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Desvendando o mistério da Trindade. A Estratégia de “um deus”... para substituir “O DEUS”. Antônio Rodrigues da Silva Neto Antônio Rodrigues da Silva Neto 2 Dedicatória Dedicado à EHYEH ASHER EHYEH - EU SOU O QUE SOU ELE É YHWH - Y'HAWA Criador de todas as coisas, em nome de: YASHUA Seu filho unigênito, o Messias. Desvendando o mistério da trindade 3 Não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando- me de vós nas minhas orações: Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; E qual a sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, Que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos. Shaul Há Shaliach – O apóstolo Paulo Carta aos Efésios 1:17 a 23 Roma - 60 E.C. Antônio Rodrigues da Silva Neto 4 SUMÁRIO Reflexões página 5 Introdução página 6 Mudança de vida e de perspectiva página 11 Começa a história página 31 Ireneu de Lyon página 36 Tertuliano página 46 Monarquianismo página 56 Orígenes e Eusébio página 67 A controvérsia que prenuncia o mistério página 73 Surgem os Semi-Arianos página 91 Nasce o mistério (A consolidação da doutrina espúria) página 98 A Contínua disputa pelo poder (introdução de um novo culto) página 107 As naturezas de Cristo página 117 As surpreendentes incongruências dos religiosos página 121 Como você lê? página 141 Argumentos bíblicos a favor da trindade página 125 Comparação entre as visões trinitária e unitária sobre textos página 145 Epilogo página 243 Desvendando o mistério da trindade 5 Reflexões Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar uma mão e acorrentar uma alma. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas não se importam. E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso. Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto. Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. E você aprende que realmente pode suportar...que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida! Aceita o conselho dos outros, mas nunca desistas da tua própria opinião. E lembre-se: O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém. William Shakespeare Antônio Rodrigues da Silva Neto 6 INTRODUÇÃO Há 18 séculos uma diferença de interpretação se transformou numa doutrina de difícil compreensão para a mente humana. Por falta de uma explicação compreensível desta doutrina seus proponentes a simplificaram como sendo um mistério. Esta doutrina e sua defesa modificou a vida de bilhões, talvez trilhões de pessoas ao longo deste tempo. Homens honestos e inteligentes dedicaram a vida para alimentá-lo ou desmerece- lo, colocando-se em lados opostos da questão. Pessoas que deveriam estar unidas pelo ideal de servir a um Deus único, cumprindo suas leis, dentre as quais a maior delas o amor, digladiavam-se para provar sua visão e entendimento como sendo o “verdadeiro”. Passados 1800 anos, apesar dos grandes avanços tecnológicos, das grandes descobertas, da imensa quantidade de informação disponível, este mistério perdura, alimentando a adoção de uma falsa doutrina, seja contra ou a favor de sua existência, já que, se uma é verdadeira, a outra forçosamente é falsa. Trata-se do Dogma da Trindade, a crença que grande parte dos cristãos adota sobre a natureza do Deus Todo Poderoso, muitos não admitindo contestação, enquanto outros a consideram uma heresia. Desvendando o mistério da trindade 7 A quantidade de material disponível sobre o tema é vasta, o conteúdo rebuscado, elaborado com eloquência e terminologia incomum por muitos teólogos, de um modo que afasta a maioria das pessoas comuns, da compreensão e do conhecimento pleno sobre Deus, já que a maioria das pessoas nem sequer tenta buscá-lo e quando o fazem se sentem frustradas pela falta de conclusão. Esta falta de compreensão e conhecimento sobre Deus, dá margem a que se desenvolva uma fé cega sobre Aquele a quem se presta adoração. Por isso a crença de muitos, na maioria das vezes, é baseada na tradição familiar ou social, ao invés de ser uma escolha e decisão consciente sobre a quem adorar. Mas, se seguir a tradição é muito mais comodo, por que alguém se daria ao trabalho de desvendar um mistério, tão antigo e tão arraigado na crença de tantas pessoas, como a trindade? Não fosse apenas a curiosidade humana, haveria motivos válidos para se empenhar em tal tarefa? Existiriam evidências que permitiriam esclarecer o significado deste mistério de forma objetiva e inequívoca? Que ganhos haveriam ao final do processo? Jesus Cristo disse: E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste. - João 17:3 Então, de acordo com Cristo, um primeiro motivo para se querer conhecer a Deus, é o desejo de ganhar a vida eterna. Antônio Rodrigues da Silva Neto 8 Este conhecimento é fundamental para quem exercita a fé cristã e na possibilidade de servir a Deus “eternamente”. O apóstolo Paulo disse: Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. — Romanos 12:1, 2 Mais do que a mera curiosidade, o segundo motivo para se conhecer Deus é a necessidade deste culto racional a que Paulo faz referência, implica em entender e poder explicar Aquele em que se crê, e de acordo com o apóstolo, esta razão ou racionalidade é um serviço que prestamos a Este Deus, ao apresentar nossos corpos como um sacrifício vivo. Se quisermos cultuar a Deus com o nosso raciocínio temos de avaliar as seguintes questões: As escolhas que fazemos sobre a adoração que prestamos e a quem prestamos, deve se basear em tradição? É possível para alguém, com alguma cultura, chegar a uma conclusão razoável sobre os muitos lados da natureza e identidade de Deus? É possível entender os argumentos sobre a existência ou não da trindade? Acima de tudo, é possível descobrir se este é um dogma verdadeiro ou enganador? Quanto às evidências esclarecedoras sobre o tema, a tarefa de pesquisá-las e compreendê-las se tornaria mais fácil se ambos Desvendando o mistério da trindade 9 os argumentos estivessem reunidos lado a lado para análise, o que invariavelmente é omitido pelos defensores desta ou daquela teologia, pois cada segmento doutrinário, ou linha religiosa pretensamente cristã a apresenta de um único modo, como a mais absoluta verdade. Aqueles que agem desta forma, tratamas pessoas que não aceitam seus argumentos como hereges condenados ao inferno (no pior estilo Dantesco para alguns, enquanto para outros, signifique a plena extinção da pessoa do universo). Compreender Deus e conhecê-lo é, portanto, um desafio vital para todos que estudam a Bíblia. Nestes dois mil anos muitas teorias e modos diferentes de explicá-lo surgiram, desviando o foco do verdadeiro ensino bíblico. O desafio é ainda maior para os que buscam a ajuda de religiosos, pois a grande maioria deles adapta os textos para se conformarem à própria visão que têm. Muitos descobrem que a ajuda provida por certos religiosos é parecida com a oferta feita por camelôs a crianças: “lentes coloridas em óculos de plástico”, para enxergar o mundo no tom preferido. Alguns oradores eloquentes e cheios de estilo se parecem mais com fotógrafos que modificam a cor original de uma paisagem, através de filtros, para realizar uma foto próxima do próprio ideal. Não haveria nenhum problema neste comportamento, se apenas desejássemos decorar a casa ou usar um fundo na tela do computador, mas em se tratando de ganhar a vida eterna, deveríamos ser mais seletivos e exigentes. Antônio Rodrigues da Silva Neto 10 De uma busca pessoal para entender o significado histórico desta doutrina, e os argumentos das diversas denominações religiosas, contra e à favor do dogma trinitário, nasceu esta obra, que objetiva ser um guia introdutório esclarecedor para mentes sinceras, que buscam a “profundidade das riquezas e da sabedoria”, alardeadas pelo apóstolo Paulo como vindas do verdadeiro Deus e, deste modo, aprender Quem é Este Deus e adorá-lo como Ele quer e não como as denominações religiosas querem. Curiosamente, ao longo do percurso nesta jornada, se tornará evidente como a elaboração deste “mistério” serviu às artimanhas de um ser poderoso, na tentativa de substituir um poder maior. Antes de lhe falar o que encontrei, porém, deixe-me contar-lhe como e porque iniciei este processo. Que Deus ilumine sua jornada, assim como iluminou a minha. Desvendando o mistério da trindade 11 CAPÍTULO 1 - Mudança de vida e de perspectiva A decisão que eu estava tomando fazia com que um frio percorresse meu estômago de ansiedade. Eu estava inquieto pensando no tremendo impacto que ocorreria em minha vida e na vida das pessoas que amo, daquele momento em diante. Ao mesmo tempo entendia o tamanho da responsabilidade e a imensa oportunidade que se abria à minha frente. Decidi abandonar o modo de vida que vinha seguindo desde que havia nascido há 47 anos e que oficialmente era minha obrigação como ministro religioso há 35 anos, desde que me batizara aos 12 anos de idade. Não sabia como trilhar este novo caminho que se revelava de modo surpreendente a cada nova descoberta. Pelo menos uma certeza eu tinha: algo maior do que eu estava me impulsionando nesta jornada desconhecida e eu não podia guardar para mim mesmo as descobertas. Haviam se passado três anos desde que começaram profundas mudanças em minha vida. Nos 35 anos anteriores eu havia feito parte, como membro batizado, de um grupo religioso que me Antônio Rodrigues da Silva Neto 12 mantinha separado do resto do mundo, tornando-me diferente de um terço da humanidade, considerado cristão e ainda mais estranho para os outros dois terços da humanidade. Eu era uma das Testemunhas de Jeová, um grupo que representa 0,1% da humanidade, mas que é relativamente conhecido em todo planeta pelo incansável esforço de ir de casa em casa, falar às pessoas sobre as “verdades” em que creem e sobre como estas verdades podem salvar àqueles que aceitam seus ensinos. Nunca havia questionado estas chamadas “verdades”, até que a percepção da natureza humana e sua busca por poder e autoridade, me colocaram diante das questões: Será que os homens falham em fazer o que Deus manda e criam situações absurdas nas próprias vidas e nas vidas daqueles sobre os quais têm influência ou os homens estão sendo mal dirigidos, apenas correspondendo e se submetendo ao que se lhes ensina dogmaticamente? À medida que ia descobrindo a verdade sobre “a verdade”, fui me tornando cada vez mais determinado em minha busca por respostas, o que era um problema, pois estava ficando isolado, já que as Testemunhas de Jeová se gabam de terem todas as respostas às questões espirituais. Nesta época comecei a ter contato com a história de um homem que havia vivido de maneira ainda mais intensa os mesmos dilemas pelos quais eu estava passando e tivera de tomar a difícil decisão de romper com tudo pelo qual trabalhara durante 40 anos. Este homem havia ido bem mais longe do que eu em sua carreira religiosa, Desvendando o mistério da trindade 13 pois, por 40 anos servira no campo missionário e por 10 anos ele pertencera ao núcleo da autoridade controladora da organização. Por uma série de descobertas e percepções parecidas com as que eu vinha experimentando, rompera com tudo, aos quase 70 anos de idade. Sem dúvida, deve ter sido bem mais difícil para ele do que vinha sendo para mim. Não bastasse os conflitos espirituais e emocionais, no ano de 2005, eu me recuperava de uma doença hereditária que enchia meus rins de cistos, esta doença baixara a minha capacidade renal para 20%, muito próximo do percentual que determina o tratamento com hemodiálise. Em determinada época eu já não conseguia trabalhar direito, não tinha força física e, somado a isso, tinha crises de gota periódicas (excesso de ácido úrico que inflama as juntas do corpo começando pelos membros inferiores como pés e joelhos). Minhas finanças estavam péssimas, tive de me desfazer de bens para sobreviver e pagar dívidas que se acumulavam, reduzi meu padrão de vida e tive de aceitar ajuda de amigos e parentes. Manter o equilíbrio emocional nesta fase foi muito difícil. Mas, se tinha algo de que não abria mão, era minha responsabilidade para com as atividades espirituais. Era um ancião (presbítero) e participava ativamente como superintendente (Bispo) da escola ministerial (ensino de oratória) na congregação das Testemunhas de Jeová a que pertencia. Por 10 anos atuei nestas funções lutando para me manter ativo. No entanto, minha atitude para com várias questões estava mudando, uma Antônio Rodrigues da Silva Neto 14 delas é que, pela minha própria experiência, vinha me tornando mais tolerante para com os membros da congregação, por perceber que não podemos avaliar completamente uma pessoa pelo que aparece aos olhos, pois falta-nos a capacidade de enxergar como as pessoas se sentem por dentro, em função de tudo pelo que ela passa, longe dos olhos da comunidade. Ao mesmo tempo me tornava menos tolerante para com meus co- anciãos ao perceber exageros e excesso de zelo da parte de alguns que exigiam comportamentos e posturas dos mais fracos que estes dificilmente conseguiam corresponder. Observar esta atitude exigente em vários homens que deveriam ser exemplos para o rebanho dentro das congregações, e que muitas vezes deixavam a desejar, de um lado me fazia lembrar de situações em que eu mesmo agira assim, fazendo-me arrepender de ter sido duro com alguns de meus irmãos, por outro lado se tornou um problema para mim, principalmente no meu relacionamento com alguns destes homens. Ao presenciar seus argumentos e posições sobre os membros da congregação ou opiniões sobre problemas a serem resolvidos, sem que apoiassem estas opiniões, muitas vezes arrogantes, com um texto bíblico sequer, em praticamente todas as reuniões que tínhamos, isso me deixava furioso. Nos últimos meses de minha atividade como ancião, o desgaste causado pelas responsabilidades e essas situações estressantes se tornaram uma carga difícil de carregar. Tomei a decisão na época de abrir mão do privilégio,alegando que ainda estava em fase de recuperação em vários aspectos da minha vida e que ter Desvendando o mistério da trindade 15 menos responsabilidades na congregação seria útil para minha recuperação total. O corpo de anciãos sugeriu diminuir minha carga e deixar-me sem tarefas, sem que eu tivesse de abrir mão de meus privilégios. Isto havia sido feito com outro ancião bem mais jovem que eu, que vinha também passando por problemas de saúde e depressão. Não achava justo manter um privilégio, sem corresponder com serviço à congregação. Considerava que isto poderia dar margem a que alguns imaginassem que pudessem fazer menos, me apontando como mau exemplo, caso não conhecessem os detalhes de meus problemas. Não me sentia confortável de falar de meus problemas para todos na congregação, tinha de animá-los e não entristecê-los. Diante desta posição o corpo de anciãos, por fim, aceitou minha decisão, demonstrando pesar por esta ação. Nos meses seguintes à minha saída do corpo de anciãos, assisti com calma minhas reuniões e acompanhava com renovada atenção a cada argumento usado pelos oradores, querendo aprender ainda mais, relembrar pontos esquecidos e rememorar textos bíblicos usados para apoiar as nossas doutrinas. Surpresa...comecei a perceber que vários textos estavam fora do contexto, eram mal aplicados ou distorcidos, coisa que nunca antes eu percebera. Comecei a raciocinar que talvez, em função de tantas responsabilidades e do puro condicionamento eu não tinha como prestar tanta atenção. Aquilo me perturbou profundamente, ponderei que talvez estivesse tendo uma crise emocional, um desequilíbrio que estivesse me fazendo distorcer a realidade. Orei muito nesta época, pedindo ajuda a Antônio Rodrigues da Silva Neto 16 Deus para recuperar o equilíbrio e continuar minha vida em paz. Em determinada época naquele ano ao visitar um cliente acompanhado de dois colegas de trabalho, começamos uma conversa sobre nossa fé, pois o cliente manifestara sua preocupação em fazer negócios com lisura e correção, tendo em vista ser temente a Deus. Quando aquele homem se apresentou como Batista, manifestei minha alegria de falarmos com um cristão e, tentando estabelecer uma base comum, disse a ele que estávamos numa roda de homens cristãos, já que um dos colegas também era Batista, outro era Adventista e eu era Testemunha de Jeová. Ao ouvir a denominação à qual eu pertencia ele disse que de todos, eu é quem estava na pior situação, perguntei-lhe porque, e ele respondeu que era porque eu não iria para o céu (as TJ´s acreditam que apenas 144.000 cristãos ungidos vão para o céu, as demais irão viver num paraíso restaurado na terra por Deus). Argumentei que não tinha a pretensão de ser um rei no céu e que viver num paraíso na terra era mais do que suficiente para me fazer esperar com alegria. Mas aquela conversa evoluiu para discussões doutrinais e, numa troca de e-mails, recebi uma enxurrada de informações sobre minha própria religião que eu nunca ouvira antes. Interpretações e textos publicados nas nossas literaturas, desde a origem de nossa denominação no final do século XIX, quando o pastor Charles Taze Russel se juntou a um pequeno grupo de Desvendando o mistério da trindade 17 estudantes da Bíblia e fundou a religião, hoje conhecida como Testemunhas de Jeová. Os escritos em nossas publicações daquela época eram absurdos. Interpretações ridículas e despropositadas ensinadas com a típica presunção de ser a “verdade”. Tentei responder a tudo com o máximo de isenção possível, demonstrando em meus comentários que havíamos mudado muito desde aqueles tempos, há mais de 120 anos, até os dias atuais. Naturalmente, fiquei intrigado sobre o fato de os batistas terem acumulado tantas informações sobre nossas literaturas, desde nossa origem. Comecei a pesquisar qual era a fonte daquelas informações tão desconcertantes e logo tive a resposta. No início da década de 1980 uma revolução aconteceu na sede das Testemunhas de Jeová nos Estados Unidos. Depois de uma série de mudanças que geraram despedidas de vários membros do Betel de Brooklin, a sede mundial das Testemunhas de Jeová (Betel significa “casa de Deus” - e é o nome dado às sedes administrativas da organização em cada país onde atua), um dos membros do corpo governante entregou seu privilégio e saiu de Betel (O corpo governante é composto por cerca de 12 homens, considerados “ungidos” - esse número pode variar. As Testemunhas de Jeová creem que estes, pertencem àquela classe dos 144.000 escolhidos para serem reis e sacerdotes, descritos no livro de apocalipse capítulos 7 e 14. Estes homens são os líderes da organização, apesar de chamarem atenção Antônio Rodrigues da Silva Neto 18 para a liderança de Cristo em muitos artigos publicados nas literaturas, na prática eles é que lideram a religião e têm autoridade sobre toda a obra mundial, não são eleitos, os membros deste seleto grupo são escolhidos pelo próprio grupo, dentre os cerca de 8.000 membros vivos na terra que também se consideram ungidos – esse número ao contrário do que seria de se esperar está aumentando somando atualmente mais de 11.000 - escolhendo aqueles dentre este pequeno grupo que estejam extremamente engajados na obra). Este homem chamado Raymond Franz, pouco tempo depois de sair de Betel, sofreu ainda mais por causa de uma mudança organizacional que o afetou diretamente (quem considera esta decisão e a forma como foi feita percebe claramente o objetivo e a oportunidade dela para os líderes), ele foi desassociado da organização (um desassociado – ou excomungado - não compartilha mais do convívio das Testemunhas de Jeová, nem mesmo com os parentes próximos, que não devem sequer cumprimentá-lo). Obviamente ele tentou demonstrar a injustiça desta ação e como os critérios usados não podiam corresponder ao amor e à justiça que os servos de Deus devem demonstrar. Felizmente para muitos, não lhe deram ouvidos, nem chances. Felizmente para o mundo cristão e para os muitos que sofreram ao descobrirem que algo estava errado naquela religião, ele resolveu contar esta e o resto da história que conhecia e que o motivara a questionar a forma como as coisas eram feitas pela autoridade máxima da religião. Escrevendo dois excelentes livros, abriu para o mundo os Desvendando o mistério da trindade 19 absurdos das decisões da liderança da Torre de Vigia, a organização que controla as Testemunhas de Jeová. Finalmente eu descobria a fonte das informações que os batistas, e obviamente todas as outras religiões, dispunham sobre nós. Agora as religiões estavam bem armadas contra nós e nós mesmos não sabíamos de nada daquilo, pois, depois de tantos anos de doutrinação e de ouvir tantos argumentos convincentes e persuasivos, não ousávamos discordar dos ensinos da Torre de Vigia, além disso, as coisas desconfortáveis e desconcertantes eram sistematicamente empurradas para debaixo do tapete, omitidas ou distorcidas. Ao contar a própria história para os membros da religião, a organização Torre de Vigia, conta somente o que é conveniente, mencionando trechos das literaturas antigas com partes habilmente selecionadas que contribuam para os objetivos da organização, sempre num tom cor de rosa, ou se referindo aos membros da época como “tendo expectativas equivocadas” colocando a culpa pelos erros nos receptores, ao invés de nos emissores. Usam como argumento que os antigos podiam estar errados, mas “sempre buscavam a verdade” e eram “orientados por Deus” sobre como as coisas deveriam ser corrigidas. Curiosamente os que estão lá agora nunca estão errados, mesmo que alguns dos atuais membros “coincidentemente também fossem dos antigos”. Ao ler os livros escritos por Raymond Franz, página a página eu concordava com a visão daquelehomem e como vínhamos Antônio Rodrigues da Silva Neto 20 sendo enganados por homens que se consideram deuses, e se posicionam desta forma, quando exortam as pessoas a se subordinarem ao “escravo fiel e discreto”, citado por Jesus em Mateus 24:45 e seu “corpo governante” – este termo não existe na Bíblia – (As TJ´s afirmam que aqueles dentre elas que são ungidos, são este escravo coletivo, mas na prática o escravo é o “corpo governante” que trabalha na sede mundial, já que os demais “ungidos” recebem as informações deste pequeno grupo nas congregações, do mesmo modo que as demais testemunhas, sem poder dar nenhum palpite). Cheguei ao ponto de contar em algumas reuniões e congressos o número de vezes em que se ensina da tribuna que as Testemunhas devem ser obedientes e submissas ao escravo fiel e discreto e fiquei abismado quando percebi que o número era muito maior do que o ensino sobre a submissão que devíamos ter à liderança de Cristo. Depois de 3 meses de muita reflexão e oração eu havia tomado minha decisão e agora passava pelos momentos de ansiedade que descrevi no início. Lidando com a decisão tomada Reconhecendo os vários méritos da religião e seu esforço sério em muitas áreas para agir com correção e com apego às doutrinas bíblicas, conforme interpretado pela Torre de Vigia, bem como o esforço sério da maioria das Testemunhas de Jeová individualmente em aderir àquele que é considerado por elas como o verdadeiro cristianismo, era difícil justificar aos meus familiares e amigos a minha decisão de sair da organização. Desvendando o mistério da trindade 21 Alguns textos foram importantes para nortear esta decisão e me ajudar a empreendê-la, por exemplo: Mateus 5:48 – registra a Jesus dizendo:”...tendes de ser perfeitos, assim como vosso Pai celestial é perfeito.” Se isto fosse impossível dentro da relativa capacidade humana, Jesus não o teria dito e a perfeição relativa existe. Na 1ª carta de Pedro às congregações no capítulo 1 versículo 13 Pedro diz:”... avigorai as vossas mentes para atividade, mantendo inteiramente os vossos sentidos;” Ninguém pode delegar a própria compreensão e fé a terceiros, a responsabilidade por entender e aplicar a verdade é individual e seremos julgados por como a aplicamos individualmente. Em Lucas 12:2-4 Jesus diz: ”Mas não há nada cuidadosamente oculto que não venha a ser revelado, nem secreto que não venha a ser conhecido. Portanto, as coisas que dizeis na escuridão, serão ouvidas na luz, e o que sussurrais em salas particulares, será pregado dos altos das casas. Além disso, eu vos digo, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e depois disso não podem fazer mais nada. O fato de que a história real das Testemunhas de Jeová e as reais motivações e a forma como as decisões do “escravo fiel e discreto” são tomadas ao longo do tempo, foram sistematicamente suprimidas da comunidade mundial, mas isto de nada adiantou, pois agora estão escancaradas na internet. Esta verdade faz outro texto se tornar extremamente relevante: Antônio Rodrigues da Silva Neto 22 Lucas 16:10, 13 Jesus diz: “Quem é fiel no mínimo é também fiel no muito, e quem é injusto no mínimo, é também injusto no muito...Nenhum servo doméstico pode ser escravo de dois amos; pois ou há de odiar um e amar o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro.” O escravo não pode ser maior do que o amo (João 13:16) e é assim que o escravo fiel e discreto (na verdade o corpo governante) se coloca: no “lugar” do amo, salientando em todas as literaturas da organização que a submissão e obediência ao “escravo” significam obediência a Deus. Qualquer leitor honesto e isento pode verificar nas literaturas da organização, que se fala mais sobre o que o escravo quer que as Testemunhas façam, do que o que Jesus Cristo ordena. Basta contar o número de vezes em que se exorta a se submeter à liderança do escravo em qualquer literatura e se comprovará este fato. Portanto a organização e a autoridade do “escravo” se tornaram mais importantes do que seguir a Cristo. Infelizmente as próprias Testemunhas de Jeová, apesar de seu esforço sincero em cumprir o que creem, por um lado são vítimas, por outro tem responsabilidade perante Deus em relação à própria vida e à própria crença e por extensão são culpadas de perpetuar esta situação corrompida, por continuarem a ensinar doutrinas distorcidas e algumas falsidades e se recusarem a fazer um exame honesto do que aprendem e questionarem o que se lhes ensina como ordena a Bíblia: Examinem-se para ver se vocês estão na fé; provem-se a si mesmos. Não percebem que Cristo Jesus está em vocês? A não ser que tenham sido Desvendando o mistério da trindade 23 reprovados! E espero que saibam que nós não fomos reprovados. Agora, oramos a Deus para que vocês não pratiquem mal algum. Não para que os outros vejam que temos sido aprovados, mas para que vocês façam o que é certo, embora pareça que tenhamos falhado. Pois nada podemos contra a verdade, mas somente em favor da verdade. 2 Coríntios 13:5-8 - NVI Obter conhecimento é bom, mas traz responsabilidade, isto é assim para mim, para o corpo governante e para qualquer outra pessoa. Paulo afirma em 1 Coríntios 8:1-3: “O conhecimento enfuna, mas o amor edifica. Se alguém pensa que tem adquirido conhecimento de algo, ele ainda não [o] conhece como devia conhecer. Mas, se alguém ama a Deus, este é conhecido por ele.” Paulo deu um alerta significativo sobre aqueles que tentam se apoderar da mente das ovelhas e se comportam como absolutos conhecedores da verdade: Portanto, nenhum homem vos julgue...,mas a realidade pertence ao Cristo. Nenhum homem vos prive do prêmio, tendo ele deleite numa humildade [fingida] e numa forma de adoração dos anjos, “tomando pé nas” coisas que viu (citado dos ritos de iniciação dos mistérios pagãos), enfunado sem causa devida pela carnalidade de sua mente, ao passo que não se apega à cabeça, àquele de quem todo o corpo, suprido e harmoniosamente conjuntado por meio de suas juntas e ligamentos, vai crescendo com o desenvolvimento que Deus dá. Colossenses 2:16-19 Ser humilde é reconhecer as próprias limitações e se apegar ao cabeça, para suprir o que se carece espiritualmente, infelizmente esta não é a postura do corpo governante, que como indivíduos parecem pessoas extremamente humildes, mas como classe são a arrogância e presunção coletivas, tutores da fé do imenso rebanho de Testemunhas de Jeová. Antônio Rodrigues da Silva Neto 24 Comportam-se como tutores e donos da fé de seus liderados, como se estes fossem crianças imaturas, ao invés de tratá-los como adultos na fé, plenamente desenvolvidos. E cada uma destas ovelhas aceitam a tutela e se submetem como se crianças fossem, sem se dar conta de que, nem o corpo governante, nem os anciãos ou qualquer outro ser, poderá isentá-las do julgamento a que cada um de nós será submetido por Cristo. E ainda imitam aquele escravo em sua arrogância e presunção em relação aos demais religiosos, membros de outras igrejas, como se aqueles fossem todos enganados e cegados pelo diabo, novamente despercebendo a imensa trave que têm no próprio olho e como sabem muito sobre tão pouco. Novamente se esquecem do exemplo negativo exposto por Jesus Cristo ao dizer aos fariseus: “Para [este] julgamento vim ao mundo: que os que não veem possam ver e que os que veem se tornem cegos.” Aqueles dos fariseus que estavam com ele ouviram estas coisas e disseram-lhe: “Será que nós também somos cegos?” Jesus disse-lhes: “Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas agora dizeis: ‘Nós vemos.’ Vosso pecado permanece.” - João 9:39-41 Com estas considerações em mente e minha decisão tomada ainda tinha questões a resolver: Como eu iria comunicar esta decisão à minha família? Como reagiriam minha esposa e meusfamiliares? Eu teria de abandonar não só o estilo de vida que tinha, mas os amigos e conhecidos, que numa conta rápida somavam mais de três mil pessoas. Desvendando o mistério da trindade 25 Perguntava-me como serviria a Deus dali para frente, já que continuava plenamente convencido sobre quem é Deus, sobre seus propósitos claros em execução e também, sobre a obrigação que assumi para com Ele quando me batizei. Obrigação esta que pretendo cumprir enquanto viver. Enquanto avaliava como lidar com estas questões, comecei a agir em harmonia com minha decisão. Foi depois do rompimento com aquela denominação religiosa e do turbilhão de emoções geradas por esta ação, que comecei minha busca por respostas espirituais, busca esta que me apresentou a maior de todas as oportunidades trazendo-me a este momento. Começa minha busca por respostas Passado o terremoto de minha saída da congregação, senti a necessidade de saber, se aquela não era a “ verdade”, qual era afinal? Uma das questões que tornavam mais difícil minha busca era a principal diferença religiosa entre a religião de que eu fizera parte e, quase que, a totalidade das outras denominações cristãs: a doutrina da trindade. Necessitava compreender “quando” se havia originado tal doutrina, já que todos os religiosos, sem exceção, concordam que ela “se desenvolveu ao longo dos séculos iniciais da igreja”, e não é prontamente identificada na Bíblia. Não era possível para mim, depois de tanto estudo a respeito deste assunto, ignorar que outros grupos religiosos que visitava Antônio Rodrigues da Silva Neto 26 para conhecê-los, eram inteiramente compostos de pessoas que acreditavam na trindade. Como eu poderia ouvir suas expressões de louvor e suas orações para um Deus tão diferente do que eu conhecia? Como estas pessoas podiam conviver com uma doutrina incompreensível para a razão humana, ao ponto desta doutrina ser considerada um mistério ao longo de dois mil anos, perdurando até o século 21? Como era possível que, tendo tanta informação disponível, as pessoas não se sentiam motivadas a buscar a verdade sobre isto, mesmo tendo tanto acesso à Bíblia, que é tão clara a este respeito nas diversas traduções diferentes disponíveis? À medida que eu tentava descobrir denominações que tivessem doutrinas pelo menos próximas daquelas em que cria, percebia a dificuldade de encontrar respostas claras sobre o significado desta doutrina, até mesmo entre os adeptos do trinitarismo. Ficava surpreso de descobrir que existiam versões muito diferentes para a doutrina da trindade e perplexo diante das explicações que encontrava, ou das supostas provas de porque a doutrina A era mais verdadeira do que B ou C. Descobrira que outra denominação, como os Adventistas do 7º dia, com a qual as Testemunhas de Jeová haviam flertado em sua origem no século XIX, tinham mudado de lado, depois de mais de 150 anos crendo num Deus único e em seu Filho como pessoas diferentes, agora adotavam a trindade como crença. Esta mudança de unitários para trinitários causara um racha em suas fileiras, sendo a liderança da igreja acusada por muitos Desvendando o mistério da trindade 27 dissidentes de apoiar o erro, críticas parecidas com aquelas feitas à liderança da Torre de Vigia. Agora, via grupos pequenos e independentes pregando coisas confusas, com explicações metafísicas, contra e a favor da doutrina trinitária. Enfim, tinha diante de mim um desafio digno do nome e uma oportunidade enorme de obter respostas que até este momento nunca haviam me parecido necessárias: Afinal quem é Deus? Como Ele É? Como deve ser adorado? Porque um mistério como este, a respeito de sua natureza, perdurou durante tantos séculos e é tão difícil para a maioria das pessoas falar sobre ele? Estas eram perguntas para as quais queria obter “verdadeiras respostas”, sem maquiagens ou interpretações de terceiros. Empreendi o esforço de buscar a linha de desenvolvimento desta doutrina, aqueles que debateram para defendê-la, o contexto em que viviam, as disputas teológicas, ficando cada vez mais encantado com a quantidade enorme de pessoas que se envolveram nesta mesma análise, debatendo seus pontos de vista com paixão, muitas vezes pondo em risco o conforto, a segurança e a própria vida. Evidentemente eu precisava tirar os filtros que o método de ensino das Testemunhas de Jeová coloca na mente dos seus membros, o que não é nada fácil. Desejei acima de tudo honrar meu Criador, esclarecendo a verdade sobre como um duelo teológico deu forma à esta Antônio Rodrigues da Silva Neto 28 doutrina ao longo de 4 séculos, e principalmente se esta doutrina exprime a verdadeira identidade de Deus, ou ao contrário, o transforma numa aberração filosófica. Evidentemente orei muito, pedindo a orientação de Deus para esta empreitada, confiando em Sua resposta. Iniciei a linha do tempo, buscando tornar a abordagem didática e esclarecedora e também fugir do lugar comum de usar os mesmos argumentos que eu sempre havia ouvido e divulgado em minha ex-religião, algo que certamente será difícil em muitos casos. Uma consideração importante: espero que as informações apresentadas aqui lhe sejam úteis assim como foram para mim. Não há nada aqui contido, que, com alguma paciência, não se possa encontrar na internet ou em boas bibliotecas. Meu trabalho foi ordenar este conteúdo cronologicamente, juntar informações dispersas em várias fontes diferentes e comentá-las, sempre que possível citando a fonte da informação, mas caso você encontre algo que, inadvertidamente, não tenha o devido reconhecimento ou crédito, por favor, avise-me através dos meios de contato, contidos no site: http://www.desvendandomisterio.com.br . Desvendando o mistério da trindade 29 CAPÍTULO 2 - Começa a história Para compreender as questões relacionadas com a origem da doutrina da trindade é necessário entender o contexto em que ela foi desenvolvida. Imagine o cenário: Numa ilha chamada Patmos, João, o último dos 12 apóstolos convocados por Jesus Cristo, ainda vivo aos 96 anos de idade, se apercebe da necessidade de relatar sua experiência com o homem que mudou, em todos os sentidos, a sua vida. Além das cartas que deseja escrever às congregações e do profético livro de Apocalipse, João empreende escrever "A história de Jesus Cristo", dando origem ao 4º e último evangelho conhecido por nós. Não entro no mérito sobre as polêmicas quanto a ter sido João o verdadeiro escritor, já que muitos argumentam que o texto é de um período posterior à sua morte. Para aqueles que creem que João realmente o tenha escrito reflito sobre a resistência que este homem de fé demonstrou. Tanto ele, quanto os demais apóstolos haviam lutado para disseminar os ensinos de seu mestre Jesus e lutado contra os ataques à doutrina originalmente ensinada pelo Messias. Antônio Rodrigues da Silva Neto 30 Já se passara mais de 26 anos desde que o sistema judaico fora destruído, com a queda de Jerusalém às mãos do general Tito em 70 E.C., os cristãos haviam saído em massa da cidade cerca de 4 anos antes disso, por prestarem atenção a uma das profecias de Jesus que os orientava a fazerem isso quando vissem Jerusalém cercada por exércitos, mas enfrentavam desafios de toda ordem no campo estrangeiro. Eram vistos com desconfiança pela comunidade judaica por abraçarem uma seita deste tal Jesus, considerado pelos “cristãos” como o “messias”, mas por muitos judeus como um rebelde dissidente. Eram vistos com desconfiança pelos estrangeiros, que não entendiam esta nova crença, de pessoas que nem mesmo tinham um templo ou um ídolo para adorar e falavam de um homem santo, que era um Deus e morrera para salvar os homens. Não tinham recursos, pois haviam abandonado seu meio de vida na cidadede origem, portanto apesar de terem uma cultura de pessoas trabalhadoras, eram refugiados. À medida que estes homens, com sua fé, motivavam os moradores das cidades que os recebiam a aprender sobre Jesus e tornarem-se cristãos, tinham que cuidar de que não houvessem distorções causadas por interpretações equivocadas, estimuladas principalmente por homens ambiciosos, que adaptavam os ensinos cristãos às suas crenças e filosofias dentro das novas congregações. Um atento exame das cartas de Paulo, e das do próprio João, demonstram claramente como isto vinha ocorrendo com demasiada frequência, enquanto os apóstolos ainda estavam vivos. Desvendando o mistério da trindade 31 Neste contexto era fácil ocorrerem mudanças nos ensinos, felizmente o Espírito Santo orientava os apóstolos a escreverem cartas que norteavam as congregações sobre como a fé cristã devia ser exercida. Morre o apóstolo João Mas João, o último dos apóstolos de Cristo morre por volta do ano 100 E.C. e não há evidências, nem provas, de que houvessem sucessores apostólicos, apesar da tradição tentar estabelecer este elo, sem fatos que corroborem esta asserção. Reflita sobre este fato: se era difícil para os apóstolos manter a unidade na fé, imagine como seria sem eles. Não demorou muito após a morte de João para um sem número de doutrinas estranhas aparecerem dentro das congregações, gerando discussões enormes e duradouras, com disputas para se estabelecer quem tinha razão, qual era a doutrina correta, além disso, o cristianismo começou a se alastrar como uma praga nos domínios romanos, interferindo na vida política de vários locais, pois ao se tornarem cristãos, os adeptos da nova fé mudavam radicalmente de proceder, abandonando hábitos e práticas comuns, o que afetava o comércio e incomodava aos pagãos, que passavam a criar problemas para a ordem pública com protestos a esta nova fé. Leia em sua Bíblia os textos de Atos 20:29 e 2 Tessalonicenses 2:3-5 e confirme como as mudanças doutrinais, adaptações e distorções cumpriam com precisão as profecias, tanto de Jesus, Antônio Rodrigues da Silva Neto 32 quanto de Paulo, sobre lobos vorazes adentrarem à congregação e não tratarem o rebanho com ternura, impondo seu ponto de vista. Apenas para mencionar algumas das formas de pensar que assolaram a congregação cristã, note um comentário sobre a obra de Ireneu de Lyon, “Contra as heresias”: Dessas informações de Irineu e dos outros Padres que também tiveram que combater aqueles hereges (especialmente são Hipólito de Roma e são Epifanio de Salamina), se deduz que foi tal a quantidade de grupos (simonianos, nicolaítas, ofitas, naazenos, setianos, peratas, basilidianos, caropocratianos, valencianos, marcosianos) e mestres (Simão, Cerinto, Basílides, Carpócrates, Cerdão, Valentim, Tolomeu, Teodato, Herácleo, Bardesanes...), que caíram sob a designação de “gnósticos”, e que apenas de uma forma muito genérica se lhes pode agrupar sob um qualificativo comum. Das obras heréticas “gnósticas” descobertas em 1945 em Hag Hammadi (alto Egito) - cerca de quarenta – tira-se uma impressão parecida; cada obra contém a sua própria orientação doutrinal herética. Fonte: http://www.multimedios.org/docs/d001092/p000002.htm#1-p0.1.2.666 Interpretações diferentes, muitas vezes conflitantes, em congregações diferentes, por diferentes homens, foram tomando forma e sendo apresentadas como verdade. Uma demonstração desta realidade está na comparação entre o credo pregado ao novo membro de uma congregação, conforme relata Heussi, em seu estudo Kompendium der Kirchengeschichte à pg. 44: “Por volta do ano 50, pertencia à igreja quem tivesse recebido o batismo e o Espírito Santo e atribuísse a Jesus o nome de Senhor. Já por volta de 180, membro da igreja era aquele que aceitasse a “regra de fé” Desvendando o mistério da trindade 33 (credo), o cânon do Novo Testamento e a autoridade dos bispos”. Fonte: História da Igreja Cristã: Vol. 1 pg. 88 – Willinston Walker Ao longo dos 350 anos seguintes vários destes diferentes modos de explicar a divindade de Jesus surgiram e sua verdadeira identidade foi se alterando, passando pelo concílio de Nicéia e a uma definição, tida como universal pelas igrejas dominantes no império Romano, sobre a pessoa de Deus e culminando no concílio de Calcedônia. Este período é crucial para entender o surgimento desta doutrina estranha e de difícil compreensão para uma mente honesta e investigativa. Conheça agora um pouco da história daquele que foi, segundo os eruditos, o primeiro promotor da trindade: Ireneu de Lyon. Antônio Rodrigues da Silva Neto 34 CAPÍTULO 3 – Ireneu de Lyon (130-202 E.C.) De acordo com os defensores da trindade, a introdução de uma fórmula trinitária na forma de se referir a Jesus e a Deus ocorre 80 anos depois da morte do apóstolo João com Ireneu de Lyon, no ano 180 E.C. Ireneu de Lyon Ireneu de Lião, em grego Εἰρηναῖος [pacífico], em latim Irenaeus, (c. 130 — 202), cristão considerado um dos pais da Igreja, teólogo e escritor que nasceu, segundo se crê, na província romana da Ásia Proconsular - a parte mais ocidental da atual Turquia - provavelmente Esmirna. Tanto a Igreja Católica quanto a Igreja Ortodoxa consideram-no santo.* Biografia As escassas informações existentes nos informam que ainda muito jovem, Ireneu foi discípulo do bispo Policarpo (?-155) em Esmirna o qual, por sua vez, segundo uma tradição atestada por Papias, fora discípulo de João Evangelista. Durante a perseguição ordenada por Marco Aurélio, Ireneu era um presbítero na igreja de Lyon, naquela época chamada Lugdunum, na Gália. O clero da cidade, enquanto enfrentava franca perseguição o enviou (em 177 ou 178) a Roma, com carta a Eleutério testemunhando sobre os muitos méritos do Montanismo. De retorno à Gália, Ireneu sucedeu o mártir Potínio como bispo de Lyon. *Observação: Não adoto o designativo “Santo” à frente dos nomes, como faz a igreja Católica, pois não considero necessária esta designação. Naturalmente a igreja ao se referir a “santos” releva a orientação de Deus em: Levítico capítulo 11 verso 44 que é dirigido ao povo de Deus e sobre a qual o apóstolo Pedro em sua 1ª carta, no capítulo 1 verso 16, lembra aos cristãos: ...porque está escrito: “Tendes de ser santos, porque eu sou santo.” Desvendando o mistério da trindade 35 Portanto creio que todos os cristãos verdadeiros devem ser santos. Não apenas os que tiveram destaque por qualquer motivo que seja, portanto não há porque exacerbar esta distinção. Observe duas coisas curiosas neste trecho de sua biografia: 1ª Há poucas informações existentes sobre Ireneu e seus escritos, mesmo assim, o clero cristão, tanto católico, quanto ortodoxo (oriental) e protestante, se refere a ele como o 1º a definir e defender “claramente” a trindade, tendo-se passado mais de 80 anos da morte de João o último apóstolo. 2ª Ele vai a Roma com carta que testemunha positivamente sobre o Montanismo, uma doutrina estranha aos apóstolos originais, mas difundida agora como tendo méritos... Neste momento, reflita sobre as influências externas que adentraram à congregação cristã e das quais Ireneu, apesar de ser um cristão zeloso, involuntariamente se torna promotor, apoiador ou mero simpatizante: Montanismo é um movimento cristão do segundo século fundado por Montano. Os montanistas declaravam-se possuídos pelo Espírito Santo e, por isso, profetizavam. Esse movimento surgiu na Frígia (Ásia Menor Romana, hoje Turquia), pelos anos 170 d.C. Havia duas mulheres, Priscila e Maximila, que eram as porta-vozes proféticas de Montano e dizia-se que o Espírito Santo falava através delas. Fizeram muitas predições proféticas enganosas, pois jamais foram cumpridas, como a de que a aldeia de Pepuza, na Frígia, seria a Nova Jerusalém. Proibiam certosalimentos, exigiam jejuns prolongados e não permitiam o casamento de viúvas, como também negavam o perdão de pecados graves ao novo convertido, mesmo após o batismo (com confissão e arrependimento). Montano queria fundar uma nova ordem e reivindicar seu movimento como sendo um movimento especial na história da salvação. O principal motivo de Montano era lutar contra a paralisia e o intelectualismo estéril da maioria das igrejas organizadas na época. Infelizmente, ele também caiu em extremos enganosos. Antônio Rodrigues da Silva Neto 36 Esse movimento foi condenado várias vezes por vários sínodos de bispos, tanto na Ásia Menor como em outros lugares.- grifo acrescentado. A Igreja montanista se espalhou pela Ásia Menor, chegou a Roma e ao norte da África. Seu adepto mais famoso foi, sem dúvida, Tertuliano o maior teólogo de então. Continuando a biografia de Ireneu: Durante a trégua religiosa subsequente à perseguição de Marco Aurélio, o novo bispo dividiu seu tempo entre deveres como pastor e missionário (do que temos poucas e incertas informações) e os seus escritos, quase todos dirigidos contra a heresia do Gnosticismo, que começava a se espalhar pela Gália. Em 190 ou 191, intercedeu junto a Vitor, líder da igreja em Roma, para suspender a sentença de excomunhão imposta sobre as comunidades de cristãos na Ásia Menor, que continuavam as práticas dos Quartodecimanos - que desejavam celebrar a Páscoa numa data própria. Ignora-se a data de sua morte, que deve ter ocorrido no fim do século II ou início do século III. Testemunhos isolados e tardios nesse sentido indicam seu martírio por volta de 202 d.C. quando do reinado de Setímio Severo ou nas mãos de hereges. Observe novamente que há uma variedade de doutrinas, dissidências e seitas se formando dentro das congregações, isto nos faz lembrar o que o apóstolo Paulo disse sobre as seitas em sua 1ª carta aos Coríntios, capítulo 11 versos 18 e 19: Pois, em primeiro lugar, ouço que, ao vos reunirdes numa congregação, existem divisões entre vós; e até certo ponto acredito nisso. Porque também tem de haver seitas entre vós, para que os aprovados também se tornem manifestos entre vós. O primeiro concílio regional a se reunir ocorreu em 197 E.C em Cesareia para decidir sobre as chamadas heresias de Marcião, Montano e Basílides. Ireneu era um dos que viam florescer seitas de vários tipos dentro da congregação, que já contava 140 anos das palavras Desvendando o mistério da trindade 37 de Paulo. Note agora como os historiadores se posicionam sobre a obra de Ireneu: A Obra Teológica Ireneu escreveu em grego a sua obra, que lhe veio assegurar lugar de prestígio excepcional na literatura cristã devido, não só, às questões religiosas controversas de importância capital que abordou, bem como por mostrar o testemunho de um contemporâneo das primeiras gerações cristãs. Nada do que escreveu chegou a nós no texto original, mas muitos fragmentos existem e citações em escritores posteriores como Hipólito de Roma e Eusébio de Cesaria. - grifo acrescentado Duas de suas principais obras chegaram até aos dias de hoje em suas versões latinas e armênias: a primeira é a "Exposição e refutação do pretenso, mas falso conhecimento", em português conhecida como "Contra as Heresias" por ser frequentemente conhecida e citada pelo seu nome latino de "Adversus Haereses". É uma obra para combater o Gnosticismo. Em seus cinco livros, expõe de início as doutrinas gnósticas, com referências às suas distintas seitas e escolas nascidas nas comunidades cristãs. Ao refutar as versões mais importantes (de Valentim, de Basílides e de Marcião) Ireneu frequentemente opõe a elas a doutrina da Igreja da sua época, dando-nos, deste modo - pelo seu recurso à razão, à doutrina da Igreja e à Bíblia -, testemunhos indiretos e diretos relevantes acerca do que então era tido como a "doutrina eclesial". Aborda, ainda, passagens muito comentadas pelos teólogos que dizem respeito ao Evangelho de João, à Eucaristia e à primazia da Igreja Romana. Ireneu termina esta obra defendendo a ressurreição da carne, escândalo máximo para os gnósticos. Dos originais restaram fragmentos, e há traduções latinas e armênias. Até a descoberta, em 1945, da chamada Biblioteca de Nag Hammadi, esta obra de Ireneu era a melhor descrição das correntes gnósticas do início da era cristã. A sua segunda obra é a "Exposição ou Prova do Ensinamento Apostólico", breve texto, cujo conteúdo corresponde na perfeição ao seu título. Há dela uma muito antiga tradução, literal, em armênio. Ireneu não quer nela refutar as heresias, mas confirmar aos fiéis a exposição da doutrina cristã, sobretudo ao demonstrar a verdade do Evangelho por meio de profecias do Velho Testamento. Embora não contenha nada do que já não tenha sido dito Antônio Rodrigues da Silva Neto 38 em "Adversus Haereses", é um documento de grande interesse e magnífico testemunho da fé profunda e viva de Ireneu. Do restante da sua obra seguinte, apenas existem fragmentos espalhados. Muitos só se conhecem por menção a eles feita por outros escritores. São eles: • Tratado contra os gregos, intitulado "Sobre o Conhecimento", mencionado por Eusébio de Cesareia; • Documento dirigido ao sacerdote romano Florinus "Sobre a Monarquia, ou como Deus não é a causa do Mal" com fragmento na "História Eclesiástica" de Eusébio; • Documento "Sobre Ogdoad", provavelmente contra o "Ogdoad" do gnóstico Valentim escrito para o mesmo supra-citado sacerdote Florinus, que aderira à seita dos Valentinianos do qual há fragmento em Eusébio; • Tratado sobre o cisma dirigido a Blastus (mencionado por Eusébio); • Carta a Vítor contra o sacerdote romano Florinus (fragmento em siríaco); • Carta a Vítor sobre a controvérsia pascal (da qual há trechos em Eusébio); • Cartas a vários correspondentes sobre o mesmo tema (mencionadas por Eusébio; fragmento preservado em siríaco); • Livro com numerosos discursos, provavelmente uma coleção de homilias (mencionado por Eusébio); Traços de um pensamento Para Ireneu, há somente um Deus (Théos) e não um Deus e um demiurgo ou "ser divino" (theios) como era propagado pelas correntes gnósticas. Para estas, de fato, a Criação é obra do demiurgo - δημιουργός em grego, demiurgus em latim – (para os gnósticos Yhawah era o demiurgo, um filho de Deus, um Deus menor, seguido pelos judeus) era pois, fruto do seu pessimismo diante da matéria criada, não concebiam que a Divindade pudesse contatar com a mesma(carne) (Adversus Haereses I, 5, 1-6). Ireneu sublinha não só a identidade entre Deus e o Criador (Adversus Haereses V, II, 1, 1; IV, 5, 2-4) e que, assim, todo o Universo provém do bem e tem em vista Desvendando o mistério da trindade 39 o bem, mas igualmente que a Criação não era, como diziam os gnósticos, fruto de um erro de concepção inicial: «neque per apostasiam et defectionem et ignoratiam» (Adversus Haereses II, 3, 2). Em defesa da fé em um Deus Criador e com propósitos, certamente Ireneu merece elogios pelo seu esforço sincero, mas observe que ao realizar sua defesa, ou o que se acredita tratar sua defesa, pelos poucos fragmentos existentes do conteúdo original, Ireneu incorreu em algumas distorções. Ao combater a tese gnóstica de um demiurgo, mesmo buscando mostrar a superioridade do Pai, Ireneu dá margem a que seus leitores apreendam de seus comentários uma defesa da união entre Deus e Cristo, entre o Pai e o Filho como sendo um só Deus, não há como validar esta tese por meio da Bíblia e de fato ele não o faz, observe: Sobre a Trindade "Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a Sabedoria, o Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (Contra as Heresias IV,20,4). Ireneu afirma a igualdade de essência e dignidade entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo (Adv. Haeres., II, 13, 8). Fonte: http://www.opusdei.org.br/art.php?p=16232Nos comentários de Ireneu não há uma demonstração inequívoca de um único Deus em diferentes hipóstases (palavra desconhecida da Bíblia e implantada posteriormente por Tertuliano) é mais apropriado dizer que há um erro de interpretação sobre as afirmações feitas por Ireneu, pois ao se referir a Deus e Cristo estarem juntos e terem a mesma dignidade e essência, em nenhuma hipótese isto significa “serem” o mesmo ou componentes de uma única deidade. Recorrendo a uma análise feita por outro comentarista católico, peço que você leitor reflita sobre as alegações feitas por Antônio Rodrigues da Silva Neto 40 eruditos religiosos ao considerarem os escritos de Ireneu como “a primeira exposição explícita da trindade”: A REGRA DA FÉ Nos autores cristãos do fim do século II, encontramos outra forma considerável de tradição apostólica. O que eles designam como "regra da fé" não abrange o depósito inteiro deixado pelos apóstolos, porém é mais preciso na expressão de suas principais linhas doutrinais. Autores do fim do século II, como Ireneu de Lião, mencionam, com certa frequência, que suas igrejas possuem um conhecido "cânon de verdade", isto é, estrutura e conteúdo fixo de ensinamento eclesial ou, mais simplesmente, uma "regra de fé" (regula fidei). Alguns desses autores fornecem sumários dos ensinamentos principais, expressos em termos variáveis, mas com os mesmos traços fundamentais. A regra é crer em Deus, Pai onipotente, criador de tudo que existe; crer em Jesus Cristo, o Filho que se encarnou para nossa salvação; crer no Espírito Santo, que falou - por meio dos profetas - do nascimento, paixão, ressurreição e ascensão de Cristo, da futura ressurreição, e da futura manifestação de Cristo na glória, como juiz de todos. A regra de fé, no final do século II, não era um símbolo ou confissão com fórmula de palavras fixas, se bem que confissões mais concisas se estavam transformando, em conformidade com a regra. Esta exprime o conteúdo central que a fé abraça como proveniente de Cristo, por intermédio de seus apóstolos e da Igreja. A fé se torna, pois, uma regra, com a qual devem ser confrontadas novas formulações de ensinamento, para verificar a coerência destas, pelo menos com os artigos básicos de fé sobre Deus e sua obra. Para a teologia, a regra de fé tradicional mostra a unidade da revelação bíblica de Deus, de si mesmo e de sua obra salvífica. Mostra que a reflexão dos crentes pós-apostólicos não se chocava com fragmentos esparsos de fé, mas possuía, ao contrário, uma visão coerente de Deus, da criação e da vida humana no mundo. Um momento fundamental no trabalho teológico cristão é dar uma explicação de Deus e de seu plano para a humanidade. A teologia tem em vista uma nova penetração do significado dos artigos de fé e das numerosas relações entre eles e com a vida humana do mundo. A teologia também fica Desvendando o mistério da trindade 41 à procura de uma síntese renovada. Determinada estrutura, porém, e certa ordem surgem do interior da própria fé, cujo ato fundamental se apropria de uma síntese primordial contida na regra de fé apostólica. Fonte: http://www.veritatis.com.br/article/3832. Se há uma regra de fé a ser defendida, e Ireneu certamente a conhecia, era e ainda é, que tudo o que se registrou na Bíblia sob orientação de Deus foi preservado para nossa instrução e deve ser seguido pelo cristão sem que nenhum dogma desenvolvido por homens em qualquer época deva modificá-la. Como apropriadamente mencionado no texto de referência acima, Ireneu cria que: “A regra é crer em Deus, Pai onipotente, criador de tudo que existe; crer em Jesus Cristo, o Filho que se encarnou para nossa salvação; crer no Espírito Santo, que falou - por meio dos profetas - do nascimento, paixão, ressurreição e ascensão de Cristo, da futura ressurreição, e da futura manifestação de Cristo na glória, como juiz de todos.” Lendo seus escritos com atenção não se encontra em nenhum trecho o que lhe atribuem certos eruditos e religiosos: que ele defendesse e originasse a doutrina da trindade. Quando Ireneu se refere à narrativa bíblica sobre a economia divina, que trata assim o fato de que em certos trechos bíblicos só há relatos da ação do Pai, ora do Filho, ora do Espírito Santo, Ireneu o faz como quem reconhece que tanto Filho, quanto o Espírito Santo agem “em nome” ou “sob a autoridade” do Pai e para a glória do Pai e em nenhum instante ele inste em que adorar a um, Antônio Rodrigues da Silva Neto 42 seja o mesmo que adorar aos outros ou que um e outro são o mesmo em diferentes apresentações. Ao contrário são entidades absolutamente distintas e únicas em suas próprias características e com personalidades distintas, associadas meramente por um único propósito. A distorção de suas palavras e a “interpretação de suas teses”, mesmo as distantes dos registrados pelos apóstolos, macula a memória do cristão zeloso, que certamente Ireneu foi. Uma obra de referência comenta: Deus é o Pai de todas as coisas, inefavelmente um, e todavia contendo em si mesmo desde toda a eternidade a sua Palavra e a sua Sabedoria. Porém, ao dar-se a conhecer ou por-se em atividade na criação e na redenção, Deus manifesta esta Palavra e esta Sabedoria; como o Filho e o Espírito, elas são as suas mãos, os veículos ou formas da sua auto-revelação. A Palavra ou o Verbo é visto como Mediador. O Pai esta "acima de tudo", enquanto que a Palavra é "através de todas as coisas". O Pai esta de algum modo "fora" do mundo e a Palavra parece um poder intermediário através de quem Deus se relaciona com o mundo e atua nele. A Palavra é o Mediador da revelação: O Deus invisível e incompreensível não é dado a conhecer diretamente, mas através da sua Palavra. - grifo acrescentado Observe que a dedução é de livre “interpretação” de quem concebeu a obra de referência e não do texto de Ireneu e a obra continua em sua “interpretação” sobre o significado dos comentários dele: Irineu não fica inteiramente satisfeito com esta linguagem. A sua oposição ao gnosticismo o torna avesso a qualquer sugestão de que existe mais de Desvendando o mistério da trindade 43 uma substância divina ou de que Deus está de algum modo separado do seu mundo. Infelizmente não se apresenta aqui nenhuma prova desta argumentação vinda diretamente das palavras de Ireneu. Continuando: Assim, repudia todas as tentativas de se explorar o processo pelo qual o Logos/Verbo foi gerado. Tal linguagem parece sugerir que o Logos é um estado intermediário entre Deus e a criação e parece implicar em distinções de grau dentro da Divindade. Qual linguagem? “Parece sugerir” e “parece implicar” para quem? O fato de que Ireneu repudiou as tentativas de explorar o processo, não faz com que Ireneu proponha uma alternativa válida, baseada no texto Bíblico, muito menos invalida o processo em si, claramente descrito nas escrituras. Além disso se esta inferencia estiver correta, significa que Ireneu simplesmente ignorou os textos de Hebreus 1:5 e 5:5, salmo 2:7 e João 3:16, que demonstram claramente que Jesus é o filho unigênito de Deus, ou seja o único filho gerado diretamente por Deus. ...Comenta ainda: Irineu também fala do "Pai que planeja tudo bem e dá as suas ordens, o Filho que as executa e realiza a obra de criação, e o Espírito que nutre e faz crescer..." Vê-se aqui um esforço de preservar a igualdade do status divino entre o Filho e O Espirito exigida pela formula triádica. - grifo acrescentado Quem vê desta forma? Certamente alguém que já tem preconcebido na mente o conceito trino, pois um leitor vindo de outra cultura não conseguiria formular esta tese ao ler esta Antônio Rodrigues da Silva Neto 44 pequena frase de Ireneu. Pelo contrário discerniria claramente a hierarquia e autoridade do Pai sobre o Filho. Os Ortodoxos Gregos ao explicitar a própria interpretaçãosobre os escritos de Ireneu, abordam a trindade em seus escritos, sendo copiados pelos protestantes responsáveis pelo site “monergismo.net.br”, ambos baseados na obra de J.N.D.Kelly, fazendo-o da seguinte maneira: COMENTÁRIO GERAL Santo Irineu foi o teólogo que resumiu o pensamento do século segundo e dominou a ortodoxia cristã antes de Orígenes. A visão de Irineu da Divindade foi a mais completa e a mais explicitamente trinitária antes de Tertuliano. Conforme veremos, Santo Irineu, seguindo a Teófilo em vez de Justino, identificou o Espírito Santo com a Sabedoria divina, com o que pôde fortalecer sua doutrina da terceira pessoa com uma base escriturística segura. Com isto deixou uma imagem no fim do século segundo da Divindade, não de três pessoas co-iguais, mas de um único personagem, o Pai, que é a própria divindade, inefavelmente uno, contendo em si mesmo desde toda a eternidade o Verbo, sua mente ou racionalidade, e sua Sabedoria; o qual, ao manifestar-se, ou ao empenhar-se na Criação e Redenção, extrapolou e manifestou a estes como o Filho e o Espírito. Observe que Ireneu estabelece que O Pai, um único personagem é inefavelmente uno “e” contém em si mesmo desde toda a eternidade “o verbo” e sua “Sabedoria” o qual “ao manifestar-se” ou “empenhar-se na criação extrapolou e manifestou a estes...” Desvendando o mistério da trindade 45 O que implica na geração do Filho que se dá em algum momento fora do tempo, esta geração é portanto uma ação do Pai, sem a qual não haveria uma pessoa ou hipostáse diferente chamada, ao ser transferida por este Pai para o ventre de Maria, Jesus Cristo. Portanto novamente há uma interpretação por parte dos trinitários, colocando palavras na boca de Ireneu que ele não emitiu. A DOUTRINA DE IRINEU Nos escritos de Santo Irineu encontramos que ele aborda Deus sob dois ângulos diferentes: Enquanto Ele existe em Seu ser intrínseco, e enquanto Ele manifesta a si mesmo na "economia", isto é, no processo ordenado de sua auto revelação. Do ponto de vista de seu ser intrínseco, Deus é o Pai de todas as coisas, inefavelmente uno e contendo em si mesmo desde toda a eternidade seu Verbo e sua Sabedoria. Do ponto de vista de sua auto-revelação, ou empenhando-se na Criação e na Redenção, Deus extrapola ou manifesta o Verbo e a Sabedoria. Estes, como Filho e Espírito, são suas "mãos", imagem sem dúvida tirada de Jó 10,8: "Tuas mãos me fizeram, e me plasmaram todo"; e de Salmos 118,73: "Tuas mãos me fizeram e me formaram". Assim, Irineu afirma que... ... "pela própria essência e natureza de Seu ser existe apenas um só Deus", enquanto que ao mesmo tempo, "de acordo com a economia de nossa Redenção existem tanto o Pai como o Filho", ao que poderia acrescentar: "e o Espírito Santo". REFERÊNCIAS: S. Irineu: Adversus Hereses 4,20,1-3; Idem: Demons. Pred. Apost. 47. Antônio Rodrigues da Silva Neto 46 Perceba que o extrato acima, contendo o comentário de Ireneu, é habilmente selecionado como um pequeno trecho, para “traduzir” uma “interpretação doutrinária”. A GERAÇÃO DO FILHO Em Irineu nós temos a concepção familiar aos apologistas do Verbo como racionalidade imanente de Deus que Ele extrapola na criação. Ao contrário dos apologistas, porém, ele rejeita as tentativas de se explicar a geração do Verbo, citando Isaías 53,8: "Sua geração, quem a narrará?" Além disso, ele coloca em relevo de uma maneira muito mais explícita a coexistência do Verbo com o Pai desde toda a eternidade mas, embora pareça claro que ele tenha concebido a existência de uma relação eterna do Verbo para com o Pai, em nenhum momento ele chegou a declarar que esta seria a geração do Verbo . - grifo acrescentado REFERÊNCIAS: S. Irineu: Adv. Hereses 2,28,4-6; 2,13,8; 2,30,9; 3,18,1; 4,20,1. Observe a grande dificuldade em encontrar dentre os comentários de Ireneu alguma frase que esclareça o significado da “geração” do Verbo, Ireneu rejeita as tentativas de se explicar a geração do Verbo, mas não consegue dar uma explicação alternativa sobre este fato, o que coloca em cheque sua tese quanto a Jesus ter exatamente a mesma essência, natureza e eternidade com o Pai, já que pelos seus escritos se pode inferir que Jesus “veio a ser” a partir do Verbo, além de não constar nenhum texto bíblico em apoio a esta argumentação. AS FUNÇÕES DO VERBO E DO ESPÍRITO SANTO: A CRIAÇÃO Desvendando o mistério da trindade 47 O Verbo e o Espírito Santo, segundo Santo Irineu, colaboraram no trabalho da criação sendo, se tal fosse possível, as "mãos" de Deus, conforme vimos acima. Foi função do Verbo trazer as criaturas à existência, e do Espírito ordená- los e adorná-los. REFERÊNCIAS: S. Irineu: Adv. Hereses 4, pref., 4; 5,1,3; 5,5,1; 5,6,1; 4,20,2; Idem: Demonst. 11. OUTRAS FUNÇÕES DO VERBO: REVELAR O PAI Afirma Irineu que "Deus é inefável, mas o Verbo o declara para nós"; e também: "o que é invisível no Filho é o Pai, e o que é visível no Pai é o Filho". Nas Teofanias do Velho Testamento foi realmente o Verbo que falou com os patriarcas. REFERÊNCIAS: S. Irineu: Adv. Hereses 4,6,3; 4,6,6; 4,9,1; 4,10,1. OUTRAS FUNÇÕES DO ESPÍRITO SANTO: INSPIRAR OS PROFETAS, REVELAR O VERBO, SANTIFICAR OS JUSTOS Afirma Santo Irineu que foi através do Espírito Santo "que os profetas profetizaram, e os justos foram levados ao caminho da justiça, e foi ele que nos fins dos tempos foi derramado de uma nova maneira, renovando o homem para Deus". Além disso, sem o espírito Santo, é "impossível ver o Verbo de Deus"; e também, "o conhecimento do Pai é o Filho, mas o conhecimento do Filho de Deus somente pode ser obtido através do Espírito Santo". Nossa santificação é totalmente obra do Espírito Santo, "o qual o Filho ministra e dispensa a quem o Pai quer e como quer". REFERÊNCIAS: S. Irineu: Demonst. 6,7. CONCLUSÃO: TRINITARIANISMO ECONÔMICO DE SANTO IRINEU Antônio Rodrigues da Silva Neto 48 É evidente que a abordagem dos apologistas e mesmo de Santo irineu não é muito clara quanto à posição do Filho e do Espírito Santo antes de sua geração ou emissão.. Por causa de sua ênfase na "economia", este tipo de pensamento recebeu posteriormente o nome de "Trinitarianismo Econômico". Especialmente no caso de Santo Irineu, esta expressão é correta, desde que não se presuma que a ênfase na "economia" impediu-o de reconhecer o mistério da trindade na unidade na vida interna da Divindade. - Grifo acrescentado Este trecho sem dúvida é auto-explicativo quanto às atribuições trinitárias feitas “posteriormente” pelos defensores desta doutrina aos comentários de Ireneu. O que me surpreende adicionalmente, além destas interpretações forçadas, é ler comentários como este: Para a teologia, a regra de fé tradicional mostra a unidade da revelação bíblica de Deus, de si mesmo e de sua obra salvífica. Mostra que a reflexão dos crentes pós-apostólicos não se chocava com fragmentos esparsos de fé, mas possuía, ao contrário, uma visão coerente de Deus, da criação e da vida humana no mundo. E então comparar com a fórmula atual, completamente desprovida de unidade com a revelação bíblica, chocando-se frontalmente com o que a Bíblia ensina e sem nenhuma coerência em seus diversos fragmentos e, principalmente, com a fé apostólica como haveremos de demonstrar. Ou como este: Um momento fundamental no trabalho teológico cristão é dar uma explicação de Deus e de seu plano para a humanidade. A teologia tem em vista uma nova penetração do significado dos artigos de fé e das numerosas relações entre eles e com a vida humana do mundo. A teologia também fica à procura de uma síntese renovada. Determinada estrutura, porém, e certa Desvendando o mistério da trindade 49 ordem surgem do interior da própria fé, cujo ato fundamental se apropria de uma síntese primordial contida na regra de fé apostólica. E observar que não há uma explicaçãode Deus e seu plano que um leigo das principais igrejas da cristandade consigam explicitar, pois a “nova penetração do significado dos artigos de fé” que a teologia apresenta, apenas confunde as pessoas e as afasta da maravilhosa compreensão de seu Criador e do Governante empossado por Ele, Jesus Cristo. É evidente a um leitor honesto que atribuir-se a Ireneu a promoção da trindade é falsidade ideológica, o mesmo não se pode dizer de um escritor posterior, vamos conhecê-lo. Fontes: A Divina Tríade: Irineu de Lião e a Doutrina de Deus - Alderi Souza de Matos - 1997 http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/a_santissima_trindad e_nos_escritos_dos_santos_padres_dos_primeiros_seculos.html#I Antônio Rodrigues da Silva Neto 50 CAPÍTULO 4 – Tertuliano (155-222 E.C.) No desenvolvimento doutrinário da trindade outro personagem relevante, é: Quintus Septimius Florens Tertulianus (155-222). Vamos conhecer um pouco de sua história: Tertuliano é um dos mais importantes e originais dos escritores latinos, tirando Agostinho de Hipona, nasceu por volta de 155, em Cartago, filho de pagãos. ...caracterizado como polemista e moralista, de grande produção cujos escritos foram fundamentais para fixar o léxico e a doutrina do cristianismo ocidental. Dedicado ao estudo das leis, recebeu esmerada educação e, aos vinte anos, seguiu para Roma, onde ampliou sua formação como jurista, exercendo advocacia. Converteu-se ao Cristianismo entre 190 e 195, pondo a sua erudição ao serviço da fé. Dedicando-se ao estudo das Escrituras, da literatura cristã e profana, e dos tratados gnósticos, voltou à Cartago (196) e iniciou uma produtiva atividade literária voltada para a consolidação da igreja no norte da África, tornando-se o primeiro escritor cristão de sucesso escrevendo em latim. Seus textos e peças teatrais dirigiam-se contra os pagãos, idólatras, judeus e heréticos. No final da vida abandonou o cristianismo (207/210) e uniu-se à uma seita montanista ascetista e, posteriormente, criou seu próprio movimento religioso, o Desvendando o mistério da trindade 51 tertulianismo, que permaneceu independente até o século V, e morreu em Cartago por volta de 222. De temperamento violento e enérgico, quase fanático, lutador empedernido, todos os seus escritos são polêmicos. Este temperamento, impressionado com o exemplo dos mártires, que o levou à conversão, permite compreender a sua passagem ao montanismo. Obras Tertuliano, como todo bom apologeta, experimenta ao mesmo tempo a necessidade de comunicar positivamente a essência do cristianismo. Por este motivo, adota o método especulativo para ilustrar os fundamentos racionais do dogma cristão. Ele os aprofunda de maneira sistemática, começando com a descrição do «Deus dos cristãos». «Aquele a quem adoramos é um Deus único», testifica o apologeta. E prossegue, utilizando os paradoxos característicos de sua linguagem: «Ele é invisível, ainda que possa ser visto; inalcançável, ainda que esteja presente através da graça; inconcebível, ainda que os sentidos possam concebe-lo; por este motivo é verdadeiro e grande» (Apologético 17, 1-2). Tertuliano também dá um passo enorme no desenvolvimento do dogma trinitário; ele nos deixou a linguagem adequada em latim para expressar este grande mistério, introduzindo os termos de «uma substância» e «três Pessoas». Também desenvolveu muito a linguagem correta para expressar o mistério de Cristo, Filho de Deus e verdadeiro Homem. O autor africano fala também do Espírito Santo, demonstrando seu caráter pessoal e divino: «Cremos que, segundo sua promessa, Jesus Cristo enviou por meio do Pai o Espírito Santo, o Paráclito, o santificador da fé de quem crê no Pai, no Filho e no Espírito» (ibidem 2,1). Seus 31 tratados preservados são textos fundamentais para a compreensão dos primeiros séculos do cristianismo. Podemos dividir o conjunto das suas obras em três grandes grupos: Escritos apologéticos (de defesa da fé contra os opositores): Aos pagãos, Apologeticum (a sua obra mas conhecida), De anima (O testemunho da alma), Contra Escápula, Contra os judeus. Antônio Rodrigues da Silva Neto 52 Escritos polêmicos: De praescriptione haereticorum (Sobre a readmissão dos heréticos), Adversus Marcionem (Contra Márcion), Adversus Hermogenem (Contra Hermógenes), Adversus valentinianos (Contra os valentinianos), O batismo, Scorpiace, A carne de Cristo, A ressurreição da carne, Contra Práxeas, A alma. Escritos disciplinares, morais e ascéticos: Aos mártires, De spectaculis (Sobre os espetáculos), O vestido das mulheres, A oração, A paciência, A penitência, À esposa, De exhortatione castitatis (A exortação da castidade), A monogamia, O véu das virgens, A coroa, A fuga na perseguição, A idolatria, O jejum, A pudicícia, O manto. Teologia Apesar de ser considerado por muitos o fundador da teologia ocidental, a verdade é que tal designação é exagerada, porque Tertuliano não tem propriamente um sistema teológico. De fato, para isso faltou-lhe o equilíbrio necessário para organizar os vários artigos da fé, assim como a preocupação pela coerência, pois não era do seu interesse conciliar a fé com a razão humana. A Fé e a Filosofia Para Tertuliano, a questão das relações entre a fé e a filosofia nem sequer se colocavam, pois entre ambas nada existia de comum. A filosofia era vista como adversária da fé, e os filósofos antigos como patriarcas dos hereges. Para ele, de fato, fé e razão opõem-se, e podemos encontrar na filosofia a origem de todos os desvios da fé. No entanto, é forçado a reconhecer que algumas vezes os filósofos pensaram como os cristãos, e denuncia algumas influências de correntes filosóficas antigas, nomeadamente do Estoicismo. É bem conhecida a frase credo quia absurdum. Apesar de ela não se encontrar nos escritos de Tertuliano, mas apenas algumas semelhantes, ela condensa bem o seu pensamento acerca da razão. Note-se que o seu Desvendando o mistério da trindade 53 significado é não apenas "creio embora seja absurdo", mas sim "creio porque é absurdo". A verdadeira fé tem de se opor à razão. A teologia e o direito Tertuliano era jurista, advogado, e isso refletiu-se na sua teologia e nos seus escritos a dois níveis: 1º no nível do método de argumentação: nascia na Igreja a procura duma argumentação precisa e cerrada, sem falhas, à imagem daquela usada nos tribunais. Foi Tertuliano que usou contra os hereges o argumento da prescriptio, que mostrava que apenas a Igreja unida a Roma provinha das origens, enquanto que todos os outros surgiram depois e são, por isso, falsificadores; 2º no nível da linguagem: Tertuliano introduziu na teologia latina, e na da Igreja em geral, uma série de termos e conceitos provenientes do direito. Concebeu a vida cristã e a salvação à semelhança dum processo penal, em que Deus é o legislador, o Evangelho a lei, quem obedece recebe a compensação, quem desobedece torna-se culpado e é castigado. Tertuliano introduziu ou consagrou algumas distinções importantes, como por exemplo a de preceito e conselho evangélico. A regra da fé Para Tertuliano, a regra da fé constitui-se como lei da fé. Nos seus escritos encontramos fórmulas de dois elementos, com menção do Pai e do Filho, e outras de três, que acrescentam o Espírito Santo. As várias fórmulas apresentadas por Tertuliano, semelhantes entre si na forma e no conteúdo, mostram a existência dum resumo da fé próximo do símbolo batismal. Agora preste atenção a esta parte da história contada sobre este homem: A Trindade Antônio Rodrigues da Silva Neto 54 O maior contributo de Tertuliano para a teologia foi a sua reflexão acerca do mistério trinitário. Criou um vocabulário que passou a fazer parte da linguagem oficial da teologia cristã. Foi ele que introduziu a palavra “Trinitas”, como
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