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TEXTO DE APOIO DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE SÉC. XVI-XIX CRONOLOGIA SOBRE A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE ▪ 1505: Portugueses fundam feitoria e Fortaleza de Sofala; ▪ 1507: Portugueses fundam feitoria Fortaleza na Ilha de Moçambique; ▪ 1511:Portugueses atacam Angoxe, onde os Árabes-Swahili tinham formado um núcleo de resistência e usavam o Zambeze como via de penetração no interior; ▪ 1522: Portugueses conquistam ilha de Cabo Delgado ou Quirimbas; ▪ 1530: Portugueses penetram no Cuamba (nome primitivo de Zambeze). Fundação da Feitoria de Sena e Tete; ▪ 1544:Fundação da Feitoria ou Fortaleza de Quelimane. Os portugueses chegam a Loureço Marques. ▪ 1561: Padre Gonçalo da Silveira ao Zimbabwe do Mwenemutapa. O Mwenemutapa reinante é baptizado com o nome de Sebastião; ▪ 1571: Expedição militar de Francisco Barreto no Zambeze e chega no Sena; ▪ 1572: Expedição militar de Fernando Homem. Invasão de Quiteve e de Manica. ▪ 1607: Gatsi Lucere, Mwenemutapa reinante, cede as minas do seu Estado aos Portugueses; ▪ 1629: Mavura é baptizado e cognominado D. Filipe II, faz amplas concessões militares, políticas e comerciais aos Portugueses; ▪ 1686: Chegam os primeiros sete mercadores indianos à Ilha de Moçambique; ▪ 1693: O primeiro levante armado sistemático contra a penetração portuguesa, encabeçado pelos Changamiras do Estado Butua; ▪ 1720: Portugueses fundam a Feitoria de Zumbo; ▪ 1721-30: Feitoria Holandesa da Baía de Maputo; ▪ 1752: As feitorias e entrepostos comerciais portugueses em Moçambique passam para a dependência administrativa directa de Portugal, separando-se assim das possessões coloniais portuguesas na Índia e do seu Vice-Rei. ▪ 1762: Um documento escrito refere à saída neste ano de 1100 escravos de Moçambique. ▪ 1765: Um documento refere a existência de Prazos em Moçambique. ▪ 1799: Documento refere a saída anual de quatro a cinco mil escravos do nosso país. ▪ 1815/1820: Saem de Moçambique, anualmente, 15 a 20 mil escravos. ▪ 1821: Shochangana é o primeiro rei do Estado de Gaza. ▪ 1836: Primeira abolição do tráfico ▪ 1884 / 85: Conferência de Berlim, também conhecida como conferência da África Ocidental. UNIDADE TEMÁTICA I: MOÇAMBIQUE E O COMÉRCIO DESIGUAL SÉC. XV – XVIII 1. Introdução No final do séc. XV há uma penetração mercantil portuguesa, principalmente pela demanda de ouro destinado à aquisição das especiarias asiáticas. Inicialmente, os Portugueses fixaram- se no litoral onde construíram as fortalezas de Sofala (1505), Ilha de Moçambique(1507). Só mais tarde através de processos de conquistas militares apoiadas pelas actividades missionárias e de comerciantes, penetraram para o interior onde estabelecerem algumas feitorias como a de Sena (1530), Quelimane (1544). O propósito, já não era o simples controlo do escoamento do ouro, mas sim de dominar o acesso às zonas produtoras do ouro. Esta fase da penetração mercantil é designada de fase de ouro. As outras duas últimas por fase de marfim e de escravos na medida em que os produtos mais procurados pelo mercantilismo eram exactamente o marfim e os escravos respectivamente. O escoamento destes produtos acabou sendo efectivado através do sistema de Prazos do vale do Zambeze que teriam constituído a primeira forma de colonização portuguesa em Moçambique. Os prazos eram uma espécie de feudos de mercadores portugueses que tinham ocupado uma porção de terra doada, comprada ou conquistada. A abolição do sistema prazeiro pelos decretos régios de 1832 e 1854 criou condições para a emergência dos Estados militares do vale do Zambeze que se dedicaram fundamental ao tráfego de escravos, mesmo após a abolição oficial da escravatura em 1836 e mais tarde em 1842. 1.1. Objectivos ▪ Prover informações necessárias para a realização do exercício prático para esta unidade, ▪ Resumir a segunda ronda de relações comerciais de Moçambique com o mundo, ▪ Explicar o progresso de relações comerciais entre Moçambique e Portugal e os estados asiáticos na costa 1.2. Desenvolvimento Entre os séculos IX e XIII encontramos evidências de uma progressiva e lenta fixação de populações provenientes principalmente do Golfo Pérsico, a qual era um dos principais centros de comércio no Índico no século X. Essas populações estabeleceram-se em toda a costa oriental e, particularmente, nas Ilhas de Zanzibar e de Pemba. Aparentemente foi no século XIII que o maior número de emigrantes se fixou em entrepostos comerciais ao longo da costa oriental africana. Muitos geógrafos daquele tempo referem a existência de um activo comércio com as terras de Sofala. Foi talvez durante o século XII que Mogadixo surgiu como centro de absorção do comércio de ouro feito por Sofala, tendo, porém, sido rapidamente substituído pela mais proeminente das cidades do Índico: Quíloa, a sul da costa tanzaniana. Antes do século XVI, o comércio no Oceano Índico era controlado pelos muçulmanos, os Árabes Swahili. No subcontinente asiático as suas actividades eram dominantes ao longo da costa de Malabar até baixo Calcut. A indicação mais antiga a cerca de Sofala encontra-se em Al-Masud, viajante árabe do século X que refere, que os marinheiros de Oman, da tribo de Alazd, viajavam nos mares de Zanga até Kambala e Sufalh. A principal mercadoria era o ouro e o marfim. No século X (ano de 930), instalaram-se na costa africana, refugiados árabes criando as cidades mercantis de Bravo e Mogadixo. Em meados do século XII, comerciantes da indonésia juntara-se aos árabes comerciando com os povos do litoral trocando seus produtos orientais por ouro, marfim, pele do leopardo, carapaça de tartaruga, âmbar cinzento, chifres de rinoceronte e mais tarde por escravos. Segundo Al-Idris (viajante árabe), indianos e chineses também frequentaram a costa oriental africana comerciando com as Ilhas Comores. Não era, contudo, o domínio territorial que pretendiam, mas o desenvolvimento do comércio. Tornou-se, por isso, importante para eles, o controlo dos pontos das costas mais ricos ou que seriam para o escoamento dos produtos do interior. O tráfico intensifica-se no século XIII, altura em que comerciantes de Guzurate, Coromondel, Malabar e Bengala, passaram a dominar grande parte das rotas comerciais do Oceano Indico que atingiu o seu apogeu no século XV, nas vésperas da chegada dos Portugueses. Pode-se pois dizer-se que, a costa oriental de África, era visitada (pelo menos desde os primeiros séculos da nossa era) por navegadores indonésios, que mantinham já no primeiro milénio relações regulares com a Arábia do Sul, Pérsia, Índia e Malaca, contactos estes favorecidos pelo regime das monções do Oceano Indico. Portanto, a actividade mercantil asiática na costa norte de Moçambique teve início por volta do século IX. Relatos de viajantes e comerciantes árabes apontam Sofala como tendo sido o limite extremo ao sul, visitado por mercadores proveniente do Golfo Pérsico e da Península Arábica, muito antes da chegada dos portugueses nos finais do século XV. Na opinião de Al-Masudi, Sofala não definia qualquer estabelecimento particular, mas significava baixo ou terras baixas. O ouro produzido no interior e o marfim, inicialmente fornecido pelos caçadores macuas da costa de Nampula, foram os primeiros produtos asiáticos em Moçambique. Tecidos de seda, louça de vidro e de porcelana, artigos que as populações africanas ainda não produziam apareceram nas formações sociais moçambicanas como resultado directos dos contactos comerciais com os mercadores asiáticos. 1.2.1. Consequências da Presença Árabe-Persa em Moçambique a) A Nível Político ▪ Emergiram e desenvolveram-se unidades políticas nas costas de Cabo Delgado e de Nampula com predominância de características marcadamente não africanas; ▪ Aprofundamento das desigualdades sociais; ▪ Os Reinos Afro-islâmicos, tais como o Sultanato de Angoche e os Xeicadosde Sangage, ▪ Quitangonha e Sancul tiveram a sua origem na actividade mercantil e foram estruturadosexactamente para dar maior dinâmica a essa actividade ▪ Introdução de artigos que, pela sua raridade, ascendiam, nas formações africanas, à categorias de bens de prestigio contribuiu para a elevação do padrão de consumo das camadas privilegiadas e estimulou de certa forma a luta pelo poder. Pode-se sustentar que a presença de mercadores asiáticos contribuiu directamente para um factor externo que catalisou o processo de formação dos primeiros Estados centralizados em Moçambique. b) A Nível Cultural ▪ No plano cultural, os casamentos, os contactos comerciais e o surgimento de novos hábitos e línguas resultantes da fusão de hábitos e línguas africanas e árabes, por exemplo, foram responsáveis pela origem e desenvolvimento da cultura Swahili na Tanzânia e no Quénia. Em Moçambique a longa coexistência estimulou o aparecimento de novos núcleos linguísticos nas costas de Cabo Delgado e Nampula: os Mwani na costa de Cabo Delgado; os Naharra na costa de Nampula e Ilha de Moçambique; os Koti em Angoxe, etc. Outras línguas como o Sena e Ndau em Sofala e Guitonga de Inhambane preservam empréstimos de Swahili; ▪ A maneira de vestir, uso de brincos no nariz, nas construções, nos casamentos, no enterramento dos mortos, na língua ▪ As religiões na costa norte da Moçambique converteram-se ao islamismo; c) A nível económico ▪ Acumulação por parte dos aristocratas de bens de prestígio. Acumulação primitiva do capital por parte dos comerciantes. Introdução de algumas culturas como banana, Coco, Laranja, Limão, Cana-de-açúcar e arroz. 1.3. O comércio de ouro e a penetração portuguesa no muenemutapa A actividade mercantil swahili e árabe em Moçambique data já de antes do século XI da nossa era, a crer nos testemunhos árabes (vide secção 1.2.). No inicio do século XVI existiam provavelmente alguns milhares de mouros, o termo com que os portugueses designavam os swahili, no império de Muenemutapa. Não comerciavam apenas: passaram também a trabalhar cobre e ferro. No mesmo período, cerca de 400 mouros estavam estabelecidos em Sofala. O ouro constituía o principal artigo de comércio: com efeito, já muito antes da chegada dos mercadores portuguesas os swahili-árabes controlavam o ouro vindo do Império de Muenemutapa. Foi fundamentalmente o ouro que trouxe os portugueses a Moçambique. O ouro permitia-lhes comprar, entre outras coisas, as especiarias asiáticas com as quais a burguesa mercantil portuguesa penetrava no mercado europeu de produtos exóticos. Moçambique passou a constituir uma espécie de reserva de meios de pagamento das especiarias e essa foi a razão por que os portugueses se fixaram no País, primeiro como mercadores e, só mais tarde, como colonizadores efectivos. A fixação fez-se, inicialmente, no litoral, particularmente em Sofala em 1505 e na Ilha de Moçambique em 1507. Com a fixação em Sofala esperavam os portugueses controlar as vias de escoamento de ouro do interior e, em menor escala, de marfim, as quais tinham em Sofala o seu términos. Até 1530, os mercadores portugueses tentaram lutar sem êxito contra a concorrência que fizeram os swahili-árabes, que transformaram Angoxe no novo centro escoador do ouro, tornando, assim, estratégica a via fluvial do Zambeze, bem como contra o bloqueio de certas dinastias Karanga-Chona à passagem das mercadorias da costa – tecidos e missanga – para o interior. É exemplo deste último caso o soberano Inhamunda, do Estado de Quiteve que, em aliança com os Changamire do Butua, dificultou durante muitos anos os contactos com o Muenemutapa. Outro exemplo do mesmo tipo de bloqueio encontra-se na dinastia de Chicanga de Manica. A partir de 1530, os portugueses decidiram penetrar no vale do Zambeze. Como corolário, Tete e Sena são fundados em 1530 e Quelimane em 1544. Tratava-se, agora, já não da tentativa de controlo das vias de escoamento do ouro, mas do próprio acesso às zonas produtoras. Os swahili-árabes foram gradualmente substituídos como intermediários comerciais em Zimbabwe e no vale, não sem intensa luta. O processo parece ter culminado aparentemente em 1629, quando os portugueses deram ao Muenemutapa Mavura o prazo de um ano para expulsão definitiva dos mercadores swahili-árabes. O Muenemutapa lutava na altura para manter sob a sua tutela não apenas os restantes membros da aristocracia do Muenemutapa, como, também, o estrato dominante dos Estados satélites. É neste contexto de luta intra e interdinastias que os mercadores portugueses se introduzem na capital de Muenemutapa, tornando aqueles crescentemente dependentes do auxílio militar português. Os portugueses obtiveram, em 1607, de Gatsi Lucere, o Muenemutapa reinante na altura, a concessão de todas as minas do Estado, depois de uma força militar vinda de Sena – para onde Lucere solicitara auxílio ˗ o ter ajudado a debelar uma insurreição interna comandada por Matuzianhe. Em 1627, o Muenemutapa Capranzina, que representava uma facção oposta aos interesses mercantis portugueses, foi deposto e substituído por seu por seu tio Mavura. Os portugueses baptizaram Mavura e este declarou-se vassalo de Portugual. Em 1629, a dependência cristalizou-se na forma de um novo tratado que garantia aos portugueses a livre circulação de homens e de mercadorias isentas de qualquer tributo, a obrigatoriedade de o Muenemutapa consultar o capitão português de Massapa ˗ que assegurava e protegia a penetração mercantil nas feiras comerciais de Tete e Zimbabwe ˗ antes de tomar qualquer decisão, a permissão para os mercadores entrarem na corte do Muenemutapa sem respeitar o protocolo˗ anteriormente observado com o descalçar os sapatos e tirar o chapéu˗ e a autorização para construção de igrejas. A penetração mercantil fez˗se acompanhar do influxo de tecidos adquiridos na Índia e de missanga comprada em Veneza, destinados ao estrato dominante do Muenemutapa. Esses tecidos e essa missanga perdiam a sua qualidade de mercadorias ao entrarem no Estado e transformavam-se em bens de prestígio, suportes de lealdade política e de submissão. Por outras palavras, os canais por que passavam a circular não eram mais os mercantis, mas os de poder e parentesco. Foi a necessidade de um suprimento regular de tecidos e de missanga ˗ cuja missão era política e não económica- que conduziu o Muenemutapa a fazer concessões crescentes aos mercadores portugueses e a alienar quase virtualmente o território. A alienação expressou-se na cedência ou na venda de terras ricas em meios de ouro ou em ouro fluvial. A erosão da economia natural das Mushas tornou-se tão evidente nos meados do século XVIII que milhares de camponeses passaram a dedicar menos tempo à agricultura e a minerar quer directamente para os portugueses quer para o Muenemutapa. Às minas acudiam milhares de pessoas e, por vezes, os aluimentos, provocados por deficientes condições técnicas de produção ceifavam a vida de outros tantos milhares. O processo de trabalho nas minas geralmente organizado no quadro das relações de parentesco e a divisão das tarefas no decorrer do processo produtivo faziam-se de acordo com esse quadro. Eram sobretudo mulheres e crianças que trabalhavam nas minas ou, pelo menos, cabiam-lhes as tarefas mais duras e perigosas, nomeadamente a de penetrar nas escuras galerias à procura de ouro. Este facto pode ser comprovado não só através de documentos escritos, mas também pela análise dos esqueletos encontrados pelos arqueólogos. O trabalho forçado nas minas provocou, por outro lado, a fuga de comunidades inteiras, particularmente nas áreas mineiras mais trabalhadas. Entretanto, o capital mercantil, apesar dos aluimentos e apesar da fuga de comunidades, submetia cada vez mais a produção ao valor de troca numa sociedade onde, antes, predominava a produção de valores deuso. Não foi o comércio que veio criar a exploração: ele veio antes inscrever-se nas anteriores relações de produção e exploração, intensificando-as e fazendo desviar o campesinato para uma produção que não era interior à estrutura social. Essa actividade produtiva nas minas e nos cursos fluviais, a qual, antes da penetração portuguesa se fazia nas épocas mortas, fora do plantio e das colheitas, passou a efectuar-se, também, nos períodos produtivos agrícolas. Quer dizer: a penetração mercantil portuguesa não agiu unicamente ao nível da aristocracia, mas, igualmente, ao nível do próprio campesinato. A antiga renda em géneros que o estrato dominante exigia aos camponeses foi gradualmente transformada, nos Estados com minas de ouro, numa renda em trabalho de prospecção mineira. Anteriormente, o tributo e a renda em trabalho eram limitados pelos próprios padrões restritos da aristocracia e, por consequência, a extracção de ouro não era efectuada em escala alargada. As contradições avolumaram˗se, não só entre a classe dominante e o campesinato, como, também, dentro da própria aristocracia, onde a luta pelo poder acesso aos privilégios expressos nos bens de prestígio se tornaram prática corrente. As contradições eram agravadas pelo facto de terem surgido em número crescente, não só no Estado de Muenemutapa, como, igualmente, noutros Estados do antigo Império˗ porque a penetração mercantil portuguesa se fizera igualmente em Manica e em Quiteve˗, novas unidades políticas onde o estrato dominante era formado por mercadores portugueses estabelecidos como proprietários de terras, terras essas que, como já referimos, tinham sido doadas ou compradas e, em muitos casos, simplesmente conquistadas. Eram os chamados Prazos, surgidos do Vale do Zambeze provavelmente ainda no século XVI na ponta dos mosquetes ou no trato dos tecidos e da missanga veneziana. Os Prazos, que muitos historiadores pretenderam ver como a primeira forma de colonização portuguesa em Moçambique e, particularmente, no vale do Zambeze, foram essencialmente bases de escoamento de mercadorias ̠ ouro e marfim numa primeira fase e de escravos numa segunda – que aproveitaram o rio Zambeze como via natural. Os Prazos mais não foram do que a síntese do cruzamento de dois sistemas sociais de produção: um, pré-existente na sociedade Karanga-Chona, com dois níveis, o dos camponeses das Mushas, vivendo num regime de relativa autarcia, e o da aristocracia dominante, formada pelos Mambos e pelos Fumos; o outro sistema, que se sobrepôs ao primeiro ˗ forma especifica de sobreposição do capital mercantil a economia natural, era formada pelos Prazeiros – meº-rcadores, ex soldados desertados, fugitivos que cumpriam penas de degredo- elite dominante, e por exercito de cativo guerreiros, os chamados Achicunda. Por outras palavras: os prazeiros mantiveram o sistema social anterior, mas determinaram-no com dois níveis estranhos à sociedade original. O comércio de ouro de marfim configurou a base económica dos prazos até os fins do século XVIII e ligou-os à cadeia de acumulação primitiva de capital. Os camponeses das Mushas tinham a seu cargo a produção material de subsistências, canalizadas parcialmente para aristocracia prazeira através da relação de produção fundamental expressa no mussoco, uma renda em géneros. Por outro lado, milhares de cativos, alimentados pelos camponeses ou pela depredação nos excedentes dos Estados Karanga-Chona e, inclusivamente, de outros Prazos, garantiam a segurança militar dos Prazos e o livre escoamento dos produtos excedentários dos camponeses (especificamente os A-chicunda); comerciavam (os conhecidos Mussambazes, mercadores negros especializados), vigiavam e controlavam a actuação dos Mambos e dos Fumbos (os Chuangas, uma espécie de inspectores que residiam junto dos Mambos e dos Fumos e deles davam notícia regulara aos Prazeiros), geriam a administração interna (os Muanamambos e os Mucazambos), mineravam (essencialmente cativas organizadas em colectivos de trabalho chamadas ensacam, sendo chefes, também cativos, conhecidos por Niacondas, ou capitais). Os Prazos, especificamente no século XVII e, mais tarde, no século XIX, constituíram um autentico “pivot” político do capital mercantil no vale do Zambeze e, digamos, como que a forma militar do capital mercantil. O aparato ideológico nativo foi quase integralmente aproveitado pelos Prazeiros. A utilização do Muáve- uma beberagem tóxica que se acreditava poder mostrar a culpabilidade de alguém num determinado delito ou numa acusação de feitiçaria ˗, o culto dos espíritos, e a invocação da chuva eram mecanismos que garantiam a reprodução das relações de produção vigentes. Tal como anteriormente acontecia quando da morte os Mambos, também a morte de um Prazeiro gerava a criação ritual de uma situação de caos generalizada. A prática de roubo e do assassínio configuravam toda uma rede de indicadores de perda de estabilidade e pressupunha o retorno à ordem social anterior. A esses “rituais de caos” chamavam-se Choriros – chorar mortos. Funcionavam como uma espécie de válvula de escape para as tensões sociais que, ritualizadas, se esvaziavam do seu sentido de luta e da sua carga de perigo para o statu quo. Por outro lado, os Prazeiros recorriam frequentemente aos adivinhos. Um autor setecentista escreveu: este erro [refere-se à consulta dos adivinhos; nota do coordenador] se tem propagado entre os portugueses, de forma que o maior número lhe dá crédito [...] Para empreenderem qualquer negócio, viagem, etc., são consultados os advinhões, atirando sobre a terra alguns cauris, e à maneira dos ciganos, profetizam conforme o desejo que observam no sujeito que o chama. Foi em função das contradições entre a classe dominante Karanga e o campesinato produtor, das contradições dentro da própria classe dominante e do peso político crescente dos Prazeiros que o Muenemutapa mandou, nos finais do século XVII, fechar as minas do Estado; aliás, em Manica a dinastia dos Chicanga fez o mesmo. A contradição expressa nesse interdito – bloquear uma das mais vitais fontes de reprodução da classe dominante – dá bem ideia do grau de erosão da sociedade Karanga-Chona pelo capital mercantil. Agora, a aristocracia procurava apoio junto das Mushas contra os mercadores, essas mesmas Mushas que tanto tinha explorado. Pouco antes de 1693, o Changamire reinante mandou um emissário receber a curva – um tributo em tecidos que os portugueses tinham de pagar regularmente a aristocracia Karanga-Chona – a Manica. O emissário foi chicoteado pelos mercadores portugueses. Pouco depois, novo emissário foi enviado a Manica, tendo retornado com as orelhas cortadas. Entretanto, a pedido do Muenemutapa reinante, o Changamire Dombo, que governava a área de Torwa a oeste de Manica, foi convidado a comandar um levante armado generalizado contra a presença portuguesa. Em dois anos esta guerra levou à expulsão dos portugueses do planalto do Zimbabwe. Houve apenas três encontros armados, mas a maior parte das feiras, situadas nas primeiras regiões de extracção de ouro, foram destruídas. Os centros de Tete, Sena e Sofala não foram atacados. As igrejas foram destruídas. Os portugueses deixaram de poder deslocar-se ao e no planalto, apenas ali penetrando os seus mercadores, os Mussambazes ou Vashambadzi. Paralelamente a esses acontecimentos, o centro político do planalto deslocou-se para sudoeste, afastando-se mais da accao e do controlo dos portugueses. A dinastia organizadora do levante emancipou-se, para sempre, do poder central de Muenemutapa. Este último teve de mudar a sua capital mais para norte, perto de Tete, e ai ficou relegado a um papel secundário. Os Changamire passaram a confirmar os soberanos de Manica até ao começo do século XIX e foram também conhecidos como soberanos de Quissanga durante algumas décadas. Quer dizer: ao encabeçara resistência contra os mercadores portugueses, a dinastia do Changamire impôs o seu poder, alargado territorialmente, substituindo a velha dinastia do Muenemutapa em grande parte do planalto zimbabweano. Com o enfraquecimento do poder português no planalto nas últimas décadas do sec. XVII concluiu-se o “período áureo” da penetração portuguesa, iniciado no século XVI. O restabelecimento do domínio político Karanga no planalto pelos Changamire na década de 1690 levou muitos portugueses a refugiarem-se em Tete, Sena e Quelimane. Porém, os portugueses continuaram a procurar ouro, desta vez, no norte do Zambeze; no século XVII, o sistema de Prazos foi alargado para norte, de onde os portugueses têm sido forcados a retirar- se perante a agressividade Marave por volta de 1590. Cerca de 1750, foram abertos campos de mineração, nos territórios do Estado Cheua-Marava de Undi. Nestas minas, chamados Bares, contingentes de cativos escravos, ao serviço do Prazeiro produziam ouro em quantidades ínfimas. 1.3.1. A Luta Entre Portugueses e Árabes e o Domínio das Rotas Comerciais As lutas entre os portugueses e Árabes, em território moçambicano, eram de teor económico, religioso e político. Os portugueses chegaram a Moçambique com o intuito de dominar os povos, suas produções bem como a sua religião. A presença portuguesa data de 1498, quando Vasco da Gama chegou a Inhambane e mais tarde à Ilha de Moçambique. Porém, a fixação de mercadores portugueses na costa moçambicana verificou-se a partir de 1505, com a ocupação de Sofala que passou a ser a primeira feitoria portuguesa fundada por Pêro de Nhaia, e na Ilha de Moçambique em 1507, introduzindo, portanto, profundas transformações na estrutura socio-política e económica da sociedade Shona. Sofala era na altura o ponto de convergência das rotas de ouro produzido no interior. Com o estabelecimento da feitoria de Sofala, os portugueses esperavam todas vias de escoamento de ouro que vinha do interior à costa e, em menor escala, de marfim, onde Sofala era o seu local final. A impossibilidade de os portugueses poderem concorrer com os mercadores asiáticos conduziu-lhes para a procura de soluções extraeconómicas. Com a ameaça portuguesa no comércio, os Árabes transformaram Angoche no centro de escoamento de ouro, uma estratégia para fugir a presença dos portugueses na rota de ouro que ia dar a Sofala. Em 1511, tentando aniquilar a actividade mercantil árabe que tinha como base o Sultanato de Angoche, os Portugueses atacaram este reino Afro-islâmico, mas não conseguiram pôr termo a superioridade dos mercadores asiáticos. Foi exactamente com o objectivo de monopolizar a via fluvial do rio Zambeze, utilizada pelos Árabes, e fugir ao bloqueio movido pelos soberanos de Quiteve e Sedanda que fundaram os entrepostos comercial de Tete e Sena por volta de 1530. Eram também objectivos dos portugueses a ocupação de posições próximas das fontes de ouro e da classe dominante do império para gradual e facilmente se envolverem na esfera política ideológica da sociedade shona. Desta forma, a partir de 1541, surge a primeira comunidade portuguesa permanente nas proximidades da capital do Monomotapa, onde a coexistência era pacífica. Para reforçar este sistema e captar mais comércio. 1.4. Resumo Esta unidade resumiu as relações comerciais da antiga colonia de Moçambique, o povo Asiático e os Português. A unidade também resumiu os conflitos entre Portugal e os povos asiáticos que se instalaram na costa entre os seculos VI a XV. As relações comerciais entre estes povos e os chefes tradicionais de moçambique foram marcadas por desigualdade e exploração, principalmente em questões de trocas comerciais e produtos de troca. 1.5. Bibliografia ANTUNES, Luís Frederico Dias. Os mercadores baneanes guzerates no comércio e a navegação da costa oriental africana (século XVIII)‘, in Moçambique: navegações, comércio e técnicas (ata), Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1998, pp. 67-93. __________, A actividade da companhia de comércio baneanes de Diu em Moçambique (1686 - 1777), tese de mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 1992. __________, O Ultimátum na perspectiva de Moçambique. As questões comerciais subjacentes‘, in Moçambique: navegações, comércio e técnicas (atas), Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane de Maputo; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, pp. 261-279. NEWITT, Malyn, História de Moçambique, Lisboa, Publicações Europa-América, 1995 SERRA, Carlos, ‗Introdução‘, in Serra, Carlos [et. al.], História de Moçambique, Maputo, Tempográfica; Departamento de História da UEM, 1982, vol. I, pp. 23-47. SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000. UNIDADE TEMÁTICA II: SITUAÇÃO POLÍTICA, ECONÓMICA, SOCIAL E CULTURAL DAS INSTITUIÇÕES MOÇAMBICANAS NO SÉC. XV 2. Introdução Os “Estados” pré-colonial podem ser considerados monarquias nitidamente expansionistas cujo território aumentou consideravelmente em superfície graças ao emprego da força armada. O Poder Central foi reforçado por vários processos: apropriação de espólios de guerra, sobretudo mulheres e gado bovino; acumulação de excedentes por meio de oferendas e tributos; exigências redobradas em direitos de trânsito; aumento das vendas de ouro, marfim, cobre, ferro e outros produtos, incluindo manufacturados como enxadas, aspas e «machiras» de algodão; utilização cada vez mais intensiva de armas-de-fogo, etc. Novos bens de consumo, nomeadamente os provenientes das importações, premiavam a lealdade, gratificavam os guerreiros, atraíam crescente número de aderentes, e permitiam a realização de obras públicas de alguma envergadura (Zimbabwe, Mutapa, etc). Os testemunhos históricos do surgimento do estado de Zimbabwe não são muito claros, por esta razão o uso de fontes arqueológicas tornaram-se cruciais. Por esta razão, a compreensão desta unidade deve ser complementada com a leitura integrada dos livros de história de África e Historia de Moçambique e algumas obras arqueológicas. 2.1. Objectivos ▪ Prover informações para resolução desta unidade, ▪ Caracterizar as instituições e ou estados pré-coloniais usados com fontes de penetração colonial. 2.2. Desenvolvimento Entre cerca de 1450 e 1550, o Grande Zimbabwe foi abandonado pela maior parte dos seus habitantes e não são muito claras as razões do abandono. Na sequência da invasão e conquista do planalto zimbabweano pelos exércitos de Mutota, ocorrida por volta de 1440- 1450, desenvolveu-se, entre os rios Mazoe e Luia, o centro de um novo Estado, chefiado pela dinastia dos Muenemutapa. O núcleo dirigente do grupo invasor, que deu origem a essa dinastia, constituíu-se deste o início em aristocracia dominante recobrindo e subordinando o “stock” populacional pré-existente. Os povos submetidos, como por exemplo, os Tonga do vale do Zambeze, não falavam a língua Karanga-Chona. O grosso dos efectivos do grupo invasor deu origem, no vale do Zambeze, a uma nova etnia, denominada, pelos povos locais, Macorecore. O grupo dirigente era conhecido por machinde (príncipes). O núcleo central de Muenemutapa, que a dinastia governava directamente entre os rios Mazoe e Luia, era circundado por uma cintura de Estados vassalos cuja aristocracia dominante, constituída por parentes dos Muenemutapa, tinha tendência a rebelar-se quando o poder central enfraquecia. Entre os Estados vassalos encontravam-se Sedanda, Quissanga, Quiteve, Manica, Báruè, Maungwe, além de outros mais no interior. Os seus chefes pagavamtributo ao Muenemutapa reinante e eram confirmados por este quando subiam ao poder. Os Muenemutapa dominaram a Sul de Zambeze até finais do sec. XVII, perdendo depois a sua posição em favor da dinastia dos Changamire, cujo papel no levante armando contra a penetração portuguesa estudaremos mais a frente. Contudo, o Estado de Muenemutapa sobreviveu no vale do Zambeze no sudoeste de Tete até ao começo do sec. XX. Nos seus traços mais gerais, a sociedade Karanga-Chona (com a designação cobrimos todo o império) caracterizava-se pela coabitação no seu seio de dois níveis sócio-económicos distintos: de um lado, a comunidade rural relativamente autárcica e estruturada pelas relações de parentesco; de outro lado, a aristocracia dominante (que se confundia com a família que reinava e esta com o estado, com tradição de ter conquistado a zona que ocupava) controlando o comércio a longa distância e dirigindo a vida das comunidades. É na articulação desses dois níveis correspondentes à classe dominada e à classe dominante, que devemos procurar o segredo último do modo de produção da sociedade Chona. 2.2.1. As comunidades rurais A actividade produtiva essencial das comunidades rurais Karanga-Chona baseava-se na agricultura. Os principais cereais cultivados eram a mapira, a mexoeira, o naxenim (eleusine). Ao longo dos rios e, sobretudo na zona costeira, em solos aluvionares, cultivava-se arroz, usualmente para venda, segundo Frei João dos Santos. Mas o nível das forças produtivas era ainda baixo. Nos trabalhos agrícolas, o principal instrumento de trabalho era a pequena enxada de cabo curto e a agricultura praticava-se sobre queimada. A pecuária, a pesca e caça, bem como as actividades artesanais, surgiam como apêndices complementares da agricultura, submetendo-se aos imperativos do ciclo agrícola. À excepção do Butua (um estado que parece não ter sido satélite do Estado de Muenemutapa), desconhecia-se a tracção animal e o boi, por exemplo, não era usado como montada, animal de carga ou força energética na lavra em áreas do planalto isentas de mosca tsé-tsé. O trabalho nas minas aparecia às vezes como uma imposição do “exterior” (da aristocracia dominante ou dos comerciantes estrangeiros), sendo integrado geralmente como actividade sazonal na actividade produtiva normal. A esse respeito, o missionário Frei João dos Santos escreveu, referindo-se ao Butua (ou Abutua, território de Changamire, que Santos localizava, erradamente, a noroeste e não ao sudoeste). Os jazigos auríferos situavam-se, essencialmente, nas terras planálticas: Muenemutapa (ou seja, Chidima e Dande), Butua e Manica. Em algumas regiões, o trabalho de mineração ocupava, apenas, uma pequena parte do ano. Mesmo as correntes comerciais eram marginais e não afectavam, no essencial, a vida comunitária. Porém, com o correr do tempo, a penetração árabe-swahili e portuguesa trouxe novas necessidades (nomeadamente em bens de prestigio), as quais, voluntária ou coercivamente, levavam as populações das comunidades a praticarem a mineração do ouro em escala considerável, bem como a sua comercialização. As mushas, que integravam no geral uma família no sentido lato ou um grupo de famílias com o mesmo antepassado, viviam num regime de auto˗ subsistência e estavam fundamentalmente orientadas para a produção de valores de uso. É, pois, compreensível que os excedentes fossem de pouca monta, facto que é assinalado por muitos documentos escritos. Do fraco nível das forças produtivas decorria, por um lado, a persistência das forças colectivas de produção (a solidariedade comunitária condicionava o individualismo inovador, sempre olhado com desconfiança); decorria, por outro lado, a procura de eficácia ao nível de práticas mágicas e de rituais de persuasão, tendentes a propiciar uma natureza cheia de desígnios que se considerava não directamente controlável pelo comum dos mortais. Todas as relações entre os membros da sociedade Karanga˗Chona, ao nível das mushas, eram fundadas no parentesco de membros da musha ou de súbditos. Acima das mushas, como entidade superior, como que fora delas, erguia˗se a aristocracia dominante, benfeitora ou punitiva, habitando a imponência dos madzimbabwe , símbolos físicos de exploração e testemunhos em pedra de estratificação social. 2.2.2. A aristocracia dominante Na sociedade Karanga˗ Chona, o Estado era personificado pela pessoa do soberano, o Mambo, que devia desligar ˗se da sua origem terrena para conferir à ʺ realezaʺ um carácter sagrado. Tornava˗se, assim, o representante supremo de todas as comunidades, o símbolo da unidade de interesses dessas comunidades. Para o efeito, recorriam os mambos a práticas que os aproximavam dos seres sobrenaturais: A fim de quebrar todas as ligações com a sua linhagem, para se tornar representante de toda a sociedade,indiferente às rivalidades familiares,[o Mambo] comete, no momento da sua entronização, o incesto com uma parente próxima, infringindo desse modo o mais absoluto interdito. Numerosos testemunhos confirmam que a principal mulher do Monomotapa era a sua própria Irmã. A autoridade efectiva do Mambo processava˗se através dos seus subordinados territoriais que integravam um já complexo aparelho de Estado. Além de nove funcionários, as três principais mulheres do soberano desempenhavam funções de grande importância. Ainda sob a sua alçada directa, o Mambo possuía alguns funcionários subalternos: os Mutumes (mensageiros) e os Infices (guarda pessoal do soberano). A população encontrava˗se dividida administrativamente. Diversas comunidades (Musha), à frente de cada uma das quais se encontrava um Mukuru ou Muenemusha (o ancião mais idoso), integravam˗se num conjunto mais vasto (província), dirigido por um Fumo ou Encosse, dependente do Mambo. É interessante notar que, de acordo com uma fonte do século XVII, elegia˗se como Fumo quem tivesse maior riqueza material: têm também eleições de seus Fumos, que nestas muzindas os que são eleitos têm a primeira voz em tudo, o tempo que lhe concedem que não é mais senão enquanto têm que gastar,e são eleitos deste modo, algum cafre que sabem que é rico, manda˗lhe aquela muzinda dizer que o queira honrar e fazer grande, ordinariamente aceitam, vão buscá˗lo onde quer que more, com muita festa, em vindo dentro da povoação dão˗lhe casas, onde todos concorrem a fazê˗las , e à porta o assentam num quite muito laurado [...] e ali vêm todos os Estados, de homens, mulheres meninos e meninas a bailar, cada um por sua vez, e põem ˗se dez velhos dizendo˗lhe mil louvores, e ali há˗de haver muito de comer, e muito pombe, que é o seu vinho, afora datas (provavelmente no sentido de dádivas; nota do coordenador ) que faz aos grandes de panos para vestir, joias para as mulheres [...]. Enquanto governasse, o Fumo, “chefe de terra”, deveria de forma ostentatória (festas, doações, dons) redistribuir não apenas os bens que acumulara antes de ser nomeado Fumo, como aqueles que recebia enquanto chefe. Depois que ficava “pobre”, a comunidade destituía˗o através de uma cerimônia através da qual lhe eram atribuídos certos símbolos de prestigio (um bordão e um chapéu de palha). O Fumo deposto passava, então, a pertencer ao grupo dos “grandes” por mérito. Era então eleito um outro Fumo, que tinha de aceitar o cargo, pois caso o não fizesse, [...] às vezes matam˗no, outras fazem que não o vêem, deixam˗no fugir, o que lhe apanham gado, mantimentos machiras, [tecidos de algodão; nota do coordenador], escravos, gado , e o mais de mantimento, ali comem tudo. Quando daqui escapa, armam˗lhe por outro modo, se há muito sol dizem que solte a chuva, se há muita chuva dizem˗lhe que solte o sol [...]. Talvez seja possível interpretar todo esse processo como uma tentativa de a comunidade controlar a acumulação de riqueza por parte dos chefes (ao nível das ˝muzinda˝, que eram um conjunto de povoações),obrigando˗os a “gastar” essa riqueza e evitando, desse modo, que os Fumos se servissem dela para fortalecimento de um poder político que se erigisse à margem do controlo das comunidades aldeãs. Importa salientar, contudo, que semelhante controlo não se operava ao nível dos Mambos, geralmente oriundos da aristocracia invasora descendente de Mutota, na qual a transmissão do poder se fazia por via hereditária. À morte do soberano no Quiteve (por exemplo), nem sempre escolhiam para rei “o príncipe mais velho, nem mais chegado, senão o mais prudente e esforçado”, como escreveu Frei João dos Santos, o que denota claramente a importância atribuída ao cumprimento de funções técnico˗ administrativas pelos dirigentes. Concorria no mesmo sentido a prática de os soberanos se suicidarem quando atingidos por alguma enfermidade contagiosa ou por defeito físico, considerados sinais de incapacidade governativa. Mais significativo era ainda, como salienta um autor contemporâneo, o facto de que, na maior parte do território, a organização racional da produção agrícola e da utilização das colheitas dependia da intervenção directa do estado. O estado aparece, neste caso, como o organizador da produção e a aristocracia dominante como a detentora do “saber”. Constituíam também funções do Estado, entre outras, a manutenção da paz interna, a defesa do território dos ataques externos e a organização de obras de beneficiência. Mas a aristocracia dominante não se reproduzia unicamente cumprindo funções técnico-administrativas. É no quadro da dominação política que essas funções se exerciam. 2.2.3. Articulação aristocracia/comunidade Um missionário do século XVII, assinalando o carácter desenvolvido da agricultura régia do Estado dos Muenemutapas, escreveu: [...] o Monomotapa [...] obriga os seus Negros a cultivar campos de uma fantástica vastidão [...] Finalmente, aquando da colheita desses enormes campos a perder de vista, consegue obter um volume de produtos suficientemente vasto para viverem perfeitamente à vontade durante um ano, tanto eles como as suas mulheres. Cada uma das comunidades aldeãs tinha a obrigação de prestar ao Estado de Muenemutapa sete dias de trabalho mensais. Era ao nível desta renda em trabalho que se exercia a exploração das comunidades. Além da renda, havia ainda um tributo, que não correspondia propriamente a uma renda em géneros. A sua função era essencialmente simbólica, com pouco peso a nível económico: mais do que uma relação de exploração, traduzia uma relação de dominação/subordinação a nível ideológico: Ninguém fala com el-rei ou com [...] sua mulher, sem lhe levar alguma coisa [...] quando são tão pobres e não tem que dar lhe levam um saco de pedra, em reconhecimento de vassalagem, ou um feixe de palha para cobrir suas casas. Proprietário do “saber”, os Mambos tinham o direito de invocar a chuva e eram eles os intermediários entre as necessidades dos aldeões e os espíritos “vivos” dos antepassados régios: Quando padecem algumas necessidades ou esterilidades, ao rei se socorrem, cuidando firmemente que ele é poderoso para lhe dar todas as coisas que desejarem, e houverem mister, e que tudo pode alcançar dos defundos seus antepassados, com os quais lhe parece que fala. Pela qual razão, ao rei pedem chuva, quando lhe falta, e todas as bonanças de tempos para as suas novidades, e quando lhe vão pedir qualquer coisa d´estas levam-lhe grande presente [...]. A propriedade do “saber” dos Mambos cobria, também, a esfera dos contactos com as entidades sobrenaturais que se julgava povoavam a natureza e o mundo em geral. Essa a razão por que eram interditos os feiticeiros não devidamente autorizados pelos mambos: [...] é proibido pelo rei da terra que ninguém seja feiticeiro sem uma licença, porque somente ele e seus amigos quer que usem desta ciência. Portanto, as rendas em trabalho e os próprios tributos simbólicos deviam surgir aos aldeões não como exacções directamente humanas, mas como imposições morais ou como oferendas necessárias para aqueles que, se bem estivessem na terra, serviam, no entanto o céu: os Mambos. A eles deviam obediência todos os membros das mushas. Era como súbditos que obedeciam, não como parentes. Eram parentes ao nível das Mushas e súbditos ao nível do Estado. Garantes da fecundidade da terra e depositários da ordem do mundo, os Mambos constituíam os antídotos mais eficazes contra o caos. A sua morte significa a perda da estabilidade: Por morte, porém de qualquer mambo, e durante o octavário [...] concorre todo o povo [de Dande, na província e Tete, nota do coordenador], o mais indecentemente vestido que pode imaginar-se a chorar na povoação a perda ingente que acaba de sofrer, praticando toda a casta de desatinos, isto, é ferindo e roubando [...]. Essas demonstrações de desordem ocorriam igualmente em Manica, quando morria um soberano da dinastia de Chicanga. Escreveu um cronista do século XVIII que, quando morria um Muenemutapa e até à eleição do novo Mambo, o poder era exercido por um personagem que usava o nome de Nevinga. Sem ser portador de qualquer atributo régio, era morto logo após a eleição do Mambo de direito. A eleição do novo Mambo,constituía motivo de festa porque se acreditava ter a ordem sido resposta com o importantíssimo papel do Mambo vivo, que tamanha admiração e entusiasmo causa aos seus crédulos adoradores. Por outro lado, numerosas fontes referem a existência de dois termos que, aparentemente, serviam para designar Deus: Mulungu, utilizado nas terras marítimas, ao longo do vale do Zambeze e a nordeste do planalto zimbabweano; e Mwari, usado a sul do planalto. Um culto forte entre os Karanga-Chona era, indiscutivelmente, o dedicado aos espíritos dos antepassados, os Muzimu, que comportaria não apenas os antepassados de cada um, mas, igualmente, os antepassados de cada linhagem. Entre os Muzimu, aqueles mais respeitados e temidos eram os dos reis e Frei João dos Santos, em 1609, escrevia que o comum dos mortais no reino de Quiteve e do império de Muenemutapa, ao pedir socorro aos reis em caso de necessidade ou de doenças, acreditava poderem eles resolvê-los com auxilio dos Muzimu-régios. Era prática regular as classes dominantes do Estado de Muenemutapa e Estados satélites contactarem regularmente com os seus Muzimu em serras consideradas sagradas, como no Quiteve, através de especialistas médiuns que as fontes designam ora por Pondoros ora por Mondoros (significando leões). Parece que o Muenemutapa Matope, o segundo da dinastia, teria sido o primeiro a usar o título. A fazer fé numa fonte, Matope teria declarado que o seu espírito, sendo imortal, se metamorfoseava num leão, pelo que matar um leão era considerado um “crime imperdoável”. Ora, os médiuns, cujo nome correcto é swikiro, estavam estreitamente associados ao poder político e especialmente às sucessões. Deviam conhecer profundamente a história genealógica e parece que eram usualmente “estrangeiros”, para assegurar a imparcialidade em caso de arbitragem nos conflitos sucessórios. As boas relações com os antepassados dinásticos e as correctas ligações mediúnicas com aos Muzimu reias eram a garantia do bom governo e da estabilidade social. Portanto, os swikiro constituíam os suportes das classes dominantes, e estas, as executoras das ordens dos antepassados, mortos em vida e vivos na morte. Todo esse aparato ideológico contribuía para assegurar a reprodução do edifício social Karanga-Chona e das desigualdades sociais existentes. Porém, o poder dos Muenemutapa e dos mambos em geral não advinha apenas das rendas e dos tributos que recebiam regularmente. O comércio a longa distância e, nomeadamente, o comércio do ouro era a outra fonte do poder dos mambos. A expansão de Mutota para o norte do planalto zimbabweano, cujo objectivo pode ter sido o domínio das rotas comerciais do Zambeze, veio possibilitarum considerável reforço do domínio da camada dirigente. Tornando possível pelos excedentes tributados pela classe dominante, o comércio a longa distância e o seu caudal de bens de prestigio, como os tecidos e as missangas dados em troca de ouro, reagia, por sua vez, sobre relações de produção existentes, consolidando o poder de estado e intensificando as desigualdades existentes. 2.3. Resumo Esta unidade resumiu as instituições políticas que surgiram no seculo XVI, particularmente o Estado de Mwenemutapa, como um dos principais estados pré-coloniais que surgiu no então território de Moçambique. Descreveu o seu surgimento, relações políticas e de subordinação e as razões da sua decadência. Nesta unidade aprende-se que este estado era poderoso, uma https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado vez que controlava uma grande cadeia de minas e de metalurgia de ferro e ouro, cujos produtos eram procurados por mercadores de outras regiões do mundo 2.4. Bibliografia UEM, Departamento de História, 1982. História de Moçambique Volume 1: Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos TEMPO. Maputo. SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000. NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1997. PÉLISSIER, René. História de Moçambique: formação e oposição: 1854-1918. 2 vols., Lisboa, Editorial Estampa, 1987-1988 UNIDADE TEMÁTICA III: A EXPANSÃO MARÍTIMA EUROPEIA E A PRESENÇA PORTUGUESA EM MOÇAMBIQUE. 3. Introdução Os historiadores geralmente referem-se à "era dos descobrimentos" como as explorações marítimas pioneiras realizadas por portugueses e espanhóis entre os séculos XV e XVI, que estabeleceram relações com a África, América e Ásia, em busca de uma rota alternativa para as "Índias", movidos pelo comércio de ouro, prata e especiarias. Estas explorações no Atlântico e Índico foram seguidas por outros países da Europa, como França, Inglaterra e Países Baixos, que exploraram as rotas comerciais portuguesas e espanholas até ao oceano Pacífico. A exploração europeia perdurou até realizar o mapeamento global do mundo, resultando numa nova divisão mundial, e no contacto entre civilizações distantes, alcançando as fronteiras mais remotas muito mais tarde, já no século XX. A era dos descobrimentos marcou a passagem do feudalismo da Idade Média para a Idade Moderna, com a ascensão dos estados-nação europeus. Durante este processo, os europeus https://pt.wikipedia.org/wiki/Mina_(minera%C3%A7%C3%A3o) https://pt.wikipedia.org/wiki/Metalurgia https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferro https://pt.wikipedia.org/wiki/Ouro encontraram e documentaram povos e terras nunca antes vistas. Juntamente com o Renascimento e a ascensão do humanismo, foi um importante motor para o início da modernidade, estimulando a pesquisa científica e intelectual. A expansão europeia no exterior levou ao surgimento dos impérios coloniais. Entre os mais famosos exploradores deste período, destacam-se Cristóvão Colombo (pela descoberta da América), Vasco da Gama (descoberta da África, incluindo Mozambique). A formação do Império Colonial Português começou com a conquista de Ceuta, em 1415, obedecendo a objectivos geoestratégicos, políticos, económicos e religiosos. No caso de Moçambique, tendo como pontos de partida Sofala e a Ilha de Moçambique, os exploradores portugueses foram penetrando no interior do território, estabelecendo os primeiros entrepostos comerciais e fazendo as primeiras concessões de terras aos colonos ao longo do rio Zambeze, como medida para obter o controlo das rotas comerciais, ao mesmo tempo que asseguravam o povoamento do território pelos lusitanos. Todo este processo teve, desde o início, de lutar contra as movimentações árabes na região, conseguindo Portugal controlar praticamente toda a costa moçambicana até ao início do século XVIII, situação que se inverteu a partir do momento em que os portugueses perderam. 3.1. Objectivos ▪ Registar: todos os factos que ocorrem e podem ser representados na ocupação marítima portuguesa com particular destaque ao início da colonização de Moçambique; ▪ Prover informações para realição de exercícios desta unidade. 3.2. Desenvolvimento Entre o século XV e o início do século XVII, decorreu o que veio a se chamar da “Era dos Descobrimento”, durante o qual, alguns países europeus (inicialmente, portugueses, depois espanhóis) exploraram intensivamente o globo terrestre em busca de novas rotas de comércio. Se traçarmos o mapa geopolítico do mundo no ano de 1500, veremos surgir um certo número de grandes regiões relativamente autônomas que estavam em certo grau interligadas fosse através do comércio ou devido a conflitos. Havia, primeiramente, o Extremo Oriente que, representado pelo Japão e pela China, pelas regiões do Pacífico e do oceano Índico, compreendendo as ilhas Moluscas, Bornéu, Sumatra e a própria Índia, era a fonte de abastecimento do mundo em especiarias. Em seguida, havia o Oriente Médio que cobria uma vasta zona compreendendo a península árabe, o Império Safávida e o Império Otomano, o qual logo englobou a África do Norte. Depois, havia a Europa, com os eslavos, os escandinavos, os alemães, os anglo‑saxões e os latinos, que permaneciam confinados dentro de suas fronteiras. Enfim, havia a África, com sua encosta mediterrânea ao norte e suas costas do Mar Vermelho e do Oceano Índico que participavam, de forma crescente, do comércio internacional com o Extremo Oriente e com o Oriente. O período que se estendeu de 1500 a 1800 viu estabelecer‑se um novo sistema geoeconómico orientado para o Atlântico, com seu dispositivo comercial triangular, ligando a Europa, a África e as Américas. A abertura do comércio atlântico permitiu à Europa e, mais particularmente, à Europa Ocidental, aumentar sua dominação sobre as sociedades das Américas e da África. Desde então, ela teve um papel principal na acumulação de capital gerado pelo comércio e pela pilhagem, organizados em escala mundial. A emigração dos europeus para as feitorias comerciais da África fez surgir economias anexas que se constituíram no além‑mar. Estas desempenharam, em longo prazo, um papel decisivo na contribuição para a constante ascensão da Europa que impingia sua dominação sobre o resto do mundo. Do ponto de vista dos historiadores, o período que vai de 1450 a 1630 foi marcado, na maioria dos países europeus, em particular, naqueles do Oeste e do Sudoeste, por uma formidável expansão econômica, política e cultural. Com o tempo, acentuou‑se a divisão do continente em um Noroeste avançado, do ponto de vista econômico, uma península ibérica relativamente pouco desenvolvida e um vasto Centro‑Oeste em rápido desenvolvimento, mas, também, cada vez mais dependente dos mercados ocidentais. O período é também marcado por um movimento de expansão além‑mar que atingiu imensos territórios situados na borda do Atlântico e, até mesmo, no Pacífico. A costa africana sofreu este movimento desde o início do século XVI, ainda que a África do Norte conhecesse uma situação diferente daquela da região situada ao sul do Saara. O Mediterrâneo foi o palco de uma violenta rivalidade que opôs Espanha, Portugal, França e África do Norte muçulmana, ao passo que a influência do Império Otomano continuava em ascensão. Em 1415, Ceuta foi ocupada pelos portugueses visando o controlo da navegação na costa norte Africana, evento geralmente convencionado como o início da expansão portuguesa. Em 1517, os Otomanos apoderaram‑se do Egito, depois, submeteram uma grande parte da península árabe e estabeleceram, pouco a pouco, sua dominação sobre Trípoli, Túnis e Argel, onde se multiplicaramregências otomanas sob protetorado turco. Estas fizeram pairar uma grave ameaça sobre os navios europeus e sobre as costas meridionais da Itália e da Espanha. No Marrocos, entretanto, os portugueses conseguiram assegurar o controle sobre uma grande parte da costa, até Agadir e Safi, enquanto os castelhanos se estabeleciam em Tlemcen e Oran. Estas conquistas foram de grande importância, pois elas asseguraram aos portugueses o controle das saídas de algumas grandes rotas do comércio do ouro e dos escravos, estabelecido há séculos, entre o Sudão Ocidental e as costas mediterrâneas, através do Saara e do Magreb. As saídas de outros grandes eixos, de orientação norte‑sul e leste‑oeste, estavam nas mãos dos turcos e de representantes mais ou menos autônomos do Império Otomano na África (Argel, Túnis e Trípoli). Estes acontecimentos ocorreram aproximadamente um século após o início da expansão portuguesa pela África Ocidental, o que explica o fato de os europeus terem desviado, em benefício próprio, uma parte do tráfico do ouro e dos escravos que, anteriormente, era destinado ao mundo muçulmano. Na época, pensava‑se, com razão, que a costa da África Ocidental e da África Oriental permaneceria por muito tempo sob dominação econômica e política de Portugal, que exercia também uma certa influência cultural sobre seus parceiros comerciais africanos. Durante todo o século XV e no início do século XVI, os portugueses conseguiram estabelecer numerosas feitorias na costa ocidental, e fazer com que a população do litoral e seus chefes participassem do comércio com os europeus. Ao estabelecerem novas feitorias, os portugueses esforçavam‑se para obter a autorização dos chefes autóctones e para comprar, de diversas formas, a benevolência dele Na África Oriental, eles empregaram outros métodos: dominaram pela força os Portugueses fixaram-se no litoral onde construíram as fortalezas de Sofala (1505), Ilha de Moçambique (1507), e mais tarde através de processos de conquistas militares apoiadas pelas actividades missionárias e de comerciantes, penetraram para o interior onde estabelecerem algumas feitorias como a de Sena (1530), Quelimane (1544), onde implantaram guarnições e recolheram o imposto em benefício ao rei de Portugal. Ao mesmo tempo, eles procuravam apoderar‑se do comércio do ouro, do marfim e dos metais existentes entre a costa, o interior e a Índia. Nem todas as diversas feitorias portuguesas alcançaram o mesmo sucesso na África. No começo do século XVI, o comércio em Elmina, no estuário da Gâmbia, em Serra Leoa e, em Sofala, trouxe benefícios substanciais oriundos, principalmente, da compra do ouro a condições vantajosas, e, em menor escala, do tráfico de escravos fornecidos pelo interior. Arguin, a mais antiga das feitorias portuguesas, todavia, continuava declinando. O comércio com a África era assaz lucrativo para Portugal. O comércio com a África, e mais tarde com a Índia, acelerou fortemente a ascensão da classe dos negociantes portugueses, que, no século XV, ainda se encontravam, relativamente, pouco favorecidos. Ao longo deste primeiro quarto do século XVI, poder‑se‑ia pensar que Portugal entrou em uma fase duradoura de expansão econômica e política. Esta esperança é, todavia, arruinada pelo caráter retrógrado e estático da estrutura socioeconômica do país. A expansão ultramarina necessitava de importantes investimentos financeiros e, para comprar ouro e escravos, foi preciso escoar, pelas encostas africanas, grandes quantidades de objetos de ferro, bronze e cobre, bem como têxteis baratos, sem falar da prata, dos produtos alimentícios e do sal. Ora, estes bens não eram produzidos em Portugal e deviam ser comprados, no início, junto aos mercadores estrangeiros ou em Bruges, e, depois, nas grandes praças comerciais europeias da época. Além disso, o desenvolvimento da frota dependia das importações de madeira de obra e de outros produtos florestais provindos, essencialmente, dos países bálticos, que também forneciam um certo volume de cereais, cuja produção, em Portugal, era insuficiente desde o século XIV. É evidente que o produto do comércio exterior devia, em grande parte, ser alocado à importação das mercadorias necessárias para o comércio com a África. Portugal não pôde aumentar sua produção interna em razão de sua frágil potência demográfica e, da intensa concorrência no estrangeiro, notadamente, pelos produtos industriais que há anos eram muito procurados pelo mercado português. O formidável crescimento econômico da Europa acarreta no continente, a partir de 1470, uma alta progressiva dos preços que se tornam espetaculares durante a segunda metade do século XVI, e atinge, principalmente, os produtos agrícolas e industriais. O monopólio do comércio com a África ou com a Índia, que, ademais, procede de uma outra concepção econômica, não lhe foi de grande auxílio. O importante investimento, gerado pela expansão ultramarina, apenas seria rentável para Portugal se o país pudesse impor aos seus parceiros negros condições de troca que lhe fossem favoráveis, ou seja, se pudesse comprar barato e vender caro. Para isto, foi preciso limitar, até mesmo proibir, o acesso às feitorias aos imigrantes europeus, sobretudo, aos oriundos de países outros que não Portugal, através da manutenção de uma frota suficientemente potente para ser, de fato, dissuasiva. Esta foi uma empreitada dispendiosa e se revelava acima dos recursos de Portugal. Por volta de 1525, os portugueses começaram a encontrar dificuldades para achar ouro, mesmo na região de Elmina. Parece que, nas costas africanas, eles já não mais dispunham do suficiente de mercadorias para oferecer em troca. Desta situação, aproveitam, particularmente, os europeus rivais dos portugueses – a saber, os negociantes franceses, ingleses e holandeses – já que eles dispunham de maiores meios financeiros e não sofriam taxa de importação, pois suas mercadorias eram quase que exclusivamente de origem metropolitana. Enfim, a França, a Inglaterra e a Holanda ainda não sucumbiam sob os pesos de uma administração pletórica que regulamentava o comércio exterior e regia a vida nas colônias. O aparelho administrativo português era, ao mesmo tempo, dispendioso e lento a se adaptar às flutuações constantes, próprias do comércio exterior. Na África, os mercadores que chegavam da França, da Inglaterra ou da Holanda possuíam os meios suficientes para comprar em maior escala e vender a melhores preços do que aqueles de Portugal. Documentos datados dos anos 1570 mostram que os portugueses tinham consciência desta situação, mas que eram incapazes de remediá‑la. 3.3. O tráfico de escravos Portugal foi atraído inicialmente para a África Negra pelo ouro, que era anteriormente exportado pelos países islâmicos. Não obstante, eles não tardaram a perceber que a África possuía uma outra mercadoria, também fortemente procurada pelos Europeus: os escravos. Ainda que a escravidão na África fosse diferente da escravidão praticada pelos europeus, a tradição de exportar escravos para os países árabes era muito antiga em grandes partes do continente, em particular do Sudão. Nos séculos XV e XVI, esta tradição pareceu ter ajudado, em certa medida, os portugueses a conseguir, regularmente, escravos em uma grande parte da África Ocidental, notadamente, na Senegâmbia, parceira econômica, de longa data, do Magreb. Os portugueses, que penetravam cada vez mais profundamente nas regiões do sudeste da África Ocidental, aplicaram, com sucesso, as práticas comerciais utilizadas na Senegâmbia. Compreendendo o caráter indispensável da cooperação dos chefes e dos mercadores locais, dedicaram‑se a interessá‑los ao trato de escravos. Os portugueses não ignoravam que isto pudesse resultar em uma intensificação dos conflitos entre os diversos povos e Estados africanos, os prisioneiros de guerra tornando‑se o principalobjeto deste comércio, mas eles deixaram muito cedo de se opor às objeções morais, pois, como muitos outros na Europa, eles acreditavam que o tráfico abria aos negros o caminho para a salvação: não sendo cristãos, os negros haveriam de ser condenados por toda a eternidade se eles ficassem em seus países. Logo, um outro argumento foi enunciado: os negros são descendentes de Ham, que foi amaldiçoado, e, por isso, são condenados à escravidão perpétua. Estas motivações ideológicas não devem ser subestimadas. Devemos acrescentar aqui que os escravos negros começaram a aparecer na Europa em uma época em que o tráfico de escravos brancos provenientes da zona do Mar Negro, havia praticamente ceifado, época esta em que se começa a identificar o escravo ao negro, sendo, então, desconhecidos os outros representantes da raça negra. Durante todo o século XV e no início do XVI, o principal mercado da “madeira de ébano” era a Europa, em particular, Portugal e os países sob dominação espanhola, assim como as ilhas do Atlântico – quais sejam, Madeira, as Canárias, as ilhas de Cabo‑Verde e, mais tarde, a ilha de São Tomé –, porém, apenas em certa medida, devido às suas pequenas superfícies. O tráfico negreiro na Madeira, nas ilhas de Cabo‑Verde e, mais particularmente, na ilha de São Tomé originou‑se, primeiro, em razão da introdução da cultura da cana‑de‑açúcar e do algodão. Os portugueses tiveram, igualmente, sérios problemas na África. Durante todo o século XV, eles tiveram um crescente interesse pelo comércio dos escravos e, ao longo do século XVI, como nos outros seguintes, os territórios capazes de lhes fornecerem escravos em grande quantidade, cada vez mais, suscitavam‑lhes cobiça. É sob esta ótica que é preciso alocar a penetração portuguesa no Congo (onde não havia nem ouro e nem prata), encetada no começo do século XVI, e a conquista posterior de Angola, que foi precedida pelo rápido avanço do comércio de escravos na ilha de Luanda. Obter grandes quantidades de escravos era, igualmente, a preocupação dos colonos da ilha de São Tomé, não só porque eles precisavam desta mão de obra para suas plantações, mas também, porque vendiam os escravos às colônias espanholas da América e, a partir do fim do século XVI, também ao Brasil português. Ao longo do século XVIII, apurando a definição do direito universal ao bem‑estar e à liberdade, antropólogos, filósofos e teólogos voltaram‑se para o caso do africano e de sua condição no mundo. Sua reflexão levou‑os a modificar as noções ordinariamente admitidas até então sobre o negro da África e o escravo americano: de bruto e animal de carga, eles transformaram‑no em um ser moral e social. Sua fórmula, “o negro é um homem”, recusava implicitamente o consenso sobre a honradez, a legitimidade e a utilidade da venda de negros. Suas análises humanitaristas desembocaram na exigência abolicionista. Seu balanço do tráfico era inteiramente negativo. Proposições de abolição coletiva, lançadas pela Inglaterra em 1787, depois em 1807, haviam fracassado. Em 1810, Portugal fez vagas promessas em troca de aberturas para o mercado britânico. Um mundo desmoronou com o fim da guerras napoleônicas. No Reino Unido, Estados Unidos, Portugal e em outras partes da Europa, uma forte oposição foi desenvolvida contra o comércio de escravos. A Dinamarca, que tinha sido ativa no tráfico de escravos, foi o primeiro país a proibir o comércio através de uma legislação de 1792, que entrou em vigor em 1803. O Reino Unido proibiu o comércio de escravos em 1807, impondo pesadas multas para qualquer escravo encontrado a bordo de um navio britânico. 3.4. Presença Portuguesa em Moçambique A penetração mercantil europeia em Moçambique foi levada a cabo essencialmente por portugueses. Os Portugueses, movidos por interesses económicos, sociais e religiosos, ocuparam e colonizaram Moçambique. Numa primeira fase, ocuparam posições costeiras, junto de pontos de comércio, porém, mais tarde, foram para o interior, junto dos pontos de extracção do ouro. Enquanto que a penetração árabe só ambicionava comercializar com os nativos, a penetração portuguesa foi mais devastadora. Para além do desenvolvimento comercial, os portugueses pretendiam também dominar e controlar tanto o comércio como a produção aurífera. O objectivo dos Portugueses era de controlar o acesso às zonas produtoras do ouro, pois só assim poderiam acabar com a escassez de metais preciosos em Portugal e comprar as especiarias e produtos asiáticos muito apreciados na época. Quando os portugueses chegaram à Moçambique, já os Árabes-Swahili estavam estabelecidos, controlando o ouro que vinha do Império do Mwenemutapa. 3.4.1. Factores da Penetração Mercantil Europeia/Portuguesa A penetração mercantil europeia, sobretudo portuguesa, foi movida por factores de diferentes ordens. Em Primeiro lugar, os portugueses tinham motivos económicos, depois seguiram-se os sociais e finalmente os religiosos. 3.4.2. Factores Económicos Moçambique era um bom local para escoar produtos vindos de Portugal e, era um excelente mercado com raras e dispendiosas e apetecíveis matérias-primas, como o ouro, marfim assim como um lugar propício ao tráfico de escravos. Os portugueses foram provavelmente os primeiros europeus a fixarem-se na costa litoral de Moçambique porque precisavam de ouro. Quando Vasco da Gama, na viagem de procura do caminho marítimo para a Índia, passou por Moçambique, ouviu falar de um reino no interior muito rico em ouro. Era o Império dos Mwenemutapas. Com o ouro, os portugueses, especialmente a burguesia comercial, podiam pagar as especiarias orientais e os produtos exóticos do mercado europeu. Assim, Moçambique transformou-se para os portugueses, numa reserva de meios de pagamento das especiarias. Durante vários séculos, o ouro foi produto mais importante no comércio com os portugueses, mas quando começou a rarear ou quando não havia em determinada região, os portugueses voltara-se para o marfim. O marfim era um produto exótico e caro que os portugueses levavam para a Europa a fim de comerciar, que servia para a produção de diversos artigos de ornamentação e de bolas de bilhar. Depois dos ciclos de ouro e de marfim, os portugueses começaram a comercializar escravos e, mais tarde, as oleaginosas (este último produto sem grande impacto em comparação com c os três primeiros). 3.4.3. Factores Sociais Para a aristocracia dos Mutapas, o importante era o desenvolvimento do comércio com os mercadores estrangeiros, pois com estes tinham a garantia para a obtenção de bens de prestígio como tecidos. Por isso, a primeira comunidade portuguesa permanente nas proximidades da capital dos Mwenemutapas surgiu logo em 1541. Numa primeira fase, tanto a penetração como a convivência eram pacíficas. Este cenário mudou com a morte do padre jesuíta Gonçalo da Silveira em 1561, altura em que começou o envio de expedições militares para impor à força a presença portuguesa na região. O grande objectivo dos portugueses na região era económico. 3.4.4. Factores Religiosos Do ponto de vista religioso, os Portugueses pretendiam: Em primeiro lugar, espalhar a fé cristã e, em segundo plano, pretendiam enfraquecer o Islão. A vontade de evangelizar os africanos foi um dos motivos da expansão marítima. O clero, ordem social composta por sacerdotes e outros clérigos, era um dos grandes conselheiros da Coroa portuguesa. Jogando com a sua influência e posição privilegiada, o clero conseguiu convencer os portugueses que a expansão traria muitos convertidos a religião católica. Essa vontade de evangelizar era evidente na pressão que os Portugueses fizeram para que se baptizassem os monarcas dos primeiros Estados moçambicanos. 3.5. Resumo Estudamos e discutimos fundamentalmente o conjunto de conquistas realizadas pelos portugueses em viagens e explorações marítimas entre 1415e 1543, e que marcaram as pretensões de ocupação de território por parte do governo colonial português deu-se enfoque as incursos realizadas dentro do “território nacional”, mas olhando a sua relação com o exterior. Estudamos e discutimos fundamentalmente a penetração portuguesa na costa e no interior de moçambique, particularizando as relações comerciais que foram estabelecidas no decurso da sua ocupação. Estendeu-se a explicação do surgimento, estrutura e decadência do sistema de prazos da coroa, que constituíram o primeiro sistema de administração colonial portuguesa. Bibliografia CAPELA, José. O tráfico de escravos nos portos de Moçambique, Porto, Afrontamento, 2002. __________, O tráfico de escravos na ilha de Moçambique‘, in Matteo Angius; Mario Zamponi, Ilha de Moçambique: convergência de Povos e Culturas, Repubblica di San Marino: AIEP, 1999, pp. 54-69. COVANE, Luís António, ‗Considerações sobre o impacto da penetração capitalista no sul de Moçambique, 1850-1876‘, In I Reunião Internacional de História de África. Relações Europa- África no 3º quartel do Séc. XIX (atas), Lisboa: IICT, 1989, pp. 525-534. XAVIER, Alfredo Augusto Caldas. Província de Moçambique. Districto de Inhambane‘, in Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 2º Série, 7-8, 1881, Lisboa, Imprensa Nacional NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1997. PÉLISSIER, René. História de Moçambique: formação e oposição: 1854-1918. 2 vols., Lisboa, Editorial Estampa, 1987-1988 SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000. UNIDADE TEMÁTICA IV: O COMÉRCIO DE MARFIM, SÉC. XVII – XVIII 4. Introdução Portugal foi atraído inicialmente para a África Negra pelo ouro, que era anteriormente exportado pelos países islâmicos. Não obstante, eles não tardaram a perceber que a África possuía uma outra mercadoria, também fortemente procurada pelos Europeus: os escravos. Ainda que a escravidão na África fosse diferente da escravidão praticada pelos europeus, a tradição de exportar escravos para os países árabes era muito antiga em grandes partes do continente, em particular do Sudão. Nos séculos XV e XVI, esta tradição pareceu ter ajudado, em certa medida, os portugueses a conseguir, regularmente, escravos em uma grande parte da África Ocidental, notadamente, na Senegâmbia, parceira econômica, de longa data, do Magreb. Os portugueses, que penetravam cada vez mais profundamente nas regiões do sudeste da África Ocidental, aplicaram, com sucesso, as práticas comerciais utilizadas na Senegâmbia 4.1. Objectivos ▪ Prover informações para resolução do exercício prático desta unidade; ▪ Caracterizar o comércio de marfim e suas implicações na colonia de Moçambique 4.2. Desenvolvimento Ao norte do Zambeze, nos territórios situados ente o rio Luangua e Quelimane fazia-se bastante comércio de marfim e a sua produção, bem como a sua comercialização – troca por tecidos e por missanga -, eram organizadas em regime de monopólio pela aristocracia Phiri, especialmente pelos Phiri Caronga e Lundu. Tal como o ouro para a aristocriacia Karanga- Chona, o marfim representava para os Phiri uma das suas principais fontes de reprodução. Daí que a divisão social do trabalho nos Estado Marave, sobretudo nos Estados de Caronga e de Lundu, contemplasse com meticulosidade a organização da caça ao elefante. Eram frequentes as rivalidades entre os Caronga e os Lundu para a obtenção de panos e de missangas, bens de prestigio que garantiam lealdades políticas e uma corte de aderentes numerosa. O controlo efectuado pelos portugueses do tráfico swahili e árabe, através do Zambeze, com partida de Angoxe, terá bloqueado consideravelmente o afluxo dos Phiri dos produtos trazidos por aqueles mercadores. Embora a base da partida fosse Angoxe, muitos mercadores vinham de Quíloa, de Mombaça e por vezes de mais longe, das cidades portuárias swahili que pontilhavam a costa oriental africana desde, provavelmente, o século VIII da nossa era. Por outro lado, a situação estratégica do Estado de Lundu, no Chire, tornava possível a estes interceptarem as mercadorias destinadas aos Caronga. O acesso dos mercadores, que viajavam no Zambeze em pequenas embarcações chamadas zambucos, ao Estado de Lundu era,pode dizer-se quase imediato do ponto de vista geográfico. A situação era um tanto idêntica àquela que permitia ao Inhamunda do Quiteve interceptar as mercadorias que saíam de Sofala para o Muenemutapa e para o Changamire entre 1505 e 1530. Terão sido aparentemente os dois eixos da contradição já indicada, isto é, bloqueio mercantil- militar português e conflitos interdinásticos, que estiveram na origem de um extenso movimento armado para leste e nordeste, aparentemente conduzido pelos Lundu, sob pressão militar de Caronga. Os guerreiros Nianja de Lundu estenderam-se pelas pequenas unidades descentralizadas Lómuè, atingiram Angoxe, passaram pela área descrita na documentação colonial por Makuana-Utículo e Cambira, no “hinterland” da Ilha de Moçambique ˗ e prosseguiram para o norte, passando por Quíloa.O movimento parece ter- se encetado no terceiro quartel do século XVI. Na documentação colonial os Nianja ou Zimba foram descritos como antropófagos, que à sua passagem tudo destruíam e tudo comiam. A descrição veiculava uma defesa ideológica contra um movimento que punha em causa os interesses mercantis portugueses no vale do Zambeze, em Quelimane e na Ilha e Moçambique. São muitas as provas de expansão militar Nianja- que pode ter incluído os Cheua- para o litoral. Em Pemba, Matibane e Angoxe, por exemplo, alguns chefes diziam˗se descendentes dos invasores ma-rudo. Há por outro lado, uma memória escrita em 1794 que identifica Manganja com Rundo ; o nome de Manganja da Costa pode ter sido originado de Manganjas , um subgrupo dos Nianjas. O movimento deixou também ficar algumas reminiscências do culto pluvial de M'̴bona, por exemplo, na Manganja da Costa. A expansão abriu uma rota comercial- Chiri- Mossuril- favorável especialmente aos Lundu que, para melhor a controlarem, instalaram chefes Phiri à testa de alguns pequenos reinos Lómuè. Porém, em 1622 os Caronga fizeram uma aliança militar com os portugueses e os Lundu foram derrotados, passando os Phiri Caronga a controlar virtualmente a rota Chiri-Mossuril. A aliança obtida deu aos portugueses uma margem de manobra política mais substancial a norte do Zambeze, se bem que a influência nunca tivesse sido tão lata e corrosiva como foi a exercida no Muenemutapa. No entanto, dez anos mais tarde, os portugueses tiveram que enfrentar, mesmo aos portões de Quelimanae, uma revolta militar combinada dos Cheua sob a liderança de Muzura e os desafectos Karanga-Chona liderados pelo deposto Muenemutapa Capranzina (vide 5.1). Foi apenas com uma expedição militar organizada pelo capitão-geral da colónia, a partir da Ilha de Moçambique, que os portugueses conseguiram debelar a revolta e, com campanhas militares sucessivas no Zambeze, restabelecer a sua autoridade política geral. 4.2.1. Comércio e Administração Entretanto, a coroa portuguesa, desde a sua fixação em Moçambique, nos princípios do século XVI, possuía duas fontes de rendimento: os direitos aduaneiros, em grande parte oriundos da Ilha de Moçambique e, em menor escala, de Quelimane , e o comércio.Todo o aparato administrativo e militar português se destinava a apoiar essas duas fontes de rendimento. Ao surgirem os Prazos, que não foram uma criação régia portuguesa, mas o simples reflexo no sertão da faina de mercadores particulares, a Coroa pretendeu “nacionalizar” estas bolsas de fixação e comércio, outorgando-lhes um estatuto
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