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Brecha legal permite suspensão de processos contra sonegação

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Brecha legal permite suspensão de processos contra sonegação 
Valor Econômico (07.10.2004) 
Marta Watanabe De São Paulo 
 
Contribuintes que estão sendo alvo de ações criminais por sonegação fiscal 
encontraram uma brecha legal que permite suspender os processos com a 
adesão a algum parcelamento ou o pagamento do tributo devido. A 
previsão de suspensão da ação penal veio no ano passado, na lei do Refis 2. 
Mas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm garantido a 
suspensão das ações criminais mesmo nos casos em que o pagamento do 
tributo tenha acontecido fora do Refis 2 e após o início da ação penal. 
Pelas decisões do STF, contribuintes denunciados pelo Ministério Público por 
sonegação fiscal poderão beneficiar-se com suspensão da ação penal 
mesmo com a adesão a parcelamentos posteriores ao Refis 2 ou, se não 
houver parcelamento disponível, com o pagamento integral do tributo. E 
isso mesmo que a ação penal já existisse antes da lei do Refis 2. 
Pelo entendimento do STF, o benefício também não se limita aos tributos 
federais. O próprio Supremo já suspendeu uma ação penal que verificava 
suposta sonegação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços 
(ICMS), de arrecadação dos Estados. 
A lei do Refis 2 permite que a interpretação do Supremo seja aplicada não 
só nos casos em que o contribuinte recolhe menos imposto em função de 
interpretação de lei tributária divergente da do Fisco como também em 
casos de falsificação de notas fiscais ou documentos contábeis. 
A conclusão é de que entre punir o sonegador de impostos e arrecadar, a 
política criminal do país fica com a segunda opção. A avaliação consegue 
convergir análises de procuradores e advogados. Ou seja, converge as 
opiniões de quem denuncia o crime e de quem defende os acusados. "Essa 
é uma inconsistência da própria estrutura da legislação tributária. No Brasil, 
a ação por sonegação fiscal sempre foi um meio para pressionar o 
contribuinte a pagar um tributo e não para punir uma conduta", diz Antônio 
Sérgio de Moraes Pitombo, advogado especializado em direito criminal. 
O entendimento do STF ficou claro quando o tribunal trancou ação penal no 
habeas corpus n 81.929-0/RJ e foi reforçado no julgamento de outro pedido 
de habeas corpus de n 83.414/RS. 
"Ficou praticamente inviável processar alguém por crime de sonegação 
fiscal", diz a procuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, procuradora no 
Ministério Público Federal em São Paulo. Para a procuradora, o problema 
não está na interpretação que o Judiciário faz do artigo 9 da Lei n 
10.684/03, a Lei do Refis 2. "A origem de tudo está na própria legislação 
que condiciona a questão penal ao pagamento do tributo", diz ela. "É como 
se um ladrão de carro tivesse uma ação criminal contra ele suspensa caso 
haja devolução do veículo. Isso mesmo que a devolução aconteça depois de 
seu crime ter sido denunciado." 
O criminalista Fernando Trizolini, do escritório Manhães Moreira, lembra que 
a interpretação do Judiciário está baseada em dois pontos particulares da 
lei penal. "Um deles é a retroatividade da lei mais benéfica ao contribuinte. 
O outro é o princípio da isonomia, já que a lei não poderia beneficiar com a 
suspensão de ação penal apenas um grupo de contribuintes que aderisse ao 
Refis 2." 
"Do ponto de vista ético, os supostos sonegadores não poderiam ter 
suspensa uma ação penal apenas com o pagamento do tributo, mas o fato 
é que a própria lei aprovada no Legislativo garante isso", analisa Pitombo. 
"O problema é que o crime não deveria entrar na política pública tributária." 
As decisões do STF começam a influenciar decisões dos tribunais regionais 
federais. Até mesmo o tribunal que está sediado em Porto Alegre (que 
abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) tem suspendido as 
ações penais nos casos de adesão a parcelamentos ou pagamento integral 
do débito. 
Considerado um dos mais rigorosos em questões criminais, o Tribunal 
Regional Federal em Porto Alegre concedeu suspensão da ação penal contra 
o ex- prefeito de São Valério do Sul (RS), Eraldo Ilfonso Bender. Ele foi alvo 
de ação penal porque, em sua administração (de 1997 a 2000) a prefeitura 
teria deixado de repassar ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) as 
contribuições recolhidas dos funcionários municipais do regime geral. O 
tributo foi recolhido apenas na gestão de seu sucessor, mas, com base na 
lei do Refis 2, o tribunal entendeu que a contribuição previdenciária não 
precisava ser regularizada pelo próprio prefeito, mas sim pela prefeitura. 
Até mesmo os tribunais estaduais do Sul estão sendo influenciados pelas 
decisões do STF. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já tem decisões 
em que suspendeu ações criminais que analisavam suposta sonegação do 
ICMS. Em decisão relatada pelo desembargador José Eugênio Tedesco, o 
tribunal entendeu que a lei do Refis 2 "estende-se também aos tributos 
estaduais, em respeito ao princípio da isonomia". 
A procuradora Luiza Cristina acredita que a Lei do Refis 2 contribui para 
criar uma situação distorcida no tratamento dos crimes que envolvem 
falsificação de documentos. "O contribuinte que falsifica uma nota ou um 
livro contábil pode ter a ação penal suspensa ou trancada com o pagamento 
do tributo. O mesmo não acontece com o imigrante ilegal que falsifica um 
passaporte, por exemplo."

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