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LIBERDADE DE EXPRESSÃO X LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA: A INERCIA DO ESTADO NO COMBATE E PREVENÇÃO DE CRIMES DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA Resumo Esta pesquisa possuiu como objetivo principal demonstrar como se constitui a intolerância religiosa no Brasil e qual o posicionamento do Estado no combate deste crime, durante o percurso foi necessário definir a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio; apresentar casos reais de intolerância religiosa; para descobrir se o posicionamento do Estado no combate a estes crimes é eficiente. A metodologia utilizada foi a analise bibliográfica de livros, revistas e pesquisas acadêmicas realizadas ao longo dos últimos 20 anos. Levando a compreensão de que o poder público não está efetivamente protegendo as religiões não hegemônicas, contribuindo desta forma para a perpetuação da discriminação religiosa. Palavras-chave: Liberdade de Expressão, liberdade de Culto, Discurso de Ódio, Religiões Afros, Intolerância religiosa. Abstract This research had as its main objective to demonstrate how religious intolerance is constituted in Brazil and what is the position of the State in combating this crime, during the course it was necessary to define the difference between freedom of expression and hate speech; present real cases of religious intolerance; to find out if the position of the State in combating these crimes is efficient. The methodology used was the bibliographic analysis of books, journals and academic research carried out over the last 20 years. Leading to the understanding that the government is not effectively protecting non-hegemonic religions, thus contributing to the perpetuation of religious discrimination. Keywords: Freedom of Expression, Freedom of Worship, Hate Speech, Afro Religions, Religious Intolerance. Resumen Esta investigación tuvo como principal objetivo demostrar cómo se constituye la intolerancia religiosa en Brasil y cuál es la posición del Estado en el combate a este crimen, durante el curso fue necesario definir la diferencia entre libertad de expresión y discurso de odio; presentar casos reales de intolerancia religiosa; conocer si la posición del Estado en la lucha contra estos delitos es eficiente. La metodología utilizada fue el análisis bibliográfico de libros, revistas e investigaciones académicas realizadas durante los últimos 20 años. Llevando al entendimiento de que el gobierno no está protegiendo efectivamente a las religiones no hegemónicas, contribuyendo así a la perpetuación de la discriminación religiosa. Palabras-clave: Libertad de Expreción, Libertad de Culto, Dircurso del Odio, Religiones Afros, Intolerancia Religiosa. Introdução A liberdade de expressão de modo geral, acaba mostrando-se uma temática um pouco complicada de se abordar, isto porque, os limites impostos explicitamente no ordenamento jurídico brasileiro, para aclamação deste direito, são praticamente escassos, de modo que o principal limitador deste direito é a vedação do anonimato, encontrado no artigo 5º, IV da Constituição Federal de 1988 (CF/88)1. E com a falta de regulamentação especifica sobre o tema, gera-se a deturpação do direito por parte daqueles que o invocam, onde, a interpretação do dispositivo constitucional ante mencionado, utilizada de maneira radical, leva o indivíduo a crer que, se ele não está se escondendo, ele pode, falar e fazer o que entender melhor. Fortalecendo ainda mais, o principal questionamento deste trabalho, “qual o limite entre liberdade de expressão e liberdade de expressão religiosa?”, uma vez que, o direito positivado abre margem para prolação do discurso de ódio que sempre vem mascarado como liberdade de pensamento, fala e profissão de fé. O estudo da temática intolerância religiosa é de suma importância para a atualidade, pois, mesmo sendo uma questão do passado, é um fato ainda não superado, isto porque, ao se perscrutar 1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]. 2 melhor, é possível verificar o quanto avançamos historicamente na obtenção de direitos e garantias, mas, quando se trata de respeito entre cidadãos, pode-se constatar o preconceito e a discriminação que foi enraizada pelo tempo. Assim, esta pesquisa contribuirá para a ampliação do acervo de estudos sobre esta temática, que é tão pouco aprofundada, e que necessita indubitavelmente de mais atenção, uma vez que, ao se ignorar um mal, ele só tende a se repetir cada vez mais frequentemente. Desta maneira, há de se reconhecer a grande contribuição que o estudo da temática intolerância religiosa proporciona para toda sociedade, pois, somente é possível combater um mal enraizado quando se conhece melhor ele e, neste caso só é possível por meio das poucas pesquisas existentes. Portanto, com o objetivo de estudar mais sobre esta temática e contribuir com o enriquecimento do campo acadêmico é que este trabalho foi elaborado, e assim dividido em três capítulos. Destinando-se o primeiro a tratar sobre “Qual a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio”, uma vez que, um se trata de um direito e o outro trata-se de uma transgressão de direito, que são separados por uma linha extremamente tênue; O segundo capitulo será destinado a apresentação dos casos históricos de intolerância religiosa, que possuem intima ligação aos casos de intolerância e preconceito ocorridos nesta última década, posto que, um descende do outro, e são derivados de uma ineficiente evolução histórico- social, onde se demonstra, paralelamente toda falha da evolução do ordenamento jurídico em relação a defesa dos direitos sociais pessoais ligados a religião. Interligando-se, desta forma, ao terceiro capitulo, que ficará reservado a exposição das medidas adotadas pelo Estado ao decorrer do tempo para garantir a preservação da dignidade e proteção dos direitos das pessoas adeptas de religiões não hegemônicas. Assim, em suma, este capitulo buscará determinar qual é o atual posicionamento do Estado, na prática, no combate aos crimes decorrentes da intolerância religiosa. 1 – ASPECTOS QUE PERMEAIM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O DISCURSO DE ODIO E A INTOLERANCIA RELIGIOSA Atualmente, muito se fala sobre liberdade de expressão e o discurso de ódio, ainda mais agora que a comunicação é bem mais facilitada pelos diversos meios de telecomunicações, no entanto, o que viria a ser liberdade de expressão, discurso de ódio e o limite imposto entre estes? A liberdade de expressão é um direito essencial para o ser humano, pois desde o início dos primeiros agrupamentos sociais, verificava-se que o indivíduo possuía a necessidade de exteriorização de seus sentimentos, pensamentos e anseios. Tendo como princípio, a necessidade natural do homem de expressar seu posicionamento ideológico, surge a indagação fundamental desta pesquisa, o que realmente seria liberdade de expressão, e o quanto seria possível realizar a apresentação das ideias próprias diante da sociedade, sem transgredir a tênue linha que separa a liberdade de expressão do discurso de ódio. No artigo 220 da CF/882 verifica-se que o direito a livre manifestação do pensamento é garantido e, protegido contra quaisquer meios de censuras, garantido assim, ampla utilização deste direito nas esferas sociais, sem estabelecer paralelamente qualquer dispositivo limitador para o exercício deste direito. A nobre jurista Priscilla Regina da Silva defendeu que “a liberdade de expressão, na teoria, é defendida e apoiada por todos. É tida como um valor essencialmente democrático e necessário para o desenvolvimento de uma sociedade plural.[...].” (SILVA, 2017, p15.) Podendo, a partir disto, depreender em um primeiro cenário, que a liberdade de expressão é um valor necessário ao exercício da democracia, ao mesmo tempo em que ele é o alicerce que garante o desenvolvimento total da sociedade. Fato este, que por si próprio, já demonstra a imprescindibilidade deste direito. 2 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 3 O caso é que, quanto mais poder se concentra na mão de um rei, maior é a tendencia deste exagerar no exercício do próprio poder e acabar tornando-se injusto, fazendo desta forma com que seus súditos sofram grandes infortúnios. Do mesmo modo, é o exercício arbitrário do direito à liberdade de expressão, este, quando não dosado corretamente, torna-se uma arma contundente e perigosa, dando origem ao famigerado, mas tão pouco delineado, discurso de ódio. O discurso de ódio em si é o uso exacerbado, ou seja, descontrolado do direito à liberdade de expressão, possuindo como objetivo a incitação do ódio, do preconceito, da discriminação entre outras condutas reprováveis do ser humano, por conta de raça, cor, etnia, orientação sexual e religião, sendo este, o motivo da liberdade de expressão e do discurso de ódio estarem intimamente interligados, sendo, portanto, impossível tratar de um, sem abordar o outro. Pode-se extrair como definição de discurso de ódio o seguinte: “O conceito de discurso de ódio que mais é adotado pela doutrina é o defendido por Michel Rosenfeld, que define como sendo o discurso – fala ou símbolo – proferido para promover o ódio baseado na raça, religião, etnia, ou nacionalidade (Rosenfeld, 2001, p. 2). O conceito, apesar de ser bastante plural, pode ser questionado atualmente quanto sua abrangência em casos de discurso baseado na deficiência, orientação sexual ou gênero, por exemplo. A partir disso, compreende-se que a abordagem será sempre regional ou nacional, a depender das políticas e do contexto social local. De qualquer maneira, para o interesse deste trabalho, a discriminação contra religião é geralmente enquadrada no conceito.” (Silva, 2017, p. 31) Corroborando a visão técnica exposta por Leticia Rodrigues Ferreira Netto: “O Discurso de Ódio é uma forma de pensamento, fala e posicionamento social que incita à violência contra diferentes grupos da sociedade. Pode ser verbalizado ou escrito e sua intenção é discriminar as pessoas devido a suas diferenças, sejam estas raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, deficiências, classe etc. O Discurso de Ódio tem por base o ódio em si ao diferente e todos os preconceitos e prejuízos que decorrem desse sentimento. É considerado crime no Brasil e também um atentado aos Direitos Humanos.” (NETTO, Leticia Rodrigues Ferreira. DISCURSO DE ÓDIO. / Disponível em: https://www.infoescola.com/sociologia/discurso-de-odio/. Acesso em 08 de abr. 2021) Portanto, é possível verificar que um trata-se do direito básico do ser humano de se expressar, enquanto o outro é o uso incorreto deste direito com o único intuito de impor uma visão sobre as demais, incitando desta forma o repúdio e a intolerância contra uma minoria por puro preconceito e/ou discriminação. Esta realidade, acaba se agravando ainda mais quando o discurso de ódio é proferido por uma pessoa socialmente influente, uma vez que o impacto causado por este posicionamento exteriorizado é gigantesco. Assim é possível verificar ao longo da história, as grandes tragédias, como o holocausto na Alemanha Nazista, se iniciaram com uma simples fala, discurso ou manifestação de ideologias. Silva, em seu trabalho enfatizou esta questão, aludindo o seguinte: “A delicadeza do tema é observada em razão do potencial destrutivo dos discursos de ódio contrarreligiosos para uma sociedade. Dentre os exemplos mais emblemáticos e extremos está, indubitavelmente, o da Alemanha Nazista, quando foi adotado um discurso de supremacia ariana e de inferiorização do povo judaico, resultando no Holocausto. Ainda que o contexto Nazista esteja mais atrelado ao fundamento da raça, o judaísmo (como religião) enfrentou o impacto por anos, marcado por estereótipos de ódio.” (SILVA, 2017, p18). A realidade envolvendo liberdade de expressão, liberdade de culto, e os limites necessário a estes direitos, é bem mais complexa do que possa parecer, isto porque, quando se trata do exercício regular do direito acima mencionado, voltado especificamente para a esfera religiosa, indubitavelmente, as pessoas se prendem em um sentimento exagerado de devoção e por vezes acaba sobressaindo o bom senso, levando desta maneira a prolação do discurso de ódio. Pois, “quando tais manifestações giram em torno do tema religião, referida liberdade pode resultar, algumas vezes, em demonstrações preconceituosas e discriminatórias, e o direito fundamental à liberdade religiosa passa a ser atingido.” (Feldens, Priscila Formigheri; Tonet, Fernando, 2013, p.128). 4 O direito à liberdade religiosa é consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em seu artigo 183, e pela CF/88 em seu artigo 5, VI4, logo, sua destinação é a todo ser humano, ou seja, não se trata de um privilégio da maioria política, mas sim, de um direito natural positivado “erga omnes”5. Então, é possível compreender que quaisquer métodos utilizados para desestimular, reprimir, e pejorar uma pratica religiosa, seja ela qual for, caracteriza-se como uma conduta ilícita, passível de reparação, uma vez que, o direito de crença perante a CF/88 é inviolável. Deste modo, a liberdade de expressão, quando utilizada de maneira irregular, da origem ao discurso de ódio, que por sua vez, incita a intolerância religiosa, dado seu cunho preconceituoso e discriminatório. No território brasileiro, as maiores vítimas dos discursos de ódio religioso são as religiões de matriz africana, isto pois, a intolerância empregada contra as práticas ritualísticas destas crenças se consolidara desde a colonização europeia no Brasil e se arrastara até os dias atuais. Priscilla Regina da Silva já elucidou em sua obra “Contrarreligião” que “liberdade religiosa, expressão de ódio e ofensas muitas vezes se sobrepõe de maneira complicada e essas tensões inter, intra e contrarreligiosas muitas vezes resultam em um discurso de ódio baseado na fé ou consciência.” (SILVA, 2017. p 19, 20). Tornando necessário neste momento, para análise crítica do caso, a compreensão do termo intolerância religiosa e os aspectos intrínsecos e extrínsecos que a circunda. “Intolerância religiosa: consiste no preconceito motivado pela religião. Crenças religiosas tradicionais e dogmáticas tendem a defender o ponto de vista de suas leis e códigos como universais. Quando pessoas e instituições passam a atacar membros de outras religiões, isso se torna uma forma de preconceito. No Brasil, a intolerância religiosa está fortemente ligada ao racismo por atacar, principalmente, pessoas que professam a fé em religiões de matriz africana.” (PORFíRIO, Francisco. "O que é preconceito?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/o-que-e-sociologia/o-que-e-preconceito.htm. Acesso em 09 abr. 2021) Nessa mesma linha de raciocínio, está o Doutor em Semiótica e Linguística Geral, Sidnei Nogueira, quando afirma o seguinte: “O preconceito, a discriminação, a intolerância e, no caso das tradições culturais e religiosas de origem africana, o racismo se caracterizam pelas formas de julgamentos que estigmatizam um grupo e exaltam outro, valorizam e conferem prestígio hegemonia a um determinado “eu” em detrimento de “outrem”, sustentados pela ignorância, pelo moralismo, pelo conservadorismo e, atualmente pelo poder político – os quais culminam em ações prejudiciais e até certo ponto criminosascontra um grupo de pessoas com crença considerada não hegemônica.” (Nogueira, 2020, p.35) Como aspecto intrínseco da intolerância religiosa observa-se o preconceito, a discriminação e/ou a alienação causada nos fiéis por meio de discursos proselitistas, ou seja, são os sentimentos internos de receio e aversão para com uma crença alheia a que o agente intolerante professa, e, como aspecto extrínseco, encontra-se o efeito gerado pela conduta delituosa, portanto, o dano causado a vítima, seja ele físico, moral ou patrimonial. Neste diapasão, é possível compreender que a intolerância religiosa é uma conduta delituosa condenável tanto socialmente quanto juridicamente, mas, que mesmo assim, está presente 3 Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos 4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...]. 5 Aquilo que tem efeito, ou vale, para todos (diz-se de ato jurídico). 5 diariamente na sociedade como se fosse algo comum, sendo mascarada pela falsa ideia de liberdade de expressão, mas na verdade, já transgrediu a esfera da opinião, e transformou-se em um discurso de ódio em potencial. 2 – A INTOLERANCIA RELIGIOSA NA ATUALIDADE: CASOS E FATOS MOTIVADORES Os casos de intolerância religiosa que mais ocorrem atualmente, são os dos adeptos neopentecostais e pentecostais, contra os praticantes das religiões de matriz africana, seja ela, afro- brasileira (umbanda) ou propriamente afro-descente (candomblé), situações estas, onde os ataques se concretizam por conta do preconceito e do sentimento de ódio disseminado outrora, por meio de discursos com caráter proselitista, realizado por líderes religiosos das religiões hegemônicas. Dentre os vários casos de discursos já proferidos por líderes nacionalmente conhecidos, é possível ressaltar a fala do Bispo Edir Macedo, exposta por Nogueira em sua obra, onde o emblemático líder religioso aduz que, o motivo do país ser pouco desenvolvido, se deve à falta de combate as práticas das religiões não hegemônicas. Se o povo Brasileiro tivesse os olhos bem abertos contra a feitiçaria, a bruxaria, e a magia, oficializada pela umbanda, quimbanda, candomblé, kardecismo e outros nomes, que vivem destruindo as vidas e os lares, certamente seríamos um país bem mais desenvolvido. (MACEDO, 2002, p. 62 apud Nogueira, 2020, p. 66 e 67) Sendo visível, neste exemplo, a intenção de estigmatizar e denegrir a religião alheia, além de induzir o sentimento de aversão/ódio no público alvo, criando cada vez mais desestabilizações na sociedade, levando assim a concretização de atos mais reprováveis entre povos, como por exemplo, crimes contra as pessoas, agressões físicas e verbais, depredação de bens públicos e de bem/propriedades privadas. Dos casos mais repercutidos nacionalmente encontra-se o da líder espiritual Gildasia dos Santos e Santos, mais conhecida como Mãe Gilda de Ogum, seu caso denominado Caso Mãe Gilda, ocorreu no ano de 2000, e serviu posteriormente como alicerce para a criação da lei 11.635/07. Conforme publicado pela Fundação Cultural Palmares. Com a saúde fragilizada em decorrência de agressões morais ocasionadas por intolerância religiosa, Mãe Gilda faleceu em 21 de janeiro de 2000, deixando seu legado com sua filha Jaciara Ribeiro dos Santos, que moveu uma ação contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), por danos morais e uso indevido da imagem. Como forma de reconhecimento, o Governo Federal, instituiu, no ano de 2007, o 21 de janeiro como o Dia de luta contra a intolerância religiosa. Data em que pessoas de diferentes credos, raças, etnias, sexo celebram mais um passo a favor da dignidade humana para compartilhar caminhos que possibilitem o enfrentamento à: a intolerância religiosa. (SILVA, Juliana, “Personalidade Negras – Mãe Gilda”; Fundação Cultural Palmares; Disponível em http://www.palmares.gov.br/?p=34790 Acesso em 26 de abr. de 2021 No supracitado Caso Mãe Gilda, ocorreu que em 1.999, o jornal Folha Universal, que é vinculado a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), publicou uma manchete intitulada “macumbeiros charlatões lesão bolso e vida dos clientes”, com a foto da ialorixá anexada junto a matéria onde se afirmava o crescimento do “Mercado da enganação” no país. (NASCIMENTO, 2020) Quanto custa a intolerância? Para a ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, custou a vida. Seus problemas de saúde se agravaram em decorrência dos ataques de ódio e agressões verbais e físicas que sofreu de seguidores da Assembleia de Deus dentro de seu próprio terreiro, em Itapuã. (NASCIMENTO, Vinicius. “Mãe Gilda: vida e morte de luta e resistência contra a intolerância religiosa”; Correio*; disponível em https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mae-gilda-vida-e-morte-de-luta-e- resistencia-contra-a-intolerancia-religiosa/ Acesso em 26 de abr. de 2021 Segundo reportagens realizadas pelo G1 da Bahia em 28 de novembro de 2016, os números de casos registrados de intolerância religiosa no Estado baiano cresceram expressivamente, mais que duplicando em relação ao mesmo período do ano de 2015. “O número de casos de intolerância religiosa registrados em 2016 na Bahia pelo Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação (GEDHDIS), do Ministério Público 6 Estadual (MPE-BA), aumentou 300% em relação ao ano anterior. Segundo o MPE-BA, foram computados 13 casos em 2015, enquanto neste ano já foram registrados 56 casos.” (G1/BA; “Busto de Mãe Gilda é reinaugurado após ser alvo de vandalismo”; disponível em http://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/11/busto-de-mae-gilda-e-reinaugurado-apos-ser- alvo-de-vandalismo.html. Acesso em 26 de abr. de 2021) Do mesmo modo, ocorre um cenário crítico no Estado do Rio de Janeiro, onde a discriminação e agressões por intolerância religiosa se acentuou perceptivelmente no decorrer dos anos, conforme verifica-se por meio dos dados arguidos por Nogueira em seu estudo. “O livro presença do axé: mapeando terreiros no Rio de Janeiro, organizado pelas pesquisadoras Denise Pini Rosalem da Fonseca e Sonia Maria Giacomini (2013), revela o dramático problema enfrentado pelos fiéis das religiões afro-brasileiras: de 840 terreiros pesquisados, 430 (cerca de 51%) já passaram por alguma forma de agressão. Os números de estudos realizado no Rio de Janeiro revelam que 430 casas sofreram alguma “discriminação religiosa”. É importante notar também os locais das agressões – públicos (57%) e notadamente na rua (67%) –, os tipos de agressão – verbal (70%) e física (21%) -, os agressores – evangélicos (39%); vizinhos (27%) – e os tipos de alvo – a pessoa (60%) e a casa (29%).” (Nogueira, 2020, p. 68 e 69). Assim, ao se analisar a forma como se concretizam as agressões contra os cultos religiosos não hegemônicos e os discursos proferidos pelos agressores em desfavor destes, é inquestionável que este ato criminoso, possui como alicerce motivacional, o preconceito e a aversão da religião alheia decorrente de manipulações dogmáticas e psicológicas implantadas inconscientemente por discursos religiosos proselitistas, que possuem como principal objetivo manter os fiéis presos a uma única religião e converter outras pessoas para determinada religião. Neste sentido, Nogueiraesclarece que: “A incitação à intolerância, sobretudo em relação as matrizes africanas, parte de discursos proferidos por pastores, padres, e até autoridades políticas. Tudo em nome de uma agenda moral transformada em uma crença que se resume ao desejo de se encontrar uma solução rápida e mítica – no mau sentido da palavra – para os problemas de segurança pública, em busca de uma educação de qualidade, da manutenção de valores da suposta família tradicional e de uma política anticorrupção.” (Nogueira, 2020, p. 66). De acordo com uma matéria publicada pela revista Veja, em 12 de novembro de 2017, no brasil há uma estimativa de, 1 registro de crime de intolerância religiosa a cada 15 horas, dados estes levantados pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH), onde se identifica como principais ofendidos as religiões de matriz africana, com 39% das denúncias6. Neste mesmo sentido, outras informações importantes que compõe esta notícia são: “Segundo levantamento da pasta, o Disque 100, canal que reúne denúncias, recebeu 1.486 relatos de discriminação religiosa no período, de xingamentos a medidas de órgãos públicos que violam a liberdade religiosa. “E sempre há mais casos do que os relatados”, explica Fabiano de Souza Lima, coordenador-geral do Disque 100. “A subnotificação é alta, considerando o cenário nacional”, diz. “Algumas pessoas não querem se envolver e preferem permanecer no anonimato a denunciar.” Só neste ano foram registrados 169 casos: 35 em São Paulo, 33 no Rio e 14 em Minas, Estados com maior número de ocorrências informadas. Comparado ao mesmo período de 2016, haveria recuo de 55%, mas Lima explica que a oscilação de denúncias não reflete a realidade. “Quando você vir um número maior em um ano, é certo que houve divulgação do problema, por meio de campanhas.” Um exemplo, diz, é que em 2016, ano da campanha nacional Filhos do Brasil, houve registro recorde de 759 casos.” Já em 2018, o Correio Braziliense publicou a informação de que em seis meses, o Brasil teve mais de 200 casos de intolerância religiosa, diferente do ano anterior onde no mesmo período registrou-se uma taxa de 255 casos dentro do mesmo período, situação na qual aparentemente 6 Brasil tem uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas Dados do Ministério dos Direitos Humanos mostram que a maioria das vítimas é de religiões de origem africana, com 39% das denúncias. Por Estadão Conteúdo Atualizado em 13 nov 2017, 09h40 - Publicado em 12 nov 2017, 08h33 Leia mais em: https://veja.abril.com.br/brasil/brasil-tem-uma-denuncia-de-intolerancia-religiosa-a-cada-15-horas/ 7 houve uma queda nos índices, entretanto, estima-se que os números são bem mais expressivos do que os registrados, isto porque a taxa de subnotificação ainda é altíssima.7 Ingrid soares do Correio Braziliense expôs os seguintes dados juntamente ao caso de intolerância religiosa vivenciado pela Yalorixá Adna Santos, mais conhecida como mãe Baiana: Em comparação com 2017, em que ocorreram 255 casos no mesmo período, as ocorrências diminuíram. No entanto, os números podem ser ainda maiores, pois a taxa de subnotificação é alta. Entre as religiões que mais sofrem discriminação, está a umbanda, com 34 denúncias; o candomblé, com 20; e a evangélica, com 16 casos. O Distrito Federal aparece com apenas uma denúncia. Porém, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social do DF registra nove ocorrências de discriminação religiosa, de janeiro a setembro. No mesmo período do ano passado, foram oito casos. A pesquisa do MDH também traçou o perfil dos agressores. A maioria das ações de intolerância é praticada por mulheres. Elas também encabeçam a lista das vítimas; são 45,18%, contra 37,35% dos homens. Adna Santos, 56 anos, mais conhecida como Mãe Baiana, sentiu na pele a discriminação contra o candomblé, religião à qual pertence. Chefe da Divisão de Proteção de Patrimônio da Casa Palmares, ela possui um terreiro no Lago Norte, na divisa com o Paranoá. Em novembro de 2015, o Ylê Axé Oyá Bagan foi incendiado e vários santos e instrumentos religiosos foram queimados ou destruídos. Um laudo da polícia apontou curto-circuito, conclusão contestada por membros da comunidade. No mesmo ano, foram registrados mais de 10 ataques a terreiros no DF. Houve também uma recente situação envolvendo a Assembleia de Deus (pentecostal) e um grupo indígena (truká) na cidade de Cabrobó, sertão pernambucano, onde, os indígenas impediram a construção de um templo religioso assembleiano, logo após um pronunciamento infeliz do líder religioso Jabson Avelino. Tal confusão ocorreu em abril de 2021, mês em que um vídeo gravado pelo referido líder espiritual possuía em seu teor falas que ironizava e denegria as tradições culturais e religiosas daqueles povos, pronunciando o seguinte “Orem pelos nossos irmãos índios. Estamos precisando, novamente, do socorro de Deus.”.8 Quando o pastor da Assembleia de Deus ressalta a palavra “novamente” em seu discurso, é possível associar aos casos mais antigos de intolerância religiosa ocorridos no Brasil, que foi a catequização forçada dos povos indígenas pelos Jesuítas, que vieram para o território nacional em 1549, com a única missão de catequizar estes povos, ou seja, converte-los ao cristianismo, já que suas crenças eram consideradas pagãs e inaceitáveis perante a igreja católica.9 7 Em seis meses, Brasil teve mais de 200 casos de intolerância religiosa Apesar de a Constituição Federal garantir o respeito à liberdade religiosa, agressões a pessoas ou locais de culto continuam ocorrendo em todo o país 8 Reportagem de Victor Lacerda, do portal Alma Preta fundado em 27 de Abril de 2015, em Bauru, interior de São Paulo, com a proposta de cobrir a realidade brasileira a partir das perspectivas de raça, classe, gênero e sexualidade. O portal também tem o objetivo de construir uma identidade negra positiva. Redação por Pragmatismo Político: Após deboche de pastor, indígenas derrubam construção da Assembleia de Deus No Sertão de PE, indígenas do Povo Truká derrubam construção ilegal de templo evangélico. Ação aconteceu após líder da Assembleia de Deus debochar dos costumes da população tradicional (disponível em https://www.pragmatismopolitico.com.br/2021/04/deboche-pastor-indigenas-derrubam-assembleia-de-deus.html acesso em 29 de abr. de 2021) 9Durante a colonização do Brasil pelos portugueses, uma ordem religiosa cumpriu um papel de destaque na organização social da colônia: a Companhia de Jesus, ou simplesmente os jesuítas, como eram comumente conhecidos. Os jesuítas liderados por Manoel da Nóbrega chegaram à colônia Brasil em 1549, junto a Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral enviado por Portugal. A principal função dos jesuítas, ao virem ao Brasil, era evangelizar, catequizar e tornar cristãos os indígenas que habitavam estas terras. As missões serviram também para que os jesuítas mudassem os hábitos dos indígenas. O interesse era que eles passassem a viver de acordo com a cultura europeia: que as famílias fossem nucleares (pai, mãe e filhos do casal), que 8 Atualmente, pode afirmar que as marcas do passado, de um Brasil não laico, ainda interferem fortemente na sociedade, principalmente quando se fala na aceitação das crenças não hegemônicas, ou quando tais crenças descende diretamente dos povos escravizados neste território. Sendo observado também no proselitismo de conversão religiosa, a falta do progresso histórico-social, pois embora de modos diferentes, continua-se repetindo os mesmos erros, e insistindo incansavelmente em condutas preconceituosas e na maior parte das vezes racistas 3 – O DIREITO A LIBERDADE RELIGIOSA NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO A laicidade do Estado brasileiro é de conhecimento popular, no entanto, pouco é falado, divulgado e ensinado sobre esta importante característica/garantia constitucional. De modo que, esta faltade conhecimento sobre os aspectos que envolvem a laicidade estatal, só contribui ainda mais para perpetuação da ignorância social do ser humano. O Brasil, desde a sua colonização enfrenta constantes problemas sociais relativos à raça, cor, sexo, sexualidade, classe social e principalmente religiosidade. Neste aspecto, muito se discute no ramo das ciências sociais como por exemplo a filosofia, sociologia, a história e a antropologia, sobre o quão significativo foram os avanços nos direitos e deveres dos cidadãos brasileiros desde a chegada dos portugueses neste solo. Assim, para seguir a sequência cronológica destes direitos e garantias, é preciso relembrar o cenário trágico que foi o período da escravização do povo negro e indígena na história nacional, que assola e gera consequências até os dias de hoje. Como dito alhures, o princípio da intolerância religiosa se deu com a chegada dos portugueses, que desde o início, trouxeram as “companhias de Jesus” em 1549, para catequizarem os povos nativos deste país, e fazerem com que estes abdicassem suas culturas e crenças religiosas e filosóficas. Posteriormente, com a chegada dos povos escravizados, houve também a imposição da crença cristã sobre estes, que deveriam de qualquer modo negar suas origens e se submeterem aos mandos do império. Caso contrário, sofreriam as consequências sendo elas, tortura e morte. Tal condição perdurou abertamente para a sociedade colonial até o ano de 1889, quando o Brasil deixou de ser um Estado confessional para tornar-se um Estado laico, ressaltando-se oportunamente que inexiste relação direta entre laicidade estatal e a proclamação da república. A proclamação da república, no ano de 1889, foi decisiva para a mudança de tratamento, pelo Estado, à questão religiosa. O Decreto 119-A de 1890, redigido por Ruy Barbosa, tratou de transformar o sistema de relação entre religião e Estado, separando ambas instituições. Por conta do decreto, o Brasil deixou de ser um Estado confessional, tornando- se um Estado Laico, antes da primeira Constituição Republicana, ainda que a relação entre laicidade estatal e a proclamação da República não tenham necessariamente uma relação direta, uma vez que os manifestos republicanos levantavam as mais diversas bandeiras. Quanto a redação da constituição de 1891, a liberdade religiosa passou a ser assegurada a todos os indivíduos e confissões, que poderiam exercer livremente seu culto (Sabain 2010, p. 88-89; Leite, 2014, p. 180 e 185; apud Silva, 2017, p. 25). Após a constituição de 1891 que ratificou a laicidade da República Federativa Brasileira (RFB), houve como marco principal para o direito à liberdade religiosa a assinatura da DUDH em eles se fixassem em um local (grande parte das tribos indígenas era seminômade, vivendo em constante deslocamento) e passassem a adotar os ritmos e as disciplinas de trabalho que impunham os europeus. Esse processo ficou também conhecido como aculturação. (Disponível em: https://escolakids.uol.com.br/historia/jesuitas-no-brasil- colonia.htm. Acesso em 29 de abr. de 2021) 9 1948.10, que reafirmava o direito do homem de escolher qual sua religião além de professa-la da melhor forma que lhe aprouvesse. A partir deste marco as religiões existentes no Brasil e seus adeptos estavam positivamente assegurados pela DUDH e pela Constituição federal podendo assim exercer plena capacidade de seus direitos a liberdade religiosa e liberdade de expressão religiosa sem a interferência do Estado. Contudo, ao garantir-se a liberdade de expressão e o exercício religioso sem determinar paralelamente efetivos dispositivos regulamentadores para utilização destes direitos, as pessoas que antes eram oprimidas pelo Estado confessional, passaram a ser oprimidas pela religião que se tornou independente do Estado. Ou seja, a lei se adequou a realidade social, mas não estava preparada para a reviravolta que haveria. Pois quando o Estado deixou de ser o escancaradamente o opressor, a igreja católica, e as religiões que foram se tornando hegemônicas, automaticamente, assumiram este papel, uma vez que a separação entre igreja/Estado conferiu mais autonomia a esta instituição religiosa, tornando-a um potencial risco para as minorias. Levando paralelamente em consideração que os ideais filosóficos da sociedade não foram condicionados a aceitar drástica mudança na confissão religiosa da república, e no fato de que já não se existia mais diferença racial que fundamentasse a escravidão para proibir as crenças e ideais dos povos negros, tornara-se possível verificar o crescimento do preconceito, da discriminação e do racismo que existiam na época do Brasil colônia. Sentimentos estes que se perpetuaram até os dias atuais e se mascararam sob um falso argumento de liberdade de expressão, conferindo aos discursos racistas, discriminatórios e preconceituosos atuais, muitas vezes, a característica de discurso protegido por tal direito, entretanto, é possível constatar que em seu âmago existe a pura intenção de escarnecer e estigmatizar o diferente. Após todas as lutas e conquistas dos povos brasileiros surgiu a CF/88 que trouxe em seu bojo um rol extenso de direitos e deveres, sendo mais conhecidos como garantias constitucionais, e por óbvio, estas, possuem inestimável importância para os cidadãos e para as lutas sociais, mas que novamente falhou em atender as demandas referente ao limite da liberdade de expressão. Quando a constituição completava 11 anos de promulgação (1999), ocorreu o mais emblemático dos casos de intolerância religiosa, o caso mãe Gilda, que já fora citado anteriormente e que fundamentou a criação da lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, para instituir o dia 21 de janeiro como dia nacional ao combate à intolerância religiosa. Na seção das Personalidades Negras – Mãe Gilda do site da Fundação Cultural Palmares, há uma colocação muito encantadora, mas utópica a respeito desta lei e deste dia, sendo ela: “Como forma de reconhecimento, o Governo Federal, instituiu, no ano de 2007, o 21 de janeiro como o Dia de luta contra a intolerância religiosa. Data em que pessoas de 10 Ao longo da história do Brasil, tivemos sete Constituições, sendo a primeira delas a Constituição de 1824 – também chamada de Constituição Imperial. Essa Constituição já garantia a liberdade religiosa e a proibição de perseguição por motivos religiosos, apesar de estabelecer algumas restrições para os cultos que não fossem da religião oficial do Estado, pois naquela época o Brasil não era um país laico. Isso significa que a Igreja exercia influência nos assuntos do Estado, pois essas duas instituições não eram separadas. A religião oficial do Brasil era o Catolicismo e, apesar de haver liberdade religiosa, as religiões não oficiais deveriam realizar seus cultos apenas em lugares especificamente destinados a isso. O Estado passa a ser laico no Brasil com a promulgação da Constituição de 1891, mas o direito à liberdade religiosa continuou a ser assegurado em todas as Constituições seguintes. Um marco importante para o Brasil no que diz respeito à liberdade religiosa é a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1948, que prevê em seu artigo 18 a garantia desse direito fundamental. (KACHAN, Felipe; CARVALHO, Talita de; FIGUEIREDO, Danniel; “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” ARTIGOQUINTO; https://www.politize.com.br/artigo-5/liberdade- religiosa/#:~:text=Um%20marco%20importante%20para%20o,a%20garantia%20desse%20direito%20fundamental.) 10 diferentes credos, raças, etnias, sexo celebram mais um passo a favor da dignidade humana para compartilhar caminhos que possibilitem o enfrentamento à: a intolerância religiosa.”Utópica por que? Simplesmente pelo fato de que na prática não é um dia lembrado, não se encontram propagandas e conscientizações sobre este delito, e principalmente, com a quantidade crescente dos índices de agressões, e ataques as Comunidades Tradicionais de Terreiros (CTT), já expostas anteriormente, verifica-se que tal lei ainda não alcançou e não está perto de atingir seu objetivo máximo. Ocorre que, com a quantidade escassa de legislação sobre este tema, é deveras inquestionável que o Estado, na condição do poder legislativo, fechou os olhos para esta realidade, e nada buscou fazer efetivamente para aplacar estes crimes, deixando claramente toda parte complexa ao poder Judiciário, que possui a necessidade de julgar as demandas sem uma legislação concisa como base. Assim, sem a efetiva criação de normas regulamentadoras de direito e/ou legislação especial sobre esta temática, foi atribuído ao judiciário o dever de tratar as resoluções destes litígios, por meio da sua função atípica. Um exemplo de julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi a análise do proselitismo em rádios, que buscava constatar se a utilização do discurso proselitista era considerado violação do direito à liberdade de expressão, ou se seu uso era totalmente possível e protegido legalmente. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI N. 9.612/98. RÁDIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. PROBIÇÃO DO PROSELITISMO. INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA. 1. A liberdade de expressão representa tanto o direito de não ser arbitrariamente privado ou impedido de manifestar seu próprio pensamento quanto o direito coletivo de receber informações e de conhecer a expressão do pensamento alheio. 2. Por ser um instrumento para a garantia de outros direitos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a primazia da liberdade de expressão. 3. A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. Precedentes. 4. A liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso do argumentos críticos. Consenso e debate público informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações. 5. O artigo 220 da Constituição Federal expressamente consagra a liberdade de expressão sob qualquer forma, processo ou veículo, hipótese que inclui o serviço de radiodifusão comunitária. 6. Viola a Constituição Federal a proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de radiodifusão comunitária. 7. Ação direta julgada procedente. (ADI 2566, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 22-10-2018 PUBLIC 23-10-2018) E como verifica-se, foi decidido que o proselitismo não pode ser considerado ilegal pois este é intrínseco ao direito de liberdade religiosa, possuindo, por conseguinte, a livre capacidade de buscar atrair novos adeptos a sua religião, entretanto, tal discurso não é permitido indiscriminadamente, conforme ressaltado no primeiro capitulo desta pesquisa existe limites, sendo nele vedado o emprego do “hate speech”: “Manifestações de pensamento que ofendam, ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com base na raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou outras características próprias. (...) No direito norte- americano, prevalece o entendimento de que até o discurso de ódio (hate speech) inclui-se no âmbito de proteção da liberdade de expressão”. (BERNARDES) 11 Já a visão de que o discurso de ódio é abarcado pelo direito à liberdade de expressão, é contraposto pela ADI 2566, dada sua imprevisão constitucional e sua incongruência ante os objetivos alicerces da CF/88 de criação de um país sem distinção e preconceitos11. “ADI 2566: A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/3/2018” Portanto, nota-se, teoricamente, a proteção dos direitos de liberdade de expressão, de liberdade religiosa e de culto. O primeiro possui mais matérias explicativas e ordenamentos favoráveis que o segundo, mas em tese, já demonstram que ambos possuem a proteção do Estado. Considerações Finais O preconceito, a discriminação e a intolerância religiosa no Brasil em si, são obstáculos presentes desde a colonização europeia, e que devido a falta do preparamento social para aceitação das diferenças filosóficas e etnológicas dentre outras, contribuíram significativamente para sua não resolução no tempo. Fazendo com que atualmente a sociedade tenha que conviver rotineiramente com inúmeros casos de atentados inter, intra e contrarreligiosos. A problemática da liberdade de expressão aliada e da expressão religiosa encontra-se na falta de regulamentação destes dois direitos, e principalmente no delineamento do que é discurso de ódio, fatos que acabam contribuindo gradativamente para a perpetuação da conduta delitiva conhecida como intolerância religiosa. Em suma, percebe-se a demasiada importância do direito a liberdade de expressão para evitar que a sociedade continue vivendo em um sistema absolutista, autocrático infindável. No entanto, este direito não pode ser taxado como absoluto, existindo assim parâmetros para sua utilização. Quando se fala de discurso religioso proselitista, este é um ato inerente á profissão da fé, não podendo ser impedido, desde que em sua essência não esteja atrelada a incitação do ódio, preconceito ou discriminação, situação que atualmente ocorre com muita frequência. Deste modo, vislumbra-se por meio da pesquisa ora realizada, que o problema em si não é o discurso proselitista que visa a capitação de novos fiéis, mas sim a forma com que este é prolatado. Assim, os pronunciamentos feitos por líderes religiosos não possuem problema algum quando focados a exaltação de sua fé, demonstrando que a mesma é idônea e benéfica aos frequentadores, entretanto, quando estes incluem falas com intuito de denegrir, estigmatizar e demonizar a crença alheia estão ultrapassando seus direitos e incitando a intolerância religiosa. Conduta esta que passa a ser reprimida teoricamente pelo Estado em seu ordenamento jurídico, pois a laicidade estatal envolve a garantia da livre exortação da fé e o dever de proteger aqueles que possuem tal direito cerceado ou até mesmo minimizado. Na aplicação prática do ordenamento jurídico constata-se claramente a falta de preparo dos três poderes do Estado, em primeiro lugar é a ineficácia da legislação criada pelo parlamento, em segundo o déficit do poder administrativo no ato de se fazer cumprir as poucas disposições normativas existentes, levando a “inercia” do poder judiciário no julgamento e prolação da pena, uma vez que este, não consegue se posicionar efetivamente por conta do descaso e despreparo do outros dois poderes. Referências BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves.Direito Constitucional. Tomo II. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 128. 11Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de1988. Brasília/DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 07 de abr. 2020. DUDH. Declaração Universal dos Direitos Humanos. / Disponível em https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/declaracao-universal-dudh/cartilha-dudh-e- ods.pdf. / Acesso em 09 de abr. 2021. FELDENS, P. F.; TONET, F. 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