DESCRIÇÃO A constituição das políticas públicas, a função e as características dos serviços de saúde mental no Brasil. PROPÓSITO O tratamento da pessoa com sofrimento psíquico grave, em liberdade e integrada na sociedade, é complexo e desafiador, pois envolve diversos atores e áreas de atuação que precisam atuar de forma complementar e seguir os valores antimanicomiais. O conhecimento de todos os desafios envolvidos e das possibilidades existentes é fundamental para a prática ética e eficiente dos profissionais inseridos no contexto de saúde mental. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar os principais valores da reforma psiquiátrica no Brasil MÓDULO 2 Aplicar os fundamentos do acompanhamento do paciente em exemplos concretos MÓDULO 3 Reconhecer o funcionamento dos diferentes dispositivos da saúde mental pública MÓDULO 4 Avaliar a importância e as peculiaridades dos serviços residenciais terapêuticos INTRODUÇÃO Ao trabalhar com saúde mental pública, você vai se deparar com uma realidade muito diferente da que possa estar imaginando ou da representada em alguns filmes. Atualmente, o tratamento das pessoas com transtornos mentais graves é realizado em liberdade. A partir da década de 1970, houve uma mudança importante no mundo todo em relação ao tratamento de pessoas com transtorno mental grave. Tendo iniciado na Itália, um movimento, conhecido como psiquiatria democrática, se expandiu para diversos outros países. No Brasil, esse movimento se associou à redemocratização do país e ao movimento sanitarista, o que culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Aliada ao ideal de libertação das pessoas, que até então ficavam fechadas em manicômios por décadas, essa mobilização ansiava por melhores condições de trabalho para os profissionais da saúde pública. MÓDULO 1 Identificar os principais valores da reforma psiquiátrica no Brasil MARCOS NORMATIVOS IMPORTANTES NA SAÚDE MENTAL MUDANÇAS HISTÓRICAS NO TRATAMENTO DAS PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL A sociedade vai se modificando com a passagem do tempo. Pense na sua vida há dez anos: a cultura e as tecnologias eram muito diferentes. Na década passada, todos nós, em vários aspectos, pensávamos de forma muito diferente se compararmos com a maneira como entendemos as coisas hoje em dia. É só observar os programas de televisão, por exemplo, ou os filmes nos cinemas. Nossas concepções também mudam: basta refletir que se nota que a consciência ambiental das pessoas se desenvolveu bastante nos últimos anos. Também se modificou a forma como nós tratamos os outros seres humanos. EXEMPLO Antigamente, a aplicação de castigos físicos por pais e educadores era muito comum. Contudo, atualmente, acreditamos não haver a necessidade desse tipo de disciplina – e até a achamos prejudicial na criação das crianças e jovens. Outro exemplo de mudança histórica é o destino das pessoas com grave sofrimento psíquico. Atualmente, entendemos que alguém que sofre com um transtorno mental está doente, mas não foi sempre assim. No século XVIII, comportamentos desatinados e estranhos das pessoas chamadas de “loucas” foram finalmente entendidos como doença mental por uma área do conhecimento conhecida como alienismo. Posteriormente, essa área se tornou a especialidade médica denominada psiquiatria (FOUCAULT, 2012). Ilustração de hidroterapia praticada em pacientes alienados. Paris, 1868. TRATAMENTO MORAL Em seu início, a psiquiatria utilizava um “tratamento moral” para tentar resolver as doenças mentais, sendo ele aplicado com o paciente internado. Esse “tratamento” não utilizava medicamentos ou qualquer forma de terapia como nós entendemos hoje em dia, e sim castigos e rigidez disciplinar. Acreditava-se que, com isso, seria possível modificar o comportamento da pessoa com transtorno mental para que ela passasse a agir de forma “normal” (FOUCAULT, 2012). SAIBA MAIS O tratamento moral era realizado em manicômios, os quais, em seguida, seriam chamados de hospitais psiquiátricos. Essas instituições eram fechadas e estavam afastadas dos grandes centros, pois se entendia que os doentes mentais não poderiam conviver em sociedade. Imagine alguém sofrendo com alterações mentais, tendo pensamentos que invadem sua cabeça, uma convicção em ideias absurdas ou tão desanimada que mal consegue sair da cama ou cuidar de si mesma. Agora suponha que essa pessoa seja colocada em internação em um quarto de hospital longe da cidade onde ela vivia e que seu contato com todos fora da instituição seja cortado. Por fim, pense em um cotidiano totalmente controlado dentro desse hospital. Você acredita que essa pessoa melhoraria ou pioraria seu transtorno mental? Se respondeu “pioraria”, você acertou. No entanto, os profissionais que acompanhavam as pessoas internadas nos manicômios acreditavam que essa piora se devia à doença, e não ao ambiente. Posteriormente, foi dado um nome a essa condição: institucionalização. REFORMA PSIQUIÁTRICA A situação começou a mudar quando alguns profissionais, no século XX, começaram a modificar o tratamento, enfatizando as atividades em grupo dentro dos hospitais psiquiátricos (BIRMAN; COSTA, 2014). Isso propiciou aos pacientes mais convivência e autonomia. Ambas foram consideradas terapêuticas e levaram a uma melhora das condições de saúde mental deles. Porém, somente na década de 1970, com Franco Basaglia, na Itália, começou o movimento pelo tratamento em liberdade, fora dos muros dos manicômios. Com sua experiência piloto em um hospital da cidade de Gorizia, Basaglia (2014) utilizou certos fundamentos em sua reorganização do funcionamento da instituição. Vejamos os mais importantes: Utilização de medicações que permitiam eliminar as contenções físicas. Reeducação teórica e humana dos profissionais. Restabelecimento de vínculos com o exterior. Destruição de barreiras físicas. Abertura das portas. Com isso, foi criada uma rotina: os pacientes poderiam ficar até mais tarde na cama, alimentar- se quando quisessem e circular por espaços antes fechados. Isso também levou a uma recusa da hierarquia e da opressão sofrida por eles lá dentro. Com isso, nascia a psiquiatria democrática. ATENÇÃO O ponto principal da psiquiatria democrática é o tratamento em liberdade, extramuros, fora do manicômio. A partir dessa visão, entendeu-se que não adianta tornar o hospital psiquiátrico mais humanizado, mais confortável ou com tratamentos mais eficazes em seu interior. A segregação não é terapêutica e viola os direitos humanos da pessoa com transtorno mental. A reforma psiquiátrica pode ser entendida como o movimento de tornar mais humanizado o tratamento das pessoas com transtorno mental, reinserindo-as na sociedade e acabando com o tratamento fechado em manicômios. Desse modo, o tratamento da pessoa com tal transtorno mudou muito desde o surgimento da especialidade da Medicina que entendia a loucura como uma doença mental. Dois séculos depois, percebeu-se que o tratamento realizado com isolamento e exclusão em manicômios era prejudicial. Teve início, com isso, um movimento de reforma psiquiátrica. O INÍCIO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL O Brasil, como diversos países do mundo, possui uma história marcada por tratamentos desumanos em relação ao tratamento das pessoas com transtornos mentais. A longa permanência de internados em condições insalubres levou a dezenas de milhares de mortos por décadas a fio até que houvesse um levante contra o que já foi chamado de “holocausto brasileiro”. Agora vamos entender como o movimento de mudança dessa triste realidade começou no país. O maior consenso em relação ao marco inicial da reforma psiquiátrica foi o processo de redemocratização do país, no final da década de 1970, que incentivou outros movimentos sociais. Um fator que é considerado o estopim para a reforma foi a deflagração de uma greve pelos trabalhadores da saúde mental devido às condições precárias de trabalho (AMARANTE, 2016). A pauta inicial de reinvindicações