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HUMBERTO THEODORO JÚNIOR O CONTRATO E SUA FUNÇÃO SOCIAL 3a Edição E D I T O R A FORENSE Rio de Janeiro 2008 I a edição - 2003 2a edição - 2004 3a edição - 2008 © Copyright Humberto Theodoro Júnior CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. T355c Theodoro Júnior, Humberto, 1938 — O contrato social e sua função / Humberto Theodoro Júnior. - Rio de Janeiro: Forense, 2008. Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-2635-9 1. Contratos. 2. Brasil. [Código Civil (2002)]. I. Título. 03-1350. CDU 347.44 O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares repro duzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n° 9.610, de 19.02.1998). 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IX Capítulo I - Princípios do Direito dos Contratos......................... 1 Capítulo II - Novos Princípios do Direito dos Contratos 9 Capítulo III — Princípio da Boa-Fé como Dever Acessório dos Contratantes.............................................................................. 17 Capítulo IV - A Boa-Fé como Princípio Geral do Direito dos Contratos.................................................................................... 21 Capítulo V - Influência da Eticidade sobre o Destino do Contrato....................................................................................... 25 Capítulo VI - Função Social do Contrato....................................... 31 Capítulo VII - A Função Social do Contrato Segundo a Regulamentação do Novo Código C ivil................................ 37 Capítulo VIII - Bases Conceituais da Função Social do Contrato .. 43 Capítulo IX - Exemplos de Função Social do Contrato Prejudicada por Abuso da Liberdade de Contratar.................................... 73 Capítulo X - A Função Social do Contrato nas Relações de Consumo..................................................................................... 77 Capítulo XI - A Eticidade no Sistema Geral do Direito dos Contratos.................................................................................... 93 Capítulo XII - Função Social da Propriedade e Função Social do Contrato....................................................................................... 97 Capítulo X in — Função Social e Função Econômica do Contrato 113 Capítulo XTV - Vantagens e Riscos da Codificação Consagradora das “ Cláusulas Gerais” ............................................................ 139 Conclusões.......................................................................................... 161 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R B ibliografia......................................................................................... 169 índice Onomástico............................................................................. 177 índice Alfabético-Remissivo........................................................... 179 índice da Legislação.......................................................................... 183 índice Sistem ático............................................................................. 185 VI A b r e v i a t u r a s e S i g l a s U s a d a s ac. acórdão art. artigo arts. artigos BGB Büergerlichs Gesetzbuch CC. Código Civil cf. conforme cit. citado coord. coordenação CDC Código de Defesa do Consumidor CEE Comunidade Econômica Européia Dec. Decreto inc. inciso loc. cit. local citado n° número op. cit. obra citada p- página pp. páginas RT Revista dos Tribunais STJ Superior Tribunal de Justiça t. tomo trad. tradução vol. volume A p r e s e n t a ç ã o O Código Civil de 2002 se anuncia como arauto de novos rumos para o direito privado, assinalados pela eticidade, socialidade e economicidade. Essas características se fazem notar com maior realce no campo do contrato, onde o Código destaca normas explícitas para consagrar a boa-fé objetiva, a função social do contrato e a submissão aos efeitos da revisão contratual para reequilíbrio de sua equação econômica. A teoria geral do contrato, portanto, enriquece-se com três novos princípios, que não podem, todavia, ser encarados como, doravante, os únicos a dominar e explicar os fundamentos da figura jurídica da mais importante categoria dos negócios jurídicos. Na verdade, os três novos princípios - boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social - não eliminaram aqueles em que a ideologia liberalista havia se fixado (li berdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção). O que se deu foi o acréscimo aos clássicos, de princípi os forjados sob o impacto das atuais idéias de socialidade e solidarismo que a ordem constitucional valorizou. Mesmo vestido com as modernas indumentárias principiológicas, o contrato não pode deixar de ser o fruto da força criativa e livre da vontade, nem tampouco pode ser privado de sua natural e necessária força obrigatória entre os contratantes, e muito menos pode transfor mar-se em fonte de obrigações para quem da convenção não participou. É claro que a área dos preceitos e princípios de ordem pública muito se alargou e que os princípios clássicos do contrato tiveram suas dimen sões reduzidas. Não foram, porém, anulados. Assim é que, não obstante ter de submeter-se aos imperativos da boa-fé, da função social e do equilíbrio econômico, o contrato continua H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R a existir “ para vincular as pessoas” e para “ fundamentalmente ser cum prido” .1 E a vontade que sempre haverá de prevalecei; dentro da licitude dos contornos da nova principiologia do contrato, será a declarada pelos contratantes e não a do juiz ou de qualquer outra autoridade que se credencie a fiscalizar a vida negociai. Na interpretação, pois, do contrato, continua prevalecendo a força da intenção do declarante, de sorte que ao analisá-la e fixá-la, o mundo do intérprete haverá de submeter-se à declaração. Não poderá “ trans cender a declaração para buscar outra vontade que não tenha sido obje to da declaração” , como preconiza o art. 112 do novo Código.2 A autonomia privada é o espaço dentro do qual as pessoas exer cem, na vida econômica, a liberdade que a Constituição declara e asse- ✓ gura como garantia fundamental. E claro que exigências do solidarismo e socialidade,também preconizadas pela sistemática constitucional, diminuem o espaço de atuação da liberdade, se comparada com a dos tempos do liberalismo exacerbado. Contudo, a autonomia privada continua, sem dúvida, a desempe nhar, no Estado Democrático de Direito, o papel de “ motor da econo mia” , como observa, com pertinência, ARRUDA ALVIM. Para SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA, “ o grande desafio que se abre para os juizes, e que poderá transformar o novo Código em terrível frustração ou redenção ética, é o trabalho de conciliar estes novos con ceitos de boa-fé e função social com os princípios tradicionais da auto nomia da vontade e de força obrigatória dos contratos, que não foram e nem poderiam ser revogados. (...) O novo Código não representa a morte dos valores fundamentais que sempre inspiraram o mundo dos contratos, 1 ALVIM, Arruda. “A função social dos contratos no Novo Código Civil” , in PASINI, Nelson, LAMERA, Antonio Valdir Úbeda, TALAVERA, Glauber Moreno (Coord.). Simpósio sobre o Novo Código Civil brasileiro, São Pau lo, Método, 2003, p. 77. No dizer do autor, o princípio de que “os contra tos têm que ser cumpridos” [pacta sunt servandá) “é a alma e a vida dos contratos, ou se se quiser, é a sua ratio essendi” (op. cit., p. 89). 2 ALVIM, Arruda. “A função social” , cit., p. 85. X 0 C O N T R A T O E S UA F U N Ç Ã O S O C I A L e sim o seu temperamento para adaptá-los a um tempo, preocupado com a construção da dignidade do homem e de uma sociedade mais justa e fraternal” .3 0 propósito do presente estudo é, enfim, tentar delinear o que cons titui realmente o conteúdo de cada um dos três novos princípios da teo ria dos contratos, evitando a promiscuidade com que têm sido eles abor dados pela doutrina ainda incipiente sobre a função social do contrato. 0 intuito principal é o de evitar que essa função seja vista como uma panacéia, sem objeto determinado e sem configuração que lhe dê identidade capaz de distingui-la da função ética (boa-fé) e econômica (equilíbrio da equação contratual). Para que isto se dê, imaginou-se que a aplicação da boa-fé objetiva encontra terreno propício na relação interna travada entre os sujeitos do contrato; a do equilíbrio econômico atua no equacionamento entre as partes contrapostas, em busca de assegurar a comutatividade entre elas; e a função social atuaria no palco dos reflexos dos efeitos do contrato no meio social (ou seja, em face de terceiros, além dos contratantes). De qualquer maneira, dois limites devem ser respeitados na apli cação prática dos novos princípios da teoria do contrato: a) não podem eles servir de ensejo a uma desmesurada intervenção judicial na autonomia contratual, de sorte a permitir que o juiz anule a vontade formadora da convenção, substituindo-a pela própria. Deveres acessórios poderão ser acrescentados ao contrato e lacunas ou impreci sões das cláusulas negociais poderão ser supridas por técnicas de hermenêutica que levem em conta os princípios da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social do contrato. Com isso, exerce-se uma fun ção interpretativa e até mesmo integrativa, sem, contudo, anular ou desprezar a vontade lícita e eficazmente declarada pelos contratantes; b) como campo de aplicação dos novos princípios contratuais, o juiz deve, basicamente, atuar segundo as figuras traçadas pelo próprio 3 SOUZA, Sylvio Capanema de. “ 0 impacto do Novo Código Civil no mun do dos negócios” , Revista da Escola de M agistratura do Estado do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, vol. 6, n° 24, pp. 186-188, 2003, p. 188. XI H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Código para franquear a invalidação dos negócios viciados ou proceder à revisão dos contratos desequilibrados. Os parâmetros dessa interven ção, portanto, são, em regra, os definidos pelo Código, dentro dos quais o juiz encontrará boa margem de flexibilidade para adequação ao caso concreto, visto que em sua configuração o legislador lançou mão, com freqüência, de “ cláusulas gerais” ou de conceitos abertos e genéricos. Por último, preocupa-se o estudo em evitar que o regime do Código Civil seja absorvido pelo do Código de Defesa do Consumidor. Este vem impregnado de caráter de ordem pública, porque se destina a tutelar um segmento da ordem econômica qualificado pela hipossuficiência. Já o Código Civil, como fundamento, adota, no campo econômico, a autono mia e igualdade dos agentes, que somente devem ser questionadas quando concretamente afetadas. Enquanto o estatuto consumerista parte da re gra de que o consumidor não dispõe de condições para negociar equilibradamente com o fornecedor, a lei civil somente admite a ocor rência do desequilíbrio nos contratos quando efetivamente se configure uma das situações anômalas nela delineadas. Daí por que não se pode aplicar as regras do Código Civil relacio nadas aos novos princípios contratuais com a mesma intensidade com que operam nas relações geridas pelo Código de Defesa do Consumidor. Uma vez mais, é de se acatar a lição sempre prestante de ARRUDA ALVIM: a) “A proteção que é deferida ao consumidor é necessariamente maior do que aquela que possa ter sido reconhecida àquele que seja havido como contratante fraco, dentro do sistema do Código Civil” .4 b) 0 Código Civil não pode conviver com um sistema de nulidade tão extenso como o do Código do Consumidor, “ porque isso traria uma desestabilização do negócio jurídico e dos contratos” .5 ✓ E, aliás, o que prevalece no direito francês, segundo sua mais atuali zada doutrina, onde se proclama que o desequilíbrio justificador da pro teção especial instituída pela legislação consumerista decorre da cir 4 ALVIM, Arruda. “A função social” , cit., p. 76, nota 1. 5 Idem. “ A função social” , cit., p. 92. XII 0 C O N T R A T O E S UA F U N Ç Ã O S O C I A L cunstância de a relação de consumo ser travada entre um profissional (o fornecedor) e um não-profissional (o consumidor). Assim, “ a competên cia do profissional, as informações de que dispõe, e habitualmente sua dimensão financeira permitem-lhe impor sua lei ao consumidor” .6 Sendo naturalmente desiguais as forças dos contratantes, “ le droit de la consommation (simplesmente) cherche à équilibrer les relations entre professionnels et consammateurs” .7 Sendo, porém, muito diverso o campo de incidência do Código Ci vil, o direito do consumo tal como o entende a doutrina francesa, “ não é de aplicar-se em princípio nas relações entre não-profissionais: não há, aí, o risco geral de desequilíbrio” .8 6 CALAIS-AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation, 6a ed., Paris, Dalloz, 2003, n° 1, p. 1. 7 CALAIS-AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation cit.y n° 2, p. 3. 8 CALAIS-AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation cit.y n° 15, p. 14. XIII C a p í t u l o I P r i n c í p i o s d o D i r e i t o d o s C o n t r a t o s Na visão do Estado Liberal, o contrato é instrumento de intercâmbio econômico entre os indivíduos, onde a vontade reina am pla e livremente. Salvo apenas pouquíssimas limitações de lei de ordem pública, é a au tonomia da vontade que preside o destino e determina a força da convenção criada pelos contratantes. O contra to tem força de lei, mas esta força se manifesta apenas entre os contratantes. Todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e se limita, subjetiva e objetivamente à esfera pessoal e patrimonial dos contratantes. Três são, portanto, os princípios clássicos da teoria liberal do contrato: a) o da liberdade contratual, de sorte que as partes, dentro dos limites da ordem pública, podem convencionar o que quiserem e como quiserem; b) o da obrigatoriedade do contrato, que se traduz na força de lei atribuída às suas cláusulas (pacta sunt servanda); e c) o da relatividade dos efeitos contratuais segundo o qual o contrato só H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R vincula as partes da convenção, não beneficiando nem prejudicando terceiros(res inter alios acta neque nocet neque prodest). 0 Estado social impôs-se, progressivamente, a par tir dos fins do século XIX e princípios do século XX, provocando o enfraquecimento das concepções liberais sobre a autonomia da vontade no intercâmbio negociai, e afastando o neutralismo jurídico diante do mundo da economia. A conseqüência foi o desenvolvimento dos mecanismos de intervenção estatal no processo econô mico, em graus que têm variado, com o tempo e com as regiões geográficas, revelando extremos de umaplani- Jicação global da economia em moldes das idéias mar x ista s; ou atuando com m oderação segundo um dirigismo, apoiado em modelo em que o controle eco nômico compreende uma atuação mais sistemática e com objetivos determinados; ou, ainda, elegendo uma terceira atitude de intervencionismo assistem ático , 1 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. “ Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)” , Revista dos Tribunais, 750/117. 2 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L caracterizado pela adoção de medidas esporádicas de controle econômico, para fins específicos. Superado o modelo do Estado liberal puro, alheio por completo aos problemas econômicos, pois não há mais Estado que se abdique da atuação reguladora da economia, o que variam são os níveis internos e externos dessa ati vidade controladora. Essa nova postura institucional não poderia deixar de refletir sobre a teoria do contrato, visto que é por meio dele que o mercado implementa suas operações de circulação das riquezas. Por isso, não se abandonam os princípios clássicos que vinham informando a teoria do contrato sob o domínio das idéias liberais, mas se lhe acrescentam outros, que vieram a diminuir a rigidez dos antigos e a enriquecer o direito contratual com apelos e fundamentos éticos e funcionais. Afastada a ameaça do Estado-agente econômico, com intervenção plena na produção e circulação de riquezas, em que o intervencionismo extremo conduziria ao cance- 2 Cf. SCAFF, Femando. Responsabilidade do Estado Intervencionista, São Paulo, Saraiva, 1990, apud SANTOS, Marília Lourido dos. “ Políticas pú blicas (econômicas) e controle” , Revista C idadania e Ju stiça , AMB, Brasília, n° 12, p. 138, 2o semestre/2002. 3 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R lamento ou à minimização dos princípios clássicos da teo ria dos contratos, remanesce o Estado Social de Direito com sua tônica voltada para o aumento crescente das nor mas de ordem pública para harmonizar a esfera do indivi dual com o social. Nessa altura é inegável que o direito contratual não se limita aos três princípios clássicos da liberdade de contratai; da força obrigatória das convenções e da relatividade de seus efeitos. A estes vieram somar- se outros três, como registra ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO: a) o da boa-fé objetiva; b) o do equilíbrio eco- 3 nômico, e c) o da junção social do contrato. E bom registrai; como faz o eminente Professor da USP que a complexidade da nova visão estatal da ordem econômi ca introduz dados novos na teoria dos contratos, dados que, entretanto, se acrescentam sem eliminarem os antigos prin cípios já consagrados e que gravitam em volta da autonomia 4 da vontade. A experiência histórica demonstra, aliás, que as grandes conquistas da humanidade, em geral, quase nunca acontecem para destruir o acervo cultural sedimentado no passado, mas para enriquecê-lo, por meio de um somatório. 3 “Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)” , RT, 750/115-116. 4 “Os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos, mas certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princípios” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 116). 4 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L De fato, busca-se nas novas concepções do contrato a introdução no sistema de melhores instrumentos para realizar a justiça comutativa, como o que se faz por meio dos princípios do equilíbrio, da proporcionalidade e da repulsa ao abuso. Mas, o acordo de vontade continua sen do “o elemento subjetivo essencial do contrato, sem o qual ele não poderia sequer existir, e que lhe dá sua função primordial nas relações sociais” . Se a justiça da conven ção entra na perspectiva da teoria contratual moderna, não o faz para assumir todo o seu objetivo. Deve conciliar-se com seu fim natural que se passa no âmbito da circulação das riquezas, com segurança jurídica. 0 contrato deve ser 7 justo, mas sem se afastar de sua utilidade específica. Deve-se ter em conta que, no enfoque das modernas concepções do contrato, “ la nouveauté, toujours relative, 5 GHESTIN, Jacques. “Avant propos” , in JAMIN, Christophe, MAZEAUD, Denis. La Nouvelle Crise du Contrai, Paris, Dalloz, 2003, p. 2. 6 ‘Trata-se de passar do absoluto ao relativo, respeitando os princípios éticos e sem perder um mínimo de segurança, que é indispensável ao desenvol vimento da sociedade” (WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no ter ceiro milênio e o novo Código Civil” , ALVIM, Arruda et al. Aspectos con trovertidos do novo Código Civil, São Paulo, RT, 2003, p. 72). 7 “ II faut, en réalité, faire la synthèse de la conception proprement juridique qui fait de Vaccord des volontés Vélément subjectif essentiel du contraí, et de la conception, à la fois éthique et économique, déduite de notre tradition gréco-latine et judéochrétienne, qui fait de Putile et juste les fínalités objectives du contrat” (GHESTIN, Jacques. Op. cit.f loc. cit.). 5 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ne serait plus qu’une qualité accessoire. II y aurait, d’une part, les instruments complémentaires, qui visent directement à rétablir une certaine justice commutative - lésion, absence de cause, equilibre et proportionalité - et d’autre part, ceux qui tendent à contrôler la rectitude effective de la procédure contractuelle - vices du consentement, obligation d’information, bonne foi et abus de droit, y compris 1’élimination des clauses abusives” . * E inegável, nos tempos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de Di reito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal ma nejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presi dida pelo bem-estar e sob “ efetiva prevalência da garan- 9 tia jurídica dos direitos humanos.” Isto, porém, não importa anular a figura do contra to, nem tampouco afastar a incidência dos princípios clássicos que regem essa indispensável categoria jurí dica. O contrato, segundo a lição sempre acatada de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, continua se ori 8 GHESTIN, Jacques. Op. cit., p. 3. 9 DÍ AZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática, Madrid, Editora Cuademos para el Diálogo, 1975, p. 39, apud FRANÇA, Pedro Arruda. Contratos atípicos, 2a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 33. 6 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L ginando da “declaração de vontade” , tendo “ força obrigató ria” , e se formando, em princípio, “pelo só consentimento das partes” . E, mais ainda, continua nascendo, em regra, i 10“da vontade livre, segundo a autonomia da vontade” . Certo que essa autonomia não tem hoje as mesmas proporções de outrora. Sofre evidentes limitações, não só em face dos tipos contratuais impostos pela lei como tam bém pelas exigências de ordem pública, que cada vez mais são prestigiados pelo direito contemporâneo. Mas é de levar-se em conta a lição, que nunca perde atualidade, de SAVATIER: “Mais, si Véconomie selon toute appartence, doit rester dirigée, les méthodes de cette direction doivent changer. Les procédés de 10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 10a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, vol. III, n° 186, p. 9. 11 O contrato não encontrou o seu fim como certa doutrina chegou a procla mar. “ 0 que no momento ocorre,e o jurista não pode desprender-se das idéias dominantes no seu tempo, é a redução da liberdade de contratar em benefício da ordem pública, que na atualidade ganha acendrado re forço, e tanto que Josserand chega mesmo a considerá-lo a ‘publicitação do contrato’” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil cit.y vol. III, n° 186, p. 13). 7 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Vintervention de VÉtat ne doivent plus être de ceux qui suppriment à peu près entièrement la liberte individuelle, et spécialement la liberte des contrats” . 12 SAVATIER, René. Droit civil et droit public, Paris, LGDJ, 1950, pp. 65-66, apud FRANÇA, Pedro Arruda. Contratos atípicos cit., 1989, p. 32. 8 C a p í t u l o II N o v o s P r i n c í p i o s d o D i r e i t o d o s C o n t r a t o s Na esteira da melhor doutrina e legislação européias, o novo Código Civil incorpora os três novos princípios de que estamos cogitando, quais sejam, o da boa-fé objetiva (art. 422), o do equilíbrio econômico do contrato (art. 478) e o da junção social do contrato (art. 421). De maneira sintética, podem estes princípios ser assim delineados: a) Princípio da boa-fé objetiva: Não é apenas a conven ção (acordo de vontades) que obriga as partes contratantes. Por força da lei, são eles obrigados a guardar, assim na con clusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (Cód. Civil/2002, art. 422). Há, portan to, ao lado dos vínculos criados pelo acordo de vontades, de- veres paralelos, que a moderna doutrina civilista chama de deveres acessórios aos que foram expressamente pactuados. 1 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. “ Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)” , cit., RT 750/116. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Ao contrário da tradicional boa-fé subjetiva (esta do de espírito do agente frente à situação que envolve o fato ou negócio jurídico), “ a boa-fé objetiva desliga-se completamente do elemento vontade, para focalizar sua atenção na comparação entre a atitude tomada e aquela que se poderia esperar de um homem médio, reticente (sic), do bom pai de família. O eixo da análise é deslo cado. Enquanto na primeira modalidade o reconheci mento do anim us nocendi é v ita l, na segunda desimporta” . Para aferir a boa-fé objetiva na formação e execu ção do contrato, e, portanto, para exigir-se do contratan te alguma prestação derivada de dever acessório, recor re-se aos costumes do tráfego, já que todo contratante, na atual concepção da teoria dos contratos, está obriga do a agir de acordo com os usos e costumes observados pelas pessoas honestas. Segundo o princípio da boa-fé objetiva, prestigiado expressamente pelo novo Código Civil brasileiro, há no 2 USTÁRROZ, Daniel. “As origens da boa-fé objetiva no novo Código Ci vil” , Síntese jornal, Porto Alegre, n° 71, p. 3, janeiro/2003. 10 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L dever acessório que nele se traduz “ uma fonte autônoma de direitos e obrigações” . 0 dever de lealdade e boa-fé já atua e obriga na fase pré-contratual, antes mesmo do aperfeiçoamento do contra to; perdura no momento da definição do ajuste contratual, assim como no de seu cumprimento; e subsiste, até mes mo, depois de exaurido o vínculo contratual pelo pagamen to e quitação. Nesse sentido, dispõe o art. 422 do atual Código Civil que “os contratantes são obrigados a guardai; assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os 4princípios de probidade e boa-fé” . b) Princípio do equilíbrio econômico do contrato: o sinalagma contratual leva a ordem jurídica a proteger o contratante contra a lesão e a onerosidade excessiva. No primeiro caso, toma-se anulável o contrato ajustado, por quem age , sob prem ente n ecessid ad e ou por 3 SILVA, Clóvis do Couto e. “ 0 princípio da boa-fé no direito brasileiro e português” , in Estados de direito civil brasileiro e português, São Paulo, RT, 1980, p. 47. 4 A violação dos deveres anexos (boa-fé objetiva) pode produzir as seguintes conseqüências: a) do exercício da conduta não autorizada por lei, com “vio lação a um dever anexo imposto pela boa-fé” : decorre tecnicamente “ato ilí cito” ; b) do exercício de conduta autorizada pela lei ou pelo contrato, mas de forma a violar dever anexo imposto pela boa-fé: decorre uato abusivo” (abuso de direito) (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. “ Os efeitos da Constituição em relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consu midor e no Código Civil” , Revista da EMERJ, vol. 6, n° 23, p. 145,2003). 11 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R inexperiência, obrigando-se a prestação manifestamen te desproporcional ao valor da prestação oposta (Código Civil, art. 157). Na hipótese de superveniência de aconte cimentos extraordinários, que tomem a prestação excessi vamente onerosa para uma das partes contratantes e extre mamente vantajosa para a outra, o que a lei faz é permitir a resolução do contrato ou a revisão de seus termos, para res tabelecer o equilíbrio econômico entre prestação e contraprestação (Código Civil, arts. 478 e 479). c) Princípio daJunção social do contrato: Dispõe o art. 421 do novo Código Civil que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” . A Trata-se de preceito que, na lição de ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, procura a integração dos contratos “numa ordem social harmônica, visando impe dir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas” . Segundo a mesma doutrina, “ a idéia de junção social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao lixar; como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. Io, inc. IV)” . Para o mesmo civilista, essa disposição constitucional “ impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. 12 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade” . 0 princípio da função social, nessa perspectiva, não se volta para o relacionamento entre as partes contratan tes, mas para os reflexos do negócio jurídico perante ter- a ceiros (isto é, no meio social). E o que se deduz do próprio nome com que o princípio se identifica. Com efeito, junção quer dizer “papel a desempenhar” , “obrigação a cumprir, pelo indivíduo ou por uma institui ção” . E social qualifica o que é “ concernente à socieda de” , “ relativo à comunidade, ao conjunto dos cidadãos de 7 um país” . Logo só se pode pensar em função social do contrato, quando este instituto jurídico interfere no domí nio exterior aos contratantes, isto é, no meio social em que estes realizam o negócio de seu interesse privado. Diante do reconhecimento da moderna função social atribuída ao contrato, a autonomia privada não desapare ce e continua sendo a base de sustentação do instituto ju rídico. Limitado, porém, é o poder individual que dela agora deflui, pela agregação das idéias de justiça e soli- 5 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. “ Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)” , cit., RT 750/116. 6 HOUAISS, Antonio et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, verbete função , p. 1.402. 7 Idem, verbete social, p. 2.595. 13 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R dariedade social, que passam a figurar também como princípios a se observar no campo do direito do contrato. Daí falar-se em acréscimo de novos princípios como o da boa-fé e o da função social. Para ter-se uma noção do que venha a ser essa nova função atuante no campo dos negócios jurídicos, destaca FRANCISCO AMARAL que o exercício da autonomia pri vada, nos nossos tempos, “deve orientar-se não só pelo in teresse individual mas tambémpela utilidade que possa ter na consecução dos interesses gerais da comunidade” . A idéia de justiça social, no terreno do contrato, des sa maneira, aparece agora com nova dimensão “que se insere em uma outra categoria, a justiça geral, que diz respeito aos deveres das pessoas em relação à socieda de, superando-se o individualismo jurídico em favor dos 9 interesses comunitários” . 0 contrato, enfim, não pode ser visto apenas como fato dos contratantes, mas tem sua convenção de respeitar os interesses do meio social, onde seus efeitos irão refletir. 8 AMARAL, Francisco. “ 0 contrato e sua função institucional” , in Studia iuridica - Boletim da Faculdade de Direito, vol. 48, p. 380, 1999/2000. 9 AMARAL, Francisco. “ 0 contrato e sua função institucional” , in Studia iuridica - Boletim da Faculdade de Direito, vol. 48, p. 380, 1999/2000. No dizer de MASSIMO BLANCA, “ surge então um novo limite à autono mia privada e ao contrato, que é a solidariedade social” (apud AMARAL, Francisco. “ 0 contrato e sua função institucional” , cit.y p. 380). 14 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L A nova função social atribuída ao contrato contrapõe- se, principalmente, ao princípio da relatividade - “o qual, numa visão hoje questionada, postula o isolamento da re lação contratual, circunscrevendo seus efeitos apenas aos contratantes. Em contraposição à concepção individualis ta, o princípio da função social serve como fundamento para que se dê relevância externa ao crédito, na medida em que propicia uma apreensão do contrato como fato social, a respeito do qual os chamados ‘terceiros’, se não podem manter indiferentes” . 0 contrato deixa de ser coisa apenas dos contra tantes, passando a refletir positiva e negativamente tam bém em relação aos terceiros. Sua eficácia, no tocante às obrigações contratuais, é sempre relativa, mas sua oponibilidade é absoluta, quando em jogo interesses de terceiros ou da comunidade. É assim que se cumprirá o princípio de solidariedade preconizado pela ordem cons titucional, cuja observância toca aos contratantes, bem como a qualquer pessoa que possa influir nos efeitos da relação contratual ou suportar suas conseqüências. 10 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigm as. Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 498. 11 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigm as cit.y p. 499. 15 C ap ítu lo III P r i n c í p i o d a B o a - F é c o m o D e v e r A c e s s ó r i o d o s C o n t r a t a n t e s A boa-fé objetiva de que fala o art. 422 do novo Có digo civil brasileiro é a mesma que já se previa no § 242 do BGB e no art. 1.337 do Código italiano. Para o direito civil alemão, a relação obrigacional cria da pelo contrato “tem um conteúdo que será essencialmente determinado pela vontade das partes, mas que será igualmente apreciado em lace do princípio de confiança e de boa-fé enun ciado pelo § 242 BGB”. Os deveres e obrigações que os con tratantes definem não são os únicos que o contrato provoca, já que, pela lei, devem ser eles completados por outros que as regras de interpretação e cláusula geral de boa-fé (§ 242 BGB) determinam. Dessa maneira, estabelecem-se, indepen dentemente de convenção das partes, e por força do princípio da boa-fé, obrigações acessórias como as de informação, segu- 1 FERRAND, Fréderique. Droit privé allem and , Paris, Dalloz, 1997, n° 285, p. 301. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R rança, confiança etc., tão exigiveis entre os sujeitos da relação 2 contratual como as prestações expressamente pactuadas. Também para o Código Civil italiano, “ le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione dei contratto devono comportarsi secondo buona fede” (art. 1.337), dever que se terá de observai; também, na interpretação do contra- 3 to (art. 1.366) assim como na sua execução (art. 1.375). Reconhece-se, outrossim, que a boa-fé no direito ita liano serve para a interpretação de declaração de vontade, mas se presta principalmente para desempenhar uma fun ção integrativa, para completar com base em fundamen tos ético-sociais, a disciplina obrigacional formulada pela 4 vontade dos contratantes. 2 FERRAND, Fréderique. Op. cit.> n° 283, pp. 299-300. 3 “La buona fede è richimata dalla legge sia nella formazione (art. 1.337 cc) che nelFesecuzione dei contratto (1.375 cc). Questi molteplici richiami rispondono ali’ide a delia buona fede quale principio etico-sociale che impronta tutta la matéria contratuale” (BIANCA, C. Massimo. Diritto civile, 2a ed., Ristampa, Milano, Giuffrè, 2000, vol. III, n° 213, p. 423). 4 Não se deve confundir a boa-fé como critério de interpretação da vontade contratual das partes, com a boa-fé como meio de integração das regras do contrato: a) “ Cinterpretazione secondo buona fede implica il riferimento al ragionevole affidamento delia parte ma pur sempre nelFindagine sul contenuto deiraccordo” ; b) “ Cintegrazione dei contratto secondo buona fede presuppone invece che sia già accertato il contenuto delPaccordo e che a tale contenuto si aggiunga una determinazione di fonte legale la quale può completare o anche superare 1’autoregolamento contrattuale” (BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 213, p. 425). 18 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Pelo princípio da boa-fé exige-se das partes do con trato uma conduta correta, sob a ótica mediana do meio social, encarada não com enfoque do subjetivismo ou psiquismo do agente, mas de forma objetiva. 0 que importa é verificar se o procedimento da parte, quando negociou as tratativas preliminares, quando estipu lou as condições do contrato afinal concluído, quando deu execução ao ajuste e até depois de cumprida a prestação con tratada, correspondeu aos padrões éticos do meio social. A lei não define esses padrões, mesmo porque eles são variáveis, no tempo e no espaço. A regra, aqui e nas fontes do direito comparado que alimentaram o Código Civil bra sileiro, corresponde ao tipo de norma que a doutrina deno mina “cláusula geral” para indicar preceitos genéricos ou abertos, cujo conteúdo haverá de ser completado e definido casuisticamente pelo juiz. Mais do que normas definidoras de conduta, as cláusulas legais da espécie se endereçam ao juiz, exigindo-lhe um trabalho de adaptação a ser cumpri do por meio da hermenêutica, da interpretação. Como toda cláusula geral, a da boa-fé objetiva reme te o intérprete para “ um padrão de conduta geralmente 5 “ La buona fede non ha un contenuto prestabilito ma è un principio di solidarietà contrattuale” (BLANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 213, p. 423). 19 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R aceito no tempo e no espaço” , como lembra SILVIO DE SALVO VENOSA. Ao aferir a licitude ou não de uma conduta contratual, o juiz tem que primeiramente fixar tal padrão, buscando-o no meio social (usos e costumes lo cais observados pelas pessoas de bem). Em seguida, pro cederá ao cotejo entre o padrão ético já delineado e o caso concreto submetido a seu julgamento. Não penetra a atividade judicante no mundo psíqui co do contratante e de seus propósitos subjetivos (campo 7próprio da boa-fé subjetiva). A boa-fé objetiva é pes quisada por meio de regras de conduta não escritas, mas que se mostram necessárias diante de “padrões sociais estabelecidos e reconhecidos” como corretos no meio e no tempo em que o contrato se aperfeiçoou e se cumpriu. 6 VENOSA, Silvio de Salvo. “A boa-fé contratual no Código Civil” , in Valor Econômico, de 08.03.2002, p. 4. 7 Considera-se dominada pela boa-fé subjetiva a pessoa que age negocialmente desconhecendo a realidade e supondo uma situação fática que, se existente, legitimaria sua conduta. Por exemplo: aquisição a non domino; pagamento ao credor putativo, plantação em terreno alheio su pondo-o próprio etc. 20 C a p í t u l o IV A B o a - f é c o m o P r i n c í pi o G e r a l d o D i r e i t o d o s C o n t r a t o s Não é apenas como fonte de obrigações acessórias que o direito contemporâneo introduz a boa-fé objetiva no cam po do direito dos contratos. O Código Civil de 2002, fiel ao projeto de seus arquitetos de assentá-lo sobre o prin cípio da eticidade, invoca a conduta ética dos contratan tes, em três circunstâncias diferentes mas ideologicamen te conexas: a) no art. 422, estabelece-se a obrigação acessória de agir segundo os princípios de probidade e boa-fé, indepen dentemente da previsão dessa conduta nas cláusulas do contrato, das negociações preliminares, ou dos termos ajus tados para a execução e para a responsabilidade pela pres tação realizada {função integrativa da boa-fé objetiva); 1 0 princípio da boa-fé objetiva visa, ordinariamente, a completar a con venção, estatuindo, no claro das declarações das partes, regras comple- mentares (obrigações acessórias). Não necessariamente para modificar o H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R b) no art. 113, estatui-se que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” {função interpretativa da boa-fé 2objetiva); no sentido da referida norma, interpretar o con trato segundo a boa-fé quer dizer interpretá-lo “onestamente, secondo un critério di correttezza e lealtà, in modo tale da tutelare i ragionevoli affidamenti di 3 ciascuna parte sul significato delTaccordo...” negócio jurídico querido pelos contratantes, mas para integrá-lo. Nesse sentido, entende-se que o princípio da boa-fé objetiva é utilizado para realizar uma interpretação integrativa ou completiva, pois serve “ para o juiz introduzir na relação contratual obrigações e deveres que nela não figuravam originariamente, mas que “a boa-fé” e os usos observados nos negócios justificam” (FERRAND, Fréderique. Op. cit., n° 287, p. 302). 2 0 princípio da boa-fé, diante da vontade contratual declarada, propicia a chamada interpretação normativa, que nada acrescenta ao contrato, mas serve para definir “ o sentido objetivo da declaração” necessário para preservar os interesses do destinatário da manifestação volitiva, visto que este confiou no sentido literal da declaração e este define o conteúdo da declaração. Segundo a boa-fé objetiva, a interpretação não é daquilo que o declarante realmente quis declarai; mas do que o destinatário pôde le gitimamente considerar como querido pelo declarante, em face do con teúdo de sua declaração. Para isso, o juiz recorrerá aos critérios objetivos da boa-fé (confiança, e usos nos negócios). Só assim “ a confiança do des tinatário” naquilo que foi declarado será protegida (FERRAND, Fréderique. Op. cit., n° 286, pp. 301-302). 3 DIENER, Maria Cristina. II contratto in generale, Milano, Giuffrè, 2002, n° 6.3, p. 471. 22 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L c) no art. 187, reprime-se, como ato ilícito, a condu ta do titular de um direito, que, no exercê-lo, “excede ma nifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (função limitativa da boa-fé objetiva, como meio de controlar o exercício do direito em busca de impedir ou sancionar o 4 abuso do direito). Sendo ato ilícito o abuso de direito, quando este se configurai; o princípio da boa-fé conduzirá à nulidade, total ou parcial, do contrato, sem prejuízo da reparação do dano sofrido pela vítima. Em todas essas diversas situações, contudo, a boa- fé objetiva cinge-se ao disciplinamento ético do compor tamento dos contratantes, um em relação ao outro. Não se pode, a rigor, classificar o princípio sub examine como integrante da função social do contrato. 4 A invocação da boa-fé objetiva serve para impedir o abuso de direito, isto é, serve para interditar o exercício do direito desviado de seu objetivo inicial, fixado pela lei ou pelo contrato. No direito alemão, “aquele que é vítima do exercício abusivo de um direito pode, em defesa, fazer valer o § 242 BGB, para evitar os inconvenientes e os efeitos nocivos desse exer cício” (FERRAND, Fréderique. Op. cít., n° 291, p. 306). 5 0 princípio da boa-fé, no direito alemão (§ 242 BGB) tem sido utilizado tanto para a revisão do contrato como para sua rescisão (FERRAND, Fréderique. Op. cit., n° 292, p. 306). 23 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R O que se pode afirmar é apenas que as partes, tanto nas tratativas como na consumação e na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumpri do (responsabilidade pós-obrigacional), sujeitam-se aos ditames da boa-fé objetiva como fator basilar da interpre tação do negócio e da conduta negociai. “ Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual. Em todas essas situações sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concre to” , porque não encontrará apenas na norma legal o tipo normativo a aplicar ao caso concreto, mas terá de descer até aos usos e costumes locais para definir a eticidade e, conseqüentemente, a licitude do comportamento dos con tratantes, e ainda para bem definir o conteúdo da relação obrigacional. 6 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit., loc. cit. 24 C a p í t u l o V I n f l u ê n c i a d a E t i c i d a d e s o b r e o D e s t i n o d o C o n t r a t o A idéia de boa-fé objetiva teve acesso ao direito civil há mais de um século por meio do Código Civil alemão, e, depois de passar pelo Código italiano e de receber o respaldo doutrinário de todo o século XX, veio a ser consagrada pelo atual Código Civil do Bra sil, editado em 2002. Essa boa-fé objetiva, que surgiu para quebrar a frie za das noções positivistas e egoísticas da autonomia da vontade no domínio do contrato, teve como inspiração a bu sca de in terpretar a convenção de modo a compatibilizá-la com os anseios éticos do meio social em que o contrato foi ajustado. Não se tratava de, em nome da eticidade, encontrar um meio de alterar o contrato criado pela vontade negociai das partes. O que se inten tava, em nome dos princípios morais dominantes na so ciedade, era preencher lacunas e superar dificuldades de interpretação da vontade declarada, por preceitos que H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R pudessem permitir a inteligência e a execução do con trato segundo a hipotética vontade das partes, aferida pelos padrões morais dominantes no meio social ao tempo do ajuste negociai. a E sobretudo no âmbito do efeito das convenções que a boa-fé interfere. 0 que o juiz deve dar à parte do contrato é aquilo que se admite, sem prévia e expressa convenção em contrário, como sendo o que usualmente se pretende em negócios da espécie. Vale dizer: do con trato, portanto, resultam, independentemente de con venção expressa, todos os deveres e obrigações que decorrem, diretamente da “ natureza do contrato segun do a lei e os usos sociais e segundo o respeito devido à boa-fé” / De um lado, portanto, o que prevalece na interpreta ção de um contrato é o sentido que usualmente o ajuste teria na ótica do meio social, se nenhuma ressalva clara se fez na convenção. Em outros termos: o contratante tem, segundo a boa-fé objetiva, que se sujeitar a reconhecer os 1 DANZ, E. L a interpretación de los negocios, 3a ed., trad. espanhola, Madrid, Editorial Rev. de Derecho Privado, § 19, p. 197. 26 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L usos sociais, se não manifestou inequivocamente perante 2 a outra parte sua vontade divergente. O campo propício para aplicar-se a boa-fé objetiva é o das declarações imprecisas ou lacunosas. Nestes casos, o juiz terá de interpretar a declaração de vontade das par tes “ como a entenderiam as pessoas corretas e como es- 3 tas procederiam em relação a ela” . O princípio da boa-fé despreza a malícia da parte que se valeu de evasivas para criarconvenções obscuras ou duvidosas e posteriormente procurar; de forma maliciosa, obter vantagens incomuns em negócio da espécie. Esse tipo de manobra é inócuo, porque o juiz, frente ao contra to, somente aceitará uma interpretação que seja harmôni ca com as “ intenções de uma pessoa correta e honesta” . 0 juiz não dará cobertura à astúcia ou à má-fé e interpretará o negócio de modo com que se cumpram “as intenções das 4 pessoas corretas” . 2 DANZ, E. Op. cit., § 19, p. 197, “ La interpretación segun la buena fe no es ni más ni menos que la que se inspira en los usos sociales” (idem, p. 198). 3 DANZ, E. Op. cit., § 19, p. 201. 4 DANZ, E. Op. cit., § 19, p. 202. 27 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Como o juiz não tem o poder de substituir ou modifi car o acordo de vontades formador de contrato, o que lhe cabe, ao aplicar o princípio da boa-fé objetiva, é: a) interpretar o contrato para preencher suas lacu nas ou superar suas imprecisões, reconhecendo obrigações e direitos que seriam usuais nos negócios da espécie, se gundo os padrões observados pelas pessoas corretas no meio social em que o negócio jurídico se aperfeiçoou; ou b) negar efeito, no todo ou em parte, ao contrato, quando a boa-fé tiver sido evidentemente superada pela má-fé, pois a conduta imoral quando traduzida em convenção expressa é causa de nulidade do negócio jurídico, ou da cláusula negpcial, quando esta puder ser destacada, sem prejuízo do restante da convenção (Código Civil, arts. 166, II, 883 e 184). Não se presta a teoria da boa-fé objetiva para credenciar o juiz a alterar a substância do contrato, ainda 5 Com a interpretação segundo a boa-fé procura-se definir justamente o conteúdo do acordo formado entre as partes, à luz de dados objetivos de valor ético: pesquisa-se a razoável expectativa ou confiança de uma parte sobre o acordado com a outra. Coisa diversa é a operação integrativa se gundo a boa-fé. Então já se conhece o conteúdo do acordo, e o que se faz é agregar a esse conteúdo determinações de fonte legal, que possam com pletar ou superar o auto-regulamento contratual (Cf. BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 213, p. 425). 6 As cláusulas abusivas se apresentam como violadoras de normas impe rativas, quais sejam as que exigem um conteúdo honesto para o contrato. Quando impostas por um contratante ao outro, que não tem como resisti-las, 28 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L que pactuado de má-fé, por uma das partes, visto que o acor do de vontades continua sendo o fundamento desse tipo de negócio bilateral. O juiz pode interpretá-lo e suprir-lhe la cunas, segundo os usos e costumes. Pode decotar-lhe cláu sulas ou condições ilícitas ou imorais. Não lhe cabe, po rém, a pretexto de apoiar-se na boa-fé, recriar o conteúdo do contrato, em moldes diferentes daqueles fixados pelo 7 acordo bilateral de vontades que lhe deu origem. a E interessante notar que o novo Código Civil, quan do reprime o abuso do direito (art. 187), o qualifica como ato ilícito, e quando regula a lesão, a trata como vício invalidante do negócio jurídico (art. 171, II). Por isso, o abuso de direito é causa de responsabilidade civil (art. 927) e motivo de nulidade do contrato ou de cláusula contratual, por ilicitude de objeto (art. 162, II); e o efeito principalmente nas operações como as de consumo, violam o direito da parte vulnerável à “correção nas relações contratuais” , ofendendo, portanto “o prin cípio da boa-fé” . A sanção que se lhes aplica é a da “ineficácia” , no âmbito das “nulidades relativas” (BIANCA, C. Massimo. Diritto cwile cit., vol. III, n° 191, p. 389). Diz-se “ relativa” porque depende de decreto judicial, mas pode, no caso de consumidores, ser proclamada de ofício pelo juiz (iídem, p. 388). 7 “ ... les clauses abusives sont interdites et nulles; le contrat reste contraignant pour les parties, s ’il peut subsister sans les clauses abusives... Ainsi le juge devra-il annuler Tensemble du contrat e non seulement la clause abusive qu’il contient si celle-ci apparait comme une clause essentielle du contrat” (PUTTEMANS, Andrée. “ Le contrat de vente à Tépreuve de la protection du consummateur” , in FORIERS, Paul Alain. Aspects récenls du droit des contrats, Bruxelles, Édition du Jeune Barreau de Bruxelles, 2001, p. 32). 29 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R da lesão para a parte prejudicada é o direito potestativo de promover a anulação do negócio jurídico bilateral, ca bendo ao contratante que dela se beneficiou a faculdade de promover a revisão da equação contratual, se tiver a intenção de manter o contrato (art. 158, § 2o). O mesmo se passa com a onerosidade excessiva superveniente, que se vê como causa de resolução manejável pelo contratante prejudicado (art. 478), permitindo-se à parte favorecida (réu da ação intentada pelo primeiro) utilizar a revisão das condições do contrato, para restabelecer a eqüitatividade e assim impedir a acolhida da resolução (art. 479). Mesmo, portanto, quando o Código reprime a lesão e a onerosidade excessiva, não o faz para diretamente abrir ao prejudicado e ao juiz a possibilidade imediata da revisão ju dicial nos termos do contrato. Se o outro contratante, em prin cípio, não tomar a iniciativa da revisão, o caso, em regra, ha verá de ser solucionado por meio da anulação ou resolução 8 do contrato, no todo ou em parte. 8 “ É preciso lembrar que, seguindo o modelo italiano, o novo Código Civil consi- dera que só se justifica a resolução por onerosidade excessiva que incide sobre um dos contratantes, quando também ocorre uma extrema vantagem para o outro, admitindo que haja revisão se o réu, na ação de resolução, modificar eqüilcuivamenle as condições do contrato” (WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil” , ALVIM, Arruda, et ai. As pectos controvertidos do novo Código Cwil, São Fbulo, RT, 2003, p. 73). 3 0 C a p í t u l o VI F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o Tema que freqüentemente é envolvido na análise do princípio ético dos contratos (boa-fé objetiva), mas que com ele não se confunde, é o da função social que hoje se atribui aos negócios contratuais. A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam (contratantes). Já o princípio da boa-fé fica restrito ao relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídico. 1 “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (Código Civil - 2002, art. 421). 2 Quando o art. 422 do Código Civil de 2002 impõe a observância dos prin cípios de probidade e boa-fé, os endereça, claramente, aos contratantes, no que diz respeito aos termos de conclusão e execução do contrato, ou seja, aos deveres que entre si devem ser observados. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Nessa ótica, sem serem partes do contrato, tercei ros têm de respeitar seus efeitos no meio social, porque tal modalidade de negócio jurídico tem relevante papel na ordem econômica indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade. Têm também os tercei ros direito de evitar reflexos danosos e injustos que o con trato, desviado de sua natural função econômica e jurí dica, possa ter na esfera de quem não participou de sua 3 pactuação. 3 “0 que se revela, nesse passo, é a mitigação do princípio da relativi dade dos efeitos do contrato, consagrado em nosso sistema contratual, mas que se encontra em xeque, na sua perspectiva dogmática, espe cialmente em relações que tocam o mercado (vide, a propósito, LORENZETI, Ricardo. Fundamentos do direito privado, São Paulo, RT, 1998, p. 537). É um fenômeno das relações contratuais de mas sa. Assim , o sentido do interesse objetivo na relação contratual interprivados se torna mais evidente naquelas que trazemimplica ções ao mercado relevante, e, de outra banda, notadamente esmaecido, na medida em que se defronta com um contrato de efeitos restritos às partes. Só o caso concreto poderá elucidar tal conotação, sendo inviável, a priori, colorir a relação jurídica negociai com o interesse coletivo” (NALIN, Paulo. “A função social do contrato no futuro Código Civil Brasileiro” , Revista de Direito Privado, São Paulo, RT, vol. 12, p. 54, out.-dez./2002). 32 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Reconhece-se, de longa data, e não apenas nos tem pos atuais, que os contratantes, embora livres para ajus tar os termos da convenção, deverão agir sempre dentro dos limites necessários para evitar que sua atuação negociai se tome fonte de prejuízos injustos e indesejá veis para terceiros. 0 Estado democrático de direito, em seus moldes atuais, evita participar diretamente na produção e circu lação de riquezas, valorizando, como já se expôs, o traba- * lho e a iniciativa privados. E, com efeito, na livre inicia tiva que a Constituição apoia o projeto de desenvolvimento econômico que interessa a toda sociedade. Não é, contu do, apenas a livre iniciativa, o único valor ponderável na ordem econômica constitucional. 0 desenvolvimento eco nômico deve ocorrer vinculadamente ao desenvolvimento social. Um e outro são aspectos de um único desígnio, que, 4 É bastante nítida a preocupação social do legislador ao se afastar do prin cípio da relatividade dos contratos, quando impõe a responsabilidade pelo dano causado ao consumidor não apenas ao fornecedor que com ele con tratou, mas a todos os integrantes da cadeia de produção e circulação (CDC, art. 12); e também quando estende a proteção contra os defeitos do pro duto, responsabilizando o fornecedor perante qualquer vítima que o te nha consumido, e não apenas em face daquele com quem contratou o fornecimento (CDC, art. 14). No mercado de consumo, exige-se ampla mente um comportamento social adequado, que vai muito além dos limi tes tradicionais ditados pela relatividade das obrigações contratuais. 33 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R por sua vez, não se desliga dos deveres éticos reclamados pelo princípio mais amplo da dignidade humana, que jamais pode rá ser sacrificado por qualquer iniciativa, seja em nome do econômico, seja em nome do social. Nada, com efeito, justifica o tratamento da pessoa humana, no relacionamento jurídico, como coisa ou como simples número de uma coletividade. A ordem constitucional de nossos tempos, por isso, evita o intervencionismo gerencial público no processo econômico; deixa de atribuir ao Estado a exploração dire ta dos empreendimentos de ordem econômica; mas tam bém não pode permitir que em nome da liberdade negociai a força econômica privada seja desviada para empreendi mentos abusivos, incompatíveis com o bem estar social e com os valores éticos cultivados pela comunidade. Sob o predomínio do Estado liberal, o contrato pode ser visto como fonte criadora de direito, ad instar da pró pria lei (pacta sunt servanda), como, v.g., afirmava . 5 KELSEN, em sua noção positivista do fenômeno negociai. 5 “Partindo para a seara privatística, segundo KELSEN, o acerto contratual funciona como fato criador do direito, uma vez que, quando os contratan tes avençam uma compra e venda, por exemplo, criam uma norma espe cífica, consoante a qual o contratante ‘A’ deverá ter conduta X e o contra tante ‘B’, conduta Y. 0 positivismo admite que os indivíduos possam regular su as ações m útuas dentro do âmbito de p o ssib ilid ad es oportunizado pelas normas jurídicas gerais. Tal regulação é propiciada por intermédio das normas individuais jurídico-negociais, as quais não 34 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L O Estado social, porém, não se alheia aos problemas que o abuso da iniciativa contratual pode gerar no meio so cial em que os efeitos da convenção privada irão reper cutir. Se algum dano indevido a terceiro ou à coletivida de for detectado, a autonomia contratual terá sido exercitada de forma injurídica. Não poderá o resultado danoso prevalecer Ou o contrato será invalidado ou o con tratante nocivo responderá pela reparação do prejuízo acarretado aos terceiros. De uma forma ou de outra, o contrato desviado de sua função social não ficará livre de uma sanção jurídica, pois sua prática incursiona pelo terreno da ilicitude. são normas autônomas, existindo em combinação com as normas gerais fixadoras de sanções” (NOVAIS, Elaine Cardoso de Matos. “ 0 contrato em Kelsen e Luhmann” , Revista de Direito Privado, São Paulo, vol. 11, p. 125, jul.-set./2002). 35 C a p í t u l o VI I A F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o S e g u n d o a R e g u l a m e n t a ç ã o d o N o v o C ó d i g o C i v i l A inovação operada pelo Código de 2002, no campo dos princípios contratuais concentrou-se, fundamental mente, em dois dispositivos: os arts. 421 e 422. Neste último deles, proclamou-se o princípio ético, a nortear a conduta interna do negócio jurídico, ou seja, exigiu-se dos contratantes o dever de concluir, interpretar e executar o contrato segundo as regras da lealdade e boa-fé. Com isso, o novo Código foi fiel ao propósito de manter uma das li nhas de orientação proclamadas pelos organizadores do projeto de renovação da legislação civil brasileira, qual seja, o da eticidade. Já no primeiro dos dispositivos lem- 1 Como explica o Prof. MIGUEL REALE, o novo Código, diferentemente do Código de 1916, “muito avaro ao referir-se à eqüidade, à boa-fé, à pro bidade” , é, ao contrário, “ pródigo em inserir, nos mais diversos aspec tos das relações civis, a exigência da eticidade nas condutas, como um verdadeiro dever jurídico positivo” (REALE, Miguel. 0 projeto de Có digo Civil — situação atual e seus problema\s fundam entais, p. 8, apud H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R brados, proclamou-se, em termos genéricos, o compromis so de todo o direito dos contratos com a ideologia consti tucional de submeter a ordem econômica aos critérios sociais, mediante a harmonização da liberdade individu al (autonomia da vontade) com os interesses da coletivi dade (função social). Princípio que, na elaboração do Pro jeto, recebeu o nome de princípio da socialidade. Em face dessa estrutura da codificação inovada, a conceituação de função social do contrato não deve ser tão genérica que abranja tanto o comportamento interno dos contratantes entre si, como o comportamento exter no deles, perante o meio social em que o negócio projeta seus efeitos. Não é que se deva minimizar a importância do prin cípio ético ou de inferiorizá-lo diante do princípio social. Ambos são imprescindíveis ao tratamento jurídico moder no do contrato. Cada um, porém, se instala em terreno MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teó ricas do Novo Código Civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 133). 2 “ Se a eticidade está no fundamento das regras civis, dúvidas não há de que o Direito Civil em nossos dias é também marcado pela socialidade, pela situação de suas regras no plano da vida comunitária” (MARTINS- COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes cit., p. 144). 38 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L próprio e bem limitado, até mesmo para que sua conceituação não se dissipe em excessiva generalidade, que não se presta, obviamente, para prestigiar a figura jurídica nem para emprestar-lhe maior utilidade prática. Quando o instituto é enfocado e analisado com per feita segurança em tomo de seu objeto e de seu objetivo, o jurista logra, sem dúvida, resultados técnicos muito mais proveitosos, seja pelo prisma científico e conceituai (teó rico), seja no tocante à extração de conclusões úteis para a sua aplicação operacional (prática). Quando há um século o Código Civil alemão afastou- se do positivismo do velho Código francês, paraintrodu zir o dado ético (boa-fé) na sistemática do contrato, certa mente sofreu influências do pensamento social que, então, já questionava o individualismo egoísta e estéril do Esta do liberal. Não se imaginava, contudo, atribuir uma fun- 3 Reconhece-se que “ambas - eticidades e socialidade - constituem pers pectivas reversamente conexas, pois as regras dotadas de alto conteúdo social são fundamentalmente éticas, assim como as normas éticas têm afinidade com a socialidade” (MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes cit., p. 131). Por isso, “ certas regras são de difícil classificação entre a eticidade e a socialidade” , como se passa com as vedações de atos emulativos, desviados de sua função, em tema de direitos reais (idem, p. 143). 39 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ção social a um instituto privado e restrito ao relaciona mento dos contratantes. Tanto assim que, mesmo após a previsão da boa-fé e lealdade como exigências do compor tamento contratual, continuou a prevalecer o princípio de 4 sua relatividade. Foi bem mais recente o movimento doutrinário em tomo do tratamento social do contrato, que se originou na França e cuja preocupação era precisamente a análise do negócio jurídico em face de terceiros. Nessa altura, o enfoque era mais voltado para a ilicitude do que propria mente para a força contratual. Chegava-se à conclusão de que o abuso de direito, em terreno algum, deveria ser to lerado, e tampouco no domínio do contrato. A liberdade de contratar, nessa ótica, não poderia redundar em prejuí zos injustos para terceiros e para a sociedade em geral. 0 que surgiu desses estudos da interferência do con trato no meio social foi a sistematização dos denomina- 4 Do § 305 BGB se extraem os princípios da liberdade contratual e o da relatividade do contrato: “Ce demier garantit que les rapports d’obligation ne peuvent en príncipe être créés, modifiés ou supprimés qu’entre les intéressés; les tiers qui n’ont pas participé, par 1’expression de leur vonlonté, à 1’acte juridique ne peuvent se voir atribuer ni droits, ni obligations du fait de 1’acte juridique auxquels ils sont étrangers” (FERRAND, Fréderique. Op. cit., n° 296, p. 311). 40 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L dos “ efeitos externos das obrigações” . A conseqüência imediata se fez sentir na flexibilização que se teve de ad mitir para o clássico princípio da relatividade dos efeitos do contrato. Quando o art. 421 do novo Código brasileiro fala em junção social para o contrato está justamente cogitando dos seus efeitos externos, isto é, daqueles que podem re percutir na esfera de terceiros. 5 “0 credor não pode, é certo, exigir a prestação devida senão do obrigado. Mas todo o terceiro que tivesse conhecimento da relação creditória seria (juridicamente) obrigado a respeitá-la, não lhe sendo lícito induzir o de vedor a faltar ao cumprimento, celebrar com ele negócio que o impedisse de cumprir, nem destruir ou danificar a coisa devida.” Embora divergin do de toda sua extensão, ANTUNES VARELA atesta a existência da tese (Das obrigações em geral, 10a ed., Coimbra, Almedina, 2000, vol. I, n° 44, pp. 175-176). Na dicção de RITA AMARAL CABRAL, na doutrina contemporânea sobre a denominada “ eficácia externa do contrato, “ acei ta-se, pacificamente, que a circunstância de os sujeitos de um negócio não poderem convencionar a obrigação de prestar por terceiros não eqüi vale àquela outra que se traduz em impor a estes últimos que respeitem as obrigações validamente acordadas, não dificultando ou tomando im possível a respectiva observância pelas partes” (“A tutela delitual do di reito de crédito” , in Estados em homenagem ao Professor Doutor Manoel Gomes da Silva, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lis boa, 2001, p. 1.027). 41 C ap ítu lo VIII B a s e s C o n c e i t u a i s d a F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o 8.1. O Tema no Direito Positivo A novidade do tema trazido a debate pelo art. 421 do atual Código Civil brasileiro, ainda não permitiu que a doutrina definisse, com a desejada precisão, as bases conceituais da fu n ção so c ia l do contrato, traçada, normativamemte, pela lei como limite da li berdade de contratar: “A liberdade de contratar será exercida em ra zão e nos limites da função social do contrato” - dispõe o art. 421 do Código Civil de 2002. Para uns, a função social estaria localizada no pro pósito de colocar o interesse coletivo acima do interesse individual, o que, no domínio do contrato, implicaria a valorização da solidariedade e cooperação entre os contra H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R tantes. A base da função social do contrato estaria no prin cípio da igualdade, o qual atuaria, in casu, para superar o individualismo, de modo a fazer com que a liberdade de cada um dos contratantes “ seja igual para todos” . Seria a idéia de igualdade na dignidade social ou na liberdade “para todos” , que faria com que o contrato, outrora con cebido de maneira individualista, possa passar a exercei; na sociedade, uma “função social” . Ainda nessa linha que invade o relacionamento in terno travado entre as partes contratantes para neles di visar a função social do contrato, é a lição recente de PAU LO NALIN, para quem “a solidariedade (valor) e a boa-fé objetiva (princípio), o segundo fundado no primeiro, se apresentam como âncora teórica segura para se descrever a função social do contrato” . Para PAULO NALIN, na verdade, a função social ma- nifestar-se-ia em dois níveis: no intrínseco e no extrínseco. Ou seja: seu perfil extrínseco (o contrato em face 1 HIRONAKA, Giselda Novaes. “A função social do contrato” , Revista de direito civil, 45/141. 2 FERR EIR A , Carlos Alberto Goulart. “ Equilíbrio contratual” , in LOTUFO, Renan (Coord.) et al. Direito civil constitucional, São Paulo, Max Limonad, 1999, p. 112. 3 NALIN, Paulo. Op. cit., vol. 12, p. 56. 44 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L da coletividade) rompe com o princípio clássico da relativi dade dos efeitos do contrato. Passa a teoria contratual a preo cupar-se, também, com as repercussões do negócio jurídico 4 bilateral no largo campo das relações sociais. Já no aspecto intrínseco (o contrato visto como rela ção jurídica entre as partes negociais), a função social es taria ligada à observância dos princípios da igualdade ma terial, eqüidade e boa-fé objetiva, por parte dos contratantes, “ todos decorrentes da grande cláusula constitucional de solidariedade, sem que haja um imediato questionamento acerca do princípio da relatividade dos contratos” . Fazer, porém, incidir a função social do contrato no terreno da promoção da igualdade das partes leva o pro blema para um dilema ou até mesmo para uma contradi ção insuperável. Função quer dizer papel que alguém ou algo deve desempenhar em determinadas circunstâncias. 4 “0 contrato em tal desenho passa a interessar a titulares outros que não só aqueles imediatamente envolvidos na relação jurídica de crédito” (NALIN, Paulo. Op. cit., p. 56). 5 NALIN, Paulo. Op. cit., loc. cit. 6 No mundo dos negócios, “as partes, na prática, concorrem - e o direito não veda, em relações paritárias, que concorram - entre si na aquisição e ma nutenção de posições prevalentes e de proteção, o que é da essência das relações negociais. 0 comprador deseja o menor preço, o vendedoi; o maioi; e não há como esperar que renunciem a tais interesses, que são da lógica do 45 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Falar em função, portanto, corresponde a definir um obje tivo a ser alcançado. Por exemplo: à jurisdição cabe a fun ção de compor conflitos, ao legislativo, a de editar normas jurídicas, à administração, a de gerir a coisa pública etc. Dessa maneira, afirmar que o contrato tem a função de promover a igualdade dos contratantes eqüivale a dizer que esse tipo de negóciotem como objetivo fazer com que as partes “ sejam iguais” . Ora, o contrato jamais terá seme lhante objetivo porque não se trata de instrumento de as sistência ou de amparo a hipossuficientes ou desvalidos. 0 único e essencial objetivo do contrato é o de pro mover a circulação da riqueza, de modo que pressupõe sempre partes diferentes com interesses diversos e opos tos. Para harmonizar interesses conflitantes, o contrato se dispõe a ser útil na definição de como aproximá-los e dar- lhes uma saída negociai. Nunca, todavia, o interesse do vendedor será igual ao do comprador, o do mutuante igual ao do mutuário, o do locador igual ao do locatário, o do empreiteiro igual ao do dono da obra e assim por diante. negócio” ... “ Sustentar o contrário traduz puro romantismo, ao qual as rela ções patrimoniais e a prática contratual não podem se adaptar” (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. “ Os efeitos da Constituição em relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Ci vil” , Revista da EM ERJ, vol. 6, n° 23, pp. 148-149,2003). 46 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Quem visa ao lucro, obviamente, não pode ser igual a quem busca o uso ou a propriedade da coisa alheia. O lucro do comerciante (fornecedor) não tem como ser igual à vanta gem que o comprador espera obter com o uso do bem ad quirido. As coisas são tão heterogêneas que não chegam a oferecer parâmetro algum para cotejo. Daí a imprestabilidade da tese de que o contrato teria a função social de igualar os contratantes. Somente sendo diferen tes e exercendo interesses opostos, as pessoas praticarão o contrato, como instrumento naturalmente destinado àfun ção específica de realizar a circulação dos bens patrimoniais entre pessoas diferentes e que atuam com objetivos distin tos no relacionamento jurídico estabelecido. Como lembra GUSTAVO TEPEDINO, em nome dos prin cípios éticos, é, por exemplo, absolutamente “ irreal e desne cessário” exigir do locatário e do locador que tenham a mesma postura acerca da majoração ou redução do aluguel. Não ape nas porque os interesses em jogo são individuais e privados como principalmente porque “a persecução de interesses con trapostos não é empecilho para a construção de um ambiente 7 contratual ético e compatível com a ordem jurídica” . 7 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. “ Os efeitos da Consti tuição em relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consumi dor e no Código Civil” , Revista da EM ERJ, vol. 6, n° 23, p. 148, 2003. 47 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Em linha de maior precisão do conceito de função social do contrato, se postam os que situam esta função apenas no relacionamento externo dos contratantes com terceiros, ou seja, com o meio social. Para o Prof. ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, a função social do contrato deve ser extraída do art 170, caput, da Constituição da República, de modo que os contratos devem estabelecer-se numa “ordem social harmô nica” , visando inibir qualquer prejuízo à coletividade, por con ta da relação estabelecida. Assim a atividade contratual, em face de terceiros, para não infringir a regra que reprime o ato ilícito (art 159 do Código Civil, de 1916), deve apresentar-se como um comportamento social sempre adequado. Nesse enfoque, o terreno próprio para cogitar-se da fun ção social do contrato é o da modernização do antigo e infle xível princípio da relatividade dos contratos. Os problemas do comportamento ético entre os próprios contratantes são cuidados por outro princípio novo do direito contratual, que vem disposto no art. 422, do novo Código Civil, e não naque le que implanta a função social do contrato (art. 421). Se o legislador cuidou de disciplinar separadamente os dois princípios foi porque lhes reconheceu individua lidade. Não cabe ao intérprete confundi-los, reduzindo todos a um só regime e a uma única justificação teórica. 8 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. “ Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)” , cit., RT, 750/117. 48 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Sem preocupar-se com a identificação de um e outro, acaba-se por endeusar a função social erigindo-a à condi ção de uma panacéia indefinida e indefinível, prestante a solução dos mais díspares problemas, com graves riscos para a segurança jurídica e com inequívocos comprometi mentos para o desenvolvimento econômico, sem o qual não se pode estruturar o desenvolvimento social no moderno 9Estado Democrático de Direito. Empregando-se maior rigor científico nas indagações histórico-culturais, e evitando soluções de efeito demagó gico, e de modismo intelectual suspeito, pode-se prestar serviço de muito maior relevância aos institutos jurídicos em análise e aos verdadeiros interesses sociais em jogo. E o que pensamos se possa fazer em tomo da análise do princípio da eticidade (onde se aplicam regras como o da lealdade e da solidariedade entre os contratantes) e do princípio da socialidade (onde se deve preocupar com a ordem econômica e com a ordem social, assim como com a intervinculação entre ambas, tudo no plano exterior ao 9 Não se pode, por exemplo, proteger exageradamente os consumidores, porque “ la surprotection risque de perpétuer la situation de faiblaisse dans laquelle se trouve la plupart des consommateurs. Elle risque aussi d’être abusivement utilisée par les consommateurs les plus malins” . Além disso, a proliferação de regras excessivamente protetivas pode derrogar o princípio da liberdade do co mércio e da indústria (princípio da livre iniciativa). “D n’ est pas bon dencombrer le droit d’une multitude de textes qui risquent, ou de n’être pas appliqués ou, s’ils le sont, de paralyser 1’activité économique” (CALAIS-AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation cit.y n° 22, p. 20). 49 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R relacionamento travado entre os contratantes, ou seja, no plano do impacto do contrato com terceiros ou com o meio social em sentido mais amplo). a E de todos sabido que a teoria atual do contrato, seja no âmbito da lei, da doutrina ou da jurisprudência, assis te a um grande confronto filosófico entre o voluntarismo (clássico) e o comutativismo (moderno) ou entre o indivi dualismo e o solidarismo. Enquanto a primeira corrente vê o núcleo do fenômeno na vontade, a segunda o desloca para a cooperação entre as partes. De qualquer maneira, sua função é sempre a de criar obrigações e direitos entre elas. Deveu-se, por outro lado, ao solidarismo, a introdução na área do contrato das preocupações com o equilíbrio, a proporcionalidade e a pioscrição do abuso no relacionamen to contratual. Essas novas facetas do direito contratual ma nifestam-se, porém, na linha dos princípios e não do objetivo perseguido pelo contrato, que continua sendo a circulação da riqueza, sob garantia de segurança jurídica. Mas, uma circu lação que a própria economia incita aos contratantes a fazê- la sob um figurino de cooperação e confiança mútua. 10 JESTAZ, Philippe. “ Rapport de synthèse. Quel contrat pour demain?” , in JAMIN, Christophe, MAZEAUD, Denis. L a Nouvelle Crise du Contrat, Paris, Dalloz, 2003, p. 253. 50 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Em suma, para delimitar o campo de atuação dos dois novos princípios consagrados pelo Código Civil de 2002 — a boa-fé objetiva e a função social do contrato — impõe- se acentuar o seguinte: a) ofende-se o princípio da boa-fé quando o contrato, ou a maneira de interpretá-lo ou de executá-lo redundam em prejuízo injusto para uma das partes; b) ofende-se a função social quando os efeitos exter nos do contrato prejudicam injustamente os interesses da comunidade ou de estranhos ao vínculo negociai. 8.2. A Lição Extraída do Direito Comparado 0 direito italiano, que sabidamente serviu de molde para a renovação da legislação civil brasileira, já amadu receu sobreo tema dos novos princípios do contrato e es- a pecialmente sobre sua função social. E por isso impor tante conhecer o que a doutrina italiana construiu a seu respeito. GIOYANNI IUDICA e PAOLO ZATTI, em obra recentíssima, retratam com precisão o entendi mento esposado pelo direito privado na Itália, desta cando o seguinte: 51 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R A) o princípio da boa-fé impõe o “clima” que o legislador entende deva prevalecei; como regra fundamental em todas as fases de contratação e realização do contrato, “clima” que de verá ser implantado e respeitado pelas partes contratantes: “ N elle tra tta tiv e e n e lla form azion e delV accordo le parti sono tenute a com portarsi secondo buona fe d e (art. 1.337)... La buona fede è anche il critério fondomentale per Vinterpretazione dei con trato (art. 1.366), cioè per quelFoperazione con cui si stab ilisce il significato delle m anifestazioni di volontà che formano 1’accordo contrattuale... Questa tendenza si completa e si rafforza con la norma delFart. 1.375, che impone alie parti una condotta di buona fede nell’esecuzione dei contratto” . 0 princípio da boa-fé objetiva, no domínio do direito contratual, para a doutrina italiana, resume-se no “dovere 11 IUDICA, Giovanni, ZATTI, Paolo. Linguaggio e regole dei dirittoprivato, Padova, CEDAM, 2002, pp. 272-273. 52 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L di correttezza” , que tem de ser guardado pelas partes do contrato. As partes sujeitam-se ao princípio da eticidade, ou seja, desde as tratativas até a execução, a conduta exigida dos contratantes — um em relação ao outro — é a das “pessoas honestas e leais” . A boa-fé, portanto, esta belece o dever de correção para o devedor e o credor, in distintamente. “La buona fede è una fonte di integrazione 12 degli effetti dei contratto” . B) A junção social do contrato corresponde à neces sidade sentida pelo Estado moderno de limitar a autono mia contratual, em face da exigência social de “garantirre interessi generali o colettivi” que não se satisfaziam den tro da sistemática do Estado Liberal. A liberdade de con tratar, nessa ordem de idéias, não pode contrastar com a utilidade social em temas como segurança, liberdade, dignidade humana, devendo sobrepor à autonomia contratual interesses coletivos como os ligados à educa ção, à saúde, os transportes, a utilização adequada das fontes de energia, à tutela do meio ambiente, a proteção a certos setores produtivos etc. Há uma reciprocidade, nesse aspecto, entre as regras de limitação da proprie- 12 IUDICA, Giovanni, ZATTI, Paolo. Linguaggio cit., pp. 272-273. 53 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R dade e as que restringem a autonomia contratual. In- cluem-se, ainda, no âmbito das limitações da liberdade de contratar (função social) a tutela da livre concorrên cia no mercado (combate aos trusts e às praxes de domi nação de mercado) e à tutela das partes débeis das rela ções de mercado (os consumidores, no que diz respeito à propaganda enganosa, aos contratos stan d ard , à contratação a distância etc.). A principal contribuição do princípio da boa-fé para o aprimoramento da teoria do contato situa-se no terreno da integração: os efeitos do contrato não se limitam àquilo que as partes expressamente pactuaram. Estendem-se, também, a todas as conseqüências que dele decorrem se gundo a lei, os usos e a eqüidade. Mas a boa-fé não é ca- 14 paz, por si só, de alterar a convenção. Ela pode ser inva lidada ou complementada em função das regras éticas. 0 juiz, porém, para penetrar na regra expressa do contrato, impondo-lhe teor diverso do querido pelo acordo de von- 13 IUDICA, Giovanni, ZATTI, Paolo. Linguaggio cit., pp. 274-275. 14 “D principio di interpretazione dei contratti secondo buona fede constituisce un mezzo di interpretazione che può essere utilizzato per accertare il contenuto sostanziale dei contratto, ma non per ampliarlo” (Corte di Cassazione, Itália, Dec. n° 3.480, de 09.04.1987, in CRISCUOLI, Giovanni. II contratto, 2a ed., Radova, CEDAM, 2000, p. 354). 54 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L tades, há de se apoiar em autorização legal. “ Solo la legge, invece, ha la forza di correggere la volontà dei privati, cioè di imporsi non nel silenzio, ma contro una espressa determinazione” . Nessa ordem de idéias, o recurso à boa-fé objetiva no domínio do contrato se dá de uma forma supletiva, quan- ✓ do se busca interpretar o conteúdo do negócio jurídico. E que, pela natureza do contrato, seu objetivo é definido pelas partes que, nesse sentido, exercem a autonomia negociai. Se há lacuna ou imprecisão no enunciado da declaração de vontade, atua a força integrativa da boa-fé objetiva. Se, porém, a vontade negociai é conhecida e corresponde a um objetivo ilegal ou imoral, não se presta a teoria da boa-fé objetiva para corrigir a patologia do negócio. A solução dar- se-á pela nulidade do contrato ou das cláusulas ilícitas e não pela alteração judicial autoritária do seu conteúdo. Reduzida a infração da boa-fé apenas a condutas cen suráveis durante a execução do contrato ou depois de já con cluída esta, o efeito será a exigibilidade da indenização dos prejuízos injustamente acarretados pela parte que atuou de má-fé. 0 defeito, nessa conjuntura, instala-se sobre o com 15 IUDICA, Giovanni, ZATTI, Paolo. Linguaggio cit., pp. 314-315. 16 CRISCUOLI, Giovanni. II contratto cit., p. 345. 5 5 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R portamento em si: o contrato permanece, eliminando-se apenas as conseqüências indesejáveis da má-fé. Na doutrina nacional, quem muito bem soube detec tar o terreno propício à manifestação da função social do contrato foi CALIXTO SALOMÃO FILHO, ao divisar que o importante, no direito moderno, tal como se passou em relação à propriedade e à empresa, é detectar no plano do contrato a esfera social afetada pelas relações dele advindas. Além das obrigações estabelecidas entre as partes pelo vínculo negociai, cabe a elas, também, uma obrigação muito mais abrangente “em relação à socieda de, que envolve a responsabilidade por todos os efeitos sociais dessas relações livremente organizadas” . Donde: “ Descrito dessa forma o princípio da função social é óbvio que em matéria de contratos o interesse desloca-se para a precisa definição desses efeitos sociais, que nada mais são que a identificação dos interesses de terceiros dignos de tutela e passíveis de serem afetados pelas relações contratuais” (destacamos).17 17 SALOMÃO FILHO, Calixto. “ Função social do contrato: primeiras ano tações” , Revista de Direito Mercantilt São Paulo, Malheiros, vol. 132, p. 10, out.-dez./2003. 56 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Observa, contudo, SALOMAO FILHO que não basta o simples envolvimento da esfera de terceiros para defi nir e delimitar a função social. A constatação da verda deira função social envolve a presença de interesses dijusos, de par com os interesses individuais manejados pelos contratantes. Conjugam-se, assim, em razão do con trato, o interesse institucional e o interesse individual, não pelo número de pessoas envolvidas, mas em razão do objeto. São as garantias institucionais em jogo que, estan do presentes, delineiam afunção social atribuída ao con- trato. E, seguramente, na Constituição que se encontra a fonte primária dos interesses institucionais (difusos e coletivos), embora não seja a única. “A própria origem publicista do termofunção social (...) faz com que, mes mo transformado, o termo se aplique a interesses que transcendem o individual (...) (imagine-se a tutela ambiental, por exemplo)” .18 Explica o autor porque não se deve confundir função social do contrato com o princípio ético da boa-fé objetiva: “A fattispecie de aplicação do princípio da fun ção social do contrato deve ser considerada ca- 18 SALOMÃO FILHO,Calixto. “ Função social...” , cit., p. 22. 57 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R racterizada sempre que o contrato puder afetar de alguma forma interesses institucionais ex ternos a ele. Não se caracteriza, portanto, a fattispecie nas relações contratuais internas (i. é, entre as partes do contrato). E por duas razões. Em primeiro lugar pela própria ligação, histó rica e de essência da expressão aos interesses institucionais que, como visto, não se confun dem com os individuais. Em segundo porque uma aplicação da expressão às partes contratan tes levaria a tentativas assistemáticas e difusas de reequilíbrio contratual. A tarefa de reequilíbrio contratual já está bem atribuída a princípios como a boa-fé objetiva (art. 422 do novo Código Civil) e cláusula rebus sic stantibus. Andar além disso não é possível, ao menos em base casuística. Ter por base disparidade de poder das partes é fundamental, desde que o reequilíbrio se faça por categorias (como os consumidores, p. ex.). Trata-se aqui necessariamente de uma política pública de reequilíbrio que deve partir de iniciativas legislativas e ter certo grau de coerência. Ad- 58 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L mitir um reequilíbrio difuso, além de provavel mente não garantir qualquer redistribuição de riqueza efetiva — exatam ente por ser assistemático — criaria situação de inseguran ça jurídica, extremamente danosa para os con tratos” .19 Ao contrário do que se passa com os deveres de boa- fé objetiva, que, quando ofendidos, quase sempre se resu mem à causa de indenização, a infringência dos interes ses institucionais conduz à ineficácia do contrato ou da cláusula que os atinja. Na correta compreensão da função social e de sua vinculação aos interesses institucionais, não se pode re conhecer eficácia alguma à convenção que, por exemplo, implique risco evidente de dano ambiental, o mesmo se passando com os contratos entre empresas que afetem genericamente interesses dos consumidores (“ aqui enten didos como a totalidade dos consumidores, o mercado de consumo — i.é, a concorrência ou algum outro interesse comum de todos os consumidores - , pois só aí, segundo os critérios desenvolvidos supra, haverá interesse 19 SALOMÃO FILHO, Calixto. “ Função social...” , cit., p. 22. 59 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R institucional envolvido” ).20 Se houver reparação a fazer, será não aos contratantes, mas ao bem institucional lesa do (recuperação, p. ex., do meio ambiente, proibição da prática não concorrencial, cessação da propaganda ilícita ou enganosa etc.). Quando, porém, vários consumidores se reúnem para reclamar prejuízos homogêneos derivados do mesmo produto, a defesa coletiva desses interesses indi viduais não tem necessariamente conotação de tutela de interesses institucionais, por faltar a presença da reper cussão social ampla. Tudo se resolve na esfera patrimonial dos interessados.21 20 SALOMÃO FILHO, Calixto. “ Função social...” , cit., p. 23. 21 Para ações coletivas de tutela de direitos individuais homogêneos, em regra o Ministério Público não tem legitimidade, justamente porque os interes ses são disponíveis e não há interesse social a tutelar. “ Tratando-se de defesa de interesses difusos, pela abrangência dos interesses, a atuação do Ministério Público sempre será exigível. Já em matéria de interesses coletivos e de interesses individuais homogêneos, o Ministério Público atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (mesmo o dano potencial); b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico. As sim, se a defesa de um interesse, ainda que apenas coletivo ou individual homogêneo, convier direta ou indiretamente à coletividade como um todo, não se há de recusar o Ministério Público de assumir sua tutela. Quando, porém, se tratar de defesa de interesses coletivos ou individuais homogê neos, de pequenos grupos, sem características de indisponibilidade nem suficiente abrangência social, pode não se justificara iniciativa do Minis tério Público” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos 60 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Em síntese, “A regra da função social do contrato adquire caráter de norma de proteção (Schutzgesetz) dos interesses institucionais eventualmente atingidos pelo contrato” , devendo o princípio adotado pelo Código Civil (art. 421) “ complementar o sentido dos instrumentos pro cessuais de controle difuso (ex., ação civil pública), ins trumentos de verdadeiro controle social” .22 em juízo, 8a ed., São Paulo, Saraiva, 1996, p. 106). Já decidiu o STJ, a propósito, que “a quaestio trazida à baila diz respeito a direito que, con quanto pleiteado por um grupo de pessoas, não atinge a coletividade como um todo, não obstante apresentar aspecto de interesse social. Sendo as sim, por se tratar de direito individual disponível, evidencia-se a inexeqüibilidade da defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública” (STJ, 5a T., REsp. n° 506.457/PR, Rei. Min. Félix Fischer, ac. 18.09.2003, D JU 03.11.2003, p. 343). 22 SALOMÃO FILHO, Calixto. “ Função social...” , cit., p. 24. Nesse senti do, mostra-se correta a doutrina que reconhece a legitimidade ao Minis tério Público para promover ação coletiva em defesa de interesses indivi duais homogêneos, em temas como saúde e educação, em face do interesse público em jogo, de nítidas raízes constitucionais (interesses fundamen tais, portanto) (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses cit., pp. 106-107). Também a jurisprudência tem assentado que “o Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quan do tais direitos têm repercussão no interesse público” (STJ, 5a T., REsp. n° 413.986/PR, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, ac. 15.10.2002, DJU 11.11.2002, p. 266), ou seja, “ quando existente interesse social compa tível com a finalidade da instituição” (STJ, 4a T., REsp. n° 168.859/RJ, Rei. Min. Ruy Rosado, ac. 06.05.1999, Revista Forense, 350/248). 61 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R 8.3. Função Social do Contrato e Proteção da Confiança Há no direito como um todo, e mais particularmente no direito das obrigações, o reconhecimento universal de que as justas expectativas dos sujeitos dos negócios jurí dicos merecem tutela jurídica, pois somente seria possí vel a convivência social se as pessoas nela envolvidas pudessem realmente confiar em que suas expectativas fossem de fato garantidas. Foi a crescente valorização da confiança que levou o direito moderno a ampliar, como um bem social, de grandeza inclusive econômica, a tutela do consumidor, como parte débil nos negócios praticados no mundo massificado de nosso tempo. Um direito especial acabou sendo engendrado para implementar estratégias de confiabilidade nas relações de consumo.23 Enquanto se tutela todo um universo de contratantes, em seus contatos sociais e negociais com os fornecedores de bens e serviços em massa, pode-se considerar como uma função social do contrato de consumo garantir as expectati 23 ZANCHET, Marília. “A nova força obrigatória dos contratos e o princípio da confiança no ordenamento jurídico brasileiro: análise comparada entre o CDC e o CC/2002” , Revista de Direito do Consumidor, vol. 58, p. 117. 62 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L vas geradas para os consumidores, sejam eles partes do contrato ou simples usuários dos bens postos no mercado de consumo. 0 fenômeno é tipicamente social. Convém, todavia, não confundir confiança com boa- fé, na ordem dos princípios jurídicos. Quando se protege a boa-fé, está se protegendo a confiança, mas pode esta ser tutelada sem indagação alguma em tomo da boa-fé. Com efeito, a boa-fé sempre esteve mais ligadaa característi cas éticas e à confiança, mais relacionada à legítima ex pectativa, de maneira que, na boa-fé, “ as expectativas são irrelevantes” . 0 que está em jogo é o padrão de comporta mento, que se exige seja probo, honesto e leal.24 Em relações travadas entre partes desiguais, como consumidores e fornecedores, revela-se mais evidente a presença jurídica da proteção do princípio da confiança. Várias são as manifestações tutelares das expectativas do consumidor; legalmente reconhecido como parte vulnerá vel da relação.25 No tocante aos contratos paritários do Código Civil, não é fácil aplicar o princípio da confiança com o caráter 24 ZANCHET, Marília. Op. cit., pp. 128-129. 25 ZANCHET, Marília. Op. cit., p. 134. 63 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R de uma tutela inerente à função social. É na tutela interna da boa-fé a ser preservada entre os próprios contratantes que se deverá abrigar a proteção às legítimas expectati vas estabelecidas entre eles.26 Aplicação mais específica da teoria da confiança, no campo do Direito Civil, ocorre com mais propriedade fora do contrato, em situações como a da responsabilidade pré- contratual, quando se protegem as expectativas quebra das pela imotivada ruptura das negociações preliminares (responsabilidade pela culpa in contrahendó), e nos ca sos em que se protege a aparência para assegurar os efei tos do negócio jurídico, como os praticados pelo herdeiro aparente (Cód. Civil, art. 1.827, parágrafo único), por mandatário (Cód. Civil, art. 686) ou sócio (Cód. Civil, art. 1.015, parágrafo único) com falta ou exorbitância de po deres não detectável pelo outro contratante. 26 “A proteção da confiança, por fugir do modelo legislativo clássico, exige uma regulação mais tópica e material de tais questões, deixando de lado, em regra, o modelo do Código Civil. Por isso, sem dúvida, é através, principal mente, da cláusula geral da boa-fé que se encontrarão formas de perfectibilização da proteção da confiança nas relações entre iguais no ordenamento jurídico brasileiro (...). 0 princípio da confiança apresenta-se mais vinculado, ainda, no Ordenamento Jurídico Brasileiro aos princípios de proteção do consumidor. Embora haja institutos decorrentes da proteção da confiança nas relações entre iguais, isso ainda não se percebe no âmbito das controvérsias judiciais...” (ZANCHET, Marília. Op. cit., p. 138). 64 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L 8.4. Função Social e Causa do Contrato Tem surgido interessantes estudos que buscam no ter reno da causa do contrato local adequado para detectar sua função social e, eventualmente, o emprego de determinado contrato fora de sua natural destinação jurídica.27 Convém, pois, revisitar o fenômeno da causa no plano do contrato. Nosso Código Civil não insere literalmente a causa como requisito necessário à validade do negócio jurídico. Limita-se a exigir que, para tanto, concorram a capacida de das partes, a licitude, a possibilidade e determinação do objeto, e a regularidade da forma (Cód. Civil, art. 104). De fato, não há necessidade de verificar a presença da causa na enumeração dos requisitos de validade do 27 RODRIGO XAVIER LEONARDO considera que o art. 421 do Código Civil se presta a justificar o enfoque funcional sobre a relação contratual, capaz de propor soluções diversas daquelas que seriam apontadas a par tir de uma leitura estrutural, especialmente no estudo das redes contratuais. Assim, dentro da conjuntura em que o contrato se inseriu, sua função prático-social seria diversa da correspondente ao tipo legal singularmen te considerado (Cf. LEONARDO, Rodrigo Xavier. “A teoria das redes contratuais e a função social dos contratos: reflexões a partir de uma re cente decisão do Superior Tribunal de Justiça” , Revista dos Tribunais, vol. 832, pp. 100-111; RENTERÍA, Pablo. “ Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato” , in MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâ neo, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 297 e segs.). 65 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R negócio jurídico, pois, afinal, não é ela um elemento es sencial do negócio como são aqueles enumerados no art. 104 do Código Civil. “A causa é um requisito de outra oídem, é um quid que ilumina o contrato na sua dimensão de valores e de regulamento de interesses” .28 A causa, outrossim, não se confunde com o objeto do contrato, e não lhe pode faltar, pois é por ela que se define a finalidade ou a funcionalidade do negócio praticado. Nem se pode pretender que nosso Código, por não ter re gulado em dispositivo expresso a causa, não lhe reconhe ça relevância jurídica. Ao contrário, mesmo não a arrolando no elenco dos requisitos de validade do negócio jurídico (art. 104), prevê sua nulidade quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito (art. 166, III), assim como sua anulabilidade quando o falso motivo figurar como razão determinante (art. 140); e ain da considera ato ilícito, o abuso de um direito exercido com excesso manifesto dos limites impostos pelo seufim econômico ou social (art. 187); e, por fim, reprime o en riquecimento sem causa, obrigando a quem dele se bene ficiar a restituir o indevidamente auferido (art. 884). 28 RENTERÍA, Pablo. Considerações cit., p. 300; PERLINGIERI, Pietro. Manuale de diritto civile, Napoli, ESI, 2000, p. 368. 66 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L A causa do negócio jurídico, ou seja, a finalidade prá tica perseguida pelo contrato, como se vê, não é estranha ao nosso direito de obrigações e, ao contrário, ocupa posi ção relevante em vários momentos da disciplina da vali dade e dos efeitos do negócio jurídico. Já há muito se assentou que não se pode pesquisar a causa do negócio jurídico no psiquismo dos contratantes, pois aí o que se encontra são apenas os motivos que só ad quirem relevância jurídica quando perdem seu natural subjetivismo e assumem, por convenção expressa, a quali dade de condição do negócio pactuado. Então, o que se tem é a expressão de sua razão determinante, ou seja, sua cau sa (Cód. Civil, art. 140), pois o propósito justificante do contrato sai do plano subjetivo para ocupar objetivamente o papel de fim a ser alcançado por meio do contrato. É estefim (este objetivo) que irá definir, independen temente da subjetiva intenção de cada contratante, ou de ambos, afunção jurídica a ser desempenhada pelo con trato. Nessa ordem, não se pode ver a causa como algo apartado do contrato, pois todo contrato há de ter neces sariamente causa, quer dizer, há de ter um esquema negociai estabelecido pela lei para assegurar os efeitos, quando se trate de contratos típicos, ou um esquema en 67 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R gendrado pelas partes, sob o amparo da lei, para atingir determinado efeito fixado pela autonomia da vontade. Segundo o Anteprojeto do Código Europeu do Contra to, coordenado pelo Prof. GANDOLFI, “ el régimen jurí dico aplicable a cada contrato es el que corresponde a su verdadera causa o conjunto de propósitos prácticos acor dados por las partes al contratar, cualquiera que sea el 29 nombre asignado o el tipo adoptado por las partes” . Segundo certa concepção doutrinária recente, a fun ção social do contrato seria o cumprimento de sua causa, ou seja, causa efunção social seriam a mesma coisa.30 De fato é no campo da função do contrato (e, portan to, de sua causa) que se pode freqüentemente detectar sua função social. Mas não me parece que todo esquema do negócio privado sempre esteja desempenhando a função social de que se ocupa o art. 421 do Código Civil. Se cum prir o esquema legal traçado para o exercício de qualquer direito for a su jeição à função social, seria uma superfetação a instituição da regra do citado dispositivo, 29 Texto aprovado em sessão de 05.05.2000, conforme JOSÉLUIS DE LOS MOZOS. Estúdios sobre derecho de contratos, integración europea y codificación, Madrid, Fundación Beneficencia et Perita Iuris, 2005, p. 117. 30 RENTERÍA, Pablo. Considerações cit., p. 304. 68 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L já que obviamente todo regime da lei, seja para que negó cio ou ato for, sempre deve sujeitar o destinatário ao res pectivo cumprimento ou respeito. Se o legislador pretendeu, como art. 421 do Código Civil, criar um novo limite ou condição à liberdade negociai, somente pode destiná-lo a algo mais que o cumprimento de esquemas negociais já existentes e obrigatórios. Esse limite somente haverá de ser encontrado fora do esquema finalístico ou causai a que as partes voluntaria mente se vincularam. Entre elas o contrato vale, ou não vale, desde que observado, ou não, os requisitos essenciais do art. 104 do Código Civil e cumpridos outros específicos dos contratos típicos (arts. 166 e 167); e somente perderá sua originária eficácia se contaminada sua prática por algum vício de consentimento capaz de tomá-lo anulável (art. 171). Mas, nesse âmbito de regulamentação, nada há que extra vase os limites individuais da relação negociai. Para me lhor compreensão do tema, hão de se identificar o plano das relações internas do contrato, que só diz respeito aos seus próprios sujeitos, e o da interferência do negócio jurídico na esfera coletiva (ou social). Como bem adverte JUDITH MARTINS-COSTA, a causa-função do contrato é uma coisa e sua função social 69 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R é outra. A causa se presta a qualificar o contrato e definir o esquema funcional a que as partes se acham submeti das por força da relação jurídica dele emergente. Já a fun ção social se localizaria no terreno das imposições de de- veres que tomem o contrato conforme ao bem comum.31 Já se usou o exemplo do desvio de função do contrato típico dentro das chamadas “ redes de contratos” para demonstrar que o enfoque funcional, ou de causa, pode chegar a soluções diversas daquelas que seriam normais ao tipo. Isto serviria de explicação de como a função soci al do contrato poderia atuar dentro da funcionalidade do negócio jurídico.32 Na verdade, porém, o exemplo presta-se a demons trar o desvio de função jurídica do contrato tipo, e não de sua função social. 0 próprio autor da exemplificação re conhece que a funcionalização dos institutos de direito privado, em situação como a da “ rede de contratos” , tal como aventada, “não é propriamente inovadora” .33 Ora, se tal não configura uma inovação no regime contratual clás 31 MARTINS-COSTA, Judith. “ Notas sobre o princípio da função social dos contratos” , Revista Literária de Direito, n° 37, p. 21. 32 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Op. cit., p. 107; RENTERÍA, Rabio. Con siderações cit., p. 313. 33 LEONARDO, Rodrigo Xavien Op. cit., p. 107. 70 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L sico, não pode ser utilizada para exemplificar o limite cri ado pelo novo Código Civil para a liberdade de contratar (art. 421). Repita-se: alterar convencionalmente o esquema tí pico do contrato, dando-lhe nova função jurídica, não in terfere no plano de sua repercussão social, mas apenas no de seu papel no negócio estabelecido entre as partes, sob comando da autonomia da vontade. O que se alterou, diga- se mais uma vez, foi a função jurídica apenas e não sua função social. Enquanto o negócio lícito persistir produ zindo efeitos e reflexos apenas no relacionamento entre os sujeitos do contrato, será fato indiferente ao meio social. 0 bem comum não terá sido afetado. Não haverá limite algum a impor aos contratantes, além dos que generica mente condicionam a validade e eficácia de todo e qual quer contrato. Como o contrato não se dissocia de sua causa, a iden tificar função social com causa, estar-se-ia identificando contrato com função social, de modo a não saber onde aca ba o contrato e onde começa sua função social. Em outras palavras: se não se afasta do interior da esfera contratual, contrato e função social seriam uma só e única coisa, já que não há dúvida de que todo contrato surge preoidenado 71 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R a cumprir uma finalidade, qual seja, uma causa. Esta, em vez de limite, é a sustentação ou a justificação do contra- to. E sua função jurídica e não social, não havendo como atribuir-lhe o papel de limite, já que isto seria tratá-la a um só tempo como o contrato e o limite do contrato. Sem penetrai; pois, no relacionamento dos contratan tes com o mundo exterior ao contrato não há, segundo nossa ótica, como entrever uma função social para a liberdade de contratar; sob pena de confundi-la com os limites na turais da validade e eficácia dos negócios jurídicos em geral, os quais são tradicionalmente traçados sem neces sidade alguma de recorrer à nova função social, e sem descambar para o âmbito ético da boa-fé, que também exerce seu papel por si só sem deixar espaço para convi vei; no plano ético, com a propalada função social. 72 Capítulo IX E x e m p l o s d e F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o P r e j u d i c a d a p o r A b u s o d a L i b e r d a d e d e C o n t r a t a r Embora seja difícil reunir ou sintetizar todas as pos sibilidades de desvio da função social do contrato, alguns exemplos podem ser aventados, para ilustrar a tese, como: a) induzir a massa de consumidores a contratar a prestação ou aquisição de certo serviço ou produto sob influência de propaganda enganosa; b) alugar imóvel em zona residencial para fins comer ciais incompatíveis com o zoneamento da cidade; c) alugar quartos de apartamento de prédio residencial, transformando-o em pensão; d) ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros; e) qualquer negócio de disposição de bens em fraude de credores; f) qualquer contrato que, no mercado, importe o exer cício de concorrência desleal; H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R g) desviar-se a empresa licitamente estabelecida em determinado empreendimento, para a contratação de operações legalmente não permitidas, como, v.g., uma fatorizadora que passa a contratar depósitos como se fosse instituição bancária; ou a instituição financeira que, em lugar das garantias reais permitidas pela lei, passa a adotar o pacto de retrovenda ou o compromisso de compra e venda, burlando assim a vedação legal do pacto comissário; h) a agência de viagens que sob a aparência de pres tação de serviço de seu ramo, contrata na realidade o cha mado “turismo sexual” , ou a mediação no contrabando ou em atividades de penetração ilegal em outros países; i) enfim, qualquer tipo de contrato que importe des vio ético ou econômico de finalidade, com prejuízo para terceiros. Em todos esses casos e em muitos outros da espécie, pessoas ou entidades que não figuraram no negócio jurí dico, mas que foram ou poderão ser prejudicados por seus efeitos externos terão direito de impedir a conclusão do negócio projetado ou de fazer cessar os efeitos do contrato já concluído, bem como de exigir reparação pelos prejuí zos eventualmente suportados. 74 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Em contrapartida, não se pode falar em desvio de função social, quando um contratante, deslealmente, pro voca prejuízo ao outro, empregando meios reprováveis ética e juridicamente, ou prevalecendo da inexperiência ou da necessidade em que o contratante se encontra. Nesse pla no, que é o típico da boa-fé objetiva, quem pode reagir é apenas o sujeito contratual lesado. 0 fenômeno se passa no plano interno do relacionamento negociai. 1 São casos típicos de quebra da boa-fé objetiva, entre outros, a venda de aparelho elétrico que se queima em pouco prazo; ou de mecanismo que se estraga por falta de instruções acerca de seu manuseio correto; a recu sa de assistência e orientação quando o aparelhonovo ainda apresenta falhas ou defeitos; o emprego no conserto do automóvel de peças recondicionadas sem esclarecer ao consumidor; a venda de automóvel usado sem revelar grave acidente que tenha sofrido; a abertura de conta corrente bancária ou a concessão de financiamento sem entregar ao clien te uma cópia do respectivo contrato para orientá-lo a respeito das condi ções básicas do negócio; a imposição, em contrato de adesão, de foro de eleição, com o propósito caprichoso de inviabilizar ou dificultar a defesa do consumidor em juízo; a não manutenção de peças de reposição nas vendas de máquinas e aparelhos complexos, ou não-disponibilização de oficinas credenciadas para reparação das máquinas e aparelhos coloca dos no mercado; a redação de cláusulas contratuais com linguagem ex cessivamente técnica, de difícil compreensão para o consumidor leigo; a venda de produto com prazo de validade vencido; a falta de advertência quanto à toxidez do produto, ou de sua incompatibilidade com o organis mo de pessoas portadoras de certas enfermidades etc. 75 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R É verdade que, por meio de ações coletivas, consu midores que não foram parte da demanda coletiva podem se beneficiar de seus efeitos, segundo as regras do CDC. Mas, nesse particular, a atitude ilícita do fornecedor, de fato não ficou restrita aos consumidores que atuaram em juízo. 0 fenômeno das operações de massa conduziu o evento a adquirir uma dimensão social, autorizadora da repulsa ou reação de entidades que têm legitimidade para o exercício da tutela coletiva, de toda a comunidade ou de grandes grupos sociais. Já , então, pode-se reconhe cer uma função social desatendida pelo fornecedor que afinal lesou ou pôs em risco a massa dos consumidores do seu produto ou serviço. Deve-se, enfim, admitir que no mercado não há como de antemão proceder a uma tarifação precisa dos casos de função individual e de função social entre os contratos usualmente praticados. Só o caso concreto definirá a pre sença ou não do interesse coletivo na prática negociai. 2 NALIN, Paulo. Op. cit., p. 54. 76 C ap ítu lo X A F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o n a s R e l a ç õ e s d e C o n s u m o 10.1. O Regime do Código de Defesa do Consumidor A nova doutrina sobre as relações de consumo trata do tema enfocando quase exclusivamente a vulnerabilidade do consumidor e a conseqüente necessidade de tutelá-lo di ante da supremacia econômica do fornecedor Não se deve, todavia, esquecer a origem do movimento legislativo em tomo da necessidade de disciplinar as operações de con sumo de massa, que partiu de um plano econômico bem di verso do que ora abordam os consumeristas. 1 “ O princípio da vulnerabilidade do consumidor atua como elemento informador da Política Nacional de Relações de Consumo, e pode ser apontado como basilar e conseqüente de todos os outros princípios informadores do sistema consubstanciado nesse Código” (ALVIM, Arruda et al. Código do Consumidor, 2a ed., São Paulo, RT, 1995, p. 44). No mesmo sentido: NUSDEO, Fábio. “ Da política nacional de relações de consumo” , in CRETELLA JÚNIOR, José (Coord.) et al. Comentários ao código do consumidor, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 27. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Foi na reorganização do mercado após o desastre da Se gunda Gueixa Mundial, que se tomou como padrão econômi co a livre iniciativa e a livre concorrência, sobre cujos mol des se deveria soeiguer a sociedade européia e se consolidar a americana. Nesse cenário, em que se abominava o dirigismo econômico estatal, o desenvolvimento econômico indispen sável ao progresso social ficou na dependência do progresso dos empreendimentos da iniciativa privada, cuja mola pro pulsora se localiza na garantia da livre concorrência. Para que o mercado alcançasse o desejável desenvol vimento, dentro do espírito ocidental, políticas de valori zação da livre concorrência se impuseram, como as de combate às práticas de dominação do mercado e de con corrência desleal. Ficou evidente que a livre iniciativa por si só era impotente para que o mercado pudesse cumprir a missão social desenvolvimentista que dele se esperava. Deixado sob as rédeas da pura especulação econômica, acabaria por propiciar a anulação da livre concorrência, e a sociedade, fugindo da ditadura política acabaria sufocada 2 0 tratado de Roma, que estruturou o Mercado Comum Europeu na sua origem, cogitava, em tema de liberdades fundamentais, apenas das maté rias relativas à “ liberdade de actuação no mercado; liberdade de circula ção de mercadorias, de serviços, de pessoas e de capitais” (RIBEIRO, Joaquim de Souza. “ Direitos dos contratos e regulação do mercado” , Revista brasileira de direito comparado, Rio de Janeiro, Instituto de Di reito Comparado Luso Brasileiro, n° 22, p. 212, 2002 — I o semestre). 78 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L sob o peso da ditadura econômica imposta por um peque no grupo de grandes empresas, de feitio monopolista e indiferentes aos problemas sociais da humanidade. A tônica das leis formadoras do denominado Direito Econômico centrou-se, no pós-Segunda Guerra, em impedir as práticas não concorrenciais (ou de dominação de merca do) e estimulai; dentro da livre iniciativa, aquelas que real mente favoreceriam a livre concorrência. Estava-se seguro de que era por meio da sadia livre concorrência que se pode ria alcançar o desenvolvimento econômico com a conseqüen- 3 te melhoria das condições sociais para toda a coletividade. Dentro desse projeto foi que se delinearam as primei ras normas que, com o seu avolumai; viriam a formar o atual direito do consumidor. 0 movimento normativo preocu- pava-se, na origem, com a influência deletéria das praxes abusivas de fornecedores que, desonestamente, se valiam de expedientes para enganar e lesar a massa dos consu midores, por meio de propaganda enganosa e de outras manobras espúrias. Na verdade, o que mais preocupava o 3 Na década de 1970, uma Resolução do Conselho da CEE, ao fazer refe rência “ao papel econômico do consumidor, como factor do equilíbrio do mercado” , não deixou de registrar também a “ preocupação com a melhoria qualitativa das condições de vida das pessoas, ameaçada pelo desequilíbrio de poderes entre produtores e consumidores” (RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cit., p. 214). 79 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R legislador ocidental era o efeito de tais comportamentos no processo da livre concorrência, uma vez que o fornece dor desonesto e inescrupuloso poderia afastar do merca do aquele que lealmente disputava os consumidores. Ilu dir, por meios astuciosos, o mercado de consumo era, reconhecidamente, uma prática de concorrência desleal, capaz de comprometer os desígnios da livre concorrência. Além do mais, o tratamento normativo da matéria não era uniforme nos diversos países da CEE, o que, por si só, 4 dificultava a liberdade de atuação no mercado comum. Durante um longo período, as diretrizes da Comuni dade Econômica Européia cuidaram de implantar na le gislação dos países membros medidas que coibiam abu sos contra consumidores, justificando-se sempre com o propósito final de assegurar a livre concorrência e afastar os inconvenientes da concorrência desleal. 4 “L’idea di un controllo dei contenuto dei contrato è sembrata in passato un attentato al diritto di iniziativa eco no mi ca constituzionalmente garanti to. Labuso delPimprenditore è apparso suscettibile di repressione solo in quanto rivolto contro 1’altrui iniziativa economica: di qui il divieto delia concorrenza sleale e dell’abuso di posizione dominante esercitato contro i concorrenti nazionali ed europei (Trattato di Roma e legge antitrust). Si sta però facendo strada il corwincimento che la tutela dei consumalori è fimzionale anche alia tutela dei mercato, in quanto 1’acquisizione di vantaggi abusivi a danno dei clienticomporta una diminuzione di costi che danneggia i concorrenti leali” (BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 195, p. 396). 5 Na década de 1980, a grande maioria das diretivas da CEE de regulação do mercado “ tem como objecto relações de consumo” , mas não cuida 80 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L A função social dos contratos de consumo era, assim, delineada pela preservação da função econômica do con trato de consumo, evitando que pudesse ele ser desviado para objetivos não-concorrenciais que afinal impediriam o desenvolvimento econômico de que a sociedade de nossos tem pos não poderia prescindir De maneira alguma se tinha o pro pósito de combater a sociedade de consumo e muito menos o de enfraquecer ou desestimular as operações de mercado. Ao contrario, o que se buscava era um desenvolvimento cada vez maior, porém em harmonia com propósitos que correspondessem, também, aos anseios de melhoria social. Só mais recentemente, já nas últimas décadas do sé culo XX, é que surgiram normas centradas na política de defesa do consumidor; como objetivo principal. No entan to, sem embargo de tomar como meta a tutela do consumi dor, por reconhecer-lhe a posição de parte vulnerável na propriamente da “melhoria qualitativa das condições de vida das pesso as” . Ganha terreno “ uma perspectiva funcionalística” , de sorte que “as medidas em matéria de relações de consumo são tomadas na óptica da preservação e dinamização dos mecanismos de concorrência, tendo em vista a criação e o funcionamento do mercado único europeu” . Não se fazia mais invocação de “ valores de justiça e de proteção social” . Os fun damentos das diretivas comunitárias enfatizavam os inconvenientes da grande diferença entre as legislações dos Estados-Membros sobre rela ções de consumo e apontavam para os reflexos negativos dessa disparidade sobre a “ livre circulação de bens e serviços” . A meta era a eliminação dessa diversidade, que podia “ falsear a concorrência” (RIBEIRO, Joa quim de Souza. Op. cit., pp. 214-215). 81 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R relação de consumo, a mais atual legislação não descura da preocupação de vinculá-la ao processo de desenvolvi mento econômico da sociedade. A Constituição brasileira de 1988, nessa ordem de idéias, traça o projeto da ordem econômica a ser implan tado num Estado que se proclama social e de direito, como fundado na livre concorrência e na defesa dos direitos do consumidor, entre outros princípios (art. 170). A livre iniciativa e o desenvolvimento econômico são, outrossim, abraçados como princípios fundamentais da república brasileira (arts. I o, IV, e 3o, II). Fiel a esse programa, o Código de Defesa do Consu midor (Lei n° 8.078, de 11.09.1990) sintetiza os funda mentos de sua política tutelar nos itens do art. 4o, dentre os quais se destaca o de n° III, in verbis: 6 Somente na década de 90, mais precisamente em 1993, é que uma Diretiva sobre cláusulas abusivas toma o cunho claramente protetivo, com o propó sito de combater o conteúdo de contratos “ ineqüitativos, em detrimento do consumidor” (Diretiva da CEE de 05.04.1993). Já então havia sido acres centado ao Tratado de Roma um dispositivo em que se previa um “ nível de proteção elevado” para os consumidores; e já se convencera de que o sim ples mecanismo da concon-ência nem sempre era, por si, capaz de impedir as cláusulas abusivas. Daí a necessidade da interferência legislativa. 0 Tra tado de Maastricht instituiu um novo título ao Tratado (título XI), constante de um único artigo (art. 129°-A), inteiramente dedicado à proteção do con sumidor (RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cU.f pp. 215-216). 82 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L “EI—harmonização dos interesses dos participan tes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de de senvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a or dem econômica (art 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas rela ções entre consumidores e fornecedores” . Vê-se, portanto, que não é uma tutela absoluta e incon dicional a que o CDC põe à disposição dos consumidores, mas aquela que contorna sua vulnerabilidade, sem comprometer o desenvolvimento econômico da nação, indispensável ao bem-estar e ao progresso social de toda a comunidade. Não se pode ver a lei protetiva dos direitos do consu midor; portanto, fora do contexto criado pela Constituição para assegurar a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre concorrência. O contrato de consumo, destarte, não se afastou das linhas clássicas que delineiam sua função social de proporcionar, com segurança, a circulação das riquezas, atendendo harmonicamente os interesses tanto 7 dos produtores como dos consumidores. 7 Quando se condenam as cláusulas abusivas (que contrariam a boa-fé), “ investe-se, nesta perspectiva” (a do equilíbrio geral do sistema de tro- 83 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Não é na tutela do consumidor que se exaure a política do CDC, mas é, sobretudo, na sua inserção nos contratos do mer cado de consumo de maneira a evitar abusos contra sua fragi lidade reconhecida, mas sem prejuízo algum para o programa de desenvolvimento econômico traçado constitucionalmente. A função social continua sendo desempenhada pelo contrato de consumo nos reflexos que produz no meio social, ou seja, naquilo que ultrapassa o relativismo do relaciona mento entre credor e devedor e se projeta no âmbito de toda a comunidade. A lei de consumo protege, é verdade, o lado ético das relações entre fornecedor e consumidor. Mas não é propriamente nesse terreno, que a verdadeira função so cial se desenvolve, mas no expurgo do mercado de praxes inconvenientes que podem inviabilizar o desenvolvimento econômico harmonioso e profícuo, tomando-o instrumento de dominação e prepotência. Protege-se, enfim, o consumidor para que a economia de mercado seja a mais sadia e a mais desenvolvimentista, cas), o ponto de focagem. Não é do lado do sujeito protegido que se encon tra a chave de compreensão unitária do conjunto das medidas fragmentá rias de compensação. É antes no outro lado da relação que se situa o factor agregador, pois todas essas medidas regulam práticas comerciais, têm por objecto condutas pelas quais agentes profissionais publicitam, orga nizam e conformam as suas contratações. Em complementação do direito da concorrência, elas integram o que muitos já chamam o direito do mer cado” (RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cit., p. 221). 84 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L dentro do ideal econômico da livre concorrência, e do ideal social do desenvolvimento global da comunidade. De outro ângulo, a imposição de que eticamente os contratos de consumo guardem respeito ao princípio da boa- fé objetiva, embora se invoque com maior freqüência para tutelar a parte vulnerável da relação negociai, não deve ser vista como preceito formulado apenas para regular a con duta do fornecedor A eticidade tem de ser ampla e irrestrita, gerando deveres e obrigações para ambas as partes. “Nas relações de consumo” - consoante a melhor dou trina - “o princípio da boa-fé objetiva atua como estrada de duas mãos no vínculo que une fornecedor e consumidoi; evi tando que a proteção concedida pelo microssistema do CDC siiva de escudo para consumidores que, agindo contrariamente ao princípio da boa-fé objetiva, busquem a reparação de pre juízos para cuja produção tiveram decisiva participação” . 8 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 277. A proteção legal aos consumidores “ ne signifie pas (est-il besoin de le dire?) que les professionels sont par hypothese gens ma lhonnêtes, cherchant à abuser de la situation” . O que há é simplesmenteum desequilíbrio entre as partes do contrato de consumo (CALAIS- AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation cit., n° 1, p. 1). No entanto, “ il peut existeç certes, des situations particulières dans lesquelles, le rapport de force est inversé: des petits artisans, par exemple, peuvent se trouver en face de clients exigeants” (idem, n° 1, p. 2). Em verdade, “ le droit de la consommation cherche à équilibrer les relations entre profissionnels et consommateurs” (idem, n° 2, p. 3). 85 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R E inconcebível, no plano ético, que uma tutela legal cri ada para evitar a inferioridade de uma das partes em face da outra se transforme em indenidade do contratante tutelado aos compromissos de ordem moral. 0 que é imoral para o fornecedor não pode deixar de ser imoral também para o con sumidor; de sorte que ambos têm, na esfera contratual, o mesmo compromisso com a boa-fé. Se isto vale para o con trato de consumo, com maior razão haverá de ser observado 9 nos contratos comuns, sujeitos ao regime do Código Civil. Há, em síntese, na atual legislação de consumo dois aspectos fundamentais: a) A proteção do consum idor contra os atos contratuais de má-fé, para evitar a lesão, o desequilíbrio econômico e toda espécie de cláusulas abusivas. Nesse terreno, porém, a legislação tutelar não inovou, visto que 9 0 direito contratual modemo, na proteção do contratante débil por meio da adoção do princípio ético da boa-fé objetiva, não mais se restringe aos direi tos dos consumidores. Está assente que “1’abuso dei potere contrattuale danneggia anche quando è esercitato nei rapporti tra imprenditori in quanto penalizza le categorie di produttori e commercianti assoggettati a tale potere alterando il libero giuoco degli scambi e degli investimenti” . Embora as normas explícitas de repressão ao abuso contratual tenham sido editadas para proteção do consumidoi; o fundamento que as sustenta reside no prin cípio da boa-fé, “che reclama la sua osservanza nei confronti di chiunque sia esercitato il dominio contrattuale” ... “La tendenza è però verso una ‘giustizia dei mercato’ in cui siano vietati gli abuso di posizioni di dominio contrattuale anche nei rapporti tra imprenditori” (BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 196, pp. 396-397). 86 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L os princípios da boa-fé e da lealdade contratual, a repres são à usura e demais formas de lesão, assim como a teoria da imprevisão já haviam sido incorporados pelo direito privado muito antes das normas de defesa do consumidor. Deu-lhes apenas maior clareza e prestígio. b) A eliminação do mercado de praxes abusivas, pela atuação de órgãos públicos ou de instituições privadas a que se confiou, por meio de ações singulares e coletivas, tutela tanto de direitos individuais como de direitos difusos ou ho mogêneos. Aqui, sim, a legislação consumerista inovou muito e profundamente, rumo à função social dos negócios de mer cado. Nesse terreno, o programa constitucional pertinente à ordem econômica foi instrumentalizado pelo CDC, num dos seus pontos mais relevantes. Do quadro evolutivo da tutela aos consumidores e às práticas concorrenciais, impõe-se ponderar que, no tra tamento político e jurídico das relações contratuais de mercado, não se pode privilegiar excessivamente o enfoque normativo, nem tampouco exagerar no predomínio abso luto das regras econômicas. Há de procurar-se, sempre, um ponto de equilíbrio entre as duas forças sociais. Deve-se evitar, no âmbito jurídico do contrato, a dominação total da economia, porque estão em jogo, além dos valores econômicos, também outros valores caros 87 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ao sistem a juríd ico atual. Se é indesejável uma “hipereconomização” do jurídico, também não é de acei tar-se o contrário, isto é, que o jurídico ignore o econô mico inafastável da seara do contrato. 0 que se impõe é o estabelecimento de uma “ interacção” entre o jurí dico e o econômico “ necessária à estabilidade e equi líbrio geral do sistema” . * E nesse rumo que o CDC brasileiro assinala e é as sim que a proteção dispensada à parte vulnerável da rela ção de consumo deve ser interpretada e aplicada. 10.2. Diferença dos Regimes de Cláusulas Abusivas do Código do Consumidor e do Código Civil Uma vez que o princípio ético do Código do Consu midor foi esposado também pelo regime comum do Códi go Civil, indaga-se: a invalidação de cláusulas abusivas nos contratos civis teria passado a ocorrer automaticamente como se dá nos contratos de consumo? De fato, a boa-fé objetiva que exige a correção de con duta dos contratantes é a mesma tanto no microssistema 10 RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cit., p. 223. 88 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L das relações de consumo como no macrossistema regulado genericamente pelo Código Civil. Uma coisa, porém, é muito diferente. O Código do Consumidor parte do pressuposto de que o consumidor é sempre a parte fraca e vulnerável do contrato, de sorte que basta ser desvantajoso para ele para que o ajuste se considere abusivo e conduza à invalidade da avença (CDC, art. 6o, V). A situação dos contratos civis não se apresenta com nenhum vestígio apriorístico de desequilíbrio implícito entre os contratantes. Pode ocorrer tal desequilíbrio e pode ser que a parte mais forte tenha se prevalecido da debilidade da outra para lhe impor condi ções usurárias ou imorais. Mas, como não incide presun ção alguma em tal sentido, a invalidação do negócio não ocorrerá simplesmente em face da desproporção entre as prestações contrapostas. Ter-se-á sempre de apurai; in con creto, um abuso cometido na pactuação e, assim, haverá de ser em função do prejuízo antiético imposto por um contra tante ao outro que se configurará a ilicitude do negócio. 11 “ E se é evidente que, em relações de consumo, o direito deve atuar de forma protetiva, em atenção à vulnerabilidade do consumidor... é igual mente evidente que, nas relações paritárias, o direito não vem proteger qualquer das partes, mas exigir de ambas uma atuação honesta e leal (eis o que exige a boa-fé objetiva) e conforme os valores consagrados pelo ordenamento civil-constitucional” (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 149). 89 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R A tendência do direito contratual moderno é no sen tido de banir do mercado como um todo (e não apenas no mercado de consumo) o “ abuso de posições de domínio contratual” , de forma que mesmo entre empresários as infrações aos princípios éticos (boa-fé objetiva, desequilíbrio econômico, lesão etc.) devem comprometer a validade de contratos ou cláusulas.12 A invalidade, contudo, não decorrerá simplesmente da objetividade das prestações desproporcionais. Ter-se-á de apurar se tal descompasso foi, ou não, provocado por uma situação injusta em que um contratante mais forte a impôs ao outro, aproveitando-se de sua inexperiência ou necessidade. Pode ser que o preço anormal ou as condi ções não usuais tenham sido livremente estipuladas, le vando em conta interesses particulares do contratante, sem que estivesse premido por verdadeiro estado de necessi dade, nem sob impacto de inexperiência. 0 direito civil admite como legítimo o anim us donandi e reconhece como jurídica a autonomia de von tade. Destarte, se, sem vício de consentimento, uma par te se dispõe a contrair, conscientemente, uma obrigação 12 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 196, pp. 396-397. 90 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L gratuita ou desequilibrada, não caberá apontar ao respec tivo contrato civil defeito algum. Aplicar princípios de contratos não paritários (Códi go do Consumidor) a contratos paritários (Código Civil) im porta tratamento desigual a partes normalmente iguais. Representa, pois, introduzir desigualdade jurídica poratos do aplicador da lei, tomando desequilibrado o contrato nas cido equilibrado. 0 princípio da boa-fé não tem tal sentido. 0 que leva, nas relações de consumo, a uma tutela especial ao consumidor, não é o princípio da boa-fé (este é neutro e se aplica indistintamente a ambos os contratantes), mas a vulnerabilidade preestabelecida pela lei para uma das par tes. Essa conjuntura não existe, como regra, nos negócios jurídicos disciplinados pelo Código Civil. A aplicação do princípio da boa-fé e da função social no âmbito do Código Civil não pode ser influenciada pela sistemática do direito consumerista. “ Faz-se necessário, portanto, trabalhar efetivamente sobre o conteúdo da cláu sula geral de boa-fé objetiva, precisando suas funções e seus limites, e separando do núcleo do instituto o caráter protetivo que lhe foi emprestado pelo Código de Defesa do Consumidor. Entender o contrário é insistir em uma invocação abstrata e ineficaz da boa-fé objetiva, ou pioç 91 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R aplicar a relações paritárias, e até mesmo a relações mer cantis e societárias que o novo Código Civil veio contem plai; um conceito de boa-fé objetiva transfigurado por uma proteção que não se justifica fora das relações de consumo e das demais relações marcadas pela vulnerabilidade.” Em suma: é possível atacar o contrato civil por trans gressão aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico; mas não da forma direta e automática previs ta no Código do Consumidor. 0 contratante prejudicado terá então de provar o vício do negócio, como a quebra in concreto da ética negociai praticada por uma parte contra a outra. Não há, portanto, presunção de abuso no campo genérico das relações presididas pelo Código Civil. 13 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. “ Os efeitos da Consti tuição” , cit., Revista da EM ERJ, vol. 6, n° 23, p. 151,2003. “ É evidente que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nas relações mercantis e societárias deve repercutir de modo diverso daquele que se tem vislum brado no âmbito consumerista” (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 150). 92 Cap í t u lo XI A E t i c i d a d e n o S i s t e m a G e r a l d o D i r e i t o d o s C o n t r a t o s A boa-fé objetiva, invocada expressamente pelo Có digo do Consumidoi; não surgiu na história do direito como fonte exclusiva de deveres para os participantes dos con tratos de consumo, como já se afirmou. A exemplo dos Códigos Civis alemão e italiano, a boa- fé é, para o novo Código Civil brasileiro, por si só, fonte de deveres e obrigações para os contratantes, em qualquer negócio jurídico, seja no âmbito do mercado de consumo, seja nas relações privadas estranhas à idéia de fornece dor e consumidor. A conduta ética, dominada pela lealda de, confiança, transparência, cooperação, é, enfim, exigível em qualquer contrato, como regra ou princípio geral do moderno direito das obrigações. E stá assente, outrossim , que a eticidade na jurisdicização do fenômeno econômico do contrato, con tribui, a um só tempo, para realizar a proteção do contra tante mais vulnerável e para a reposição do equilíbrio do H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R mercado, comprometido pelas práticas abusivas e des leais de concorrência. Parte-se do reconhecimento de que, sem a tutela ao contratante vulnerável (aquele que, ordinariamen te, na negociação não tem como impedir, por si, a contratação contaminada por cláusulas e interpretações desleais ou abusivas), ou ao contratante que mesmo não vulnerável agiu de boa-fé confiando na lealdade da ou tra parte, “ fica em risco a satisfação mínima dos inte resses dos parceiros contratuais, sejam eles consumi dores ou não, e, com isso, o equilíbrio geral do sistema de trocas que dela depende” . Como adverte JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO, “ a lição a tirar destes dados de direito comparado parece sei; mais uma vez, a do duplo sentido das vias de comunica ção estabelecidas entre o sistema do contrato e o sistema do mercado. Acto de transacção e estrutura colectiva do mercado não são isoláveis um do outro. Daí que, se as m edidas directam ente organizatórias, de tutela institucional, têm efeitos reflexos na posição dos sujeitos actuantes (nesta óptica se dirá, por exemplo, que os con 1 RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cit., p. 221. 94 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L sumidores são beneficiários da concorrência), de igual modo as medidas de protecção de certos grupos de agen tes econômicos não valem apenas por si, mas também como garantes da funcionalidade do mercado. Legitimidade ju rídica e legitimidade econômica dão-se as mãos para jus- 2 tificar a dimensão protectiva das medidas de regulação” . 2 RIBEIRO, Joaquim de Souza. Op. cit., p. 219. 95 Cap í t u lo XII F u n ç ã o S o c i a l d a P r o p r i e d a d e e F u n ç ã o S o c i a l d o C o n t r a t o Foi mais fácil detectar e definir a já antiga função social da propriedade do que a moderna função social do a contrato. E que se revela intuitivo o efeito do exercício de um direito real sobre o meio social, enquanto muito pre cisa ser pensado e elaborado para transplantar o efeito de um negócio puramente pessoal para o campo dos interes ses sociais. 0 direito real (e em grau máximo o direito real de pro priedade) traduz-se internamente num poder de sobera nia (uma dominação) do titular sobre a coisa, que exter namente se manifesta por meio da oponibilidade erga omnes. Desta maneira, o direito real estabelece uma rela ção intersubjetiva entre o titular, de um lado, e todas as demais pessoas, do outro. Há inegável relação social en volvendo necessariamente esse tipo de direito, pois sobre toda a sociedade recai um dever geral de abstenção (que também se afirma tratar-se de uma obrigação passiva H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R universal), que vem a ser o dever de não ingerência na coisa que constitui objeto do direito. Mesmo os que se mantêm fiéis à concepção do direito real como poder ou senhorio direto sobre a coisa, não deixam de reco nhecer a presença necessária do lado externo desse poder, de sorte que é pela junção dos dois elementos - o interno e o externo — que se pode dar do direito real “ um retrato em corpo inteiro” . Poder que se exerce “ contra todos” , a propriedade envolve interesses sociais de meridiana evidência, a tal ponto que se chega a afirmar que “ não existe proprieda de, como entidade social e jurídica, que possa ser anali sada individualmente” e que “ ajusta aplicação do direito de propriedade depende do encontro do ponto de equilí brio entre o interesse coletivo e o interesse individual” . Foi a partir da teoria do abuso do direito que se deli neou a função social da propriedade, que, afinal, o novo Código Civil não só proclamou como descreveu, inverbis: 1 VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, 10a ed., Coimbra, Almedina, 2000, vol. I, n° 45, p. 184. 2 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais, São Paulo, Atlas, 2001, n° 8.2, pp. 141-142. 98 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômi cas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidades com o estabelecido em leis especiais, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1.228, § Io). “São defesos os atos que não trazem ao proprie tário qualquer comodidade, ou utilidade, e se jam animados pela intenção de prejudicar ou trem (idem, § 2o). a E, pois, abusivo e conseqüentemente ilícito, o exer cício do direito de propriedade de modo incompatível com suas naturais finalidades tanto econômicas como sociais. 0 caráter absoluto e egoístico da primitiva concepção do domínio foi substituído por um enfoquejurídico que o insere no contexto social onde se sobressai a exigência do seu uso para o bem comum. 3 A Constituição não só exige que a propriedade atenda a suaJunção social (art. 5o, n° XXIII), como a qualifica como um dos princípios informadores da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da própria existência e 99 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Esse enfoque, que começa com a repressão do abuso anti-social do exercício do direito de propriedade, com- pleta-se com o instituto constitucional da desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, e, ainda, com a possibilidade de requisição pelo Poder Público, em caso de perigo iminente (Código Civil, art. 1.228, § 3o; Constituição, art. 5o, nos XXIV e XXV). A falta de um poder direto e soberano sobre a coisa, no plano das obrigações pessoais nascidas do contrato, dificulta a definição da função social que também a ele se imputa. Não passa, em regra, a disciplina contratual do relacionamento entre devedor e credor. Dele não emanam nem direitos nem deveres para terceiros estranhos ao vín culo obrigacional criado pela vontade das partes. A obrigação é essencialmente o poder adquirido pelo credor de exigir uma prestação, que recai apenas sobre o devedor e, por isso mesmo, diversamente do que se passa 4 com o direito real, se considera um direito relativo. garantia da propriedade privada (art. 170, III). Traça, ainda, normas es peciais para implementar a função social da propriedade, de forma par ticular, no meio urbano (art. 182, § 2o) e no meio rural (art. 186). 4 VARELA, Antunes. Das obrigações cit., n° 44, p. 172. 100 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L É, ainda por isso, que esse direito é também denominado direito pessoal, em contraposição ao direito real. Essa natureza específica do direito obrigacional ou pessoal não impediu que o ordenamento jurídico, mesmo antes da proclamação oficial da função social do contrato, tivesse previsto sucessivos casos de afastamento do princípio da relatividade do direito de crédito, fosse para proteger terceiros contra práticas abusivas dos contratan tes, fosse para sujeitar terceiros à relação criada entre os sujeitos do contrato. Com efeito, desde as origens conhecidas do direito ocidental sempre se repeliu a fraude e a simulação, para evitar que a liberdade de contratar fosse abusivamente endereçada à lesão de direitos de terceiros. Mais modernamente, já sob o impacto das idéias do Estado Social de Direito, várias normas de ordem pública passaram a considerar, excepcionalmente, oponíveis a ter- 5 “0 que se quer dizer é que tanto o direito de propriedade quanto o direito de contratar devem, para ser dignos de alguma tutela pelo direito, atender a uma Junção na sociedade” (SANTOS, Eduardo Sens dos. “A função social do contrato - Elementos para uma conceituação” , Revista de Direi to Privado, São Paulo, RT, vol. 13, pp. 108-109, jan.-mar./2003). 101 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ceiros, relações jurídicas que, em essência, são “ autênti cas relações obrigacionais” . 0 exemplo mais marcante é o da relação ex locato que, sem embargo de tratar-se de relação intrinsecamente obrigacional ou creditória, a lei, em certas circunstâncias, considera oponível pelo locatário ao terceiro adquirente do prédio locado (Lei do Inquilinato, n° 8.245/91, art. 8o; Estatuto da Terra, Lei n° 4.504, de 30.11.1964, art. 92, § 5o). Ainda no âmbito das locações, a lei instituiu direi to de preferência em favor do locatário, exercitável em face de terceiro que venha a comprar o imóvel (Lei n° 8.245/ 91, arts. 27 a 34; e Lei n° 4.504/64, art. 92, § 3o). 0 mesmo se passa com o compromisso de compra e venda de imóvel, contrato que, sendo levado a registro, confere ao promissário comprador oponibilidade erga 7 omnes, podendo ser executado contra terceiro adquirente. 6 VARELA, Antunes. Op. cit., loc. cit. 7 0 novo Código Civil erigiu o direito do promissário comprador, com regis tro, à categoria de direito real sui generis (um direito real de aquisição) porque representa não uma dominação direta sobre a coisa, mas um po der de exigir do terceiro o cumprimento de uma prestação contratual, qual seja, “ a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no contrato preliminar” (art. 1.418). Na verdade o vínculo con tinua sendo de sujeição pessoal (contratual). Apenas a eficácia erga omnes é igual à do direito real. 102 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Mais evidente é a extensão do efeito erga omnes do contrato de promessa de venda, quando a jurisprudência, mesmo sem submissão ao registro público, admite sua oponibilidade ao terceiro que, como credor quirografário do promitente vendedor, pretenda penhorar o imóvel obje to do compromisso. Para tanto, basta que o promissório comprador, além do contrato preliminar, esteja na posse do imóvel (STJ — Súmula n° 84: “ É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro” ). Outro aspecto da eficácia externa do vínculo contratual se dá por meio das cessões de crédito, ou de contrato, em que o negócio translatício da titularidade se toma oponível ao devedor (terceiro em relação a cessão) (Código Civil, art. 290) e aos terceiros em geral, uma vez observadas as medidas previstas no art. 288 do mesmo Código. Maiores proporções foram dadas à função social do contrato, quando se passou a admitir efeitos externos à obrigação contratual para co-responsabilizar o terceiro que se mancomunasse com o contratante devedor para descumprir a prestação devida (casos como o do terceiro 103 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R que adquire o bem consciente do contrato que já o compromissara perante outra pessoa, e assim frustra, in tencionalmente, a prestação do contrato anterior). Na Itália, por exemplo, a jurisprudência confere tu tela ao direito de crédito perante terceiro, à base da veri ficação dos elementos comuns da responsabilidade civil, sendo fundamentais alguns tipos reiteradamente acolhi dos pelos Tribunais como: “ cumplicidade do terceiro na inexecução do vínculo obrigacional” ; “o dolo de terceiro determinante da invalidade do negócio” ; “o ilícito deri vado de certos atos de concorrência desleal” ; “ as situa ções de dupla alienação de imóvel, conhecendo o segundog comprador o contrato previamente celebrado” . A doutrina mais moderna e a jurisprudência atual da Corte de Cassação italiana, na verdade, proclamam a con cepção social dos efeitos do contrato, destacando “che anche il terzo contraente sia tenuto al risarcimento dei danni, in concorso con il soggetto inadempiente, quando si sia reso complice delTinadempimento medesimo, basandosi sul 8 CABRAL, Rita Amaral. “A tutela delitual do direito de crédito” , in Estu dos em homenagem ao Professor Doutor Manoel Gomes da Silva, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001, p. 1.034. 104 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L noto principio delia responsabilità extracontrattuale per 9 violazione dei diritto di credito ex art. 2043.” A exemplo da Itália, também na França “ a regra é a de que o terceiro que, culposamente, inviabiliza a execu ção do contrato ou que é cúmplice na ofensa ao direito de crédito, se toma responsável, nos termos do art. 1.382 do Code Civil, pelos prejuízos causados. Esta orientação é sufragada pela doutrina, que distingue os efeitos do vín culo obrigacional que se repercutem tão-só na esfera das partes, e a oponibilidade daquele, que atinge terceiros” . Ou seja: a exigibilidade das prestações somente se dá entre as partes do contrato, mas o terceiro não pode impedir a execução interpartes, nem pode ser cúmplice do devedor na violação do direito do credor. Na Alemanha, a corrente dominante é a quepune ou responsabiliza o terceiro, diante da violação do contrato, mas com base no § 826 do BGB (abuso de direito), que regula a atuação contrária aos bons costumes, e que exige do agente a comprovada conduta dolosa. No consenso geral, tem-se que 9 DIENER, Maria Cristina. II contratto in generale cit., n° 3.12.11, p. 160. 10 CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., p. 1.035; CARBONNIER, Jean. Droit civil. Les obligations, Paris, Dalloz, 1998, p. 235; TERRÉ, François, SIMLER, Philippe, LEQUETTE, Yves. Droit civil. Les obligations, 7a ed., Paris, Dalloz, 1999, pp. 451-452. 11 CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., p. 1.036. 105 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R não é dado ao terceiro, mesmo estranho ao vínculo contratual, agir dolosamente para violar o direito de crédito. Em Portugal, há duas correntes sobre a responsabilida de civil do terceiro que viola direito alheio de crédito. Para uns, a violação de direitos que configura a responsabilidade civil comum (art. 483° do Código Civil português) compre ende qualquer direito subjetivo, sem excluir os direitos de 12 crédito emergentes do contrato. Para outros, o terceiro não estaria obrigado a agir conforme as obrigações estatuídas entre as partes, mesmo conhecendo os termos do contrato. Sua responsabilidade somente se configuraria quando a conduta hostil ao contrato ultrapassasse os limites do exercício regu lar do direito. Não bastaria o impedimento voluntário e cons ciente à realização dos efeitos do contrato, porque ele, como estranho ao vínculo creditório, teria liberdade de assim agir A relatividade do vínculo obrigacional permitir-lhe-ia igno rar os efeitos internos do ajuste contratual. Sua responsabi lidade, portanto, somente ocorreria quando o exercício de sua liberdade atingisse os moldes do abuso de direito (Código Ci- 13 vil português, art. 334°). 12 CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., pp. 1.042-1.043. 13 VARELA, Antunes. Das obrigações cit., n° 44-IV, p. 177. 106 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L No entanto, a tese de maior amplitude para a norma de repressão à violação dos direitos subjetivos funda-se, pro- cedentemente, no fato de a ilicitude geradora da responsa bilidade civil, em legislações como a portuguesa, estar pre vista em norma legal com cunho de “cláusula geral” , que na técnica do direito civil moderno “é contrária a uma lei tura restritiva” . Isto, portanto, afastaria o critério limitati- vo da responsabilidade civil do terceiro no caso de concor- 14 rer para o descumprimento do contrato. Não seria no abuso de direito que necessariamente se limitaria a conduta no civa dos terceiros. Dever-se-ia repelir qualquer ato de es tranhos que afinal lesasse intencionalmente o direito cria do inter partes pelo contrato. 0 que, por outro lado, seria mais consentâneo com a função social imposta à liberdade de exercício do direito de contratar. Os exemplos extraídos da jurisprudência portuguesa referentes a conduta de terceiro ofensiva de direito pessoal oriundo de contrato alheio recorrem sempre ao dolo ou cul pa do agente da ilicitude, de modo, porém, a não exigir ne cessariamente a configuração extrema do abuso de direito. 0 certo é que “o terceiro não tem um dever de boa- fé, que o obrigue a condutas positivas, perante sujeito com 14 CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., p. 1.043. 107 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R quem não tenha qualquer relação” (nesse sentido, os de- veres éticos das obrigações acessórias que integram a idéia de boa-fé objetiva, não se aplicam aos terceiros, mas ape nas aos contratantes, um em relação ao outro). Mas o ter ceiro “já se encontra adstrito ao dever de respeitar qual quer direito alheio, abstendo-se de actos que saiba que podem lesar aquele” (isto é, o direito pessoal do contra tante, in A introdução do abuso de direito no problema do comportamento ilícito do terceiro em face do contrato alheio é, na verdade, apenas um complicador, pois de qualquer modo o que se exige é uma agressão injusta ao direito pessoal do contratante, o que em última aná lise passa pelo reconhecimento do dever que toca tam bém ao terceiro de respeitar o direito de crédito de outrem. Por isso, o que se extrai dos precedentes dos tribunais e dos exemplos aventados pela doutrina acerca do tema é que não retratam verdadeiros casos de abuso de direito, mas situações em que ora se exige o conhe cimento do terceiro em tomo do direito de crédito que 15 CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., p. 1.047. 108 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L se esta violando, ora o dolo do terceiro em face do pre- 16juízo acarretado ao contratante. Enfim, embora não seja tão nítida e tão grande como a função social da propriedade, é inegável que também o contrato produz efeitos ou reflexos sobre terceiros que lhe conferem, por isso, uma função social, como, aliás, prevê o art. 421 do atual Código Civil brasileiro. Para ter-se como cumprida a função social do contrato não pode ele restringir-se a observar os modernos princí pios do direito contratual - a autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual - porque tais princípios “ têm, eminentemente, uma relação com o conteúdo do contrato, ou seja, com a parte interna do acordo de vonta des e que diz respeito, na maioria dos casos, apenas ao interesse privado. Para que se conceba um conceito ade quado de junção social do contrato é preciso que se bus que também um elemento externo ao contrato. Por isso não 16 Chega-se mesmo a divisar um certo paradoxo na afirmação de que o ter ceiro não teria obrigação alguma a cumprir perante o contratante e, mes mo assim, poderia cometer abuso de direito contra ele, na hipótese de concorrer dolosamente para o inadimplemento do contrato (CABRAL, Rita Amaral. Op. cit., p. 1.049; FARIA, Jorge L. A. Ribeiro de. Direito das obrigações, Coimbra, 1990, vol. I, p. 460). 109 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R basta apenas aquela relação de proporcionalidade entre os ✓ princípios. E necessário que com o contrato se atinja o bem comum” , ou em outras palavras, é preciso que o contrato seja bom para os indivíduos que o celebram e bom para a sociedade. Quer isto dizer simplesmente que os contratantes gozam de autonomia para contratar ou não contratar, as sim como para definir o objeto e as condições do contrato. Essa liberdade, todavia, tem limitações que operam em duas dimensões: a) internamente, um contratante não pode impor ao outro condições ou sujeições que sejam incom patíveis com a eticidade, isto é com os ditames da boa-fé objetiva (não pode praticar a usura nem se furtar às obriga ções acessórias que emeigem da lei e dos bons costumes); b) externamente não podem os contratantes criar situações ju rídicas que afrontem direitos de terceiros (fraude e dolo), nem podem terceiros agir, frente ao contrato, de modo a dolosamente lesar o direito subjetivo do contratante (ato ilí cito, abuso de direito). Na abstenção de condutas contratuais nocivas a terceiros, portanto, é que opera a função social do contrato (como limite à liberdade de contratar). 17 SANTOS, Eduardo Sens dos. Op. cit., p. 109. 110 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Convém registrar que a lei prevê a função social do contrato mas não a disciplina sistemática ou especifica mente. Cabe à doutrina e à jurisprudência pesquisar sua presença difusa dentro do ordenamento jurídico e, sobre tudo, dentro dos princípios informativos da ordem econô- 18 mica e social traçada pela Constituição. 18 “ Diferentemente da regulamentação da função social da propriedade, em que há normas precisas indicando quando se cumpre e quando não se cumpre essa função, no âmbito dos contratos nada foi regulamentado por lei” (SANTOS, Eduardo Sens dos. Op. cit., p. 109). 111 C a p í t u l o X I I I F u n ç ã o S o c i a l e F u n ç ã o E c o n ô m i c a d o C o n t r a t o 13.1.0 ConteúdoEconômico do Contrato O contrato é antes de tudo um fenômeno econômico. Não é uma criação do direito. Este apenas, conhecendo o fato inevitável na vida em sociedade, procura, ora mais, ora menos, impor certos condicionamentos e limites à ati vidade negociai. Seria contra a natureza qualquer norma que impedisse o contrato e que o afastasse do campo das operações de mercado, onde a iniciativa pessoal e a liber dade individual são, acima de tudo, a razão de ser do fe nômeno denominado contrato. 1 “ II contratto è uno strumento delia vita economica che nasce dalla realtà economica. Gli schemi di accordo e di rapporto contrattuale sono inventati dalla realtà, non dal legislatore...” (IUDICA, Giovani, ZATTI, Paolo. Linguaggio e regole dei diritto privato, 3a ed., Padova, CEDAM, 2002, pp. 276-277). 2 “ Frase dita e repetida indica que ‘o contrato é a veste jurídica das operações econômicas’, de modo que constitui sua função primordial H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Dependendo o homem da cooperação recíproca de seus semelhantes para sobrevivei; e sendo tal cooperação instrumentalizada basicamente pelo contrato, fácil é con cluir sobre o significado e a imprescindibilidade desse instituto econômico para a organização da sociedade, no que diz respeito ao acesso aos bens da vida. As primeiras manifestações da ordem jurídica mo derna, em tomo do contrato, foram apenas de consagrar a liberdade negociai. Dentro dos limites da ordem pública, a autonomia da vontade reinaria absoluta. Depois vieram os anseios sociais e éticos, a exigir dos contratantes um comportamento que levasse em conta não apenas a liber dade negociai, mas que se sujeitasse também a valores outros como os preconizados pelo princípio da boa-fé e lealdade. E, por último, atribuiu-se ao contrato a submissão instrumentalizar a circulação da riqueza, a transferência da riqueza, atu al ou potencial, de um patrimônio para outro (MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas cit., p. 158. Cf., no mesmo sentido, R 0PP0, Enzo. 0 contrato, trad. portuguesa, Coimbra, Almedina, 1988, pp. 10 e segs.). 3 “O contrato, veste jurídica das operações de circulação de riquezas, tem, inegavelmente, função social, assim como a disciplina das obrigações, pois não devemos esquecer, no exame das projeções da diretriz da socialidade, a estrutura sistemática do Código” (MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas cit., p. 158). 114 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L a uma função social. Tudo isto se fez com o propósito de in troduzir na teoria e disciplina do contrato dados que não se riam localizados no psiquismo dos contratantes, mas que seriam extraídos objetivamente dos padrões médios de com portamento social exigidos para o normal desempenho da atividade econômica. Com isto, dados como “confiança e credibilidade” assumiram importante papel na “delimitação 4 ao exercício de posições jurídicas” no trafego do mercado. As cláusulas ajustadas em determinado contrato correspondem, ou não, ao modo de se comportar das pes soas de bem, segundo o juízo crítico da sociedade? Eis a indagação que se passou a permitir fosse feita pelo juris ta diante do caso concreto de qualquer contrato. Nessa nova contextualização, todavia, não se pode olvidar a imperiosidade de se examinar o direito contratual à vista dos dados econômicos, já que o contrato nada mais é do que o instrumento de jurisdicização dos comporta mentos e das relações humanas no campo das atividades eco nômicas, isto é, das atividades de circulação de riqueza. 4 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. “ Princípios informadores do sistema de direito privado: Autonomia da vontade e boa-fé objetiva” , Revista de di reito do consumidor, São Paulo, vols. 23-24, pp. 60 e segs. 5 “ É certo, assim, que os deveres anexos impostos pela boa-fé objetiva se aplicam às relações contratuais independentemente de previsão expres sa no contrato, mas seu conteúdo está indissociavelmente vinculado e limitado pela função socioeconômica do negócio celebrado” (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 147). 115 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R A função social que se atribui ao contrato não pode ignorar sua função primária e natural, que é a econômica. Não pode esta ser anulada, a pretexto de cumprir-se, por exemplo, uma atividade assistencial ou caritativa. Ao con trato cabe uma função social, mas não uma função de “ as sistência social” . Um contrato oneroso e comutativo não pode, por exemplo, ser transformado por revisão judicial, em negócio gratuito e benéfico. Por mais que o indivíduo mereça assistência social, não será no contrato que se encontrará remédio para tal carência. 0 instituto é eco nômico e tem fins econômicos a realizai; que não podem ser 7 ignorados pela lei e muito menos pelo aplicador da lei. 6 “É preciso salientar que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não exer ceu plenamente a sua liberdade contratual” (WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil” , ALVIM, Arruda et al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil, São Paulo, RT, 2003, p. 72). 7 Adverte, com propriedade, JUDITH MARTINS-COSTA que, na trans posição da idéia de solidariedade e cooperação entre os contratantes, do campo da sociologia para o da dogmática, do direito das obrigações, é preciso cuidado, por parte do jurista, “ pois o correto tratamento da dogmática obrigacional exige o domínio da terminologia técnica” . Segun do sua respeitável lição, “a expressão dever de cooperação nem de longe está relacionada a um vago sentimento de eqüidade nem a um imaginário dever de ser altruísta” . Socorrendo-se do ensinamento de MARCOS DE CAMPOS LUDWIG, conclui: “A teoria germânica dos deveres acessóri os ou laterais (Nebenpflichten), conforme trabalhada entre nós por COUTO E SILVA, realmente não prevê um dever de ser altruísta (...), mas isto sim, 116 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Reconhece-se, modernamente - repita-se - que a liber dade de contratar deve-se comportar dentro da função social do contrato. Mas, que função social maior pode ter o contrato senão aquela que justifica sua existência: servir à circulação de riquezas, proporcionando segurança ao tráfego do mercado? Primeiro, portanto, tem de reconhecer-se a função natural e específica do instituto jurídico dentro da vida social; depois é que se pode pensar em limites dessa na tural e necessária função. O contrato, então, existe para propiciar circulação da propriedade e emanações desta, em clima de segurança jurídica. Assegurada esta função sócio-econômica, pode-se cogitar de sua disciplina e li mitação. Não se pode, contudo, a pretexto de regular a fun ção natural, impedi-la. A função social é um plus que se acrescenta à função econômica. Não poderá jamais ocu par o lugar da função econômica no domínio do contrato. Contrato sem função econômica simplesmente não é con trato. 0 contrato pode ser invalidado por ofensa aos limi tes da função social. Não pode, entretanto, ser transfor mado pela sentença, contra os termos da avença e ao arrepio amplos efeitos de um dever geral de não lesar a outrem (noeminem laedere), com arrimo no princípio da boa-fé objetiva” (MARTINS-COS- TA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, vol. V, t. II, p. 25, nota 73). 117 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R da vontade negociai, em instrumento de assistência so cial. Impossível é determinai; que se preste gratuitamen te o que se ajustou oneroso. Nem tampouco se admite exigir, pelo mesmo preço, prestação maior ou diversa da que se contratou. Isto eqüivaleria a um confisco dos valores eco nômicos a que o contratante tem direito, segundo a ordem econômica tutelada pelo sistema constitucional vigente. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que afunção so cial não se apresenta como meta do contrato, mas como limite da liberdade do contratante de promover a circula ção dos bens patrimoniais (Código Civil, art. 421). Mas como um limite que interfere profundamente no conteúdo do negócio, pelo papel importante que o contrato tem de 9 desempenhar na sociedade. * E muito mais no meio social, do que na esfera pessoal do contratante que se divisa a função social do contrato. A 8 “Em tal modo, a boa-fé se concretiza em deveres contratuais específicos que, por isso mesmo, encontram o seu fundamento na economia do con trato e visam a fazer com que também os interesses da outra parte, rela tivos à relação econômica nos termos pretendidos pelos contratantes, sejam salvaguardados” (UDA, Giovanni Maria. “ Buona fede oggettiva ed eco nomia contrattuale” , Rivista di Diritto Civile, ano XXXVI, p. 370 - trecho traduzido por Gustavo Tepedino. Op. cit., p. 147, nota 17). 9 “A exemplo de outras cláusulas gerais (a função social) atende sempre às exigências ético-sociais, incorporando valores, princípios e regras de con duta abonadas objetivamente (uniformemente) pela sociedade” (SANTOS, Eduardo Sens dos. Op. cit., p. 110). 118 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L teoria da confiança, que o novo Código Civil valoriza, a partir da ótica do princípio da socialidade, é exemplo de como se pode entender a função social do contrato. Assim, o erro de um contratante, que não foi conheci do, nem tinha condições de ser conhecido pelo outro, não pode invalidar o contrato, por se tratar de fenômeno exterior à relação contratual, de que não participou o beneficiário da declaração, a título algum (Código Civil, art. 138). Da mesma forma, o dolo ou a coação praticada pior terceiro so bre um dos contratantes, mas ignorada pelo outro, não é causa de anulação do contrato, pelas mesmas razões apli cáveis no erro não conhecido pelo co-contratante (Código Civil, arts. 148 e 154). Ainda, a aquisição de bens trans mitidos a título oneroso por herdeiro aparente subsiste à anulação da partilha hereditária (Código Civil, art. 1.817). Mais ainda, a anulação do título do alienante não prejudica a aquisição feita por terceiro que ignorasse o vício (Código Civil, art. 182). Em todos esses casos, e em muitos outros similares, põe-se em jogo o problema da “ tutela da confi ança de terceiros” , ou seja, não se pode deixar de ponderar a situação de quem, acreditando na validade de negócios antecedentes, celebra um contrato que se presta à base de um investimento de confiança considerável. Nessas cir cunstâncias, a regra geral de que a nulidade de um negócio contamina os subseqüentes é afastada, em razão de um fe 119 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R nômeno relevante para o interesse social na segurança do trá fego jurídico. “Os terceiros são protegidos por estarem de boa- fé e por terem realizado o investimento de confiança” . Em todos esses exemplos, o vício do negócio anterior resolve-se em perdas e danos entre seus protagonistas. 0 contrato com o terceiro de boa-fé não sofre reflexos da ilicitude precedente e permanece válido, justamente em razão da se gurança do mercado, tutelada pela função social do contrato. Em suma: função social e função econômica do con trato são coisas distintas. Uma não substitui nem anula a outra. Devem coexistir harmonicamente. Por outro lado, a economia do contrato não é dado que interessa apenas ao plano dos seus efeitos perante terceiros. No relacionamento mesmo entre as partes contratantes, o esquema econômico típico do negócio há de ser apreciado para aferir-se sua normalidade e sua compatibilidade com os princípios éticos a que a ordem econômica se amolda. 10 CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de direito civil português, 2a ed., Coimbra, Almedina, 2000, vol. 1,1.1, n° 232, p. 661. 11 Fhra CESAR LUIZ PASOLD, “àJunção social compete servir como grande estí mulo ao progresso material, mas sobretudo à valorização crescente do ser humano, num quadro em que o Homem exercita a sua criatividade para crescer como indi víduo e com a sociedade” (Função social do estado contemporâneo. Florianópolis, 1984, p. 58, apud SANTOS, Eduardo Sens dos. Op. ciL, p. 10). 12 “ Não podem, portanto, ficar alheias ao conceito de função social do con trato as questões que guardem relação com a dignidade do ser humano, com o progresso da sociedade e com a garantia de direitos fundamentais” (SANTOS, Eduardo Sens dos. Op. cit., p. 110). 120 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Dessa maneira, a indagação sobre o aspecto econô mico do contrato pode conduzir à constatação tanto de im pactos com o aspecto ético como com o aspecto social do negócio jurídico. Quando o contrato se revela desequilibrado, em face do equacionamento que seria normal em avenças da espé cie, a infração se registra no plano da boa-fé objetiva, pelo que se poderá submetê-lo à revisão ou rescisão, nos mol- 13 des da figura da lesão. Já quando a convenção se prestou a camuflar ofensa a preceitos legais de ordem pública, a patologia vai além dos interesses individuais dos contra tantes. Os interesses em jogo são sociais e dizem respeito a toda comunidade. A sanção que se aplica, então, é a nu- 14lidade do contrato ou da cláusula ilícita. 13 Na Corte de Cassação Italiana a aplicação da boa-fé objetiva tem se dado justamente pelo direcionamento à “conexão conceituai entre esta e a eco nomia do contrato” . Quando, pois, se fala em boa-fé objetiva tem-se em mira o aspecto negativo, qual seja, o de reprimir “o emprego de uma con duta não coerente com o escopo do contrato” (GIOVANNI, Maria Uda. “ Integracione dei contrato, solidarietà sociale e correspettività delle prestazionni” , Rivista di diritto commerciale, n°* 5-6, pp. 365 e segs., 1990, apud MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, São Páulo, RT, 1999, pp. 415-416). 14 Código Civil: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: ... II - for ilí cito... o seu objetivo; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito ;... VI — tiver por objetivo fraudar lei imperativa.” 121 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R 13.2. A Função Social não Pode Ser Entendida como um Meio de Destruir a Função Natural do Contrato 0 contrato tem uma função social que - como obser va ARRUDA ALVIM — vem a ser “ um valor justificativo da existência do contrato, tal como a sociedade enxerga no contrato um instituto bom para a sociedade; mas é preci so atentar e não vislumbrar nessafunção social, lendo-a de tal forma a que viesse a destruir a própria razão de ser do contrato, em si mesma” . Quer isto dizer—ainda na visão de ARRUDA ALVIM — que “um contrato, no fundo, apesar dessas exceções que foram apostas ao princípio dopacla sunt servanda, é uma manifesta ção de vontade que deve levar a determinados resultados prá ticos, resultados práticos esses que são representativos da vontade de ambos os contratantes, tais como declaradas e que se conjugam e se expressam na parte dispositiva do contrato. Nunca se poderia interpretar o valor da função social como valor destrutivo do instituto do contrato” . 15 ALVIM, Arruda. “A função social dos contratos no Novo Código Civil” , in PASINI, Nelson, LAMERA, Antonio Valdir Úbeda, TALAVERA, Glauber Moreno (Coord.). Simpósio sobre o Novo Código Civil brasileiro, São Pau lo, Método, 2003, p. 100. 122 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Não é, pois, na liberdade do juiz de imaginar solu ções extravagantes e incompatíveis com a destinação natu ral do contrato, transformando-o em instrumento de “as sistência social” ou de caridade à custa do patrimônioalheio, que se poderá pensar na função social que a nova legislação civil atribuiu ao contrato. Na verdade, os caminhos que se abrem para a inter venção judicial no domínio do contrato, não devem ser ou tros senão aqueles remédios tipificados na lei, como, ug.9 a repressão à fraude contra credores, à simulação, à usura, aos negócios atentatórios dos preceitos de ordem pública. 0 grande espaço da função social, de certa maneira, deve ser encontrado no próprio bojo do Código Civil, ou seja, por meio dos institutos legalmente institucionalizados para 16 Seria cumprir a função social do contrato, a liberaçãopietatis causa, pelo juiz, do devedor das obrigações licitamente convencionadas? Poderia a sentença romper o contrato, por hipótese, por considerar o devedor digno de pena? Na verdade, isso “é agir contra a função social do contrato, ou, uma das facetas da função social do contrato. 0 contrato é feito para ser cumprido, em suma; e, o contrato, ademais disso, vive e deve realizar a sua função no âmbito em que está basicamente presente o princípio de dar a cada um o que é seu, do que o contrato é também um instrumento destinado à implementação desse princípio” (ALVIM, Arruda. A Junção social cit., p. 101). 17 Há terrenos em que a lei diminui a autonomia privada, condicionando a contratação a condições vedadas ou impostas por normas cogentes, e em certos casos, até a submetendo a controle e aprovação da Administração Pública, como ocorre com o CADE. O dirigismo contratual é modalidade de realização da função social do contrato. 123 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R permitir a invalidação ou a revisão do contrato e assim amenizar a sua dureza oriunda dos moldes plasmados pelo liberalismo. “Fhrece, portanto, que a função social vem fun damentalmente consagrada na lei, nesses preceitos e em outros, mas não é, nem pode ser entendida como destrutiva da figura do contrato, dado que, então, aquilo que seria um valor, um objetivo de grande significação (função social), destruiria o próprio instituto do contrato” . 0 campo propício ao desempenho da função social, as sim como à realização da eqüidade contratual é o da aplica ção prática das cláusulas gerais com que o legislador definiu os vícios do negócio jurídico, os casos de nulidade ou de re visão. Seria pela prudente submissão do caso concreto às noções legais com que o Código tipificou as hipóteses de in tervenção judicial no contrato que se daria a sua grande ade quação às exigências sociais acobertadas pela lei civil. 18 ALVIM, Arruda. AJunção social ciL, p. 101. Como observou o Professor Josaphat Marinho, por ocasião do trâmite do Projeto que se converteu no atual Código Civil, houve a adoção do “espírito de justiça” , para imprimir às obrigações as sumidas caráter compatível com o alcance social do direito. “ Mas transmitindo flexibilidade às relações jurídicas, o Projeto não as desguarnece de segurança” (“O projeto do novo Código Civil” , Revista de Informação Legislativa, 146/8). 19 A aplicação da boa-fé objetiva “ requer volver à natureza da coisa, quer dizei; à lógica do preceito ou à natureza da relação jurídica em que atual; não cabe, pois, um arbítrio, indefinido ou imoderado na aplicação de critérios éticos ou de ra zões sociais, senão proporcionando secundum speciem rationem” (MOZOS, José Luis de Los. Derecho Civil - método, Madrid, Civitas, 1988, p. 227). 124 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Enfim, somente “diante das exceções consagradas pela lei, é que se deverão alterar ou desfazer o contrato, da mesma forma que o direito de propriedade existe também para o dono, do qual não pode, sic et simpliciter, vir a ser privado” . Embora seja inegável a submissão do contrato a uma nova roupagem principiológica, para adaptá-lo às exigências da vi são social contemporânea, dando realce à ética e à justiça; e embora isto represente “uma evolução necessária e justa, ela deve ser temperada pelo atendimento dos direitos dos contra tantes e da segurança jurídica” . A função social, num estado democrático, como o nosso, não pode eliminar do contrato a sua essência de veículo de direitos e interesses individuais. Cabe- lhe apenas conciliar os interesses das partes com os da socie dade, mas, a par do resguardo da função social, é necessário lembrar que os direitos individuais inseridos no contrato se beneficiam das garantias dispensadas pela Constituição ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (art. 5o, XXXVI) e con tam com a proteção do devido processo legal substantivo (art. 5o, LIV). Ou seja, em virtude disso, ainda que se aja em nome da função social, ninguém deverá ser privado de seus bens e dos seus direitos adquiridos, sem o devido processo legal e fora, 20 ALVIM, Arruda. A Junção social cit., p. 77. 21 WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil” , ALVIM, Arruda et al. Op. cit., 2003, p. 72. 125 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R portanto, dos parâmetros traçados pela orderryurídica para a invalidação ou revisão dos negócios jurídicos. Rei ao entendimento de que a intervenção judicial não pode impor alteração substancial ao objeto do vínculo contratual, a não ser nos moldes expressamente previstos em lei, o Código do Consumo da França (art. 132-1, al. 7) e uma Diretiva da CEE, de 1993 estatuem que, os desequilíbrios a serem banidos do contrato não têm o con dão de permitir aos tribunais a imposição de equivalên cia entre prestações do fornecedor e preço suportado pelo consumidor Se as cláusulas são redigidas de maneira cla ra e compreensível, não há abuso relativo à estipulação do ✓ preço e à definição do objeto do contrato. E, nas relações de consumo, ao mercado que incumbe influir sobre os preços. Salvo casos especiais de tarifação ou de regulação legal de composição de preços, não há lugar para inter venção judicial tendente a fixá-los ou revê-los. 22 WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil” , ALVIM, Arruda et al. Op. cit., 2003, p. 72. 23 “C’est la raison pour laquelle Farticle 132-1 (al. 7) du Code de consommation transposant une disposition de la directive (de 1993), énonce que Tappreciation du caractère abusif des clauses... ne porte ni sur la définition de 1’objet principal du contrat ni sur 1’adéquation du prix ou de la rémunération au bien vendu ou au service ofíert pour autant que les clauses soient redigées de façon claire et compréhensible” ’ (CALAIS-AULOY, Jean, STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation cit., n° 182, p. 203). No mesmo sentido, estatui o art. 1.469 ter, secondo comma, do Código Civil Italiano: “La valutazione dei carattere vessatorio delia clausola non attiene a lia determinazione delToggetto dei contratto, né ali ,adeguatezza dei corrispettivo 126 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Eqüivale a concluir: ainda que o contrato seja lesivo e usurário, o caso não é de reestruturação de seu objeto ou de seu preço, o que ordinariamente poderá acontecer será a invalidação do contrato, nunca sua autoritária modificação à revelia do consenso das partes, se nenhum dispositivo expres so de lei franquear ao juiz a revisão dos termos do ajuste. Fhra o controle da adequação do contrato na atual siste mática do Código Civil, os parâmetros da eticidade (boa-fé objetiva) e socialidade (função social do contrato), fora da disciplina especial das relações de consumo, não devem ser arbitrariamente aplicados para revisão e invalidação dos ne gócios jurídicos, sem se ater aos mecanismos que a lei insti tui para regular as nulidades, os vícios de consentimento e os casos específicos de ineficácia e rescisão, assim como os de revisão contratual, dentro da disciplina traçada pelo Có digo Civil. Os novos princípios éticos e sociais deverão in fluir sobretudo no reconhecimento dos deveres acessórios oriundos do comportamento leal e transparente exigível na formação,interpretação e execução dos contratos, que se impõem independentemente de previsão em cláusula negociai, como exigência ex lege. Nesse sentido, sua dei bem e dei servizi, purché tali elementi siano individuati in modo chiaro e comprensibUe” . A abusividade, quando ocorre em matéria de preço e de objeto, não está na respectiva quantificação, mas pode dar-se na forma de redigir a respectiva cláusula, mediante emprego de expressões ardilosas e ambíguas, capazes de iludir a boa-fé do consumidor e deixar nas mãos do fornecedor mecanismos unilaterais de cálculo ou definição. 127 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R infringência não acarreta nulidade ou anulabilidade, mas sim responsabilidade civil. Quando as proporções da ofensa atingirem, nas estipu- lações convencionais, dimensões e características de vício de consentimento, como nos casos de procedimento enquadrável nas figuras típicas de erro, dolo ou coação, ou encobrirem lesão ou abuso do estado de perigo, o contrato não se contaminará de nulidade, mas apenas de anulabilidade (Código Civil, art. 171, II), e eventualmente de sujeição à revisão judicial, cujo reconhecimento dependerá de remédio processual promovido pelo contratante prejudicado. Se o desequilíbrio econômico da equação contratual ocor rer posteriormente à sua conclusão, o caso será de resolução ou revisão segundo as regras da repressão à onerosidade ex cessiva, traçadas pelos arts. 478 a 480 do Código Civil. Tam bém aqui o uso das vias judiciais será o caminho adequado. Já o contrato imoral, isto é, o que é incompatível com os bons costumes, assume a feição de negócio nulo, nos mol- 24 Não se tem uma definição legal para bons costumes. Certo é, porém, que a idéia de bons costumes “ reporta-se ao terreno da moralidade e com preende todas as regras da ética que acompanham a vida humana no seu aspecto exterior; em geral, a imoralidade refere-se à esfera das relações sexuais (pense-se num acordo tendo por objeto o cumprimento de pres tações sexuais, mediante preço), mas pode também referir-se à violação dos deveres morais fundamentais (pense-se num acordo que tenha por objeto parte do próprio corpo, mediante preço, ou num acordo para reco nhecer um filho natural, sempre em troca de preço)” (DIENER, Maria Cristina. II contralto in generale, Milano, Giuffrè, 2002, n° 1.3.5, p. 14). 128 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L des dos incisos II e III do art 166 do Código Civil, pois a ilicitude de que neles se cogita (que pode respeitar tanto ao objeto como ao motivo) engloba, como causa de nulidade, tanto a ilegalidade, como a imoralidade. F&ra as situações da espé cie, a invalidade opera ex lege, independentemente de sen tença e de ação especial, podendo ser reconhecida de maneira incidental, em qualquer processo, de ofício ou a requerimento da parte (Código Civil, art. 168, parágrafo único). De modo algum, em suma, se pode pensar em anular ou inutilizar a força vinculante do contrato, fazendo-o descartável segundo as conveniências unilaterais de um dos contratantes apenas. A obrigatoriedade sempre foi, e continua sendo, “ uno dei principi fondam entali dei sis tema contrattuale: quello deirirrevocabilità. Questo principio constituisce l’essenza dei negozio bilaterale, nel quale 1’autonomia dei soggetti resta vincolata dalla nuova volontà che sorge dal negozio stesso” . ✓ E certo que modernamente esse princípio não é ab soluto, “ ma le eccezioni devono essere espressamente previste” . Não podem ser fruto de ideologia pessoal do 25 Embora se possa tentar distinguir entre contrato ilícito e contrato ilegal, ambos “ são nulos” e, pois, como negócio nulo “ não produzem nenhum efeito jurídico” . Da mesma forma, “ o contrato imoral também é nulo e, portanto, não produz efeito” (DIENER, Maria Cristina. II contratto in generale cit., n°* 1.3.4 e 1.3.5, p. 14). 26 DIENER, Maria Cristina. II contratto in generale cit., n° 7.8, p. 498. 27 DIENER, Maria Cristina. II contratto in generale cit., n° 7.8, p. 498. 129 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R juiz, e muito menos de vontade unilateral de contratante arrependido ou em dificuldades pessoais para adimplir suas obrigações. Só a lei pode definir as situações em que a força obrigatória do contrato pode ser rompida. 13.3. A Função Social como “Cláusula Geral” 0 legislador contemporâneo não mais se restringe ao campo da criação de preceitos. Vale-se, com freqüência, de expedientes destinados à fixação de valores a serem respeitados no cumprimento dos preceitos que formam o * ordenamento jurídico. E o que faz o Código Civil de 2002, quando proclama seu compromisso com a eticidade e a boa-fé, ou com afunção social do contrato. Um enunciado de cunho axiológico não pode, eviden temente, ser lido e aplicado como norma preceptiva, mes mo porque nele não se traça uma conduta a ser implementada pelo destinatário. A técnica das cláusulas gerais, de maneira alguma, há de ser entendida, na ordem prática, como a técnica clássica consistente em determi nar certa conduta sob cominação de alguma sanção. O legislador dos tempos atuais associa enunciados genéricos de conteúdo clássico ou tradicional com pres crições de conteúdo completamente novo e diverso em relação aos hábitos condicionadores das regras jurídicas. Explica GUSTAVO TEPEDINO: 130 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L “Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas.” Na seara do direito, essa nova técnica, que recorre às cláusulas gerais, remete, no caso do direito civil, à sua co nexão axiológica com a Constituição, onde se definem os valores e princípios conformadores da ordem pública, com cujo apoio se haverá de conceber, entre outras, a noção de função social do contrato. ✓ E com a remissão aos valores constitucionais que se pode dar um sentido uniforme às cláusulas gerais, já que, na ótica de GUSTAVO TEPEDINO, a principiologia cons titucional assum iu, em nosso tempo, “ o papel de reunificação do direito privado, diante da pluralidade de fontes normativas e da progressiva perda de centralidade interpretativa do Código Civil de 1916” . Não se sentido o legislador atual capacitado a normatizar detalhadamente e com plena eficácia os direitos conquista- 28 TEPEDINO, Gustavo. “ Cidadania e direitos da personalidade” , Revista Jurídica , vol. 309, p. 12, jul. 2003. 29 TEPEDINO, Gustavo. “ Cidadania e direitos da personalidade” , Revista Jurídica, vol. 309, p. 13, jul. 2003. 131 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R dos pela sociedade contemporânea, viu-se obrigado a lançar mão de outra técnica legislativa, cuja especificidade está no prestígio dos critérios hermenêuticos. Com esse propósito, incrementaram-se as normas descritivas ou narrativas, cuja tônica não é preceptiva, mas axiológica. Por meio delas, definem-se modelos de conduta à luz de princípios que irão orientar o intérprete, tanto nas situações já tipificadas como nas atípicas (i. é, as não previstas no ordenamento). A cláusula geral (como é a hipótese da função social) não tem, em tal quadra, o propósito de obrigar, mas o de descrever valores. Daí a conclusão de que os princípios da função social do contrato, e da boa-fé objetiva, preconizados pelo novo Código Civil dentro da sistemática das cláusulas gerais, não devem ser vistos como fontes normativas primárias, salvo apenas quando atuam em caráter integrativo, impondo deveres aces sórios, a par das obrigações convencionadas entre as partes. Não se prestam, por isso, a permitir que o juiz interfira na eco nomia do contrato, para implantar uma nova equação econômi ca diversa da que foi negociada pelo acordo de vontades, a não ser em situações tipificadaspelo legislador (como, ug., a da lesão e da onerosidade excessiva superveniente), e desde que 30 JAIME, Erik. Cours général de droit international privé, Recueil des Cours, Académic de Droit International, The Hague-Boston-London, Martinus Nijhoff Publishers, t. 251 , 1996, p. 259 , 1997, apud TEPEDINO, Gustavo. “ Cidadania e direitos da personalidade” , Revista Jurídica , vol. 309, p. 13, nota 12, jul. 2003. 132 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L haja vontade revisional adequadamente manifestada, nos termos do direito positivo. No comum dos casos, as referi das cláusulas gerais são vistas apenas como representati vas de valores a serem empregados em operações de inter pretação da vontade negociai emitida pelos contratantes. Mesmo na atividade de interpretação da lei, que se reconhece não se fazer de forma mecânica e literal, a criatividade desempenhada pelo juiz para atualizar e compatibilizar a norma com o caso concreto e o momento de sua aplicação não lhe dá uma liberdade que possa sig nificar a abertura para o arbítrio e a aventura, pois, como adverte PERLINGIERI, a interpretação é também uma 32 r\atividade vinculada, controlada e responsável. Ou, se gundo CAPPELLETTI, o juiz, na sua nobre missão de complementador da regra legislada, não é um intérprete completamente livre de vínculos, embora inevitavelmen- 33 te criador do direito. 31 “ Ces normes n’obligent, elles décrivent des valeurs” (JAIME, Erik. Op. cit., loc. cit.). 32 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, n° 58, p. 81. 33 CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores, Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1993, p. 24. 133 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Enfim, “ il giudice è soggeto soltanto allá legge (100 cost.) e in ciò si manifesta Paspetto saliente dei prin cipio di legalità. II giudice non può giudicare secondo le proprie visioni dei mondo, ma rispettando la Costituzione 34 e le leggi dei Parlamento” . 13.4. Função Social como Expressão da Publici- zação do Direito dos Contratos Há um grave equívoco na afirmação dos que atribu em à função social o reconhecimento da supremacia dos interesses públicos sobre os individuais, de maneira que a interferência da lei no âmbito das relações negociais privadas se daria para submeter a liberdade contratual aos interesses prevalentes da coletividade. Não existe supremacia do interesse público sobre o interesse individual. “ Un interesse delia collettivitá o generale o pubblico non prevale su quello individuale sempbcemente perché piú ampio: piú ampio significa non piú importante per il diritto ma soltanto piú generale, piú 34 PERLINGIERI, Pietro. M anuale di Diritto Civile, Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2002, n° 22, p. 43. 134 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L astratto e, per il diritto, la generalitá delTinteresse non 3 5 va confusa con la gerarchia di valori.” 0 que justifica um direito público impor restri ção a um direito individual é a realização pelo primeiro de algum direito fundamental, que, em última análise, tutela também direito ou direitos individuais. A supre macia, então, é do direito fundamental e não apenas da natureza da norma de interesse público. Dessa maneira, o confronto e a mediação se esta belecem sempre em relação a pessoas. Quando se protege um interesse geral, a norma atua como instrumento útil à sua perseguição sempre com vistas a interesses pessoais, no campo do Direito Civil. Na verdade, “non si subordina un interesse privato ad un interesse pubblico; si limita o si nega la tutela di un interesse privato poiché dal complesso delle regole e principi rilevanti per 1’ipotesi concreta risulta che un altro interesse, riferibile sempre a individui, deve prevalere; in tale ipotesi il titolare dell’interesse finale prevalente può giovarsi dall’attività degli enti (eventualmente 35 PERLINGIERI, Pietro. Manuale di Diritto Civile, 3a ed., Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2002, n° 19, pp. 40-41. 135 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R qualificati ‘pubblici’ ) che realizzano T interesse 36 strumentale corrispondente” . É sempre necessário relacionar-se a norma dita de ordem pública, que veda ou restringe direito individual, a interesse não apenas juridicamente superior, mas a interesse de tutelar algum direito fundamental. A confusão pura e simples do interesse público com o interesse superior é, como adverte PERLINGIERI, o reflexo de uma concepção autoritária do Estado, insustentável em nossos tempos. A íúnção social exige determinados comportamen tos dos contratantes e dos terceiros que com eles se rela cionam apenas nos limites em que os princípios e garan tias fundamentais atuam, pouco importando que, na sua aplicação, estejam em jogo direitos individuais, direitos coletivos ou direitos públicos. 0 que de fato e em regra está em jogo no terreno do direito dos contratos são os direitos e interesses individuais, singulares, e não os públicos e os coletivos. A função social procura evitar que o círculo jurídico de atuação dos efeitos do contrato fique restritamente adstrito às partes contratantes. Embora negócio privado que tem por objeto precípuo o interesse 36 PERLINGIERI, Pietro. Manuale cit., 2002, p. 41. 136 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L dos que o pactuam, não se pode descurar do que esse negó cio privado acarreta para outros sujeitos (também privados), sem embargo de não terem figurado na negociação jurídica. Entre todas as pessoas, há de prevalecer o princí pio constitucional da solidariedade, mesmo quando es teja em jogo a livre iniciativa, também assegurada como ✓ princípio fundamental (CF} arts. I o, IV, e 3o, I). E para que isto se concretize que se exige do contrato o desempenho de uma função social: nem o contrato pode prejudicar ter ceiros, nem estes podem prejudicar o contrato. Quando o Código Civil adota a linha da socialidade — e nela se insere a função social do contrato — não está colocando a sociedade em patamar superior ao indivíduo. Está cumprindo a programação constitucional que prevê, no relacionamento público ou privado, a implantação de um modus vivendi inspirado no valor da solidariedade social. 0 que esse programa combate não é a liberdade individual nem a autonomia da vontade. 0 que se visa é à regulação do exercício desses direitos fundamentais, de sorte que deixem de se inspirar no egoísmo individualis ta e se interpretem segundo o solidarismo. 0 contraste se estabelece não entre indivíduo e coletividade, mas entre individualismo e solidarismo. 0 indivíduo, na nova ordem 137 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R da socialidade, não pode exercitar a liberdade contratual ignorando os interesses de terceiros e da coletividade. Nem os terceiros podem ignorar os direitos e interesses emer- * gentes do contrato para seus figurantes. E assim que se há de compreender o valor ético-jurídico perseguido pelo instinto da função social do contrato, no contexto do Có digo Civil e da Constituição. 138 Capí tu lo XIV V a n t a g e n s e R i s c o s d a C o d i f i c a ç ã o C O N S A G R A D O R A D A S “ C L Á U S U L A S G e R A I S ” 14.1. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais O novo Código Civil se apresenta, acima de tudo, como um estatuto comprometido com as tendências sociais do direito de nosso tempo, com o que procura superar, em profundidade, o velho e intolerável individualismo forja do nos costumes do século XIX. Graças ao mecanismo das cláusu las gera is, que se valorizou mais do que as tipificações rígidas das figuras estáticas do direito clás sico, foi que se intentou acentuar as linhas mestras da inovação legislativa. Como ressalta a doutrina recentíssima, a moderna técnica de cláusulas gerais de que se valeu o Código de 2002, possui aptidão para recolher os casos que a expe riência social contínua e inovadoramentepropõe a uma 1 ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 27. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R adequada regulação, com vistas a ensejar a formação de 2 modelos jurídicos inovadores, abertos e flexíveis. Do rigor positivista dos conceitos rígidos e das formas acabadas, passou-se a um diploma normativo dinâmico, cuja virtude maior é a aptidão para adquirii; progressivamente, a dimensão que os Códigos do passado pretendiam encerrai; de pronto, em enunciados universais e frios. Reconhece-se, de antemão, que não se tem o propósito de obra perfeita e absoluta. Toma-se como ponto de partida a idéia de que o di reito privado deve ser visto como um “ sistema em constru ção” , onde as cláusulas gerais constituem disposições que utilizam, intencionalmente, uma linguagem de tessitura “aberta” , “ fluida” ou “ vaga” , com o propósito de conferirão juiz um mandato para que, à vista dos casos concretos, possa criai; complementar ou desenvolver normas jurídicas, medi ante o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema. É um estímulo constante à convivência com 3 os princípios e regras constitucionais, que durante a maior 2 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no novo Código Civil, São Paulo, Atlas, 2003, n° 3.2, p. 49. 3 MARTINS-COSTA, Judith. “0 direito privado como um ‘sistema em cons tituição’: as cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro” , Revis ta dos Tribunais, vol. 753, p. 26. 140 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L parte do século XX permaneceram à margem das indaga ções dos civilistas e operadores do direito civil. 0 ideal insistentemente perseguido é, sem dúvida, o da justiça concreta, como adverte Miguel Reale, não em função de individualidades concebidas in abstracto, mas de pessoas consideradas no contexto de suas peculiarida des circunstanciais. Fugindo da antiga perspectiva hostil à eqüidade e à subm issão aos princípios éticos, o novo Código confessadamente reconhece a impossibilidade da plenitu de do Direito escrito, pois o que há, na verdade, na nova ótica normativa, é, sim, “a plenitude ético-jurídica do orde namento” . Dessa maneira, no dizer do Prof. Miguel Reale, “o Código é um sistema, um conjunto harmômico de pre ceitos que exigem a todo instante recurso à analogia e a princípios como esse da eqüidade, de boa-fé, de correção” . A adoção de um sistema normativo inspirado em con ceitos abertos e cláusulas gerais tem, é certo, suas virtudes, mas apresenta, também, riscos e perigos que não são poucos nem pequenos. Uma norma legal em branco evidentemente 4 REALE, Miguel. 0 projeto do novo Código Civil, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 41. 5 REALE, Miguel. 0 projeto do novo Código Civil, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 178. 141 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R permite ao juiz preencher o claro legislativo de modo a apro- ximar-se mais da justiça do caso concreto. O aplicador da lei, contudo, sofre a constante tentação de fazer prevalecer seus valores pessoais sobre os que a ordem jurídica adotou como indispensáveis ao sistema geral de organização social legis lada. Nos ordenamentos que adotam tipos rígidos para sua conceituação normativa, os valores e princípios fundamen tais são levados em conta pelo legislador, de maneira que o Juiz tem sua atividade exegética e axiológica bastante redu zida e simplificada. Já num regime de normas princi- piológicas, cabe-lhe uma tarefa complicada e penosa, qual seja, a de reconstruir todo o mecanismo axiológico da ordem constitucional cada vez que tiver de aplicar a cláusula geral da lei às necessidades do caso concreto. “ Em todo o mundo — adverte JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSAO - , a certeza do direito tende a esboroar-se quando se pratica um jogo impreciso de cláusulas gerais. Antes de mais no plano constitucional, se se recorrer indiscriminadamente a cláusulas como dignidade huma na, proporcionalidade, justiça, dueprocess oflaw , solida riedade, operacionalidade...” . 6 ASCENSAO, José de Oliveira. “ Cláusulas gerais e segurança jurídica no Código Civil de 2002” , Revista Trimestral de Direito Civil, n° 28, p. 83, out.-dez./2006. 142 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Lembra ainda o grande civilista que “o exercício de cláusulas gerais não se pode transformar numa esgrima de conceitos indefinidos ou num apelo a emoções. Deve ser aprofundado e racionalizado, porque só assim permi- 7 te atingir a justiça sem pôr em causa a segurança” . Cláu sula geral, como às vezes ocorre com a boa-fé, que “vale para tudo, seja qual for a situação que se debata” , na ver dade, “ não vale para nada” . Toma-se “uma referência ri tual” como o “ pede-se Justiça” que se faz costumei- ramente no fecho das alegações em juízo. Dessa maneira, para ASCENSÃO, “o manuseio cor reto das cláusulas gerais exige a determinação da figura que está essencialmente em causa, e afasta a repetição de fórmulas ou conceitos que não desempenham afinal fun- 9 ção nenhuma” . A não ser assim, corre-se o risco de criar um superinstituto de dimensões tão vastas, para alcançar situações tão diferentes, que afinal redundará num afun damento na vacuidade. Daí por que se deve procurar, ne cessariamente, “ atribuir a cada cláusula geral um conteú- 7 ASCENSÃO, José de Oliveira. “ Cláusulas gerais...” , cit., p. 83. 8 ASCENSÃO, José de Oliveira. “ Cláusulas gerais...” , cit., p. 84. 9 ASCENSÃO, José de Oliveira. “ Cláusulas gerais...” , cit., pp. 85-86. 143 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R do próprio, em vez de dissolvê-las numa imensidão em que todas se confundiriam” . A propósito das cláusulas gerais reprodutoras de meros valores ou princípios, não se pode, é verdade, ignorara existên cia de uma corrente de pensamento, liderada por ROBERT ALEXY, que transforma a ordem constitucional num sistema predominantemente dominado por valores auto-aplicáveis como fonte normativa concreta. Da mesma maneira, porém, não se deve deixar de atentar para a corrente contrária, comandada por • •_ JURGEN HABERMAS, que adverte sobre as inconveniências da transformação da ordem jurídica, numa “ordem concreta de valores” , ao argumento ponderável de que o conteúdo normativo não pode faltar aos preceitos jurídicos, mesmo quando assumam o caráter principiológico. 0 terreno próprio para a predominân cia das decisões axiológicas é antes de tudo o do Poder Legislativo. Subtrair dele essa função para concentrá-la no Poder Judiciário faz, segundo HABERMAS, crescer o “perigo dos juízos irracio nais, porque neste caso os argumentos funcionalistas prevale cem sobre os normativos” , conduzindo à insegurança e ao ar bítrio e produzindo, em muitos casos, decisões apenas com 10 ASCENSÃO, José de Oliveira. “ Cláusulas gerais...” , cit., p. 89. 11 HABERMAS, Jüigen. Direito e democracia, Rio de Janeiro, Tempo Bra sileiro, 1997, vol. I, pp. 321-322. 144 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L aparência de racional, sem que na realidade se encontrasse uma jundamentação real para o decisório judicial. 0 perigo lembrado por HABERMAS é mais grave na ordem constitucional, mas manifesta-se também no direito positivo ordinário, em face da adoção indiscri minada ou excessiva de regras confíguradoras de cláu sulas gerais ou de preceitos indeterminados, que nada mais representam do que a imposição normativa dos valores éti cos com força superior aos preceitos típicos do direito. Na verdade, não se pode deixar de reconhecei; nos dias de hoje, a impotência da legislação para acompanhar, pron tamente, toda a evolução e complexidade da vida social moderna. Considera-se ingênua, em nosso tempo, a pre tensão do Estado de sei; pelo Parlamento, a fonte única de “um sistema normativo tendencialmente exaustivo” . Daí a necessidade de abrir o sistema para que fontes éticas e consuetudináriasexerçam um papel mais atuante no pro cesso normativo. Isto, porém, não quer dizer outorga de um poder discricionário de livre concretização do direito diante da cada caso. “Es evidente que el Estado no puede abdicar de la fijación de líneas fundamentales” . 12 GROSSI, Paolo. Mitologia jurídica de la modemidad, Madrid, Editorial Trotta, 2003, p. 92. 145 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R O emprego, pois, das normas reprodutivas de cláu sulas gerais há de ser feito pelo legislador com a neces sária prudência, para não desestabilizar o ordenamento jurídico e frustrar a expectativa social de segurança jurí dica. O certo é que, para restringir, suprimir ou modificar direitos, liberdades ou garantias, e sempre que autorizar ação discricionária da Administração, o legislador “de verá, necessariamente, fazê-lo por meio de lei que com preenda minimum de critérios objetivos, que possam ser vir de limites da liberdade de escolha da Administração (e da Justiça), de tal modo que os cidadãos possam contar com um quadro legal claro e seguro quanto à previsibilidade das opções da Administração e, ao mesmo tempo, que os Tribunais possam ter elementos objetivos suficientes para emitir um julgamento sobre a legalidade das decisões administrativas” . Preconiza, a propósito, CANOTTLHO a necessidade de um controle reforçado sobre as normas de natureza aberta ou de conteúdo indeterminado para que ao intér- 13 ALMEIDA, Luís Nunes de. Relatorio na XV Mesa Redonda Internacio nal realizada em Aix-en-Provence, em setembro de 1999, sobre o tema “Constitution et sécurité-juridique” , inAnnuaire Internacional de Justice Constituticnnelle, XV, 1999, Paris, Econômica, 2000, pp. 254-255. 146 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L prete e aplicador não se confiram poderes exagerados de decisão e não se confundam as cláusulas gerais com “de legação de competência de decisão” , numa verdadeira promiscuidade de distribuição de tarefas entre legislador e executor das leis. 0 Estado de Direito Democrático, ao inserir em seus fundamentos o princípio da segurança jurídica, impõe sejam os atos normativos editados com precisão ou determinabiüdade. Eqüivale dizei; segundo CANOTILHO, que há, de um lado, a exigência de “ clareza das normas legais” , e, de outro, reclama-se “densidade suficiente na regulamentação legal” , que nem sempre se revela com patível com o emprego de cláusulas gerais, se não se resguardar um mínimo de concretude. Para o constitucionalista, o ato legislativo “que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determi nada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a administra ção; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscaliza- 14 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui ção, 4a ed., Coimbra, Almedina, s/d., p. 257. 15 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 257. 147 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ção da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos” . Se, então, o legislador não se precavém e edita nor mas de cunho predominantemente ético, e, portanto, de conteúdo indeterminado, sem prescrever qualquer espé cie de limite ou parâmetro, os jurisdicionados ficam em situação de não poder contar com a necessária segurança . . . . . . 17para seus negocios jundicos. 14.2. Uma Séria Advertência de um Grande Civilista Encerrando uma atualíssima ponderação acerca das tendências legislativas contemporâneas, o professor JOSÉ 18 LUIS DE LOS MOZOS, grande civilista espanhol, con clui sua reflexão afirmando que efetivamente se vê que o contrato, na ótica dos códigos, tem sofrido muitas e notá- 16 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 257. 17 Qualquer que seja o critério de abertura do direito para reduzir ou que brar o monopólio do direito legislado, a função da lei haverá de se manter como a de “ formalizar um marco relevante para el desarollo de la vida jurídica” (GROSSI, Paolo. Op. c i t p. 92). 18 MOZOS, José Luis de los. Estúdios sobre derecho de contratos, integración europea y codificación, Madrid, Fudación Beneficencia et Peritia Juris, 2005, p. 58. 148 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L veis transformações, mas muitas delas são mais aparen tes do que reais, sobretudo no que se refere ao equilíbrio entre a autonomia da vontade e suas limitações, “ a não ser que pensemos, equivocadamente, que elas têm sido fruto, exclusivamente, de sua evolução moderna” . Explica o civilista: “ con ello, nos olvidamos de los problemas que siempre han planteado la simulación, la reserva mental, la teoria dei error y los vicios dei consentimiento en general, eso sin tener en cuenta la exigencia de los restantes requisitos, para que el contrato tenga eficacia jurídica. Es sobre esto, precisamente, sobre lo que habría que ponerse a trabajar, olvidándose de las grandes palabras, aunque no de las demandas sociales que las sustentan, pero tratando de traducir tales demandas a términos jurídicos, procurando insertarlas en el sistema, en vez de quedamos en discurrir por cláusulas generales, convertidas en tópicos por el lenguaje de los políticos y de los mas m edias, para acabar descubriendo nuevos mediterrâneos, cuando la mayor parte de las ideas que se barajan, ya habían sido expresadas o propuestas, de una u 19 otra manera, al tratar de la problemática citada.” 19 MOZOS, José Luis de los. Estúdios cit., p. 58. 149 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Conclui o professor que a tarefa da dogmática é “ sal var a teoria, ainda que a custa de assumir a nova realidade, mas sem dar as costas ao inequívoco fundamento do con trato, que continua sendo encontrado, sempre, no reconhe- * cimento da autonomia privada. E certo que se várias destas transformações colocam em destaque a ‘despersonalización de los câmbios’, como tantas vez se tem dito, nem por isso se pode considerar que a concepção do contrato que vem da tradição jurídica tenha perdido todo o seu valor; o que ocorre é que, agora, o novum se apresenta junto ao vetus, diante de um processo de aceleração, tão intenso, que o resultado que oferece é um panorama realmente caótico e dos mais in- quietantes, apresentando, sempre, numerosas contradições e tendo como resultado uma sociedade que vive, muito mais do que das heranças deixadas pelo ancien régime, anterior as codificações, ao amparo de um verdadeiro ius incertum, situação que se estende, não só ao âmbito das obrigações e contratos, mas também a todo o âmbito jurídico. Por isso, para sair desta situação, haverá de procurar e tratar de en contrar a certeza do Direito, como o primeiro passo que se 20 pode dar em favor da justiça” . 20 MOZOS, José Luis de los. Estádios cit., p. 58. 150 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L 14.3. O Perigo do Uso Abusivo das Cláusulas Gerais O grande risco, nesse momento de aplicação do con ceito genérico da lei, está na visão sectária do operador, que, por má-formação técnica ou por preconceito ideoló gico, escolhe, dentro do arsenal da ordem constitucional apenas um de seus múltiplos e interdependentes princí pios, ou seja, aquele que lhe é mais simpático às convic ções pessoais. Com isto, o valor eleito se toma muito su perior aos dem ais form adores da principiologia constitucional. Toda a ordem infraconstitucional, graças à superideologização do operador, passa a se alimentar ape nas e tão-somente de forma sectária, unilateral e pessoal, muito embora aparentando respaldo em princípio ético prestigiado pela Constituição. Uma Carta que se diz consagradora do Estado Demo crático de Direito não pode ser lida sob a ótica de apenas um de seus valores ou princípios. A técnica constitucio nal desse tipo de organização estatal pressupõe a submis são do Poder, em todos os seus níveis, não apenasa um ou outro dos valores fundamentais, mas a todos eles, de ma neira indiscriminada e sempre buscando a sua completa sistematização. 151 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R O constitucionalismo do Estado Democrático de Di reito, por isso mesmo, exige a submissão da exegese Constitucional à mecânica da razoabilidade e da propor cionalidade, dentro da qual um princípio pode momen taneamente atritar com outro, mas jamais um anulará o outro, porque ao intérprete incumbirá harmonizá-los, di ante do caso concreto, de forma a propiciar uma incidên cia que não seja de exclusividade, e sim de convivência 21harmônica. Nunca é dem ais lem brar que foi uma visão exageradamente livre e ideológica do Direito que serviu de sustentação e legitimação às duas maiores hecatombes político-institucionias do século XX: o nazismo e o co- 21 Canotilho fala em princípio da concordância prática ou da harmonização explicando que ele impõe “a coordenação e combinação dos bens jurídi cos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros” . Dessa maneira, “ o campo de eleição do princípio da concordân cia prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierar quia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos ou tros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e a Teo ria da Constituição, 4a ed., Coimbra, Almedina, s/d., p. 1.188). 152 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L munismo. As atrocidades que mancharam a civilização européia não foram produto apenas de puro autoritarismo. Ao contrário, a doutrina do Estado Alemão e a das Repú blicas Soviéticas se respaldavam em posições filosóficas e seus ordenamentos jurídicos eram justificados porva- 23lores ideológicos muito bem declarados. Juizes e tribu nais, em nome da ideologia do Estado, no entanto, pude ram conviver com crimes contra a humanidade até então 22 “ Exemplo histórico gritante ressalta da experiência dos regimens políti cos totalitários, na medida em que os princípios, entendidos como nor mas de conteúdo aberto, outorgam ao detentor do poder e à camada polí tica dirigente a possibilidade de concretização arbitrária, embora a aparência de legalidade e até de legitimidade de que desfrutam em razão de sua origem jurídica. 0 caso mais conhecido é o da Alemanha nacional- socialista, em que os tribunais não se baseavam tanto em regras jurídicas aplicadas e interpretadas de forma positiva, mas especialmente em prin cípios trabalhados de forma semelhante às normas: o princípio da vonta de do líder (Führewillen), da idéia de igualdade racial (Gedanke der Artgleichheit), de comunidade nacional (Volksgemeinschafi) e de raça e etnia (Rasse und Volkstum)” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Al varo de. Do formalismo no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1997, n° 10.1, p. 84). 23 No auge do prestígio do nazismo, Hitler e a Alemanha nacional-socialista “ representavam mais do que uma enorme e eficiente organização militar. Eles representavam uma força armada de idéias, não inteiramente distin ta da Revolução Francesa de um século e meio antes... Henderson escre veu que, muito à semelhança da Revolução Francesa, o nacional-socia- lismo alemão eqüivalia a um elemento novo e poderoso na história da Europa e do mundo. Hitler evidentemente acreditava nisso...” (LUKACS, John. 0 duelo: Churchill x Hitler, tradução de Cláudia Martinelli Gama, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002, pp. 54-55). 153 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R inimagináveis. Bastava que um pequeno e miraculoso ideário do “ partido” fosse invocado para que resultados concretos, mesmo absurdos, se tornassem legítimos e constitucionais. Não se tinha uma visão de conjunto do Estado Social, mas apenas a do sectarismo exagerado da ideologia partidária. E esse é o risco que não se pode, de maneira alguma, correr, nos tempos atuais, com a aplicação distorcida de cláusulas gerais e normas vagas. Nenhuma cláusula ou norma da espécie pode resumir-se a si própria, nem pode 24 “ Se a corrente a observar for a que prega a liberdade de julgar com a lei, sem a lei, ou contra a lei, declaradamente não a sigo. Ela pode levar a conseqüências imprevisíveis, até mesmo desastrosas, como aconteceu mais recentemente com a manipulação de normas e dos princípios, entre comunistas, nazistas, fascistas, seus respectivos seguidores e satélites” (ARAGÃO, E. D. Moniz de. “ Hobbes, Montesquieu e a Teoria da Ação” , Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, n° 25, jul.-set. /2002, p. 442; Revista Forense, vol. 363, p. 45). 25 “Não se deve esquecer que foi com base na teoria do direito livre, isto é, na proclamação da liberdade do órgão judicial para decidir segundo sua consciência de justiça, podendo, assim, julgar até mesmo contra o texto expresso da própria lei (Stammler, Zitelmann, Kantarowicz etc.), que a Alemanha nazista pôde impor, com certa facilidade, os seus desmandos e horrores, que culminaram, sem dúvida, por negar todos os sentimentos universais de justiça e direito” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. “ 0 juiz e a revelação do direito in concreto” , Revista Forense, vol. 360, pp. 30-31. Nesse sentido: AMORIM, Edgar Carlos de. 0 juiz e a aplicação das leis, 3a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, n° 5, p. 53). 154 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L ser interpretada apenas em face do valor que ela mesma traduz. Tudo haverá de ser enfocado a partir do sistema maior e dos valores superiores que formam a ordem cons titucional como um todo. Não há lugar para sectarismo e paixões, quando se trata de realizar uma ordem constitu cional por inteiro. Urge, por isso, evitar o excesso de ideologia, máxime a ideologia pessoal do juiz ou intérprete. A ética a aplicai; por autorização do novo Código Civil, somente pode ser a que corresponde a pontos de vista unânimes do meio so cial. 0 Estado continua sendo de direito e, portanto, su bordinado ao princípio da legalidade (CF, art. 5o, inc. II). 0 aplicador pode suprir lacunas do ordenamento jurídico por meio de invocação de princípios éticos, pode aperfei çoar a regra do legislador, interpretando-a à luz de dados éticos, pode recorrer à eqüidade quando autorizado pela lei; não pode, entretanto, ignorar o direito positivo, para criar regras judiciais diversas ou contrárias às dispostas 26 “ Somente a teoria dos direitos fundamentais pode servir, ao mesmo tem po, ao propósito de unificar e harmonizar as normas atuais com as preexistentes e àquele de permitir o desenvolvimento judicial do direito, com a manutenção do valor supremo da ordem constitucional vigente” (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, São Paulo, RT, 2002, p. 12). 155 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R pelo legislador. Não cabe, em suma, à Justiça, transfor- mar-se em fonte primária da norma jurídica, colocando- se acima do Poder Legislativo. Diante dessa moderna postura normativa, gigantes ca será, sem dúvida, a tarefa atribuída ao juiz, pois de seu preparo funcional e de sua fidelidade aos valores e prin cípios consagrados pela Constituição dependerá o suces so do ambicioso projeto abraçado pela nova codificação, à luz do tríplice alicerce da socialidade, da ética e da 27 concreção. A mais recente doutrina tem enfocado o controle da constitucionalidade das sentenças, mesmo após a coisa 27 Quando a norma é toda elaborada pelo Poder Legislativo, o controle de sua constitucionalidade é muito mais amplo e efetivo: no processo legislativo atuam órgãostécnicos que preventivamente analisam o projeto em face da Constituição; após a aprovação no parlamento, o Poder Execu tivo, ainda, desempenha o controle da constitucionalidade por meio do poder de veto; e, sancionada a lei, cabe, finalmente, ao Poder Judiciário o controle direto e difuso da constitucionalidade da norma editada pelo Legislativo. Quando, porém, o legislador adota o sistema de normas principiológicas, quem realmente cria a norma efetiva é o órgão judicial. Já então, confundindo-se a atividade de criação e aplicação da lei num mesmo agente público, toma-se muito mais problemático o controle da constitucionalidade. Como é óbvio, o autocontrole é menos eficiente e muito mais complicado que o heterocontrole. Esse é o risco de uma legislação excessivamente assentada sobre cláusulas gerais e traduzida predomi nantemente em normas principiológicas. 156 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L julgada, como um “problema central do actual momento 28 do Estado de Direito” . ✓ E que o avolumar constante e acelerado de poderes normativos conferidos aos juizes, denota “um trânsito si lencioso de um ‘Estado-legislativo-parlamentar’ para um 29 ‘Estado jurisdicional executor da Constituição” ’. 0 fe nômeno se acentua não só pela incumbência de fiscali zação constitucional atribuída ao Judiciário, mas tam bém pela circunstância de cada vez mais as normas legais encerrarem conceitos indeterminados e abertos, o que exige maior atuação dos juizes na interpretação e cria- 30 ção do Direito. Nesse rumo das coisas, NEUMANN adverte que se corre o risco de encaminhar para uma verdadeira “perver- 28 0TER 0, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, Lisboa, Lex, 1993, p. 32. 29 CANOTILHO, J. J. Gomes. “A concretização da Constituição pelo legis lador e pelo Tribunal Constitucional” , in Nos dez anos da Constituição, Lisboa, 1987, p. 352. 30 No contexto de ordenamentos fundados em grande parte em cláusulas gerais e conceitos vagos, observa-se, com efeito, “ um crescente papel protagonizador do juiz na densificação e concretização interpretativa do sentido de tais conceitos e, conseqüentemente, do próprio Direito” (OTERO, Paulo. Op. cit., p. 34). 157 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R são do Estado de Direito em Estado Judicial” . Há, de fato, uma tendência de hipervalorização do papel do juiz que o tor na supremo em relação aos demais poderes do Estado, donde a exigência de uma maior preocupação com a constitucionalidade e legalidade de suas decisões, que, de forma alguma, deverão escapar a um efetivo controle. No exer cício de poder tão amplo, o julgador não pode mais pretender para suas sentenças um feudo não sujeito, após a coisa julgada, a qualquer juízo ou espécie de controle de sua conformidade com a Constituição. Se nem a lei que o juiz aplica para julgar 32 é absoluta, também não poderá ser absoluta sua sentença. 0 julgamento segundo cláusulas gerais autorizadas pela lei não é, em hipótese alguma, “uma tarefa arbitrá ria” . Ao completar a norma legal em branco, o juiz tem de se ater à realidade da figura jurídica, sua estrutura e fun cionalidade, aplicando sempre os princípios informativos 33do sistema. “ Toda e qualquer reconstrução dogmática está, em primeiro lugar, atada aos valores e diretivas do ordenamento, os quais exigem do juiz não apenas ato de 31 Apud SAZ, Silvia Del. “ Desarrolo y crisis dei derecho administrativo” , in Nuevas perspectivas dei derecho administrativo, Madrid, 1992, p. 170. 32 OTERO, Paulo. Op. cit., p. 10. 33 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. “A boa-fé nas relações de consu mo” , Rev. Direito do Consumidor, São Paulo, n° 14, p. 25, 1995. 158 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L vontade, mas, fundamentalmente, ato de conhecimento e 34 de responsabilidade” . Não é por outra razão que a Cons tituição exige, sob pena de nulidade, que toda decisão ju dicial seja fundamentada (CF, art. 93, IX). Somente com a explicitação dos elementos de fato e de direito em que a sentença se apoiou haverá condições de aferir-lhe a con formidade com o sistema normativo axiológico determi nado pela Constituição. A leitura do Código de 2002 não poderá ser feita por meio da ótica pandectista que serviu de sustentação ao Código de 1916. Não haverá, contudo, de servir de palco de uma destruição de valores e conquistas da civilização que o gerou. E, jamais se admitirá que seus operadores se afas tem dos princípios maiores que a ordem constitucional so brepõe ao ordenamento do direito privado. Nenhum princí pio invocado pelo Codificador pode ser visto como absoluto e de aplicação desvinculada das garantias fundamentais ✓ traçadas pela Carta Magna. E nelas, acima de tudo, que os aplicadores deverão buscar os limites dentro dos quais legitimamente haverão de usar as cláusulas gerais e os princípios éticos preconizados pelo novo Código Civil. 34 MARTINS-COSTA, Judith. “A boa-fé como modelo” , Rev. Brasileira de Direito Comparado Luso-Brasileiro, vol. 21, p. 100, 2002. 159 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Em tema de tamanha relevância, como o pertinente aos contratos e suas repercussões jurídicas e sociais é, enfim, de se atentar para as justas e oportunas pondera ções de ARNOLDO WALD: “ Se o direito tem a dupla finalidade de ga rantir tanto a justiça quanto a segurança, é preciso encontrar o justo equilíbrio entre as duas aspirações, sob pena de criar um mun do justo, mas inviável, ou uma sociedade eficiente, mas in justa, quando é preciso conciliar a justiça e a eficiência. Não devem p rev a lecer nem o ex ce sso de co n se r vadorismo, que impede o desenvolvimento da sociedade, nem o radicalismo destruidor, que não assegura a continuidade das institui ções. 0 momento é de reflexão e construção para o jurista, que, abandonando o absolutis- mo passado, deve relativizar as soluções, ten do em conta tanto os valores éticos, quanto as 35 realidades econômicas e sociais.” 35 WALD, Amoldo. “A evolução do contrato no terceiro milênio e no novo Código Civil” , ALVIM, Arruda et al. Op. cit., 2003, pp. 75-76. 160 C o n c l u s õ e s Os novos princípios introduzidos na teoria dos con tratos não anularam os princípios tradicionais que sem pre governaram o importante segmento do direito das obri gações. Apenas foram a eles acrescidos para enriquecê-los e aprimorá-los, diante da moderna visão do fenômeno eco nômico pelo Estado Democrático de Direito, preocupado com os valores éticos e sociais. Assim, a função social passou a atuar no campo das condições de validade do contrato. “ Contudo, ela não pode ser medida arbitrariamente ou, ainda pior, ser imaginada como a panacéia para correção de todos os males” , como se fosse o único princípio informativo a observar. Diante das incompletas e incipientes manifestações da doutrina nacional sobre o tema, adverte DANIEL A USTARROZ que “ algumas conclusões são de rigor, tal 1 USTÁRROZ, Daniel. A responsabilidade contratual no novo Código Ci vil, Rio de Janeiro, AIDE, 2003, p. 35. H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R como a necessidade de o Estado assegurar a integridade e o cumprimento dos contratos, a fim de viabilizar a au tonomia privada, bem como a convivência das pessoas, e a utilidade do vínculo, medida pelo efeito que este des perta na realidade na qual se insere” . Vale dizer: “ Em verdade, no momento em que o contrato simboliza a troca econômica, isto é, o intercâm bio de bens — que é meio para alcançar a satis fação individual - , sempre despertará interes se social, justificando, assim, a atenção do Poder Público. Tão importante é resguardar os direi tos do banco que oferta crédito, como garanti-lo e facilitá-lo, de modo que nenhuma atividade seja inibida em razão de excessiva proteção em prol de uma parte. A função social, longe de clausurar-se em obrigação pontual, expande-se até outras, precavendo situaçõesconflituosas no futuro. Daí falar-se em sua função profilática, entendida na aptidão para corrigir distorções em 2 USTÁRROZ, Daniel. A responsabilidade cit., p. 35. 162 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L casos futuros, orientando o mercado em como 3 proceder.” 0 sistema do novo Código Civil, para valorizar os prin cípios da eticidade e socialidade, adotou o critério normativo das chamadas cláusulas gerais, que põe nos ombros dos juizes uma pesada tarefa integrativa no que diz respeito à interpretação e concretização da voluntas legis. Cláusulas gerais como as da boa-fé objetiva e da fun ção social do contrato somente adquirirão contornos mais nítidos por meio da jurisprudência e das reações que, con- cretamente, provocarem no meio social. Por enquanto, é importante recorrer à experiência do direito comparado, que já vem há mais tempo vivenciando problemas da espécie (França, Alemanha, Itália e Portugal, principalmente). A boa-fé objetiva haverá de ser situada nos compor tamentos preconizados pelo consenso social, mas não de maneira exageradamente livre. Cada contrato tem uma economia interna já tipificada, seja na lei, seja nos usos e A costumes do tráfego jurídico. E a partir dessa economia 3 USTÁRROZ, Daniel. A responsabilidade cit., p. 35. 163 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R reconhecida que se poderá, de maneira mais segura, determinar o comportamento negociai ético acatado socialmente. A boa-fé objetiva não deve ser vista como fonte de poder para o juiz criar, segundo seu ponto de vista ético, sem clara autorização da lei, obrigações substancialmen te diversas das que foram objeto do contrato concebido pela vontade dos contratantes. Tampouco, lhe cabe, sem previ são em norma legal, transformar em sua essência a obri- • • 5 ' gação instituída no contrato. E sobretudo no âmbito da 4 “ Não está a ruir o princípio da estabilidade do pacto, pois todos sabemos que o homem moderno, cada vez mais dependente dos pares, entabula vínculos negociais com notável freqüência, e sem o cumprimento sente- se inseguro. Entretanto, o contrato deve ser visto dentro do papel que lhe confia a sociedade, isto é, como elemento propulsor de trocas econômi cas. Essas devem ser asseguradas e, somente por justificada exceção, inibidas” . “ No que toca à resolução, observa-se a preocupação com a manutenção do contrato sempre que a troca abstratamente prevista quan do de sua celebração tenha sido substancialmente alcançada. Quer isto dizer que não é todo e qualquer inadimplemento que gera a resolução, mas aqueles que, por sua gravidade, tomem sem valia o relacionamento havido” (USTÁRROZ, Daniel. “A resolução do contrato no novo Código Civil” , Revista Jurídica , vol. 304, p. 52, fev. 2003). 5 A revisão do contrato nos moldes da cláusula rebus sic stantibus e seus derivativos é um caso de autorização legal para a intervenção judicial no conteúdo negociai da convenção (CC, art. 479). Outros exemplos estão na possibilidade de inovação do contrato viciado por erro ou lesão para eli minar o desequilíbrio na sua base econômica (CC, arts. 144 e 157, § 2o). 164 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L interpretação do negócio jurídico que a boa-fé exerce seu importante papel. Por meio dela se podem eliminar cláu sulas imorais, ou contornar significados incompatíveis com os bons costumes, para assentar os que sejam mais conformes com os padrões éticos dominantes. A função integrativa que o juiz pode exercer com fundamento na cláusula da boa-fé há de se dar, em regra, pelo recurso a normas comuns do contrato típico e do direito das obriga ções. Afastada a cláusula nula criada pelas partes, sem pre que possível em seu lugar entrará algum preceito do direito positivo pertinente ao tipo de contrato que as par tes pretenderam especializar . Se esta operação integrativa Na falta de normas legais, como estas, a abusividade da convenção somente permitirá a sanção da nulidade, que se aplicará no todo ou em parte, do contrato, como explicita o art. 51, §§ 2o e 4o, do Código do Consumidor. 6 Os esforços de integração a cargo do juiz, para suprir a cláusulas nulas ou as omissões e deficiências do texto contratual, “ haverão de buscar fo mento no próprio tipo contratual, tendo-se em vista sua função econômi- co-social, na concepção objetiva do negócio jurídico (Emílio Betti, Cariota Ferrara, Galvão Telles e outros), que não rende margem ao subjetivismo da ideação do julgador” (GOMES, Luiz Roldão de Freitas. “As cláusulas abusivas e o poder de integração do juiz” , Revista brasileira de direito comparado, vol. 22, p. 201). A integração do contrato pressupõe que já esteja definido (accertato) o conteúdo do contrato “e che a tale contenuto si aggiunga una determinazione di fonte legale la quale può completare o anche superare Fautoregolamento contrattuale” (BLANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., vol. III, n° 213, p. 425). 165 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R não for possível, o juiz não deverá recriar, segundo sua vontade e inteligência, um contrato totalmente novo. De- * verá, simplesmente, rescindi-lo ou invalidá-lo. E claro que a parte causadora do defeito negociai terá de responder pelos danos que tiver ocasionado ao outro contratante, 7 porque enfim terá praticado ato ilícito. 0 apelo aos princípios da boa-fé, feitos nos termos amplos do Código Civil brasileiro, como no Código Portu guês (art. 762°, n° 2), “não envolve uma remissão para os critérios casuísticos, para o sentimento de eqüidade ou para o prudente arbítrio do julgador” - como adverte ANTUNES VARELLA —, mas se resolve numa definição objetiva dos deveres emergentes do contrato, seja em ra zão do acordo de vontades, da lei ou dos padrões éticos revelados pelos usos e costumes. 7 Há previsão expressa no Código Civil português, art. 227°, n° 1: “ Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nas pre liminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” . 8 VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, 7a ed., Coimbra, Almedina, 2001, vol. II, p. 13. 9 “ Do que se trata é de apurar, dentro do contexto da lei ou da convenção donde emerge a obrigação, os critérios gerais objectivos decorrentes do dever leal de cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor para a resolução de qualquer dúvida que fundadamente se levante, quer seja 166 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L Dentro do ângulo da função social, a tarefa do juiz não é criativa, e sim repressiva e sancionatória. Não lhe cabe, em nome do princípio da socialidade, dar à convenção das partes um sentido e um objetivo que não tenham sido por elas eleitos. Se o contrato não cumpre sua função social, isto é, se revela ofensivo a direitos de terceiros ou agride interes ses de ordem pública caros ao consenso da sociedade e se mostra incompatível com comandos cogentes do direito positivo, ao juiz compete aplicar-lhe a sanção da nulidade ou da ineficácia, conforme o caso. Se isto não for sufici- acerca dos deveres de prestação (forma, prazo, lugar, objecto etc.), quer seja a propósito dos deveres acessórios de conduta de uma ou outra das partes” (VARELA, Antunes. Op. cit., p. 13). 10 A lei quando permite a declaração de nulidade de cláusula abusiva, o faz no pressuposto de que sua supressão possa ajustar o contrato ao neces sário equilíbrio entre as partes (GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Op. cit., p. 200). Ou seja, a eliminação de cláusula abusiva provoca o fenômeno da “ redução do negócio jurídico” : elimina-se a parte nula e conserva-se a parte válida do contrato. Se se demonstra, porém, que o contrato não teria sido concluído sem a cláusula nula, não se pode manter o negócio mutilado (Código Civil português, art. 292°;GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Op. cit., p. 199). 11 “As razões que levam à tutela dos terceiros - boa-fé, investimento de con fiança e inação das partes interessadas — podem proceder tanto nas invalidades como nas ineficácias” (CORDEIRO, Antônio Menezes. Tra tado cit., vol. 1,1.1, n° 232, p. 661). 0 contrato simulado, por exemplo, é 167 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R ente para evitar o prejuízo de terceiros, a tutela aos preju dicados consistirá em impor aos infratores a responsabi lidade civil, sujeitando-os ao ressarcimento próprio dos atos ilícitos. sancionado com a nulidade (Código Civil, art. 167). Já o contrato que veicula a fraude contra credores incorre apenas em ineficácia relativa (Código Civil, art. 165). 12 Comete ato ilícito quem viola direito e causa dano a outrem (Código Civil, art. 186). Quem, por ato ilícito, causa dano a outrem, fica obrigado a repará- lo (Código Civil, art. 927). 168 B i b l i o g r a f i a AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. “A boa-fé nas relações de consu mo” , Rev. Direito do Consumidor, São Paulo, n° 14, p. 25 ,1995 . ALMEIDA, Luís Nunes de. Relatório na XV Mesa Redonda Internacio nal realizada em Aix-en-Provence, em setembro de 1999, sobre o tema “ Constitution et sécurité-juridique” inAnnuaire Internacio nal de Justice Constitutionnelle, XV, 1999, Paris, Econômica, 2000. ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1986. ALVIM, Arruda et al. Código do Consumidor, 2a ed., São Paulo, RT, 1995. _________ . “A função social dos contratos no Novo Código Civil” , in PASINI, Nelson, LAMERA, Antonio Valdir Úbeda, TALAVERA, Glauber Moreno (Coord.). Simpósio sobre o Novo Código Civil bra sileiro, São Paulo, Método, 2003. 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M., X IV -1 4 .1 ALVIM, A., apresentação, X -10.1, X III- 1 3 - 2 ; X IV - 1 4 .3 AMARAL, F., II AMORIM, E. C., X IV - 1 4 .3 ARAGÃO, E. D. M., XIV - 1 4 .3 ASCENSÃO, J. O., X IV - 1 4 .1 AZEVEDO, A. J., I, II, V ni - 8-1 BIANCA, C. M., D, m, V, X - 10.1 - 1 0 .2 , XV BRANCO, G. L C., W , Xm -13.1. CABRAL, R. A., VII, XII CALAIS-AU LOY, J., apresentação, VIII - 8.1, X - 10.1, XIII - 13.2 CANOTILHO, J. J. G .,X IV -14.1; XIV - 14.3 CAPPELLETTI, M., XIII -1 3 .3 CARBONNIER, J., XII CARVALHO FILHO, M. R, XIV - 14.1 CORDEIRO, A. M., XIII - 13.1, conclusões CRETELLA JÚNIOR, J . , X - 10.1. CRISCUOLI, G., VIII - 8 .2 DANZ, E, V DÍAZ, E., I DIENER, M. A., IV, XII, XDI -13 .2 FARIA, J. L.A . R .,X R FERRAND, F., III, IV, VII FERREIRA, C. A. G., VIII - 8.1 FRANÇA, R A., I FORIERS, R A., V FRANCO, E M. M., II GHESTIN, J., I GOMES, L. R. F., conclusões GROSSI, R, XIV -1 4 .1 GUERRA, M. L., X IV - 1 4 .3 HABERMAS, J., XIV -1 4 .1 HIRONAKA, G. N., VIII - 8.1 HOUAISS, A., II IUDICA, G., vn i - 8.1, x n i -13 .1 JAIME, E., X III- 1 3 .3 JAMIN, C., 1, VIII- 8 .1 JESTAZ, R, VIII- 8 .1 LEONARDO, R. X., VIII - 8.4 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R LEQUETTE, Y., XII LORENZETI, R., VI LOTUFO, R., V III- 8 .1 LUKACS, J., XIV - 14.3 MARINHO, J., X III- 1 3 .2 MARTINS-COSTA, J., VII; VIII - 8.4; XIII -1 3 .1 ; XIV -1 4 .1 e 14.3 MAZEAUD, D., 1, V III- 8 .1 MAZZILLI, H. N., VIII- 8 .2 MORAES, M. C. B., VIII - 8.4 MOZOS, J. L. L., VIII - 8.4; XIII - 13.2; XIV - 14.2 NALIN, R, VI, V III- 8 .1 , IX NEGREIROS, T. II NOVAIS, E .C .M ., VI NUSDEO, F., X - 1 0 .1 OLIVEIRA, C. A. A., XIV - 1 4 .3 OLIVEIRA, U. M., XIII -1 3 .1 OTERO, R, X IV - 1 4 .3 PEREIRA, C.M.S., I PERLINGIERI, R, VRI - 8.4; XIII - 13.3 e 13.4 PUTTEMANS, A., V REALE, M., 7, XIV -1 4 .1 RENTERÍA,R, VIII - 8 .4 RIBEIRO, J. S., X - 10.1, XI ROPPO, E., X III- 1 3 .1 SALOMÃO FILHO, C., VIII - 8.2 SANSEVERINO, R T. V., X -1 0 .1 SANTOS, E. S., XR, XIR -1 3 .1 SANTOS, M. L .,I SAVATIER, R., I SAZ, S. D., X IV - 1 4 .3 SCHREIBER, A., II, VIII - 8 .1 , X - 1 0 .2 , X III- 1 3 .1 SILVA, C. c.,n SIMLER, R, XII SOUZA, S. C., apresentação STEINMETZ, E, VEI - 8.1, X, XDI - 1 3 .2 TEPEDINO, G., II, VIII - 8.1, X - 10.2, X III- 1 3 .1 , X III- 1 3 .3 TERRÉ, F., XII THEODORO JÚNIOR, H., XIV - 14.3 UDA, G. M., XIII-13.1 USTÁRROZ, D., II, conclusões VARELA, A., VII, XII, conclusões VENOSA, S. S., III, IV, xn VILLAR, M. S., H WALD, A., I, V, XIII -1 3 .1 , XIII - 13.2, XIV - 14.3 ZANCHET, M., V IR - 8 .3 ZATTI, R, VIII - 8.1, XIII -1 3 .1 178 I n d i c e A l f a b é t i c o - R e m i s s i v o (Os algarismos romanos referem-se aos capítulos, e os arábicos, aos tópicos dentro dos capítulos.) Abuso - perigo do uso abusivo das cláusulas gerais, XIV - 14.3 Abuso de direito - nos contratos, VII - na liberdade de contratar, IX Boa-fé - objetiva (v. Boa-fé objetiva) - subjetiva, noção, II - como dever acessório dos contratantes, III - como princípio geral do direito nos contratos, IV Boa-fé objetiva - aplicação do princípio, V - conceito, II, III - direito comparado, VIII - 8.2 - noção,I Cláusulas abusivas - diferença do regime no CDC e no CC, X - 10.2 Cláusulas gerais - e o novo Código Civil, XIV - 14.1 - vantagens e riscos desta forma de codificação, XIV - noção, conclusões - perigo do uso abusivo, XIV - 14.3 - séria advertência de um grande civilista, XIV - 14.2 C ódigo Civil - e a função social do contrato, VII - diferençado regime das cláusulas abusivas do CDC e do C C ,X - 1 0 .1 - vantagens e riscos da codificação das cláusulas gerais, XIV - 14.1 Confiança - e função social do contrato, XIII — 13.1 Consumidor - diferença dos regimes das cláusulas abusivas do CDC e do C C ,X - 1 0 .1 - função social do contrato nas relações de consumo, X - 1 0 .1 - proteção contra atos de má-fé contratual, X - 10.1 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R - eliminação de praxes abusivas, X - 10.1 Contrato - causa do contrato e função social, VIII - 8.4 - como fenômeno econômico, XIII — 13.1 - conceito, I - eticidade, II - função social {v. Função social do contrato) - influência da eticidade, V - liberdade contratual, I - objetivo, VIII - 8.1 - obrigatoriedade, I - princípios, I - relatividade dos efeitos, I - responsabilidade do terceiro, XII Equilíbrio econômico do contrato - conceito, II - noção,I Estado democrático de direito - modelo, VI Estado liberal - modelo, I Estado social - modelo, I Eticidade - influência sobre o destino dos contratos, V - no sistema geral do direito dos contratos, XI - noção, VIII - 8.1 Função - conceito, II Função econômica do contrato - e função social do contrato, XIII -1 3 .1 Função social da propriedade - e função social do contrato, XII Função social do contrato - bases conceituais, V III- 8 .1 - causa do contrato, VIII - 8.4 - como cláusula geral, XIII - 13.3 - como expressão da publicização do direito dos contratos, XIII - 1 3 .4 - conceito, I I , VI - conclusões, V - desvio, IX - direito comparado, VIII—8.2 - e função social da propriedade, XII - e função econômica do contrato, XIII - 13.1 - efeitos externos, XII - meio de destruição da função natural do contrato, X in - 1 3 .2 - nas relações de consumo, X - 10.1 - noção, I 180 0 C O N T R A T O E S U A F U N Ç Ã O S O C I A L - prejudicada por abuso da liberdade de contratar, IX - proteção da confiança, VIII - 8 .3 - segundo o Novo Código Civil, VII - na Constituição, VIII - 8.1 Liberdade - contratual, conceito, I - contratual, noção, VII - de contratai; abuso, IX Obrigatoriedade - do contrato, I Pacta simt servanda - noção,I Princípios - boa-fé objetiva (v. Boa-fé objetiva) - dos contratos, I - dos contratos, inovação com o CC/2002, VII - eticidade {v. Eticidade) - equilíbrio econômico (v. Equilíbrio econômico do contrato) - função social do contrato («. Função social do contrato) - liberdade contratual, I - novos, II - obrigatoriedade dos contratos, I - pacta sunt servanda, I - relatividade dos efeitos, I - socialidade (v. socialidade) Proteção da confiança - e função social do contrato, VIII - 8.3 Relatividade - dos efeitos do contrato, I Socialidade - princípio, noção, VII - 8.1 Terceiro - em face do contrato alheio, XII - responsabilidade, XII 181 I n d i c e d a L e g i s l a ç ã o (Os algarismos romanos referem-se aos capítulos, e os arábicos, aos tópicos dentro dos capítulos.) BRASIL Código Civil de 1916 art. 1 5 9 - V I I I - 8 .1 Código Civil de 2002 art. 104 - XIII - 8.4 art. 112 - apresentação art. 1 1 3 - I V art. 1 3 8 - X I I I - 1 3 .1 art. 1 4 0 - V I I I - 8 .4 art. 144 — conclusões art. 1 4 8 - X I I - 1 3 .1 art. 1 5 4 - X I I I - 1 3 .1 art. 157-11 art. 157, § 2o - conclusões art. 158, § 2o - V art. 162, I I - V art. 165 - conclusões art. 166 - VDI - 8.4; Xm -13.1 art. 166, II - V, XIII - 13.2 art. 166, III - VIR - 8.4; XIII - 13.2 art. 167 - VIII - 8.4; conclusões art. 168, parágrafo único, XIII - 13.2 art. 1 7 1 - V I I I - 8 .4 art. 171, I I -V , X III- 1 3 .2 art. 1 8 2 - X I I I - 1 3 .1 art. 184 - V art. 186 - conclusões art. 1 8 7 -IV ; V; VIII - 8 .4 art. 288 - XII art. 290 - XII art. 4 2 1 - I I , VI, VII, VIII - 8.1 e 8.4, XII, X m - 1 3 .1 art. 422-11 , III, IV, VI, VII, V III- 8 .1 art. 4 7 8 - II, V art. 479 - II, V, conclusões art. 686 -V III - 8 .3 art. 883 - V art. 8 8 4 - V I I I - 8 .4 art. 927 - conclusões art. 1.015, parágrafo único - VIII - 8 .3 . art. 1.228, § I o - X I I art. 1.228, § 2 ° - X I I art. 1.228, § 3 ° - X I I art. 1 .418- X I I art. 1 .8 1 7 - X I I I - 1 3 .1 art. 1.827 - parágrafo único - V I I I - 8 .3 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Código de Defesa do Consumidor art. 4 o, I I I - X - 1 0 .1 art. 6o, V - X - 10.2 art. 12 - VI art. 14 - VI art. 51, § 2o - conclusões art. 51, § 4o - conclusões Constituição da República de 1988 art. I o, I V - X - 10.1 art. 3o, I I - X - 10.1 art. 5o, II - XIV art. 5o, X X III-X II art. 5o, XXIV - XII art. 5o, X X V -X II art. 5o, XXXVI - XIII - 13.2 art. 5o, U V - X I I I - 1 3 .2 art. 93, IX - XIV art. 170 -V III - 8 .1 , X - 10.1 art. 170, I I I-X II art. 182, § 2 ° - X I I art. 186 - XII Lei n° 4.504, de 30.11.64 (Estatuto da Terra) art. 92, § 3o - XII art. 92, § 5 ° - X I I Lei n° 8.245, de 18.10.1991 (Lei de Locação) art. 8o - X I I arts. 27 a 34 - XII ALEMANHA BGB § 242 - III § 826 - XII FRANÇA Código Civil art. 1 .3 8 2 - X I I Código de Consumo art. 132 - 1, al. 7 - XIII - 13.2 ITÁLIA Código Civil art. 1 .337- I I I , V III- 8 .2 art. 1 .366- I I I , V III- 8 .2 art. 1 .375- I I I , V III- 8 .2 art. 1.469, ter, secondo comma — XIII — 13.2 PORTUGAL Código Civil art. 227°, 1 - conclusões art. 292° - conclusões art. 3 3 4 °- X I I art. 4 8 3 °- X I I art. 762°, 2 - conclusões 184 Í n d i c e S i s t e m á t i c o Sumário.............................................................................................. V Abreviaturas e Siglas U sadas.......................................................... VII Apresentação..................................................................................... IX Capítulo I - Princípios do Direito dos Contratos..................... 1 Capítulo II - Novos Princípios do Direito dos Contratos 9 Capítulo III — Princípio da Boa-Fé como Dever Acessório dos Contratantes.............................................................................. 17 Capítulo IV — A Boa-Fé como Princípio Geral do Direito dos Contratos................................................................................... 21 Capítulo V - Influência da Eticidade sobre o Destino do Contrato.. 2 5 Capítulo VI - Função Social do Contrato................................... 31 Capítulo VII - A Função Social do Contrato segundo a Regula mentação do Novo Código C iv il........................................... 37 Capítulo VIII - Bases Conceituais da Função Social do Con trato ............................................................................................ 43 8.1. 0 Tema no Direito Positivo............................................. 43 8.2. A Lição Extraída do Direito Comparado..................... 51 8.3. Função Social do Contrato e Proteção da Confiança.. 62 8.4. Função Social e Causa do Contrato............................... 65 Capítulo IX - Exemplos de Função Social do Contrato Preju dicada por Abuso da Liberdade de Contratar...................... 73 Capítulo X - A Função Social do Contrato nas Relações de Consumo..................................................................................... 77 10.1. O Regime do Código de Defesa do Consumidor 77 10.2. Diferença dos Regimes de Cláusulas Abusivas do Código do Consumidor e do Código C iv il............................ 88 H U M B E R T O T H E O D O R O J Ú N I O R Capítulo XI - A Eticidade no Sistema Geral do Direito dos Contratos................................................................................... 93 Capítulo XII - Função Social da Propriedade e Função Social do Contrato................................................................................ 97 Capítulo XIII - Função Social e Função Econômica do Contrato.. 113 13.1. O ConteúdoEconômico do Contrato.......................... 113 13.2. A Função Social não Pode Ser Entendida como um Meio de Destruir a Função Natural do Contrato................. 122 13.3. A Função Social como “ Cláusula Geral” .................. 130 13.4. Função Social como Expressão da Publicização do Direito dos Contratos.............................................................. 134 Capítulo XIV - Vantagens e Riscos da Codificação Consagra- dora das “ Cláusulas Gerais” ................................................... 139 14.1. O Novo Código Civil e as Cláusulas G erais 139 14.2. Uma Séria Advertência de um Grande Civilista 148 14.3. O Perigo do Uso Abusivo das Cláusulas G erais 151 Conclusões....................................................................................... 161 B ibliografia..................................................................................... 169 índice Onomástico.......................................................................... 177 índice Alfabético-Remissivo....................................................... 179 ✓ índice da Legislação...................................................................... 183 186 E D I T O R A FORENSE RIO DE JANEIRO: Av. Erasmo Braga, 299 - Tel.: (0XX21) 3380-6650 - Fax: (0XX21) 3380-6667 Centro-RJ - CEP 20020-000 - Caixa Postal n° 269 - e-mail: forense@forense.com.br SÃO PAULO: Praça João Mendes, 42 - 12° andar - salas 121 e 122 - Tels.: (0XX11) 3105-0111 3105-0112 - 3105-7346 - 3104-6456 - 3104-7233 - 3104-8180 - Fax: (0XX11) 3104-6485 Centro-SP- CEP 01501-907 -e-mail: forensesp@forense.com.br RECIFE: Av. Manoel Borba, 339 - Tel.: (0XX81) 3221-3495 - Fax: (0XX81) 3223-4780 Boa Vista - Recife-PE - CEP 50070-000 - e-mail: forenserecife@forense.com.br CURITIBA: Telefax: (0XX41) 3018-6928 - e-mail: forensecuritiba@forense.com.br PORTO ALEGRE: Telefax: (0XX51) 3348-6115 - e-mail: forenseportoalegre@forense.com.br BAURU: Telefax: (0XX14) 3281-1282 - e-mail: forensesp@forense.com.br BELO HORIZONTE: Telefax: (0XX31) 3213-7474 - e-mail: marketingmg@forense.com.br BRASÍUA: Tels.: (0XX61) 3362-9108 - 9659-3071 - t-m ail: brasilia@forense.com.br FORTALEZA: Tels.: (0XX85) - 3241-1185 - 9169-6505 - e-mail: fortaIeza@forense.com.br Endereço na Internet: http://www.forense.com.br CTP & IMPRESSÃO: R u * C<yx5* <*> L to po td r t* . 664 S * o O v .d v A o - R o d o i t r m o W (71) W W T C O F*. <71) M 7M 717 ♦^*1 ccm t f w w w .g ra f ic a m in is te f .c o m b f mailto:forense@forense.com.br mailto:forensesp@forense.com.br mailto:forenserecife@forense.com.br mailto:forensecuritiba@forense.com.br mailto:forenseportoalegre@forense.com.br mailto:forensesp@forense.com.br mailto:marketingmg@forense.com.br mailto:brasilia@forense.com.br mailto:fortaIeza@forense.com.br http://www.forense.com.br http://www.graficaministef.com