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Anemias Hemolíticas; Anemia Falciforme; Deficiência piruvatoquinase; Defeito G6PD

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ANEMIA HEMOLÍTICA
Fisiologia
Normalmente, somente os eritrócitos “envelhecidos” ou senescentes são removidos pelo sistema reticuloendotelial do fígado e baço. Após sua liberação da MO para o sangue como reticulócito, a meia-vida de uma hemácia é cerca de 120 dias. 
O sangue penetra no parênquima esplênico pelas arteríolas centrais, quando entra em contato com a polpa branca (bainha de tecido linfóide, contendo linfócitos B e T).
Os ramos da arteríola central desaguam no interstício (cordões esplênicos de Billroth), na polpa vermelha. 
Para retornar à circulação, as hemácias precisam passar pelas fendas endoteliais dos sinusóides esplênicos, que convergem para o sistema venoso do órgão. 
As fendas sinusoidais têm um diâmetro menor que as hemácias, por isso só poderão passar pela fenda as hemácias capazes de se deformar. Ao passar pelos cordões esplênicos, as hemácias encontram um ambiente hostil (hipóxia, acidez e muitos macrófagos capazes de reconhecer qualquer anormalidade na membrana eritrocítica e fagocitar hemácias, removendo resíduos nucleares, hemoglobina desnaturada e pigmentos férricos). São removidas apenas as hemácias senescentes (com 120 dias) e patológicas, no processo seletivo do baço durante a passagem de hemácias (hemocaterese).
Hemólise
É a destruição prematura das hemácias na periferia, no espaço intravascular ou nos órgãos do sistema reticuloendotelial, reduzindo sua meia-vida. 
Hemólise Compensada: Quando a eritropoiese medular estiver normal (estoques de ferro, ácido fólico e B12 preservados) e sua meia-vida se reduzir para 20-25 dias, sem anemia.
Anemia Hemolítica: Quando a meia-vida eritrocítica chega a < 20 dias. Um estado de hemólise compensada pode evoluir rapidamente para anemia hemolítica se houver eritropoiese ineficaz, redução dos estoques de ferro, ácido fólico ou B12, ou uma infecção dos eritroblastos pelo parvovírus B19. 
Hemólise extravascular: Tipo mais comum, cujas hemácias são destruídas no tecido reticuloendotelial, especialmente no baço, pelos macrófagos dos cordões esplênicos de Billroth. Alterações hereditárias ou adquiridas que afetam o citoesqueleto, a membrana ou a forma dos eritrócitos dificultam sua passagem pelas fendas sinusoidais e, portanto, aumentam o contato das hemácias com os macrófagos. O revestimento da membrana eritrocítica por IgG ou por complemento (C3b) permite seu reconhecimento pelos receptores macrofágicos, determinando a destruição precoce das hemácias. 
Hemólise intravascular: As hemácias são destruídas na circulação, liberando Hb no plasma, que rapidamente satura as haptoglobinas plasmáticas, enquanto que o excesso é filtrado nos glomérulos renais. 
Na maioria, resulta de anormalidades adquiridas por trauma mecânico, destruição imunológica pelo complemento ou exposição a fatores tóxicos
Consequências da Hemólise
RESPOSTA MEDULAR 
A hemólise tende a causar anemia, e a resposta é de estimular a produção eritropoietina pelas células justaglomerulares, que atua na MO, levando a maturação dos eritroblastos em hemácias jovens ou reticulócitos (o estímulo para maior produção é associado à anemias hiperproliferativas). 
O reticulócito contém, no citoplasma, fragmentos de RNA ribossomal, que, após ir da MO para a circulação, se tornam hemácias maduras após 1 dia (tempo normal de maturação reticulocitária). Contudo, sob um forte estímulo de maturação, a MO lança no sangue reticulócitos mais imaturos (“shift cells” - grandes hemácias azuladas no esfregaço do sangue periférico), que são ainda maiores (> 108 fL) que as hemácias e têm um tempo de maturação maior (1,5-2,5 dias). 
A presença dessas células confere o aspecto de policromatofilia ou policromasia. 
Essa resposta medular compensatória pode ser observada no mielograma (intensa hiperplasia eritróide, característica das anemias hemolíticas). 
PRODUÇÃO DE BILIRRUBINA INDIRETA:
Após ser destruída, a hemácia libera o seu conteúdo, rico em Hb, metabolizada pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial pela a ação da heme-oxigenase, separando os componentes da heme (ferro e protoporfirina). 
A protoporfirina é transformada em biliverdina que, por sua vez, é convertida em bilirrubina indireta. Esta é lançada no plasma e transportada ao fígado, ligada à albumina. 
O ferro é transportado pela transferrina de volta à MO ou ao fígado (armazenamento) para ser incorporado a um novo eritroblasto (ciclo do ferro). 
FORMAÇÃO DE CÁLCULOS BILIARES:
Toda hemólise crônica predispõe à formação de cálculos biliares, principalmente as anemias hemolíticas hereditárias.
O aumento da produção de bilirrubina pela hemólise é o fator predisponente, pois se concentra na bile, formando na vesícula biliar, os cálculos de bilirrubinato de cálcio (marrons). 
Por conterem cálcio, a maioria são radiopacos (aparecem na radiografia simples de abdome), ao contrário dos cálculos de colesterol. A litíase biliar pode acarretar em colecistite aguda e colangite, manifestando-se com icterícia acentuada, à custa de bilirrubina direta (colestase).
Etiologia
HEREDITÁRIAS 
1- Hemoglobinopatias: 
● Anemia falciforme e variantes 
● Talassemias (EV) 
2- Defeitos do citoesqueleto: 
● Esferocitose hereditária (EV) 
● Eliptocitose hereditária (EV) 
● Piropoiquilocitose hereditária (EV, IV) 
3- Defeitos enzimáticos: 
● Deficiência de G6PD (IV) 
● Deficiência de piruvato quinase (EV)
4- Outras: 
● Abetalipoproteinemia - acantócitos (EV) 
● Estomatocitose hereditária (EV) 
● Xerocitose hereditária (EV) 
ADQUIRIDAS
1- Anemia Imuno-hemolítica: 
● Hemólise autoimune (EV) 
● Hemólise autoimune por medicamentos (EV) 
● Hemólise aloimune - reação transfusional (EV) 2- Hiperesplenismo: 
● Esplenomegalia congestiva (EV) 
3- IH grave: 
● Anemia com acantócitos (EV) 
4- Hemoglobinúria paroxística noturna (IV): 
● Com aplasia de medula 
● Sem aplasia de medula 
5- Anemia hemolítica microangiopática (IV): 
● Síndrome Hemolítico Urêmica (SHU) 
● Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) 
● Síndrome HELLP (gestação) 
● Hipertensão maligna 
● Crise renal da esclerodermia 
● CIVD
Achados Laboratoriais Hemólise
Sinais e sintomas característicos da anemia hemolítica: 
● 1- Leve icterícia (associada à palidez), pois a hiperbilirrubinemia indireta sempre está < 5 mg/dL 
● 2- Esplenomegalia (neoplasia hematológica ou anemia hemolítica crônica - talassemia) 
● 3- História familiar (+) de anemia (sugere anemia hereditária) 
● 4- Uso de medicamentos (que cause anemia autoimune ou não imune) 
● 5- Urina avermelhada ou marrom (hemoglobinúria - IV) 
1- Desidrogenase Lática (LDH): A isoforma LDH-2 está quase sempre elevada na anemia hemolítica (não tanto quanto na megaloblástica), entre 285-1.160 U/ml (normal < 240 U/ml), devido à sua liberação do interior das hemácias. 
2- Haptoglobina: Uma alfaglobulina sintetizada pelo fígado, capaz de se ligar à fração globina da Hb. Na hemólise (IV ou EV), o complexo Cadeias de globina-Haptoglobina é clareado pelos hepatócitos. A haptoglobina sérica diminui ou torna-se indetectável. A síntese de haptoglobina pode aumentar em inflamações crônicas e diminuir nas hepatopatias. 
3- Indicadores de Hemólise IV: Todos são decorrentes da liberação da Hb diretamente no plasma. 
● 3.1- Hemoglobinemia: Na coleta de sangue sem lesão traumática das hemácias, espera-se níveis baixíssimos de Hb (< 1 mg/dl). Na hemólise IV, há hemoglobinemia real (< 50 mg/dL), o plasma torna-se avermelhado. 
● 3.2- Hemossiderinúria: Na hemólise IV, a capacidade de ligação da haptoglobina é excedida, levando à filtração da Hb pelos rins e reabsorção pelo TCP. Nas células tubulares, a Hb é catabolizada e o ferro do heme é armazenado pela hemossiderina e ferritina. Normalmente essas células se descamam, e a hemossiderina é identificada na urina. 
● 3.3- Hemoglobinúria: Quando a hemólise IV é ainda mais intensa, ocorre saturação da hemossiderina presente nos túbulos renais, assim a Hb filtrada não é reabsorvida e surge a hemoglobinúria. Uma quantidade expressiva de Hb livre na urina provoca uma forma de “colúria” (urina vermelho-acastanhada). A hemossiderinúria e hemoglobinúriamantidas podem levar à depleção das reservas de ferro, um componente de anemia ferropriva. 
● 3.4- Hemopexina e Metemalbumina: A Hb liberada no plasma, que não pôde se ligar à haptoglobina, sofre logo oxidação, transformando-se em metemoglobina. O heme é prontamente desligado desse composto, ligando-se em parte a hemopexina e, em parte, à albumina (metemalbumina). Isso leva à redução de hemopexina livre, aumento de hemopexina-heme e aumento de metemalbumina. 
4- Índices Hematimétricos e Hematoscopia: 
● 4.1- Índices Hematimétricos: Pela Hb de um paciente com hemólise, pode-se encontrar uma anemia normocítica e normocrômica (mais comum). Em casos de hemólise aguda grave, esses índices podem revelar VCM > 100 fL (macrocitose), pela acentuada reticulocitose e liberação excessiva das “shift cells” no sangue periférico. 
● 4.2- Hematoscopia: As hemólises agudas graves frequentemente cursam com intensa policromatofilia no sangue periférico (“shift cells”). Anisocitose e poiquilocitose são achados comuns.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS HEREDITÁRIAS (ALTERAÇÕES DO CITOESQUELETO E MEMBRANA ERITROCITÁRIA)
ESFEROCITOSE
Definição e Etiologia
Desordem autossômica dominante, em 80% dos casos, e autossômica recessiva nos 20% restantes. É marcada por deficiências de uma das proteínas do citoesqueleto (espectrina, anquirina, banda 3, proteína 4.2), sendo causa clássica de anemia hipercrômica. Outras etiologias são a anemia imuno-hemolítica e a eliptocitose hereditária. A deficiência mais comum é a da anquirina (40-50%), seguida pela de banda 3 (20%) e das cadeias alfa ou beta da espectrina (10%). A deficiência de anquirina acarreta uma deficiência secundária de espectrina, pois a primeira é necessária para a incorporação da última à membrana do eritrócito. A perda do ancoramento da espectrina no citoesqueleto eritrocitário (“forças verticais”) leva à perda de fragmentos da camada lipídica da membrana, acabando com seu formato bicôncavo e transformando-se em um esferócito que, ao passarem pelos cordões esplênicos, não conseguem se deformar o suficiente para penetrar nas fendas sinusoidais, ficando mais tempo em contato com os macrófagos. 
A 1a consequência é a perda de “pedaços” de membrana, transformando-os em microesferócitos, que se encontram presentes no sangue periférico. Na passagem pelo baço, alguns esferócitos e microesferócitos são fagocitados e destruídos, gerando hemólise crônica. 
O esferócito e o microesferócito são células com pouca superfície de membrana em relação ao volume, ao contrário da hemácia.
QC
O grau de anemia moderado, mas pode ser leve, grave ou mesmo não haver anemia (apenas hemólise compensada) ou típica criança com esplenomegalia. Anemia leve a moderada + Icterícia discreta + Esplenomegalia na criança ou jovem são sugestivos. A manifestação predominante é a litíase biliar por cálculo de bilirrubinato de cálcio (crise biliar). Talvez o quadro mais preocupante seja o da crise aplásica (anemia aguda grave sintomática, com reticulocitopenia, após infecção pelo parvovírus B19) ou a crise hemolítica crônica (hiperfunção esplênica em infecções) e a crise megaloblástica (deficiência relativa de folato). 
Achados laboratoriais
Anemia leve a moderada (raramente grave): 
● Micro ou Normocítica (VCM baixo ou normal) 
● Hemácias Hipercrômicas (CHCM alto) 
● Reticulócitos e microesferócitos (esfregaço de sangue periférico)
Diagnóstico
Feito pela Anemia hemolítica crônica + Reticulócitos e microesferócitos no sangue periférico + Ausência de um teste de Coombs direto + (afastando anemia imuno-hemolítica). 
Na dúvida quanto à presença de microesferócitos, o Teste de Fragilidade Osmótica é indicado (positivo em microesferocitose em grande número de hemácias). Os microesferócitos são exageradamente sensíveis à hipoosmolaridade (ao reduzirmos artificialmente a osmolaridade do meio de suspensão, as hemácias não toleram a entrada de água no citoplasma e se rompem). Apresenta falso-negativo em 10-20% dos pacientes com esferocitose hereditária (anemia ferropriva, icterícia colestática, reticulocitose presente na recuperação de uma crise aplásica (o reticulócito tem maior resistência osmótica) e desidratação dos microesferócitos ou esferócitos).
Tratamento
Feita esplenectomia, exceto para os pacientes com anemia leve ou com hemólise compensada. 
A esplenectomia (ao remover o principal sítio de hemólise) previne a causa da anemia, mas não os esferócitos do sangue periférico. Em crianças, ela deve ser evitada em < 4 anos, período de maior risco de sepse fulminante por germes encapsulados. A vacina antipneumocócica deve ser adm a todos os indivíduos antes do procedimento. Sendo também necessária uma suplementação constante com ácido fólico (1 mg/dia), para evitar a crise megaloblástica. A crise aplásica deve ser prontamente tratada com hemotransfusão.
ELIPTOCITOSE
Desordem autossômica dominante. 
Distúrbio na síntese da espectrina ou da proteína 4.1, afetando as “forças horizontais” do citoesqueleto da membrana. 
A maioria dos indivíduos é assintomática, apresentando hemólise leve, não acompanhada de anemia ou esplenomegalia. O sangue periférico revela ovalócitos e eliptócitos. A ectacitometria demonstra a existência de um defeito na deformabilidade dessas hemácias em função de variações na osmolaridade do meio. Nos casos que evoluem com episódios hemolíticos frequentes e graves, indica-se esplenectomia, que corrige a hemólise, mas não a anormalidade apresentada pela hemácia
PIROPOIQUILOCITOSE 
Distúrbio autossômico recessivo muito raro. Anemia hemolítica grave (necessitando de esplenectomia) + Poiquilócitos bizarros + Hemácias fragmentadas no sangue periférico. 
A anemia é microcítica. Anormalidade estrutural- consiste em um defeito na síntese de espectrina. Em laboratório, essas hemácias fragmentam-se quando aquecidas a 45ºC em vez de 49ºC, como é o normal (piro = calor)
ESTOMATOCITOSE
Doença autossômica dominante. O defeito de membrana leva a um grande influxo de sódio e água para o interior da hemácia que orna-se edemaciada com uma redução de sua hemoglobina corpuscular média. A hemácia super-hidratada é vista no sangue periférico com uma área de palidez central semelhante a uma boca, sendo denominada de estomatócito. A maioria dos pacientes possui esplenomegalia e anemia hemolítica. A esplenectomia deve ser evitada, pois se associa à ocorrência de eventos tromboembólicos graves (possivelmente devido à trombocitose secundária, que se desenvolve após a retirada do baço). Deve-se memorizar que o estomatócito pode estar presente em afecções adquiridas e não relacionadas à hemólise, como o alcoolismo e doença hepática.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS HEREDITÁRIAS (DEFEITOS ENZIMÁTICOS)
DEFICIÊNCIA DE G6PD
Definição
Deficiência mais comum dessa via, representada pela Glicose-6-Fosfato Desidrogenase (G6PD). Desordem hereditária extremamente comum (200 mi no mundo). 
Herança recessiva ligada ao X, mais comum no homem (porém não exclusiva). O shunt da hexose-monofosfato regenera a glutationa reduzida (GSH), elemento que protege a Hb e a membrana da hemácia de radicais livres derivados do O² (formados apenas em processos infecciosos, exposição a drogas, toxinas etc).
Patogenia
HÁ dois tipos de enzima G6PD consideradas normais (“tipo A” e “tipo B”). 
A enzima “tipo B” (GdB) é a mais comum, sendo 99% em brancos e 70% em negros. 
A enzima “tipo A” (GdA+), sendo exclusividade em negros (20%), pardos e mestiços. 
Na deficiência de G6PD, há um mutante enzimático (150 diferentes), com atividade reduzida e/ou meia-vida curta (< 60 dias), sendo os principais GdA (variação patológica da enzima GdA+; mais brando), que tem meia-vida reduzida (13 dias), em 8-10% dos negros e GdMed ou mediterrâneo (variação patológica da enzima GdB; mais grave), em ascendentes italianos, gregos, árabes e judeus sefarditas. No caso do GdA, apenas as hemácias mais velhas sofrerão destruição, em caso de estresse oxidativo, já o GdMed, tem uma atividade reduzida desde o início da vida eritrocitária (hemácias jovens e velhas). O paciente se apresenta com “crises hemolíticas”,sempre precipitadas por algum estresse oxidativo, sendo mais comum por infecção ou por drogas com potencial oxidante (Dapsona; Fenazopiridina; Primaquina; Nitrofurantoína; Azul de metileno; Azul de tolueno; Rasburicase). Exemplos de moléculas oxidativas são as proteínas, lipídios da membrana e a própria hemoglobina. O ferro oxidado forma metemoglobina, incapaz de se ligar ao O². A desnaturação oxidativa da globina produz precipitados IC de Hb desnaturada (corpúsculos de Heinz), que se ligam à banda 3 da membrana eritrocítica, formando seus agregados, os quais tornam-se “neoantígenos”, promovendo a ligação de autoanticorpos IgG na superfície das hemácias. Ao passar pelos cordões esplênicos, os macrófagos retiram os corpúsculos de Heinz, deixando uma série de hemácias “com um pedaço arrancado” (“células mordidas” e “células bolhosas”). Além da hemólise esplênica (extravascular), destaca-se também a hemólise IV, decorrente da rotura da membrana, resultado da peroxidação de seus lipídios.
QC
Hemólise IV aguda + Febre + Lombalgia + Palidez + Icterícia, precipitada por uma infecção (E. coli, Streptococcus beta-hemolítico, HVA) ou pela adm de drogas. Instala-se geralmente 2-4 dias após o fator precipitante. A intensa hemoglobinúria pode lesar os túbulos renais, levando à necrose tubular aguda, com IRA oligúrica, que pode ser grave e necessitar de diálise. Em casos mais agressivos, pode ocorrer colapso vascular. Nos negros (mutante GdA-), o processo é mais brando (anemia leve a moderada) e sempre autolimitado, pois as hemácias mais jovens têm mais G6PD funcionante. 
Pico de reticulócitos 7-10 dias após o início + Hematócrito alto após 1s do quadro. Naqueles com o mutante GdMed, a crise hemolítica é mais grave e pode não ser autolimitada, pois até os reticulócitos neoformados apresentam a enzima deficiente. 
O exame labo na crise revela Hemoglobinemia + Hemoglobinúria + Metalbuminemia, além dos demais achados clássicos de qualquer anemia hemolítica. O sangue periférico apresenta “células mordidas” e “células bolhosas”. Numa coloração supravital, observam-se os clássicos corpúsculos de Heinz
Diagnóstico 
Dosagem da atividade da G6PD no sangue do paciente. No caso do mutante GdA-, só poderá ser feito com o sangue colhido após 6-8 semanas da crise, quando as hemácias já se tornaram mais velhas. 
Tratamento
 Não há tratamento específico. Hemotransfusão + Suporte clínico nos casos graves. O principal é a profilaxia das crises, evitando o uso de drogas potencialmente oxidativas e tratando de forma adequada e precoce as infecções.
DEFICIÊNCIA DE PIRUVATOQUINASE (PK)
Definição
é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene PKLR (1q22). Até à data foram descritas mais de 190 mutações no gene PKLR. A PK é uma enzima chave regulatória de glicólise e duas anomalias metabólicas importantes resultam da deficiência de PK: depleção de ATP e aumento do conteúdo de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG). Os mecanismos exactos que causam hemólise extravascular são, até ao momento, desconhecidos, mas uma característica importante envolve o sequestro selectivo de glóbulos vermelhos jovens deficientes em PK, particularmente os reticulócitos, pelo baço. O aumento dos níveis de 2,3-DPG melhora a anemia diminuindo a afinidade da hemoglobinapara o oxigénio
Epidemiologia
 a causa mais frequente de anemia hemolítica não esferocítica congénita com uma prevalência estimada de 1/20,000 na população caucasiana geral.
QC
doentes com deficiência de PK sofrem de um grau altamente variável de hemólise crónica, variando desde icterícia neonatal grave e anemia fatal à nascença, hemólise crónica grave dependente de transfusão, hemólise moderada com exacerbação durante infecções a uma hemólise completamente compensada sem anemia aparente. Icterícia crónica, cálculos biliares e esplenomegalia são achados comuns.
Diagnóstico
com base nas características clínicas e nos achados laboratoriais: graus variáveis de anemia, reticulocitose, aumento da bilirrubina não conjugada e diminuição dos níveis de haptoglobina. A morfologia dos glóbulos vermelhos é essencialmente normal. A deficiência de PK é diagnosticada através da determinação da actividade enzimática de PK. De notar que devido ao facto de actividade enzimática ser dependente da idade dos glóbulos vermelhos, uma deficiência de PK pode estar disfarçada pela reticulocitose. A confirmação do diagnóstico requer a caracterização molecula.
Tratamento
transfusão sanguínea e, em casos graves, esplenectomia. Esta última deve ser baseada na capacidade do doente tolerar a anemia. Como resultado da esplenectomia, a contagem dos reticulócitos aumenta na maioria dos casos e a necessidade de transfusões diminui. O transplante de medula óssea pode curar a deficiência de PK mas raramente é realizado.
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE (AHAI) 
A mais importante anemia hemolítica adquirida, pela sua frequência e seu potencial de gravidade. A hemólise imune pode ser induzida pela ligação de anticorpos e/ou componentes do complemento à membrana da hemácia, e seu mecanismo depende da opsonização. Geralmente, ocasionada por autoanticorpos que reagem com certos antígenos de membrana que constituem os grupos sanguíneos, como o sistema Rh. Os aloanticorpos (que provêm do doador), adquiridos por transfusões prévias e gravidez, podem desencadear reação hemolítica transfusional. Ao revestirem a membrana eritrocítica, os IgG se ligam aos receptores FcγRI (restrito ao IgG) dos macrófagos esplênicos, permitindo a fagocitose das hemácias (hemólise EV), pois os IgG e C3b opsonizam as hemácias. 
AHAI por “anticorpos quentes” (IgG): 
Os autoanticorpos IgG se ligam à superfície do eritrócito na temperatura corporal (37°C). Os IgG são fracos ativadores do complemento (ativação possível quando 2 IgG estão próximos entre si na superfície da hemácia). Quando há um pequeno N° de IgG revestindo a hemácia, a opsonização depende apenas da interação macrófago-anticorpo. Quando há um grande N° de IgG na membrana eritrocítica, o complemento é ativado (hemácia revestida por IgG e C3b), aumentando a intensidade da opsonização e a gravidade da hemólise no sistema reticuloendotelial. 
AHAI por “ anticorpos frios” (IgM): Os autoanticorpos IgM reagem com as hemácias em baixas temperaturas (0-10°C), sendo crioaglutininas. Não são agentes “opsonizantes” diretos, os IgM são potentes ativadores do complemento. 1 IgM já pode desencadear a formação de C3b. Em geral, poucos IgM se ligam à membrana eritrocítica, ativando o complemento, levando a ligação de uma grande N° de C3b à superfície das hemácias. As células de Kupffer são os responsáveis pela destruição das hemácias revestidas por C3b.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS 
ADQUIRIDAS (HEMÓLISE EXTRAVASCULAR)
AHAI POR ANTICORPOS QUENTES
Definição e Epidemio
Hemólise EV imunológica mais comum na clínica. Os autoanticorpos IgG são dirigidos contra antígenos do sistema Rh (D, C, E, c, e). 
O principal local de hemólise é no baço, já que seus macrófagos são ricos em receptores para IgG de alta afinidade (FcγRI). 
A forma idiopática é mais comum em mulheres de 50-60 anos. A doença pode se acentuar na gestação, por efeito estrogênico. A letalidade oscila entre 10-30%
Etiologia
50% dos casos de AHAI por IgG são idiopáticos. Desregulação do sistema de autotolerância, provocando hemólise imunomediada, por Drogas (alfametildopa, fludarabina); LES; Esclerodermia; LLC (Leucemia Linfocítica Crônica); Linfoma não Hodgkin; Artrite reumatóide; Retocolite ulcerativa; Mieloma múltiplo; Timoma; Cisto epidermóide de ovário; Sarcoma de Kaposi; Infecções por tuberculose e CMV; Doença agamaglobulinemia hereditária
QC
Desde formas assintomáticas e sem anemia (hemólise compensada) até episódios hemolíticos agudos gravíssimos (fulminantes), com anemia profunda, ICC e colapso vascular. 
Grande parte encontra-se em situação intermediária (anemia leve a moderada e oligossintomática). Leve icterícia, sugestiva de hemólise. Esplenomegalia discreta pode ser detectada nos casos mais graves, pela hiperplasia reticuloendotelial. Esplenomegaliamoderada ou grave aponta para um distúrbio linfoproliferativo de base (LLC, linfoma). Na criança, mais quadros virais respiratórios, com início repentino e severo. A reação autoimune pode não ser restrita às hemácias, pois as plaquetas e neutrófilos também podem ser “atacados” por autoanticorpos. AHAI por IgG + PTI (Púrpura Trombocitopênica Autoimune) = Síndrome de Evans. 
Na plaquetopenia grave (< 20.000/mm³), pode se haver petéquias e hemorragia de mucosas. 
Na plaquetopenia muito grave (< 5.000/mm³), há forte risco de hemorragia do TGI e AVE hemorrágico. 
Granulocitopenia autoimune (Pancitopenia Autoimune)
Achados Laboratoriais
Anemia + Reticulocitose (10-30%) + VCM normal (normocítica) ou aumentado (macrocítica), justificado pela reticulocitose acentuada e pela presença das “shift cells” na periferia. Pode haver bicitopenia, ou mesmo pancitopenia. O esfregaço do sangue periférico, como na esferocitose hereditária, com microesferócitos (pela fagocitose parcial no baço, retirando “pedaços” de membrana eritrocitária) e reticulócitos.
Diagnóstico
TESTE DE COOMBS DIRETO 
Identifica anticorpos ou complemento ligados à superfície das hemácias. Adiciona-se o soro de Coombs a uma gota de sangue do paciente, incubando-se a 37° C. 
(+) se houver aglutinação macroscópica (98%). Se as hemácias do paciente estiverem revestidas de anticorpos, o “soro de Coombs” promoverá aglutinação. 
(+) em qualquer IgG ligado às hemácias (falso-positivo para AHAI). 
TESTE DE COOMBS INDIRETO 
Serve para avaliar a presença de anticorpos anti-hemácia no soro do paciente (não ligados às hemácias). OBS:. O “soro de Coombs” completo pode reagir contra qualquer classe de anticorpo e com o C3b. OBS:. Pode-se repetir o teste com anticorpos anti-IgG humano (Coombs anti-IgG) ou anticorpos anti-C3b humano (Coombs anti-C3). OBS:. Ambos os testes específicos (+)
Tratamento
Específico
Glicocorticoides (prednisona): 1-2 mg/kg/dia ou 40 mg/m², que eleva a Hb na 1a semana. 
● Quando os níveis atingem 10 g/dl, se reduz a dose em 4-6 semanas para 20 mg/m². 
● A partir de então, a redução deve ser mais gradual e realizada em 3-4 meses. 
● Alguns precisarão de doses baixas (5-10 mg em dias alternados) por tempo mais longo. 
● 60-80% dos pacientes responderão satisfatoriamente. 
Efeitos colaterais: 
(1) reduzem a afinidade dos receptores FcγRI dos macrófagos esplênicos; 
(2) reduzem a afinidade dos anticorpos IgG pelos antígenos da membrana eritrocítica; 
(3) diminuem a produção de anticorpos IgG. 
● 20-40% mostram-se refratários à corticoterapia, ou necessitam de altas doses de 
prednisona para manter a doença em remissão. Anticorpo monoclonal anti-CD20 (rituximab): Para os pacientes que não respondem ou não toleram o corticoide, o Anti-CD20 depleta linfócitos B (80% de sucesso na AHAI). 
Esplenectomia: Reduz a fagocitose esplênica das hemácias opsonizadas e diminui a produção de anticorpos, pois o baço contém tecido linfóide. Se continuam com anemia hemolítica pós-esplenectomia, é pela hemólise opsonizadas por células de Kupffer hepáticas. 
3a linha de fármacos (ciclofosfamida, azatioprina ou imunoglobulina IV): Nos pacientes que não respondem a nenhuma das medidas citadas. Transplante de células-tronco hematopoiéticas: Para casos extremos
Suporte
Ácido fólico: Para todos os pacientes que apresentam hemólise crônica. 
Hemotransfusão: 
● A prova cruzada sempre aglutina (regra na AHAI). 
● O soro do paciente tem anticorpos contra um antígeno básico do grupo Rh nas hemácias de quase todos os casos (independente do Rh do doador ser + ou -). 
● Prova cruzada: Uma amostra de soro do paciente é misturada com uma amostra do sangue selecionada para a doação. 
● Se aglutinar, a tipagem sanguínea deve ser repetida e, a princípio, a bolsa de sangue não é liberada. 
● O médico deve informar ao Banco de Sangue a hipótese diagnóstica, confirmando-a pelo teste de Coombs direto. 
● Se for comprovada, a transfusão de sangue ABO e Rh compatível é permitida, mesmo com a “prova cruzada” mostrando aglutinação.
AHAI POR ANTICORPOS FRIOS
Definição
Os autoanticorpos IgM geralmente são dirigidos contra o antígeno I (ou i) da membrana eritrocitária, o qual pertence ao grupo sanguíneo (I, i) e está em quase todas as pessoas. 
Os anticorpos são mais ativos em baixas temperaturas (0-10°C), por isso são chamados de crioaglutininas, sendo o mecanismo de hemólise diferente da AHAI por IgG (hemólise no fígado, por ação de seus macrófagos hepáticos/células de Kupffer).
Etiologia
Doença da Crioaglutinina: 
● Forma predominante de AHAI por IgM idiopática ou secunária. 
● Expansão clonal de linfócitos B, levando à produção excessiva de uma IgM monoclonal (produzida por apenas 1 clone linfocitário) com atividade de crioaglutinina. 
● Mais comum em adultos velhos e idosos (entre 50-70 anos). 
● A aglutinação transitória de hemácias nos vasos da derme ou dos dígitos pode provocar livedo reticularis e acrocianose por exposição ao frio. 
● Pode se relacionar com doenças linfoproliferativas (linfomas não Hodgkin e a macroglobulinemia de Waldenström) ou LES. 
● A causa secundária mais comum é a infecção por Mycoplasma pneumoniae ou por vírus Epstein-Barr (mononucleose infecciosa), a caxumba e o CMV, sendo, nesses casos, crioaglutinina policlonal (produzida por vários clones linfocitários). 
● Pneumonia atípica, evoluindo com discreta Anemia + Icterícia após 1a semana.
QC
Costuma ser mais brando e indolente do que a AHAI por IgG (anticorpos “quentes”). A 
forma secundária à infecção é autolimitada. 
A forma idiopática e a forma secundária a neoplasia linfoproliferativa não melhoram espontaneamente e não respondem bem à terapia. Achados Laboratoriais: Na presença de crioaglutininas em títulos satisfatórios, formam-se grumos na parede do tubo de coleta, que logo se desfazem após o aquecimento à temperatura corpórea (na mão), os quais representam a aglutinação macroscópica de hemácias.
Diagnóstico
O exame pode falhar (falso-negativo), sendo necessário o Teste de Coombs Direto + Pesquisa dos Títulos Séricos de Crioaglutinina. 
● Coombs direto (específico): (+) quando é usado o anticorpo anti-C3 humano (em vez do anti-IgG humano), pois as hemácias só são opsonizadas pelo C3, que, ao passarem pelo fígado, perdem o IgM, enquanto o fragmento C3b é convertido na partícula inerte C3dg (antígeno reconhecido pelo teste de Coombs anti-C3 humano). 
● Teste da crioaglutinina: Diluição (título) máxima do soro do paciente capaz de aglutinar, na temperatura de 0°C, hemácias ABO compatíveis e fator I (+). Na forma secundária policlonal, os títulos > 1:32. Na forma idiopática monoclonal, os títulos > 1:1.000. 
● Sangue periférico: Mais pobre em microesferócitos, mas pode apresentar aglutinação espontânea, mesmo à temperatura ambiente
Tratamento
Anticorpo monoclonal anti-CD20 (rituximab): 60% de sucesso. Imunossupressores (ciclofosfamida) ou Agentes alquilantes (clorambucil): Quando tiver insucesso com rituximab. OBS:. Se o paciente possuir um linfoma, este deverá ser tratado de forma específica. Como as hemácias são destruídas no fígado, não há resposta aos corticosteroides e muito menos à esplenectomia. A exposição ao frio deve ser evitada.
ANEMIA FALCIFORME
Definição e Epidemiologia
Doença hereditária de transmissão autossômica recessiva, ligada ao X. 
Essas hemácias possuem um limiar de pO2 abaixo do normal, gerando hiperviscosidade sanguínea (reversível com a reoxigenação). 
Causada pela substituição do ácido glutâmico pela valina, na posição 6 da cadeia de β-globina, que cria uma HbS (“s” de sickle, foice em inglês). 
A mutação pontual de GAG para GTG (6-Glu para Val) cria o gene βS. Somente pessoas que são homozigotos para o gene βS (2 alelos) desenvolvem a anemia falciforme. Os heterozigotos para o gene βs (apenas 1 alelo), possuem a “variante falcêmica”. Leva à hemólise IV, oclusão microvascular, inflamação sistêmica com disfunção endotelial crônica afetando vasos de todos os calibres e hipercoagulabilid ade
Fisiopatologia
1. COMPORTAMENTO ANÔMALO DA HbS
Baixa Solubilidade: 
● A troca do ácidoglutâmico pela valina resulta em perda de eletronegatividade (da cadeia βS + maior repulsa pela água) e ganho de hidrofobicidade, levando a autoagregação, que forma polímeros de HbS no citoplasma (perda de solubilidade) constituídos de fibras longas e rígidas, que “afoiçam” o formato celular, prejudicando sua deformabilidade. 
● Os polímeros de HbS não carreiam O², além de que o afoiçamento das hemácias acontece de forma espontânea, mas torna-se exacerbado na: 
● Hipóxia: Transforma a oxi-HbS em desoxi-HbS. O “limiar de solubilidade” da desoxi-HbS (16 g/dL) está muito abaixo da CHCM na AF (23-50 g/dl). A concentração corpuscular de desoxi-HbS ultrapassa seu limiar de solubilidade, desencadeando a polimerização. 
● Acidose: Desloca a curva de saturação da Hb pelo O² para a direita (efeito Bohr), por isso há mais desoxi-HbS para um mesmo nível de pO², aumentando a taxa de polimerização. 
● Desidratação Celular: Favorece a polimerização por aumentar a CHCM. Com isso, a concentração de desoxi-HbS também aumenta, ultrapassando seu limiar de solubilidade. 
Instabilidade Molecular: 
● A HbS é “instável”, pois sofre oxidação (40% - alto) com mais facilidade do que a Hb normal, sendo ainda maior no contato com os fosfolipídeos da membrana (340%), levando à formação de macromoléculas “desnaturadas” compostas por fragmentos de globina, ferro e fosfolipídeos. 
● Tais produtos são gerados incessantemente, e ficam ancorados na face interna da MP. 
2. CONSEQUÊNCIAS PARA A HEMÁCIA
Estresse Oxidativo: 
● Aumento de espécies reativas de O² (radicais livres catalisados pelo ferro não heme) das hemácias (afoiçadas ou não) secundário à instabilidade da HbS. 
● Dano Cumulativo da MP: Peroxidação de lipídeos e oxidação de proteínas estruturais, rompendo as interações com o citoesqueleto (aumento da permeabilidade da MP aos cátions), levando à formação de microvesículas na superfície, que vão para a corrente circulatória, além de desidratação celular (aumentando o afoiçamento) = Ciclo vicioso de afoiçamento e desidratação celular progressiva. 
● ISC (Irreversibly Sickled Cells): Pelo dano à fluidez da MP, muitas hemácias não conseguem sair do estado afoiçado mesmo quando os polímeros de HbS se desfazem. Entre 7-30 dias, a célula está bem frágil, levando à hemólise osmótica ou mecânica IV (anemia hemolítica). 
● Modificações Antigênicas na MP: (1) Agregação da proteína banda 3 (que estimula autoanticorpos normais de anti-banda 3 a opsonizar a superfície da hemácia, aumentando a eritrofagocitose - hemólise EV); (2) Exposição da Fosfatidilserina (FS), molécula com propriedades adesiogênicas e pró-inflamatórias pela enzima translocase (desregulada pelo estresse oxidativo), fazendo o FS se externalizar ao invés de se internalizar na MP. 
3. CONSEQUÊNCIAS PARA O ORGANISMO 
Anemia Hemolítica (Hemólise IV) por Disfunção Endotelial: 
● Quando as hemácias falcêmicas são destruídas na circulação, liberam a HbS (instável e com radicais livres) e moléculas “desnaturadas” (ricas em ferro não heme altamente catalítico), que lesam a camada íntima da parede vascular (endotélio). 
● Consequente da depleção do NO e ativação da imunidade inata por macrófagos e monócitos (TNF-alfa e IL), gerando um estado de inflamação sistêmica crônica constante (leucocitose e elevação de marcadores de fase aguda), comprometendo o endotélio difusamente. 
● Hiperplasia e fibrose na parede dos vasos de maior calibre, com obstrução progressiva do lúmen, e a inflamação produz ainda hipercoagulabilidade, facilitando tromboses. 
● Aumento episódico na exposição de fatores adesiogênicos pelo endotélio + Afoiçamento eritrocitário = Vaso-oclusão capilar (crises falcêmicas agudas). 
● Lesão crônica vascular + Hipercoagulabilidade = Vasculopatia macroscópica subjacente a complicações (AVE isquêmico e a hipertensão pulmonar). 
4. VASO-OCLUSÃO CAPILAR
A vaso-oclusão aguda ou crônica justifica as crises álgicas, levando à disfunção orgânica lentamente progressiva (pequenos infartos teciduais cumulativos), por 2 etapas sucessivas: 1. Adesão de hemácias ao endotélio das vênulas pós-capilares: Em geral, formas jovens de hemácia, como os reticulócitos, lentificando o fluxo sanguíneo local. 
2. Impactação e empilhamento de hemácias a montante: Inicialmente as ISC (mais viscosas e menos deformáveis) e posteriormente hemácias não afoiçadas. A estase sanguínea subsequente produz hipóxia e acidose, generalizando o afoiçamento e criando a obstrução microvascular (isquemia tecidual). A vaso-oclusão repetitiva da microvasculatura é um fator adjuvante que, junto à hemólise IV ininterrupta, produz inflamação sistêmica crônica, polimerização da HbS e disfunção endotelial.
QC
Hemólise crônica + Múltiplas disfunções orgânicas progressivas. A maioria apresenta uma evolução pontuada por crises álgicas recorrentes (crises vaso-oclusivas), que se iniciam quando os níveis de HbF (aumentados nos primeiros 6 meses de vida) começam a se reduzir, acompanhado do aumento proporcional nos níveis de HbS. Principais órgãos-alvo: 
(1) baço; (2) ossos; (3) rins; (4) cérebro; (5) pulmões; (6) pele; (7) coração. 
Crises Vaso-oclusivas: 
● Dolorosas: Mais frequentes, podendo ser esporádicas e imprevisíveis ou precipitadas por fatores como infecção, acidose, desidratação e desoxigenação (em geral, que diminuem a oxigenação sanguínea). Comumente os infartos mais dolorosos ocorrem em ossos (quadril, ombros e vértebras). Além disso, geralmente a síndrome mão-pe (dactilite dolorosa pelos infartos de pequenos ossos) é a 1a apresentação da doença, causando variações do tamanho dos dedos. 
● Viscerais: Causadas pela deformação falciforme que oclui os vasos, causando retenção de sangue nos órgãos, que comumente está associada a uma exacerbação do quadro anêmico, sendo mais quadros recidivantes e frequentes. A síndrome falcêmica torácica aguda é a causa mais comum de morte nos pacientes falcêmicos (dispneia + queda de pO² + dor torácica + infiltrados pulmonares à radiografia de tórax). Podem ocorrer também crises de “sequestro” de sangue no fígado, na bacia e no baço, que torna necessária a exsanguineotransfusão. Danos hepático e renal são complicações comuns devido a pequenos infartos repetidos. 
Crises Aplásticas: Podem ocorrer por conta de uma infecção por parvovírus ou por deficiência de folato (queda súbita de Hb e reticulócitos, que geralmente exige uma transfusão). 
Crises Hemolíticas: Podem ocorrer por aumento do ritmo de hemólise, quando há uma diminuição de Hb associada com um aumento de reticulócitos circulantes, normalmente acompanhada por crises dolorosas. 
Dano a Outros Órgãos: Pela associação das crises, sendo mais grave no cérebro, que causa AVC em 7% dos pacientes e na medula espinhal (complicações evitadas por transfusões regulares). Por isso, é normal crianças < 6 anos terem AVC. Úlceras nas extremidades das pernas são comuns e causadas por estase vascular e isquemia local. 
Outras lesões e complicações: Hipertensão pulmonar, que é detectada por ecocardiografia com doppler; Retinopatia proliferativa e priapismo; Esplenomegalia autolimitada; Lesão crônica do fígado; Cálculos vesiculares de pigmento (bilirrubina); Lesão crônica de rins, por microinfartos. A perda da capacidade de concentrar a urina agrava a desidratação do paciente, que por consequência agravam as crises.
Diagnóstico
Achados laboratoriais
Por ser crônica, a AF cursa com alterações estereotipadas condizentes com doenças: 
● (1) Queda leve a moderada da Hb e Hematócrito; ● (2) Reticulocitose (3-15%) 
● (3) VCM normal ou alto artificialmente pelos reticulócitos. 
● (4) Hiperbilirrubinemia indireta; 
● (5) Aumento de LDH; 
● (6) Queda da haptoglobina. 
● (7) Anemia normocrômica 
● (8) Leucocitose 
● (9) Trombocitose 
● (10) Elevação da proteína C reativa 
VCM alto + Hipocromia sugere ferropenia associada. 
Esfregaço de sangue periférico: (1) Hemácias irreversivelmente afoiçadas (ISC); (2) Policromasia (indicativo de reticulocitose); (3) Corpúsculos Howell-Jolly (sinal de asplenia); (4) Hemácias “em alvo” (indício genérico de hemoglobinopatia).CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA 
Eletroforese de Hb: As diferentes Hb nas hemácias são separadas num gel em função de seu peso molecular e carga elétrica. Na maioria, o “perfil de distribuição” das Hb diferencia a anemia falciforme das variantes falcêmicas. Cromatografia líquida de alta performance (HPLC) e Análise genética 
OBS:. Uma vez confirmada a anemia falciforme, deve-se solicitar uma bateria de exames específicos visando o acompanhamento evolutivo da função dos “órgãos-alvo” da AF. 
Rastreio 
Pré-natal: Nas gestações onde existe risco de HbSS no concepto, o diagnóstico pré-natal da doença é por biópsia de vilo coriônico, coletada entre 8-10 semanas de gestação e submetida à análise genética. 
Neonatal: No Brasil, todos os recém-nascidos devem realizar o teste do pezinho (2-30 dias de vida), para detectar doenças genéticas, incluindo a anemia falciforme, porque a adoção precoce de medidas preventivas pode mudar a história natural da doença, reduzindo sua morbimortalidade. Pelo sangue obtido por punção do calcanhar determina-se o fenótipo de Hb: (1) cada Hb encontrada tem uma letra; (2) a sequência de letras obedece à frequência das Hb em ordem decrescente. OBS:. Nos primeiros 6 meses de vida existe um predomínio fisiológico da HbF
Tratamento
PROGNÓSTICO
A expectativa de vida dos falcêmicos gira em torno de 42 anos para os homens e 48 anos para as mulheres (prognóstico melhorou pelo desenvolvimento de medidas mais eficazes para combater as complicações falcêmicas agudas e capazes de alterar sua história natural). Profilaxia:
Evitar fatores que causam/precipitam crises, como a desidratação, anoxia, infecções, estase da circulação e resfriamento da pele. É indicado também a adm de 5mg de ácido fólico VO por semana, vacinas contra pneumococo, haemophilus e meningococo, para controle e profilaxia de infecções e ATB (penicilina até os 5 anos de idade). 
Crises: 
● Repouso + Aquecimento + Hidratação VO ou IV + Antibióticos (infecção). 
● Analgesia (paracetamol, AINES e opiáceos). 
● Transfusão de sangue nos sintomáticos. 
● Exsanguineotrans fusão em casos de dano neurológico, crise de sequestro visceral ou dolorosas repetidas.
Hidroxicarbamida (Hydrea): Para aumentar os níveis de HbF, melhorando a evolução de crianças e adultos, indicada em casos moderados ou graves. 
Transplante de células tronco hematopoiéticas: Pode levar a cura em 80% dos casos, com mortalidade < 10%, indicado para casos mais graves. OBS: Na síndrome falcêmica torácica aguda, o tratamento é analgesia + oxigenioterapia + exsanguineotransfusão + suporte ventilatório.
		Dibe B. Ayoub

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