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Fisiopatologia do Grande Queimado

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Fisiopatologia
do Grande Queimado
Luis Antonio dos Santos Diego, TSA/SBA*
Fernando Antônio de Freitas Cantinho, TSA/SBA**
CAP˝TULO 4
Introdução
Muito embora o risco da queimadura acompanhe a humanidade,
possivelmente, antes mesmo da descoberta do controle e utilização do fogo
pelo homem, o desenvolvimento tecnológico tem determinado a
potencialização desse risco. A utilização, em alta escala, da combustão, da
eletricidade, de radiações e o emprego de produtos químicos elevaram,
sobremaneira, a incidência de queimaduras. Políticas de prevenção de
acidentes no trabalho e medidas de combate a incêndios tiveram papel
importante na diminuição dos riscos de acidentes térmicos urbanos e na
indústria. As causas domésticas, principalmente em crianças e pacientes
geriátricos, ainda preocupam e são fontes importantes de pacientes às
* Presidente da Comissão do TSA - 2005
Vice-Presidente da SAERJ - 2005 / 2006
Responsável pelo Serviço de Anestesia do INCL-MS
** Instrutor Co-Responsável pelo CET e Coordenador do Programa de Residência Médica
em Anestesiologia - Hospital do Andaraí, RJ
Segundo - Secretário da SAERJ 2003 / 2004 e 2005 / 2006
Médico do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital do Andaraí, RJ
Anestesia para Cirurgia Plástica
62
unidades de tratamento intensivo especializadas em queimaduras. O
prognóstico do tratamento nessas populações também apresenta reservas,
quando comparados a adultos queimados com a mesma gravidade. A
destruição do revestimento cutâneo ainda apresenta-se como um dos
importantes problemas de difícil solução terapêutica local e sistêmica; sua
regeneração é o objetivo primário de todo o tratamento e um desafio contínuo
à medicina.
Tipos de queimaduras
São diversos os fatores etiológicos das queimaduras e estas podem
ser ordenadas em quatro grupos principais: queimaduras térmicas, químicas,
elétricas e por radiação. Ainda em cada grupo, peculiaridades influem tanto
no tratamento como no prognóstico. Por exemplo, as lesões térmicas podem
ser por fogo, líquido ou vapor. As lesões por contato com agentes químicos,
principalmente álcalis, requerem tratamento diferenciado, com irrigações
contínuas, a fim de impedir a penetração da substância na derme. A
queimadura elétrica é, usualmente, mais séria do que aparenta, pois a
passagem da corrente provoca a destruição de tecidos mais profundos com
repercussões graves no equilíbrio ácido-básico, mioglobinúria e alterações
renais. Queimaduras por radiação são muito comuns no verão, por raios
ultra-violeta, mas as que denotam maior preocupação são aquelas por
radiação nuclear.
Determinação do grau da queimadura
A correta determinação do grau de queimadura (profundidade da
lesão) e extensão de acometimento (área de superfície corporal), embora
não seja procedimento simples, tem sido muito importante na conduta
terapêutica do queimado e faz parte da maioria dos algoritmos das unidades
de trauma especializadas em pacientes queimados (Figura 4.1). Existem
vários métodos para se calcular a área da superfície corporal queimada
(SCQ). A regra dos nove é prática, para cálculo da SCQ no adulto, e muito
utilizada no primeiro atendimento em centro não-especializado (Figura 4.2).
A regra dos onze é correspondente na criança (Figura 4.3)1. Aos centros
especializados cabe a tarefa de melhor avaliar o grau da queimadura.
Considerando-se a idade e a localização das lesões, o esquema de Lund-
Fisiopatologia do Grande Queimado
63
Browder, embora concebido há mais de meio século, é internacionalmente
aplicado (Tabela 4.1)2.
Anatomicamente, considera-se como queimadura de 1º grau aquela
que acomete tão-somente a epiderme, sem a ocorrência de flictenas. Ainda
que extensa, dificilmente irão desencadear-se complicações sistêmicas.
Aquelas lesões que atingem tanto a epiderme quanto a derme são
consideradas de 2º ou 3º graus, diferenciando-as a profundidade da lesão
dérmica. Na queimadura de 2º grau, a destruição dérmica não é total. O
objetivo primário do tratamento específico das queimaduras de 2º grau baseia-
se em prevenir que não haja aprofundamento da lesão e acometimento de
toda a derme, principalmente impedindo a infecção por microorganismos.
Muitas das queimaduras de 3º grau podem comprometer outros tecidos
mais profundos, como tecido subcutâneo, músculo e osso; são graves e
geralmente deixam lesões deformantes. Outros critérios, porém, podem
Figura 4.1 - Uma modalidade de ilustração que visa facilitar a definição
da área queimada no paciente admitido em centro especializado no
tratamento de queimados.
Anestesia para Cirurgia Plástica
64
também determinar cuidados mais especializados: queimaduras na face,
mão, períneo, além de lesões inalatórias com queimaduras de vias aéreas.
Tobiasen et al3 desenvolveram índice abreviado de gravidade do
queimado (ABSI - “abbreviated burn severity index”) que, considerando
diversos fatores, tais como SCQ, idade, gênero, profundidade da queimadura
e inalação de fumaça, correlaciona-se com a sobrevida. Kamolz et al4
observaram, em 200 pacientes grande queimados, o valor preditivo da
atividade da colinesterase plasmática na avaliação da sobrevida. A atividade
Figura 4.2 - Figura ilustrativa da
chamada regra dos nove. É simples
e prática, sendo muito utilizada na
avaliação inicial do paciente
queimado, visando uma rápida
estimativa da extensão de superfície
corporal queimada (SCQ).
Figura 4.3 - A regra dos onze
equivale, na criança, à regra dos
nove no adulto. Portanto, aplica-se
à criança, na fase inicial de avaliação,
para uma rápida estimativa da
extensão de superfície corporal
queimada (SCQ).
Fisiopatologia do Grande Queimado
65
IDADE (anos)
Cabeça
Pescoço
Tronco anterior
Tronco posterior
Braço direito
Braço esquerdo
Antebraço
direito
Antebraço
esquerdo
Mão direita
Mão esquerda
Nádega direita
Nádega esquerda
Genitália
Coxa direita
Coxa esquerda
Perna direita
Perna esquerda
Pé direito
Pé esquerdo
1
19
2
13
13
4
4
3
3
2,5
2,5
2,5
2,5
1
5,5
5,5
5
5
3,5
3,5
1 - 4
17
2
13
13
4
4
3
3
2,5
2,5
2,5
2,5
1
6,5
6,5
5
5
3,5
3,5
5 - 9
13
2
13
13
4
4
3
3
2,5
2,5
2,5
2,5
1
8
8
5,5
5,5
3,5
3,5
10 - 14
11
2
13
13
4
4
3
3
2,5
2,5
2,5
2,5
1
8,5
8,5
6
6
3,5
3,5
Adulto
7
2
13
13
4
4
3
3
2,5
2,5
2,5
2,5
1
9,5
9,5
7
7
3,5
3,5
2º grau 3º grau
Total Parcial da Área Queimada
Total Geral da Área Queimada
Tabela 4.1 - Tabela de uso corrente em diferentes Centros de
Tratamento de Queimados – CTQ – mostrando o Esquema de Lund-
Browder. O seu uso permite uma avaliação mais precisa da superfície
corporal queimada (SCQ).
Anestesia para Cirurgia Plástica
66
da colinesterase plasmática, vinte e quatro horas após a admissão,
apresentava-se significativamente baixa (0,7 kU/l), nos pacientes que foram
ao óbito, quando comparadas à atividade dos sobreviventes (1,3 kU/l).
Fisiopatologia
Considerando-se todo o espectro das lesões traumáticas, a
queimadura possui caráter peculiar, principalmente por ser a pele o maior
tecido do corpo humano, do qual dependemos para a regulação térmica,
homeostase hidro-eletrolítica, proteção contra microorganismos e outros
agentes ambientais. Dentre as respostas fisiopatológicas às graves lesões
térmicas, a perda rápida e volumosa de líquidos é, geralmente, a mais
impactante, no primeiro atendimento. Entretanto, diversos outros mecanismos
fisiopatológicos desencadeiam-se, em graus e momentos variados, em cada
paciente, individualmente, tais como: diminuição do débito cardíaco, aumento
da resistência vascular sistêmica e diminuição da oferta tecidual de oxigênio.O quadro clínico inicial de choque é hipovolêmico em sua essência, entretanto,
fatores como depressão miocárdica direta e liberação de mediadores
inflamatórios contribuem, sobremaneira, para um tratamento mais complexo
e prolongado.
Edema e hipovolemia
O importante edema intersticial que ocorre após o trauma térmico,
principalmente após a ressuscitação volêmica, é característico do grande
queimado e resulta em significativa morbidade5. O edema é mais acentuado,
nas áreas afetadas, entretanto, pode ocorrer também em regiões sem lesão,
como músculos, intestino e pulmão, e corresponder até 50% do edema
extracelular, no grande queimado6. Parte do edema pode ser intracelular,
principalmente na musculatura, em decorrência da diminuição do potencial
de membrana, que favorece a entrada de íons sódio e água para o interior
do miócito7. Não só as alterações microcirculatórias e intersticiais são
responsáveis pelo volume e velocidade de formação do edema, mas também
são conseqüência da depleção do volume intravascular e seu tratamento
(ressuscitação volêmica do queimado). Pacientes com grande SCQ podem
apresentar edema mais tardio (12 horas)8, quando comparado com
queimaduras de menor extensão. A formação do edema, em 90% dos
Fisiopatologia do Grande Queimado
67
pacientes, ocorre nas primeiras quatro horas após o evento. Essa informação
possui importante aplicabilidade clínica, principalmente em queimaduras de
face, onde grau e extensão da queimadura devem ser bem avaliados, pois,
possivelmente, determinará a indicação de intubação traqueal preventiva,
isto é, antes da formação do importante edema.
Na fisiopatologia do edema, observa-se o influxo de líquido para
interstício, por aumento da permeabilidade capilar a proteínas plasmáticas
e diminuição da pressão intersticial, com desequilíbrio entre forças
hidrostáticas e oncóticas. Existem evidências significativas que mediadores
bioquímicos também agem na formação do edema9. Imediatamente após o
trauma térmico ocorre liberação de histamina pelos mastócitos10,
possivelmente, por exposição do colágeno no tecido acometido. Entretanto,
níveis elevados de histamina são apenas transitórios, indicando que esteja
envolvida tão-somente na fase inicial do aumento da permeabilidade capilar.
Yoshioka et al11 demonstraram diminuição do edema, em ratos tratados
com cimetidina.
Poucas horas após a lesão térmica, já se pode observar grande
quantidade de neutrófilos na derme, atingindo o pico máximo, nas vinte e
quatro horas e decrescendo após setenta e duas. Os neutrófilos liberam
diversos mediadores envolvidos na formação de edema e são a maior fonte
de radicais livres12 que irão determinar a lesão endotelial, causadora do
aumento da permeabilidade capilar. Os radicais livres também desnaturam
e fragmentam o ácido hialurônico, o colágeno e outros elementos da matriz
intersticial, contribuindo para o aumento da complacência do espaço
intersticial13. Substâncias antioxidantes, como vitamina C, quando utilizadas
no momento adequado, podem diminuir a formação do edema14, muito
embora ainda não existam ensaios clínicos satisfatórios sobre esse assunto.
Outros importantes mediadores liberados maciçamente, após a lesão
térmica, são a prostaciclina (PGI2 - vasodilatadora) e o tromboxano (TxA2
- vasoconstrictor). Ambos são encontrados tanto no plasma quanto na área
queimada15. A utilização de ibuprofen tópico parece contribuir para a
diminuição do edema16, ainda que seu efeito possa também ocorrer por sua
propriedade antioxidante.
A liberação de histamina e mediadores inflamatórios irá ativar o
sistema cinina-calicreína, liberando bradicinina na circulação e aumentando
a permeabilidade capilar. A utilização de aprotinina, um inibidor de protease,
que diminui os níveis de cininas circulantes, não parece apresentar qualquer
Anestesia para Cirurgia Plástica
68
efeito benéfico17, muito embora ainda não tenham sido realizados estudos
clínicos adequados.
Outras substâncias, como citocinas, componentes da cascata da
coagulação, neuropeptídeos, serotonina, lipoproteínas, etc., também parecem
atuar no processo fisiopatológico de base do grande queimado, mas a
importância de cada componente ainda requer maiores estudos.
A aplicabilidade clínica dos recentes avanços na fisiopatologia da
formação do edema, no grande queimado, tem sido muito grande,
principalmente na recuperação do choque inicial deste paciente. A reposição
volêmica tem sido realizada nas primeiras 18-24 horas, com soluções
cristalóides, e em quantidades suficientes, para manutenção do débito urinário
satisfatório.
Alterações metabólicas
 Concomitante ao choque hipovolêmico inicial, ocorre um período
de hipometabolismo. O débito cardíaco encontra-se reduzido e também há
diminuição do consumo de oxigênio tissular. Em seguida à satisfatória
compensação volêmica, aproximadamente após 48 horas, inicia-se uma nova
fase metabólica, que deve perdurar por cerca de 12 a 15 dias. Essa fase
hipermetabólica é conseqüência da resposta endócrino-metabólica18
desencadeada pela agressão térmica, dor, hipóxia e ansiedade, e tem como
objetivos manter a temperatura corporal e permitir a regeneração tecidual.
Há liberação de catecolaminas e ativação do sistema renina-angiotensina,
aldosterona, cortisol e glucagon, hormônio do crescimento, etc. Resistência
periférica à insulina também ocorre nesse período. Sem medidas terapêuticas
compensatórias, ocorre rápida desnutrição (lipólise e neoglicogênese),
comprometimento do sistema imunológico, esteio para sepse. O baixo fluxo
sangüíneo intestinal colabora na translocação bacteriana para a corrente
sangüínea, com liberação de toxinas19. Há infiltração bacteriana através
dos linfonodos mesentéricos, por três mecanismos principais: ruptura física
da barreira mucosa, aumento da população bacteriana e imunosupressão.
O pronto suporte nutricional enteral, com fornecimento energético
principalmente com carbohidratos, tentará impedir, tão logo seja clinicamente
possível, o desvio de aminoácidos para a gliconeogênese. Cuidado especial
com a monitoração dos níveis glicêmicos deve ser observado, devido à
resistência insulínica.
Fisiopatologia do Grande Queimado
69
Alterações cardiovasculares
Apesar de a ação inotrópica negativa de citocinas ser comprovada
clínica e laboratorialmente, e constatada a síntese miocárdica de TNF-α,
ainda não está bem esclarecido o mecanismo pelo qual a lesão térmica
desencadeia disfunção cardíaca. Yokoyama et al20 sugeriram que a
disponibilidade do íon cálcio às proteínas contráteis seriam mediadas pelo
TNF-α, que agiria alterando o mecanismo de liberação do cálcio pelo
retículo endotelial sarcoplasmático.
Queimadura e Dor
O paciente queimado ilustra a figura de um ser humano parti-
cularmente fragilizado. O momento da queimadura enseja o confronto com
os limites do sofrimento humano. Sobrevivendo à fase aguda, ele se depara
com as mais variadas manifestações de resposta ao trauma, tanto no plano
físico como no mental. A dor em suas feridas interage com um quadro
emocional bastante complexo. Ele tem um presente em que pode sentir que
a sua vida encontra-se em angustiante proximidade com a morte. Vislumbra
o futuro, em atmosfera de temor pelas deformidades e, às vezes, verdadeiras
mutilações, que poderão impossibilitá-lo de relacionar-se e voltar a exercer
atividades em condições anteriores ao acidente. Nesse contexto, maximiza-
se a importância de uma abordagem multidisciplinar, no qual o tratamento
específico da ferida por queimadura é apenas um dos aspectos que precisam
ser abordados. O alívio da sua dor física caminha junto com a reestruturação
global pela qual ele precisa passar. Quando eliminamos ou aliviamos a dor
do paciente queimado, promovemos contribuição de extrema importância
para sua recuperação, não só física, mas em todas as esferas da sua
existência. Não existe bom atendimento a esse paciente,se a sua analgesia
não for devidamente implementada21.
As queimaduras, considerando-se as diferentes modalidades de trauma,
são reconhecidas entre aquelas que despertam os mais intensos estímulos de
dor. Depressão e ansiedade são achados comuns nos pacientes que sofreram
queimaduras, sendo reconhecidas como características que reduzem o limiar
da dor22. Não há fundamento para que se restrinja a analgesia do queimado,
condenando-o à convivência com dor de forte intensidade, sob a indevida
expectativa de torná-lo adicto ao uso de opióides23, 24.
Anestesia para Cirurgia Plástica
70
Nas queimaduras de primeiro grau, a dor é mais comumente descrita
como um desconforto de leve a moderada intensidade.
Nas queimaduras de segundo grau, epiderme e quantidades variáveis
de derme são destruídas. A dor é referida como de extrema intensidade.
Ela resulta da lesão de receptores nociceptivos altamente sensíveis ao dano
tissular. Com a destruição completa da epiderme, há extensa e intensa
exposição das terminações nervosas; pequenos contatos com essa área de
pele destruída são suficientes para desencadear grande estímulo de dor.
As áreas de queimadura de terceiro grau são tipicamente indolores,
após o trauma inicial, pois há destruição completa da pele, incluindo os
nociceptores. Todavia, ao redor de uma área com terceiro grau de
profundidade haverá outras com segundo grau. Conseqüentemente, do ponto
de vista clínico, cuidar de uma área de queimadura de terceiro grau não
deverá significar ausência de forte estímulo doloroso. Com certeza, as áreas
vizinhas de segundo grau serão também estimuladas e a dor ocorrerá. Além
disso, com a evolução cronológica da ferida, ocorre regeneração da epiderme,
a partir de apêndices epidérmicos que permaneceram intactos. Portanto,
havendo regeneração dos nociceptores, há geração dos estímulos dolorosos.
Por tudo isso, há de se ter o devido discernimento, pois, de forma alguma, a
ausência de dor na área de terceiro grau simplifica o cuidado com a analgesia
do queimado.
Classicamente, a dor pode ser dividida em dois tipos: a dor de fundo
(espontânea ou constante) e a dor incidental (processual ou evocada).
Reconhece-se a complexidade e limitação de diferentes métodos propostos
para a avaliação da intensidade da dor, ainda mais em pacientes pediátricos25.
A dor de fundo é contínua, ocorre mesmo em repouso, sendo de
intensidade mais baixa. Apesar disso, a sua abordagem terapêutica é
essencial, devendo ter caráter regular e não apenas quando solicitada. Pode
persistir por semanas, meses ou, até mesmo, anos. Mediadores inflamatórios
– histamina, serotonina, prostaglandinas – levam a aumento na sensibilidade
do nociceptor. Portanto, as conseqüências inflamatórias da lesão por
queimadura podem desencadear a persistência da dor. A regeneração de
terminais nervosos, com a formação de neuroma, poderá ocasionar quadro
conhecido como neuralgia pós-queimadura. É impossível que se passe pela
condição de grande queimado sem que haja um exacerbado componente
de ansiedade, angústia, medo, incertezas diversas sobre o presente e, muito
mais ainda, o futuro. A percepção de dor é característica multifária e não
Fisiopatologia do Grande Queimado
71
há como se desconectar a dor de fundo do quadro emocional de um grande
queimado. Conseqüentemente, a sua dor não é passível de tratamento apenas
à base de fármacos26, 27. O esquema analgésico que se mostra eficaz para
determinado paciente poderá ser ineficaz para outro que tenha idênticas
condições físicas; isso não causa qualquer estranheza àqueles acostumados
ao tratamento de queimados.
A dor incidental está ligada aos procedimentos de cuidados da ferida
tais como limpeza, curativos, desbridamentos, entre outros. Aqui, a
intensidade do estímulo doloroso é máxima, durante o procedimento; intensa,
logo depois e seqüencialmente, menor conforme passa o tempo após o
cuidado da lesão. Não se pode conceber um procedimento cirúrgico ser
realizado apenas com pequenas doses de opióides, aquelas consideradas
“seguras” de serem utilizadas, sem que haja necessidade de suporte avançado
de ventilação. Da mesma forma, de acordo com a etapa de evolução de
uma ferida por queimadura, devido à extensa exposição e intenso grau de
estímulo dos nociceptores, poderá ser considerado impróprio o seu cuidado
apenas com analgesia superficial, aqui, sinônimo de inadequada por
insuficiência. As alternativas farmacológicas disponíveis permitem que o
cuidado da ferida seja realizado, verdadeiramente, sem dor, de forma segura
e eficaz, com baixos custos e alta eficiência, para a dinâmica diária de um
CTQ, sendo a lesão de qualquer extensão ou tempo de evolução (ver Capítulo
17). Induzir dor, para o cuidado da ferida do grande queimado internado em
CTQ, não é prática aceitável para a Medicina do Século XXI.
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