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Introdução ao Direito de Família

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Introdução ao Direito de Família 
 
Objetivos de aprendizagem 
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: 
 Reconhecer a importância constitucional conferida à família. 
 Analisar os princípios de Direito de Família. 
 Avaliar o entendimento da Suprema Corte sobre o alcance do conceito de família. 
 
Introdução 
O Direito de Família é um dos ramos do Direito Privado que tem uma das mais importantes 
influências dos valores constitucionais positivados na Carta Magna de 1988, a partir das 
transformações sociais reconhecidas pelo Direito, no final do século XX e início do século XXI. 
Essa matéria é composta pela regulação das relações familiares e pelos princípios que regem 
uniões, adoções, parentescos, alimentos e outros assuntos relacionados a esse importante 
núcleo social. 
Neste capítulo, você vai ler sobre a evolução histórica do conceito de família, estudar o 
tratamento constitucional conferido a esse elemento e identificar os princípios norteadores 
desse ramo do Direito, além de compreender como a Suprema Corte vem interpretando o 
alcance do núcleo familiar. 
 
 
Importância constitucional da família 
O Direito de Família é o ramo do Direito Privado responsável pela regulação das relações que 
envolvem laços familiares, ou seja, a união existente por laços sanguíneos e afetivos entre 
pessoas que compõem uma unidade familiar. Segundo Rizzardo (2005), trata-se do ramo de 
maior incidência prática ou aplicabilidade, pois, de uma forma ou de outra, todos procedemos 
de uma família e vivemos quase sempre em um conjunto familiar. 
Segundo o autor, ao falarmos de família, entramos em um vastíssimo campo de incidência de 
situações sem norma específica e que se tornam complexas relações interindividuais, 
envolvendo questões éticas, morais e econômicas entre deveres recíprocos de fidelidade e 
subsistência. 
Nesse sentido, lembra Gonçalves (2003) que, em nosso ordenamento jurídico, o Direito de 
Família divide-se em quatro partes: 
 o Direito Pessoal; 
 o Direito Patrimonial; 
 a união estável; 
 a tutela e curatela. 
 
Conforme Rizzardo (2005), ao refletirmos sobre o Direito de Família, consideramos ser esse um 
conjunto de normas e princípios que disciplinam e regulam o conjunto familiar. Nele, está 
integrada a união estável entre duas pessoas de sexo diferente, considerado pelo autor o 
conceito da mais pura e tradicional ideia das décadas passadas e que passou a ser identificado 
como a forma de disciplinar o convívio de vários parentes (mães e filhos, pais e filhos, avós e 
netos, entre outros) como depreende-se do art. 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal 
(RIZZARDO, 2005). 
O conceito das décadas passadas referido por Rizzardo (2005) remonta à ideia clássica 
demonstrada por Pontes de Miranda (1947), em que o Direito de Família estuda e regra as 
relações do círculo familiar e as relações do par andrógino, decorrendo o conceito de família do 
conceito romano de conjunto de coisas patrimoniais e pessoas vinculadas a um senhor pater 
familias (MIRANDA, 1947). O pater familias unia as pessoas e coisas sob o parentesco civil ou 
 
agnatio, laço que persistia após a morte do chefe de família por meio da situação dos filhos 
perante o restante do patrimônio familiar. O tipo patriarcal romano, considerado pelo autor 
como o auge do despotismo do varão, é verificado em outras sociedades da Antiguidade. O 
casamento era considerado pelo Direito como regulamentação social do instinto de reprodução 
(MIRANDA, 1947), distinguindo-se da união sociológica tolerada e não legalizada, segundo o 
autor, originando-se a família de quaisquer uniões sexuais, mas nem sempre de relações não 
legais haveria a configuração da família na acepção jurídica. 
Como visto, esse quadro mudou radicalmente, com a incorporação de novas relações e novas 
finalidades para a família, sendo atribuída à Constituição Federal de 1988 a grande mudança no 
instituto jurídico do Direito de Família, conforme ensina Dias (2005). A autora sustenta que a 
intervenção do Estado nas relações de Direito Privado permite o revigoramento das instituições 
de Direito Civil diante de um redesenho do tecido do próprio Direito Civil à luz da nova 
Constituição. 
Segundo a autora, o legislador constituinte procedeu com um alargamento do conceito de 
família, calcado na realidade social imposta, emprestando juridicidade aos relacionamentos fora 
do casamento, afastando a ideia de família do pressuposto do casamento e identificando 
também a família na união estável entre homem e mulher. O reconhecimento, em um primeiro 
momento, das relações fora do casamento demonstrou o merecimento de tutela constitucional 
das relações baseadas em sentimento, estabilidade e responsabilidade necessárias ao 
desempenho das funções familiares. Também fazem parte desse redimensionamento as 
relações monoparentais entre um dos pais e os seus filhos. Também deixa de exigir a 
necessidade da existência de um par, o que consequentemente subtraiu de seu conceito a 
finalidade procriativa. 
Segundo Welter e Madaleno (2004), os avanços da Constituição Federal de 1988 e do Código 
Civil de 2002 não deixaram de encontrar-se impregnados por características do Direito Canônico 
(sucessor histórico dos valores romanos), especialmente no Direito de Família em relação à 
indissolubilidade do casamento, a partir da exigência legal da separação judicial e audiência de 
tentativa de reconciliação, bem como da busca de um culpado na separação e das penalidades 
impostas àquele que deu causa ao divórcio. No entanto, a judicialização da modernização do 
conceito de família tem trazido seu alargamento e sua secularização (WELTER; MADALENO, 
2004), que vem reconhecendo como uma realidade os novos modelos de família ocidentais, a 
partir da celebração da pluralidade de formas de constituição de família, e reconhecendo 
também direitos à constituição de vínculos familiares a partir de relações afetivas sem qualquer 
discriminação. 
Dessa forma, além de a Constituição Federal ser responsável por um avanço no conceito de 
família desde sua entrada em vigor, os princípios nela contidos, em conjunto com a judicialização 
das reformas do Direito de Família, empregam importante papel na evolução desse ramo 
jurídico e da constitucionalização desse ramo do Direito Privado. 
 
 
Princípios do Direito de Família 
Como vimos, o Direito de Família é o conjunto de regras e princípios que regem os conjuntos 
familiares baseados em relações de procriação por meio do matrimônio clássico ou de outras 
relações de laços afetivos com ou sem intuito de procriação. Com base nesse conceito, 
desenvolvido a partir da Constituição Federal de 1988, passaremos ao estudo dos princípios 
gerais e específicos identificados pela doutrina em relação a esse ramo do Direito Privado com 
irradiações de regulação estatal. 
Maria Berenice Dias (2005) menciona a existência de princípios gerais que se aplicam a todos os 
ramos do Direito (como igualdade, liberdade, proibição de retrocesso social, proteção integral a 
crianças e adolescentes), outros que operam da evolução do Direito de Família aos demais 
ramos do Direito (proteção integral a crianças e adolescentes em relação, por exemplo, ao 
 
Direito Penal) e outros que operam da evolução do Direito ao núcleo do Direito de Família 
(princípios da igualdade e liberdade, por exemplo). 
Além disso, a autora identifica princípios especiais próprios das relações de família que devem 
sempre servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões familiares, 
servindo de condão a todos o princípio da afetividade, que, conforme vimos, substitui relações 
econômicas e de procriação como o novo centro do Direito de Família após sua 
constitucionalização. 
Um dos princípios que remetem às origens do Direito de Família canônico, centrado na 
instituição do casamento, é o princípio da monogamia. A autora (DIAS, 2005) refere que o Estado 
possui interesse na mantença da estrutura familiar, julgadacomo a base da sociedade brasileira, 
por isso, é compreendido como um princípio ordenador da família. A autora elucida que a 
monogamia, no seu princípio somente cobrada das mulheres, não foi instituída em favor do 
amor, mas como mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado 
condominial primitivo. 
Assim, a uniconjugalidade não passava de um sistema de regras morais de interesses 
antropológicos, psicológicos e jurídicos revestido de valor jurídico. Por isso, a lei passou a 
recriminar, de diversas formas, o descumprimento do dever de fidelidade entre os parceiros. 
Segundo a autora, a Constituição não contempla tal princípio, mas o tolera, de modo que não 
permite discriminações entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento ou mesmo originários 
de relações incestuosas (consagrando a primazia do princípio do maior interesse da criança). 
 
Em atenção a esse princípio, Dias (2005) refere: 
 o crime de bigamia (art. 235 do Código Penal); 
 os impedimentos de casamento entre pessoas já casadas (1.521, VI, do Código Civil); 
 a anulação do casamento por bigamia (art. 1.548, III, do Código Civil). 
 
O princípio da dignidade da pessoa humana é referido por Maria Berenice (DIAS, 2005) como 
um meio de despatrimonialização e personalização dos institutos jurídicos, de modo a colocar a 
pessoa no centro protetor do Direito, sendo um princípio geral muito caro ao Direito de Família 
em sua transição do Direito do pater familias ao Direito pautado pelo princípio da afetividade. 
 A liberdade e a igualdade no âmbito familiar, segundo Dias (2005), são consagradas na 
Constituição, sendo que a liberdade redimensiona o conteúdo da autoridade parental ao 
consagrar laços de solidariedade entre pais e filhos, bem como se expressa, ao nosso ver, na 
escolha do modelo familiar adotado pelos seus membros. Já a igualdade, segundo a autora, 
confere o exercício conjunto do poder familiar voltado ao melhor interesse das crianças. 
A igualdade também se manifesta, segundo a autora (DIAS, 2005): 
 no dever de solidariedade entre os membros da família a partir da igualdade de direitos 
e deveres dos cônjuges; 
 na colaboração; 
 na autorização do uso dos sobrenomes entre os nubentes; 
 na igualdade de gêneros. 
 
Outro princípio apontado pela autora (DIAS, 2005) é o princípio da solidariedade familiar, 
também decorrente, de certa forma, do princípio da igualdade conjugado com o princípio da 
afetividade, em que há o reconhecimento do dever de cuidado (a crianças, idosos, enfermos e 
membros com características especiais que deles necessitem) e de prestação de alimentos entre 
os membros da família. 
Desse princípio também decorre a proteção integral de crianças e adolescentes, reconhecidos 
pelo sistema brasileiro como portadores de vulnerabilidades e fragilidades inerentes à formação 
dos seres humanos até os 18 anos, garantindo a assistência na tomada de decisões e 
inimputabilidade penal, bem como proibindo o trabalho forçoso ou em desacordo com as 
 
qualidades de aprendizado entre os 14 e os 16 anos. O princípio da proteção integral encontra-
se previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988 (DIAS, 2005). 
 
Por fim, compõe a evolução dos princípios familiares constitucionais o princípio do pluralismo 
das entidades familiares, que permite (DIAS, 2005): 
 diferentes arranjos familiares; 
 sociedades de fato; 
 uniões estáveis paralelas; 
 uniões de todos os gêneros e orientações sexuais sem discriminação; 
 desvinculação do direito ao reconhecimento do estado de filho das questões 
patrimoniais que lhe conferem a imprescritibilidade; 
 proibição ao retrocesso social. 
 
 
Tais características garantem a constante evolução dos valores familiares em direção às suas 
diversas manifestações no campo social e afetivo. 
 
Atual posicionamento da Suprema Corte acerca do alcance do conceito de família 
 
Como vimos, o Direito de Família vem, desde a vigência da Constituição Federal de 1988, 
modernizando-se conceitualmente e tentando acompanhar as mudanças sociais. Tais mudanças 
deslocaram o eixo das regulações familiares dos aspectos patrimoniais e de procriação para o 
aspecto afetivo como cerne da entidade familiar, não mais centrada na figura do pater familias 
ou mesmo do casal como unidade familiar, passando a reconhecer toda e qualquer modalidade 
de reunião de pessoas com fulcro na afetividade, assistência mútua e irradiação dos demais 
princípios desse ramo do Direito Privado. 
Segundo Lagrasta Neto, Tartuce e Simão (2012), um dos pilares dessas transformações é a união 
homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo), que foi protagonista no reconhecimento de novas 
entidades familiares não somente no Brasil, como em diversos países ocidentais no início do 
século XXI. 
A ideia de inclusão e de tratamento da união homoafetiva como entidade familiar ganhou corpo 
perante os julgadores, surgindo acórdãos em diversas unidades da federação, compartilhando 
dessa forma de pensar com algumas variações de tratamento familiar (LAGRASTA NETO; 
TARTUCE; SIMÃO, 2012). A decisão com efeito vinculante e que não permite outra forma de 
interpretação quanto ao enquadramento dessa modalidade de família ocorreu a partir de 
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, que tratou do reconhecimento da união 
estável entre pessoas do mesmo sexo (LAGRASTA NETO; TARTUCE; SIMÃO, 2012). 
 
Fique Atento: 
Em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e ação direta de 
inconstitucionalidade (ADIn) frente ao art. 1.723 do Código Civil, que trata da união estável 
entre homem e mulher, a Suprema Corte brasileira entendeu que não há lugar para proibição 
discriminatória do reconhecimento da união familiar no plano da dicotomia homem/mulher 
(gênero) ou no plano da orientação sexual de cada um. A proibição do preconceito compõe o 
constitucionalismo fraternal que deve homenagear o pluralismo como valor sociopolítico e 
sociocultural e o respeito à liberdade para se dispor da própria sexualidade inserida na 
categoria de direitos fundamentais individuais (BRASIL, 2011). 
 
O sexo das pessoas, segundo o STF, não se presta como fator de desigualação jurídica, havendo 
proibição do preconceito à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal. Além disso, 
entendem os magistrados que há silêncio da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo 
 
dos indivíduos como norma geral negativa; entendendo que o uso das expressões homem e 
mulher vem ao encontro da igualdade dos gêneros perante a lei e não como cláusula excludente 
da liberdade sexual ou mesmo do reconhecimento da pluralidade de regimes familiares. 
Segundo o entendimento da corte, a Constituição não empresta ao substantivo família nenhum 
significado ortodoxo, no sentido dos arcaísmos sociais ou religiosos que reduzam seu conceito, 
sendo a ênfase constitucional à instituição da família conferida no art. 226, encontrando eco em 
seu núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informal, integrada por casais 
heteroafetivos ou homoafetivos. Segundo o julgado, a expressão família não se restringe à 
formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa, sendo instituição eminentemente 
privada voluntariamente constituída entre pessoas adultas e que mantêm com o Estado e a 
sociedade relação tricotômica. 
O núcleo familiar é compreendido como o principal lócus institucional de concreção dos direitos 
fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade e vida privada no seu art. 5º, 
X, conferindo isonomia entre casais heteroafetivos e homoafetivos à formação de uma família 
autônoma. Importa, no entendimento do STF, o conteúdo familiar, não sua forma reduzida, 
podendo hoje a família se constituir inclusive por vias distintas do casamento civil, avanço 
reconhecido pela Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes (fatos sociais). Nesse 
sentido, o STF utilizou a sua competência para a interpretação conforme a Constituição a fim de 
eliminar qualquercaráter discriminatório do art. 1.723 do Código Civil e consagrou um novo 
momento na história do Direito de Família, em constante evolução. 
 
Fique atento: 
O Direito de Família deixou de ser centrado na unidade familiar com intuito de reprodução 
entre o homem e a mulher e passou a ser considerado o núcleo afetivo entre pessoas que 
possuam solidariedade mútua baseada nos seus sentimentos. 
 
Referências: 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 
/ RJ - Rio de Janeiro. Relator Min. Ayres Britto. Julgado em: 5 maio 2011. Disponível em: . Acesso 
em: 07 jun. 2018. 
DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 
GONÇALVES, C. R. Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2.

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