Reconhecida a hipervulnerabilidade pela doutrina e jurisprudência das gestantes, em razão do alto nível de fragilidade em que se encontra no mercado de consumo, estas são merecedoras de maiores cuidados em relação aos demais consumidores em geral. DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. (...) 18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a “pasteurização” das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna. 19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador.”31 Destaca-se que algumas despesas não são cobertas pelos planos de saúde. Porém, após repasse das contas médicas por parte da maternidade para a auditoria da operadora de saúde, esta pode suprimir a cobertura de determinados itens, e o valor, consequentemente, será revertido para custeio do consumidor. Caso haja a supressão, a gestante deve entrar em contato com a operadora e exigir, por escrito, o motivo da negativa de cobertura, tendo o direito à mais clara informação. Respondido no prazo de até 48h, a gestante deve analisar se a recusa foi ou não justificada e, sendo injustificada, poderá ajuizar uma ação judicial para requerer o pagamento ou ressarcimento dos valores pagos, ou reclamar na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), vez que, segundo o art. 1º, inciso I, §1º da Lei nº 9656 de 1998 Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento
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