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FORMAS DA ORGANIZAÇÃO ESTATAL

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FORMAS DA ORGANIZAÇÃO ESTATAL: 
CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO 
HANS KELSEN 
Ex·professor da. Universidades de Viena, Col8n1a e Prap, 
prolellor da Universidade de BerJpley, Califórnia, EE. 00. 
SUMARIO: 1. Centralização e descentralização como conceitos jurí-
dicos. 2. Conceito estático de centralização e descentralização: 
a) conceito jurídico da divisão territorial; b) princípios de orga-
nização baseada no critério territorial ou pessoal; c) centrali-
zação e descentralização, total e parcial;. d) critérios dos 4raUII 
de centrD1izaC'ão e descentralização; e) método para restrin4ir 
á esfera territorial de atuação. 3. Conceito dinâmico de centra-
lizarão e descentralizacão: a) a crieção centraJizaé.1 e descen-
trali •• da de normas; b) lorma de p8rno e lorma de or4ani .. -
ção; c) democracia e descentralização; d) centralização e d.-
~ntraIização per/eitas e imper/eitas; e) descentralização admi-
nistrativa; I) descentralização por autonomia local; g) descen-
tralização por províncias autônomas. 4. Estado lederal e conle. 
deração de Estados: a) centralização da legislação: I) Estade 
Ie<'.eral; II) confederação de Estados. b) centralização da exe. 
cução: I) Estado lederal; 11) conlederação de Estados. c) distri-
buição das competpncias num Estado lederal e numa conle-
deração de Estados; d) cidadania; e) obrigações e autorizaçÔ8fl 
diretas e indiretas; f) internacionalização e centralização; g) 
transformaC'ão de um Estado unitário em Estado fer!./3ral ou em 
confederação de Estroos. 5. A comunidade jurídica internacio-
nal: a) não há delimitação nítida entre' direito nacional e in-
ternacional; b) o direito nacional como ordem jurídica relativa· 
mente centralizada; c) a descentralização do direito internacio-
nal: I) descentralização estática; 11) c.escentralização dinâmica; 
111) centralização relativa pelo direito internacional particular. 
1. CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO COMO 
CONCEITOS JURÍDICOS 
*0 Estado é uma ordem jurídica. Os seus elementos, território 
e povo, são as esferas territorial e pessoal de atuação dessa ordeJll 
jurídica. O poder do Estado consiste na vigência e eficácia da ordem 
• TradlUido por RUDOLF ALADAR MERALL, de "General Theory 01 Law and St.t". 
\ 
,\ 
jurídica, enquanto OI três podere. ou funç6et aio etapa. diferentel 
da 'sua criação. As dUàs formas básicas de govêmo, democracia e 
autocracia, são modos diferentes de criação da ordem jurídica. Em 
face disso, é patente que centralização e descentralização, geral-
mente consideradas como formas de organização estatal em relação 
à divisão territorial, devem ser interpretadas como dois tipos de 
ordens jurídicas. A diferença entre um Estado centralizado e outro 
descentraliz .. do deve ser uma diferença nas respectivas ordens jurí-
dicas. Todos os problemas de centralização e descentralização, na 
realidade, são problemas relativos às esferas de repercussão de 
normas jurídicas e aos órgãos que as criam e aplicam. ~ Unicamente 
uma teoria jurídica capaz de fornecer resposta. à pergunta sôbre a 
natureza da centralização e descentralização.' . 
2. CONCEITO ESTÁTICO DA CENTRALIZAÇÃO E DESC&NTRALIZAÇÃO 
A. Conceito jurídico da divisão territorial - O conceito de 
wna ordem jurídica centralizada é o de que tôdas aS suas nor-
mas são válidas em todo o território sôbre o qual ela. se estende; I 
isto é, que tôdélS as suas normas têm a mesma esfera territorial de 
aplicação. Uma ordem jurídica descentralizada compõe-se, por sua 
vez, de normas cujas esferas territoriais de regência são diferentes. 
Algumas dessas normas podem vigorar para o território inteiro - de 
outro modo, não teria o território uma única ordem determinada 
- enquanto outras são válidas apenas em diversas partes dêle. 
As normas válidas para o território inteiro chamam-ae norm.u 
centrais; as em vigor para uma das partes do territ6rio, norma.s 
descentralizad-, normas locais. 
As normas locais válidas para a mesma parte do território 
total formam uma ordem juridica parciál ou local, que constitui 
wn~ comunidade jurídica parcial ou local. A asserção de que \Ull 
Estado é descentralizado ou que o-território do Estado, é dividido 
em subdivisõeí territoriais significa que a ordem jurídica nacional 
não contém apenas normaS centrais, mas também locais. As dife-
rentes esferas territoriais de incidência dEW ordens locais são as 
subdivisões territoriais. . 
As normas centrais da ordem jurídica total ou nacional 
formam, por seu turno, uma ordem parcial, isto é, a ordem jurídica 
central, e constitUem também uma comunidade parcial, a. saber, 
a comunidade jurídica central. A ordem jurídica central, que cons-
titui a comunidade jurídica central, forma cóm as ordens jurídicas 
locais a compor as comunidades jurídicas locais, a ordem jurídica 
total ou nacional, que integra a comunidade jurídica total, quer 
dizer. o Estado. A comunidade central e as locais aio membros da 
comunidade total. 
Duas normas, válidas para regiões diferentes, mas relativas ao 
mesmo assunto, isto é, normas com diferente· esfera territorial de 
validez mas com idêntica· esfera material, podem regulamentar o 
mesmo assunto (por exemplo, o comércio) de forma diferente nas 
regiões respectivas. Uma das razões principais para a descentrali-
zação é precisamente que esta fornece a possibilidade de regula-
mentar o mesmo assunto de maneira diferente para regiões dife-
rentes. As considerações capazes de tornar indicada tal diferencia-
ção da ordem jurídica nacional podem ser geográficas, nacionais, 
ou religiosas. Quanto mais amplo o territorio do .t;stado e qUanto 
mais variadas as condições sociais, tanto mais necessária será a des-
centralização através da divisão territoriaL 
B. Princípios de orgáIlização bB8eada no critério territorial 
ou pessoal - A comunidade jurídica pode, porém, dividir-se numa 
base diferente da territorial. As comunidades parciais que formam 
a comunidade total não são, necessàriamente, estabelecidas numa 
base territorial. As normas de uma ordem jurídica, embora tendo 
tôdas a mesma esfera territorial, podem divergir quanto às esferas 
pessoais de atuação .. O mesmo assunto, por exemplo o matrimônio, 
pode ser regulamentado .parao territ6rio inteiro, porém de forma 
diferente para grupos diferentes, distinguidos consoante a religião, 
de maneira que o direito matrimonial de cada ordem jurídica 
nacional pode ser diferente para cat6licos, protestantes e maome-
tanos. Do mesmo modo, as normas relativas às obrigações e aOS 
direitos dos cidadãos em matéria de educação podem divergir, con-
forme se tratar da parte da população de idioma inglês ou da de 
língua francesa. A ordem jurídica pode, ademais, prever disposi-
tivos legais que são válidos apenas para indivíduos de certa raça, 
conierindo-Ihes certos privilégios ou estabelecendo várias discri-
minações. 
Um conjunto de normas cuja eficácia tem a mesma esfera 
pessoal constitui uma comunidade parcial dentro da comunidade 
total, da mesma maneira como normas locais ou centrais de uma 
ordem jurídica constituem comunidades parciais. Num caso, essas 
comunidades parciais fão organizadas em uma base pessoal, no 
outro, em uma base territorial. O critério destas é o territ6rio 
dentro do qual vive o indivíduo, o daquelas, a religião, língua, raça 
ou outros característicos. 
Uma diferenciação da esfera pessoal de eficácia da ordem 
jurídica, isto é, uma.' organização baseada num critério pessoal, 
pode ser necessária se os indivíduos pertencentes a religiões, idio-
mas ou raças diferentes não são radicados em partes determinadas 
do território mas distribuídos através do território inteiro do Esta-
do. Neste caso, a descentralização por subdivisões territoriais pão 
permitiria a almejada diferenciação da ordem jurídica. E' .exemplo 
piara uma OI'pIlizaçÍo fundada no principio do critério pessoal o 
\ .. tema da representação proporcional,no qual o eleitorado inteiro 
, \ não é dividido em COl'p06 eleitoraiS baseados na divisão do tefri· 
," tório' em distritos' eleitorais, e sim em partidos politicos • 
. ' Fala-se, entretanto, comumente, de' descentralização, apenas 
se a organiza~o obedece ao principio territorial, se as normas de 
uma ordem juridica são diferenciadas sob o aspecto da sua esfera 
territorial de atuação, embora a diferenciação que diz respeito à sua 
I ' esfera 'pessoal de incidência tenha efeitos similares. Essas, esferas. 
territoriais de atuação ,das normas locais são amiúde chamadas 
provincias, e a descentralização implica, por conseqüência, a exis-
tê,ncia de provincias. 
C . C~tralização e descentralização total e. parciai - A 
centralização ou a descentralização de uma ordem juridica pode .. 
quantitativamente, atingir graus variáveis. O grau de céntralização 
I ou descentralização é determinado pela proporção relativa do 
número e da importância das normas c~trais e locais da ordem. 
Pode-se, pois, distinguir entre centralização e descentralização total 
e parcial. A centralização é total setôdas as normas são válidas 
para o territ6rio inteiro. A descentralização é total se t6das as 
normas são apenas válidas para diferentes partes do territ6rio, para 
subdivisões territoriais. No primeiro caso, a descentralização atin-
ge o grau zero, no segundo isso vale para a centralização. Quando \ 
nem a centralização nem a descentralização são totais, fala-se de 
descentralização parcial e centralização parcial, o que dá no mesmo. 
Centralização e descentralização totais são apenas polos ideais. 
Existe certo minimo abáixo do qual a centralização não pode cair, 
e certo máximo que. a descentralização não pode ultrapassar sem 
dissolver a comunidade juridica; pelo 'menàs uma norma,. a norma 
básica, deve ser uma norma central, deve vigorar para o territ6rio 
\ inteiro, senão o territ6rio não seria o de uma única ordem juridica 
e não se poderia falar de descentralização como de uma divisão 
territorial' de uma única e mesma comunidade juridica. O direito 
positivo conhece sàmente a centralização e descentralização parciais. 
D. Critérioe doe ,raus de centralização e descentraliztÍção -
O grau quantitativo de centralizaçãq. e descentralização dept;nde, . 
em primeiro lugar, do número dos escalões na hierarquia da' ordem 
juridica: a que se refere a centralização ou descentralização; em 
segundo' lugar, do número e da importância dos assuntos regula-
mctntados pelas normas centrais ou locais. A centralização ou a des-
centralização pode visar apenas a um, ou, ao contrário, a alguns 
escalões na hierarquia da ordem juridica e aplicar-se apenas a um, 
ou a vários, ou ainda' a todos os assuntos da tegulamentação. juri-
. dica. Pode aC9ntecer que somente a constituição seja central, quer 
,dizer, . que apenas as normas relativas à legislação sejam nprmas 
-52-
centrais válidas para o tenit6rio inteiro, enquanto todos os demais 
escalões, ou seja a legislação, a administração e o judiciário, são . I 
descentralizados em relação a todos os assuntos. Neste caso, tôdas : 
88 normas gerais, as leis criadas pelos 6rgãos legislativos de acôrdo 
com a constituição central, e tôdas as normas individuais baixadas 
pelas autoridades administrativas e pelos tribunais na base das leis 
(ou do direito consuetudinário), independentemente dos assuntos, 
são normas locais. válidas somente para partes do territ6rio (sub. 
divisões territoriais). E' também possível que a legislação e a exe-
cução sejam apenas em parte centralizadas ou descentralizadas; isso 
acoptece se apenas as normas gerais (leis e regras .,:io direito con-
suetudinário) referentes a assuntos determinados e as normas indi-
viduais baixadas na base dessas normas gerais têm caráter locaL 
A descentralização pode, por exemplo, aplicar-se somente à agri-
cultura ou à indústria, enquanto outros assuntos de regulamenta-
ção jurídica são centralizados; podem, para citar outro exemplo, 
ser descentralizados apenas o direito penal e a sua aplicação pelos 
tribunais penais, enquanto o direito civil e a sua aplicação pelos 
tribunais civis podem ser centraliZados. 
Se parcialmente centralizadas e descentralizadas, a legislação 
e a execução, a esfera material de aplicação da ordem jurídica, 1:1 
competência da comunidade total, é dividida entre a ordem central 
(ou a comunidade jurídica central constituída por esta ordem) e 
as ordens locais (ou as comunidades jurídicas locais constituídas 
por estas ordens locais) .. Como alternativa, não só o escalão da cons-
tituição, como ainda o da legislação, pode ~er centralizado respeito 
a todos os assuntos de regulamentação jurídica, sendo desc~n. 
tralizado apenas o escalão da execução (administração e judiciá .. 
rio). Em outros têrmos: tôdas as normas gerais, tanto a consti-
tuição como tôdas as leis (e regras do direito consuetudinário), são 
normas centrais; somente as normas indiviáuais (criadas por atos 
administrativos e decisões judiciais) são normas locais. Enfim, a 
própria execução pode ser total ou parcialmente centralizada ou 
descentralizada, se tôdas as normas individuais emanadas de auto-
ridades administrativas. ou tribunais, ou somente as referentes a 
determinados assuntos, tiverem caráter central ou local. 
E. Método para restrin~ir a esfera territorial de atuação -' 
A fim de bem compreender a restrição da esfera territorial de 
atuação e, dêste fato, a natureza de normas locais em oposição às 
centrais, é indispensável dar-se conta da estrutura da norma jurí-
dica. Esta estabelece um entrelaçamento entre um ato coercitivo, 
uma sanção, de um lado, e certos fatos que devem ser considera-
dos como condições daquele ato, do outro lado; a sanção, consubs-
tenciada em um ato coercitivo, é, pois, a conseqüência dêsses fatos. 
Entre os fatos condicionantes, o delito é um elemento comum a 
I tôdas as normas jurídicas. Nas normas do direito ciyi1, a transação 
l jurídica aparece entre os fatos condicionantes; nas normas do ~ reito administrativo, vale tal o ato administrativo. A esfera ~ toria1 de vigência de uma norma jurídica pode ser restringida quer a certa parte do território em relação aos fatos condicionantes, quer a respeito das conseqüências previstas pelas normas jurídicas, quer em relação a ambos os elementos. Em outros têrmos: a norma pode 
atribuir conseqüências jurJdicas apenas a fatos (condicionantes), 
a delitos, a transações jurídicas, a atos administrativos 'que se pro-
duzem dentro daquéla parte do território. e ao mesmo tempo 
prever que a conseqüência jurídica - a sanção e á sua preparação 
processual - deve tomar-se efetiva dentro dessa· parte do terri-
tório. A restrição da esfera territoriál de atuação pode, entretanto, 
referir-se apenas a uma das duas partes da norma jurídica. Se a 
ordem jurídica internacional delimita os territórios dos Estados, 
ou seja, a esfera de regência das ordens jurídicas nacionais, esta 
delimitação se realiza, em princípio, pela restrição, apenas, :::'0 
próprio território, dos atos coercitivos previstos nas normas da 
ordem jurídica dêsse Estado em particular. Em outras palavras: 
a ordem jurídica de cada Estado deve, conforme ao direito inter-
nacional, prever que os atos coercitivos por ela prescritos sõmente 
devem ser executados dentro do próprio território, o qual, por êste 
motivo, é um território parcial da, ordem jurídica UDiversai inter-
nacional. .A ordem jurídica de cada Estado pode, todavia, ligar o 
ato coercitivo como conseqüência a fatos condicionantes' que se 
produziram mesmo fora do seu território. 
No caso acima mencionado, de uma descentralização parcial 
da ordem jurídiCa nacional,. a descentralização aplica-se sômente 
ao escalão de normas individuais; a constituição e a legislação ficam 
centralizadas,' e apenas a administração e o judiciário são parcial-
mente descentralizados: a eSfera territorialde repercussão de certas 
normas individ1f.lis baixadas por autoridades administrativas ou 
tribunais é restrita. Essas normas são normas locais. IssosilPÜfica 
que a competência temtorial das autoridades administrativas e 
dos tribunais é restrita. São autoridades locais, tribunais locais. 
O território do Estado é dividido em vários distritos administrati-
vos ou judiciais. Isso, por sua vez, pode significar: 1.°) que a 
autoridade administrativa loeaI ou o tribunal civil ou criminal local 
é autorizado a ordenar uma sanção concreta se o ato administrativo 
ou a transação legal que condiciona o delito (administrativo ou 
civil) apenas se realizou dentro do próprio distrito ou se o· delito 
(administrativo, civil ou criminal) se efetuou dentro dêsse di&-
trito; 2.°) que a autoridade administrativa ~ocal ou o tribunal local 
é autorizado a ordenar uma sanção· concreta que s6 pode ser ex&-
cutada dentro dó seu distrito. A restrição da esfera territorial de 
-54-
incidência de proa norma individual, baixada por um órgão admi-
nistrativo ou judicial é a restrição da jurisdição (competência) 
territorial dêsses órgãos. 
3. CONCEITO DINÂMICO DE CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO 
A. A criação centralizada e descentralizada de normas - O 
problema da centralização e da descentralização tem aspecto não 
só estático mas também dinâmico. Refere-se não apenas à esfera 
territorial de eficácia de normas jurídicas como ainda ""os métodos 
de criação e execução destas normas. E', pois,' de importância 
transcendental examinar se as normas centrais ou locais são criadas 
e executadas por um único órgão ou por órgãos diferentes, e como 
êstes órgãos são criados . 
. A descentralização no sentido estático independe da existên-
cia de um órgão único que crie tôdas as normas centrais; ademais, , 
a descentralização no sentido estático independe da criação das 
normas locais por órgãos locais correspondentes. A idéia da cen-
tralização, porém, encontra a sua mais alta expressão na criação e 
execução de tôdas as normas centrais por um único indivíduo, resi-
dente no centro geográfico do Estado, que forma, por assim dizer, 
o centro jurídico. À idéia de descentralização liga-se comumente 
fi idéia de certo número de órgãos localizados nos distritos respecti-
vos, aos quais se estende a sua competência. Existe uma tendência 
de falar de descentralização sempre que há pluralidade de órgãos 
criad~res de normas, sem atenção às esferas territoriais de atuação 
das normas criadas por êsses órgãos. Procedendo-se assim, o têrmo 
descentralização adquire acepção dinâmica, radicalmente diferente 
do sentido estático. 
Se, por exemplo, normas centrais que regulamentam assuntos 
diferentes são criadas por órgãos diferentes - como acontece onde, 
existindo, um govêmo ministerial, a administração pública é divi-
dida em ramos diferentes e cada ramo administrativo chefiado por 
um ministro, membro do govêmo -, presencia-se um caso de des-
centralização apenas no sentido. dinâmico. Em teoria é possível 
que tôdas as normas, tanto as locais como as centrais, sejam criadas 
por um único órgão individual. Isso redundaria numa coincidência 
de uma descentralização estática parcial com uma descentralização 
dinâmica total. O fato de funcionar o mesmo indivíduo, neste caso, 
como órgão que cria as normas centrais e locais significa a existên-
cia de união pessoal entre os órgãos das diferentes ordens C~)flsti­
tuídas pelas normas centrais e pelas locais. O mesmo indivíduo não 
é o mesmo órgão, na sua qualidade de criador de normas centrais 
e na de criador de normas locais; nem é o mesmo órgão, na sua 
qualidade de criador de normas locais de diferentes esferas terri-
-S5- ,-
toriais de atuação. Apesar da união pessoal que possa haver neese 
~ caso entre os órgãos de diferentes ordens jurídicas parciais, não se 
" 
deve esquecer de que persistem uma ordem jurídica central e várias 
ordens jurídicas locais. Recorre-se, em geral, à descentralização 
, precisamente porque permite uma regulamentação do mesmo assun-
to de modo diferente para regiões diferentes. Será, por isso, prefe-
rível não admitir que o mesmo indivíduo crie as normas da ordem 
central e as das diferentes ordens locais. Convirá encarregar indi-
víduos diferentes da função de órgãos criadores de direito para as 
diferentes ordens parciais, e evitar, destarte, uma união peSsoal dos 
órgãos das diferentes ordens. 
Importa pará o conceito dinâmico da centralização e descen-
tralização não somente o número dos órgãos criadores de nornlÍ.as, 
senão também o método da sua instalação. Patenteia-se claramente 
o contraste entre a criação centralizada e a descentralizada de 
órgãos em um monarca hereditário, de um lado, e em um pr.esidente 
eleito pela nação inteira, do outro. Por sua vez, um presidente eleito 
pela nação inteira é elevado ao poder por um processo muito mais 
centralizador do que, por exemplo, num Estado federal, õ senado 
composto de representantes dos Estados federados eleitos pelo 
parlamento ou pelo povo dêsses Estados. No que diz respeito à 
criação de órgãos, o senado tem caráter muito mais descentralizado 
do que o presidente, qualquer que seja a ElSfera territorial de regên-
cia das normas criadas por êsses dois órgãos. 
É a descentralização, ao mesmo tempo. estática e dinâmica, 
se a ordem jurídica válida apenas para uma comunidade parcial 
fôr criada por órgãos eleitos pelos membros dessa comunid,ade par-
o cial. Serve como exemplo um Estado federal. no qual aS leis, váli-
das apenas para o território de um Estado o federado, devem ser 
adotadas pelo parlamento local eleito pelos cidadãos dêsse Estado 
federado'. Combina-se a descentralização estática com a centrali-
zação dinâmica ,se, por exemplo, um monarca hereditário aprova 
leis diferentes sôbre religião para províncias diferentes do reino. 
Deve-se, insistir vigorosamente na diferença radical entre o 
conceito dinâmico e o estático da centralização e descentralização. 
Se devem estaa palavras ser reservadas para o conceito estático, 
é questão terminológica. O essencial é observar a diferença, que foi 
ofuscada pela teoria tradicional. 
B. Forma de govêmo e forma de or~anização - Sendo a 
centralização e a descentralização formas de organização, surge o 
problema da relação íntima, porventura existente, entre estas duas 
formas de organização e as formas de govêmo: autocracia e de-
mocracia. 
Baseand~se no conceito dinâmico da centralização e descen-
tralização, a democracia pode considerar-se um método descentra-
. ~ 
4eAM-{_,.=ttt~'.r 4q:SZ:;S:<G~~-':4J!"-.f-- ., ... _,~ye:;.-'.-:<~'\.~"" -· ..... 'F-·· 
-56-
Jizado de criação de normas, visto que em uma democracia as 
Rormas jurídicas são criadas por uma coletividade cujo comporta-
mento regulam, e êstes órgãos criadores de direito são dispersos 
por todo o território para o qual vigora a ordem jurídica. 
Em uma autocracia, a ordem jurídica é criada por um único 
indivíduo, diferente e independente da coletividade sujeita a ela. 
Sendo a função criadora de direito concentrada na pessoa do auto-
crata, a autocracia pode ser apontada como método centralizado 
de criação de normas. 
A distinção dinâmica entre centralização e descentralização 
abre também novos aspectos sôbr~ a diferença entre o direito con-
suetudinário e a lei. A criação do direito consuetudinário, pelo 
comportamento uniforme e contínuo dos mesmos indivíduos que 
são sujeitos a êsse direito, reveste-se de um caráter descentralizado, 
pela mesma razão que vale para o processo democrático; com efei-
to, trata-se de uma forma de criação democrática de direito, baseada 
em uma autonomia ·real. embora inconsciente. O direito fixado em 
forma de lei é, por sua vez, caracteriiado pelo fato de ser criado 
por um órgão especialmente instituído I para êsse fim. Na democra-
cia direta, a diferença entre o direitoconsuetudinário e a lei não 
é visível. A diferença só assume importância se o poder de legis-
lar cabe, a um órgão especial, conforme ao princípio. da divisão 
do trabalho, como acontece na democracia indireta. O fato de que, 
na monarquia absoluta do século XVIII, uma parte da ordem jurí-
dica, precipuamente o direito civil, tinha o caráter de direito con-
suetudinário, e foi, dessa maneira, excluído do poder legislativo 
do monarca, implicou um compromisso político. A evolução técni-
ca, que progrediu do direito consuetudinário para o direito fixado 
em forma de lei e criado por órgãos especiais segundq o princípio 
da divisão do trabalho, significa centralização dinâmica e, ao mesmo 
passo, atenuação do método democrfttico da criação do direito. 
Assim como a criação do direito pelo uso, a pelo contrato e 
tratado 're\1ela caráter' descentralizado; enquanto em ambos os 
casos a norma jurídica é criada pelos mesmos indivíduos que lhe 
aerão sujeitos, patenteia-se, na criação contratual do direito, um 
processo demoo:ático. 
Fundando-se no conceito estático da centralização e descen-
tralização, não há nexo direto entre estas formas de organização 
e as duas formas de govêmo. Autocracias e democraciás podem, em 
sentido estático, ser tão centralizadas quão descentralizadas. Uma 
ordem jurídica criada em processo autocrático pode, tanto quanto 
uma ordem jurídica 'criada num processo democrático, ser composta 
Unicamente de normas centrais, normas válidas para o território 
inteiro, como pode também ser composta de normas centrais e 
locais, normas válidas para o território inteiro e normas válidas 
, 
I ( 
( 
\ 
I 
apeUs para territórios parciais. Autocracia e .democracia são coa-
\ 
cebíveis tanto com subdivisões territoriais do Estado como sem elaL 
. Existe, entretanto, nexo indireto entre autocracia e 'democra-
cia, de um lado, e centralização e descentralização no senqdo esté-
tico, do outro. A autocracia não é apenas método de criação de 
\ 
direit,?, método caracteristicamente centralístico em sentido dinA-
mico; apresenta,· ainda, tendência· imanente a favor da centraliza-
\ ção em sentido estátic,," A democracia, por sUa vez, não é apenas 
método' de criação de direito cujo caráter é descentralístico em 
sentido dinâmico; também apresenta tendência imanente a lavor 
da descentralização em· sentido estático. 
C. Democracia e descentralização - A autocracia é possfvel i 
quer com· uma organ~ação centralizada, quer com uma organiza'-
ção descentralizada (em séhtido estático), isto é, com subdivisões 
em províncias ou sem elas. Se, tanto, o Estado tem de ser dividido 
territorialmente em províncias, é pràticamente inevitável que o 
autocrata nomeie para cada província um governador, o qual, .:.Otno 
seu representante, é competente para criar normas válidas apenas 
para êsse território. A descentralização estática abarca a descen-
tralização dinâmica, e es.ta implica transferência do poder do õlUto-
erata ao seu representante e, dêstemodo, um enfraquecimento do 
princípio autocrático. O autocrata é sempre contrário a ~ tal 
transferência do poder a outros órgãos e tende a concentrar o maior 
núinero possível de funções na própria pessoa. A fun de evitar a 
descentralização dinâmica, tem êle de evitar, na medida do posai-
vel, a descentralização estática e tentar regulamentar o maior 
número possível de assuntos por normas centrais. De fato, as auto-
cracias mostr~ preferência natural para uma centralização estática. 
A democracia pode, igualmente, ser já centralizada, já descen-
tralizada em sentido estático; mas a descentralização permite,· 
melhor do que a centralização, aproximar-se do ideal democrático. 
A democracia exige íntima conformidade entre a vontade geral 
expressa na ordem jurídica e li vontade dos indivíduos sujeitos a 
esta ordem; eis porque a ordem jurídica é criada, conforme ao 
princípio majoritário. pelos mesmos indivíduos que são por ·'la 
ligados. A conformidade da ordem com a vontade da maioria é 
a meta da organização democrática. Mas as normas centrais da 
ordem, válidas ·para o território inteiro, podem fàcilmente estar em 
contr2dição com a vontade da maioria de um. grupo que vive num 
território parcial. O fato de pertencer a maioria da comunidade 
total a partido político, nacionalidade, raça, idioma ou religião de-
terminagos não exclui a possibilidade de, dentro de determinados 
territórios parciais, pertencer a maioria dos indivíduos a outro par-
tido,naciona~dade, raça, idioma ou religião. A maioria da nação 
pode ser socialista ou católica, a maioria de uma ou de algumaa 
províncias, liberal ou protestante. A fim de diminuir a contradição 
possível entre o conteúdo da ordem jurídica e a vontade dos indi-
vlduos a ela sujeitos, a fim de apr~imar-se quanto possível do 
ideal da democracia, pode em certas circunstâncias fazer-se ne-
cessário que certas normas da ordem jurídica sejam apenas válidas 
para determinados territórios parciais e criadas somente pelo voto 
majoritário dos indivíduos que vivem nesses territórios. Sob o as-
pecto de não ter a população de um Estado estrutura social unifor-
me, a divisão do seu território em províncias mais ou menos autô-
nomas (e isso equivale dizer: uma descentr dlização num sentido 
estático) pode ser postulado democrático. Mas circunstâncias geo-
liráficas podem impossibilitar a adaptação da organização do Esta-
do por subdivisões territoriais à estrutura social da população; 
nesse Caso, 'uma divisão na base do critério pessoal, em vez da 
divisão territorial, pode ser tentada, na med:da das possibilidades 
técnicas de tal solução. 
D. Centralização e descentralização perfeitas e imperfeitas -
Além da distinção quantitativa entre descentralização to1:<l1 e par-
cal, deve-se fazer' distinção qualitativa entre descentralização per-
feita e imperfeita. Fala-se de descentralização perfeita quando a 
criação de normas locais é definitiva e independente. E' definitiva 
quando não há possibilidade de abolir a norma local e de substituí-
la por uma norma central A divisão do poder legislati.vo no Estado 
federal entre os órgãos centrais e diferentes órgãos locais fornece 
exemplo de descentralização que não é definitiva. Neste caso, certos 
assuntos são reservados à legislação local, isto é, à legislação dos 
Estados federados; mas em certas condições, uma lei local (do 
Estado federado) pode ser abolida ou substituída por uma lei 
central (federal) contrária, conforme ao prin.cípio de que o direito 
federal prefere ao direito provincial. A criação de normas locais é in-
dependente se o seu conteúdo não é, de forma alguma, determinado 
por normas centrais. Por conseguinte, a descentralização é imper-
feita se a lei central contém os princípios gerais aos quais a legis-
lação local pode apenas dar aplicação mais pormenorizada. 
E. Descentralização administrliltiva - A descentralização 
administrativa é descentralização imperfeita no domínio do poder 
executivo. Aplica-se não só à administração pública na acôpç2.0 
restrita da palavra, mas ainda à, administração da justiça (adminis-
tração judicial). Neste sistema, o Estado é geralmente dividid"l 
em províncias administrativas e judiciais; as províncias o são em 
comarcas. Para cada região são instituídos uma autoridade admi-
nistrativa e um tribunal, encarregado de criar normas individuais 
(por atos administrativos e decisões judiciais) para essa região. 
Aquêles órgãos são entr~laçados numa ordem hierárquica. No do-
.wuo da administração pública: o chefe do executivo ou um mi-
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'Distro do gabinete competentes para o ~tório inteiro do Estad~ 
um governador para cada província e um administrador para cada 
I, . comarca. No domínio judiciário: o tribunal supremopara o terri-
tório inteiro; abaixo da côrte suprema, os tribunais provinciais; 
abmko de cada côrte provincial, os tribunais da comarca. A exe-
cução de uma norma geral (lei ou norma do direito consuetudiná-
\, rio) é realizada pelos órgãos administrativos ou judiciais em tr~ 
escalões sucessivos, começando com um ato da mais baixa autori-
'. dade administrativa ou judicial, isto é, com um ato administrativo 
do administrador da comarca ou com a decisão do tribunal da co-
marca. Mas a norma criada por êsses atos não é definitiva.' A parte 
~teressada pode apelar da autorili!ade inferior à superior, do a~ 
mstrador da comarca ao governador da província, do tribunal da 
comarca à côrte provincial A autoridade superior tem o poder dli= 
cassação da norma criada pela a1l:t~ri4ade inferior, impondo a essa, 
conseqüentemente, a criação de norma nova; ou a autoridade supe-
rior tem o poder de substituir à norma criada pela autoridade infe-
rior outra norma individual. Mas também essa norma não é defini-
tiva, se existe a possibilidade de um recurso à autoridade suprema. 
ao chefe do executivo ou ao ministro do gabinete, ou ao tribunal 
supremo. 
No sistema da descentralização administrativa, as normas cria-
das pelas autoridades administrativas não são independentes, en-
quanto as criadas pelos tribunais são independentes. A autoridade 
administrativa superior pode determinar o conteúdo da norma a 
ser criada pela autoridade inferior, obrigada a obedecer às instru-
ções daquela. Isso não acontece nas relações entre um tribunal su~ 
perior e um inferior. Os tribunais ~o independentes: isto significá, 
que, via de regra, aS suas deçisões não podem ser determinadas 
por uma autoridade judicial ou administrativa superior, e sim ape-
nas pelo órgão legislativo, por uma lei ou uma regra geral do direito 
consuetudinário. Se as decisões de uma cône superior se revestem 
do caráter de precedentes, o tribunal inferior é menos independente 
e a administração da justiça menos descentralizada (mais centra-
lizada). Em geral, a "independência dos tribunais" implica um grau 
superior -de descentralização dentro do sistema da' chamada des-,· 
. centralização administrativa. A descentralização do processo judi-. 
eial é mais perfeita do que a do processo administrativo. Sendo os 
supremos órgãos administrativos órgãos centrais, e inexistindo nesse 
escalão qualquer descentralização, não há diferença entre os su-
premos órgãos administrativos e judiciais no que diz respeito à in-
dependência. As autoridades administrativas supremas são, pela 
sua própria natureza, tfio independentes quanto os tribunais. 
F. Descentralização. por autonomia local. - A chamadli 
autonomia local é uma combinação direta e intencional das idéiaa 
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de descentralização e democracia. Os órgãos criadores das normas 
locaia são eleitos por aquêles para os quais essas normas vigoram. 
Exemplo de unidade local autônoma fornecem a municipalidade 
e o prefeito. Trata-se <1c---...m. self-govemment local e descentrali-
I mdo. A descentralização aplica-se apenas a determinados assuntos 
de especial interêsse local; e o campo de aplicação da autoridade 
municipal restringe-se ao escalão de normas individuais. As vêzes, 
entretanto, o órgão administrativo eleito, o conselho municipal, é 
competente para baixar normas gerais,. os chamados estatutos autô-
nomos; êstes devem, porém, enquadrar-se no corpo das regraS cen-
trais, baixadas pelo órgão legislativo do Estado. 
A autonomia local representa normalmente um tipo de des-
centralização quase perfeita; As normas baixadaS pelos órgãos autô-
nomos são definitivas e independentes, pelo menos no que se refere 
80s órgãos administrativos centrais do. Estado, especialmente se 
aquêles órgãos tiverem caráter mais ou menos autocrático, isto é, 
se não forem órgãos colegiais eleitos pelo povo e sim órgãos indivi-
duais nomeados pelo chefe do executivo, principalmente por um 
monarca. E' na monarquia que a autonomia local se reveste de 
auma importância. Às vêzesas autoridades administrativas cen-
trais têm competência para fiscalizar a atividade dos órgãos autô-
nomos, podendo anular-lhe as normas baixadas com violação das 
regras centrais criadas pelo órgão legislativo do Estado, não p0-
dendo, entretanto, substituir a tais normas outras, criadas por essas 
autoridades centrais. 
Certo número de unidades autônomas pode ser coligado em 
uma unidade autônoma superior, de maneira que a administração 
é democrática não só no grau inferior mas ainda no escalão supe-
rior. Neste caso, a unidade autônoma territorialmente mais extensa 
e administrada por um conselho eleito e um prefeito (ou governa-
dor) é subdividida em comunidades autônomas menores. Se tanto 
o órgão administrativo inferior como o superior têm feição demo-
, crática, pode ser menor o grau de descentralização na relação entre 
ambos. A descentralização pode ser menos perfeita do que no caso 
em que a autoridade administrativa superior tem caráter mais ou 
menos autocrático. Pode caber às partes o direito de recurso da 
decisão dos órgãos da comunidade menor aos órgãos da com uni-
&de mais extensa; e a êstes pode caber o direito de anular as 
normas baixadas por aquêles ou de substituir-lhes normas criadas 
por êles mesmos. 
O grau relativamente elevado de descentralização de que 
gozam os órgãos autônomos, particularmente as municipalidades, 
remonta, num Estado moderno, ao fato histórico que se desenvolveu . 
numa época em que os Estados, especialmente os órgãos centrais, 
tinham feição mais ou m.e~os autocrática, enquanto o govêrno local, 
\ ) 
( 
. notadamente a .administraÇão das cidades, era mais ou menos de-
mocrático. A descentralização por governos locais democràtica-
mente ocganizados equivalia à eliminação da influência dos órgãos 
centrais autocráticos. A luta a favor da autonomia local era; no 
início, uma luta: a favor da democracia dentro de um Estado auto-
crático. Quando, porém, o próprio Estado já tem organização eso 
, sencialmente democrática, a concessão de autonomia local a grupo 
terrltorialmente definido significa apenas descentralização. 
A autonomia local dos órgãos autônomos não é, como amiúde 
foi afirmado, um direito dêstes órgãos contra o Estado; é apenas 
um postulado político apresentado por uma teoria jusnaturalista 
como direito natural Não há antagonismo entre administração es-
tatal e administração .por via de autonomia local. Esta é sõmente 
um certo escalão da administração do Estado. Quando êste escalão 
tiver caráter democrático, enquanto os demais escalões se revesti-
rem de feição autocrática, poderá surgir a aparência de um tal 
antagonismo. Quando, porém, todo o Estado é democràticarilente 
organizado, já não há motivo para opor a administração estatal à 
~ministração por via de ~utonomia local. 
G. Descentralização por províncias autônomas - No caso 
da autonomia local, a descentralização é, em princípio, restringida 
à administração, isto é, às normas individuais criadas por órgãos 
administrativos. Mas a descentralização pode também estender-se 
à legislação, à .criação de normas gerais. Quando isto acontece, a 
descentralização refere-se normalmente a esfera comparativamente 
mais ampla de eficácia das respectivas normas. Trata-se, então, 
do tipo de d~entréllização por províncias autônomas. Os órgãos 
das província, autônomas sáo um corpo legislativo local, eleito 
. pelos cidadãos da província, e às vêzes também uma autoridade 
administrativa local, eleita pelo parlamento local ou diretamente 
pelo povo da província. Amiúde, o chefe da administração autôno-
ma da província é um governador eleito pelos cidadãos ou pelo 
parlamento da província. Quando o govern,ador é nomeado pelo 
chefe do Estado, o grau de descentralização e, conseqüentemente, 
o de autonomia, é menor. O governador pode agir,em cooperação 
com o órgão administrativo eleito ou, ainda, ser independente dêle. 
Não há, via de regra, órgãos judiciais da província autônoma. Os 
tribunais são considerados como tribunais do Estado, e não como 
côrtes da província autônoma. Vale dizer que o judiciário não é 
mais descentralizado do que sói sê-Io no tipo de descentralização 
administrativa. São, apenas, a legislação e a administração,. não, 
porém, o judiciário, que têm feição autônoma; sômente a legislação .~ 
e a administração são divididos entre a comunidade jurídica central .~ 
e a local'. \ 
~.'!". 
/ 
4. ESTADO FEDERAL E CONFEDERAÇÃO DE ESTADOS 
A. Centralização da legislação: I. Estado federal - Ape-
nas o grau de descentralização distingue um E~tado unitário di- I 
vidido em. províncias autônomas de um Estado federal. E da 
mesma maneira que se distingue um Estado federal de um Estado 
unitário, assim também uma confederação mternacional de Estados 
se distingue de um Estado federal Unicamente por um grau supe-
rior de descentralização; No escalão de descentralização o Estado 
federal encontra-se entre o Estado unitário e uma união interna-
cional de Estados. Apresenta grau de descentralização ainda com-
patível com uma comunidade jurídica constituída pelo direito na-
cional, isto é, com o; Estado, e grau de centralização que não é 
mais compatível com uma comunidade jurídica internacional, a 
comunidade constituída pelo direito internacional. 
Compõe-se a ordem jurídica de um Estado federal de normas 
centrais válidas para o território inteiro e de normas locais válidas 
apenas para as partes dêste território, para as partes dos "Estados 
federados ou Estados membros". As normas centrais gerais, o "di-
reito federal", são criadas por um órgão legislativo central, o parla-
mento da "Federação" (ou "União"), enquanto as normas gerais 
locais são criadas por órgãos legislativos locais, os parlamentos dos 
Estados federados. Pressupõe isto que num Estado federal a esfera 
material de atuação da ordem jurídica, ou seja a competência legis-
lativa do Estado, se divide entre uma autoridade central e várias 
autoridades locais. Nesse particular, é grande a similitude entre a 
estrutura de um Estado federal e a de um EStado unitário subdivi-
dido em províncias autônomas. Quanto mais ampla a competência 
dos órgãos centrais, a competência da federação, tanto mais limi-
tada a competência dos órgãos locais, a competência dos Estados 
federados e tanto mais elevado o grau de centralização. Sob êste 
aspecto, um Estado federal se diferencia de um Estado unitário com 
províncias autônomas apenas pelo fato de serem os assuntos confia-
dos à legislação dos Estados federados mais numerosos e impor-
tantes do que os sujeitos à legislação das províncias autônomas . 
. As normaS centrais formam uma ordem jurídica central pela 
qual se constitui uma comunidade jurídica parcial que compreende 
todos os indivíduos residentes no território do Estado federal. Esta 
comuQidade parcial, constituída pela ordem jurídica central, é a 
"federeção". Faz ela parte do Estado federal tota~ da mesma ma-
neira que a ordem jurídica central faz parte da ordem jurídica 
total do Estado federal. As normas locais, válidas apenas para 
partes determinadas do território inteiro, formam ordens jurídicas 
locais que constituem comunidades jurídicas parciais. Cada comu-
nidade jurídica parcial compreende os indivíduos residentes em um 
~s territórios ~ciaiS. Essas comunidades jurídicas parciais são 
os "Estados federados". Dêste modo cada indivíduo pertence ao 
mesmo tempo a um Estado federado e à federação. O Estado fe- / 
dera}, a comunidade jurídica totul, consiste, assim, da federação 
com uma comunidade jurídica central e dos Estados federados com 
diversas comunidades jurídicas locais. A teoria tradicional COll-
'\ funde erradamente a federação com o Estado federal total. 
) Cada uma das comunidades parciais, a federação e os Estados /, 
federados alicerçam-se na própria constituição, isto é, na constitui-
i ção da federação e na do Estado federado, respectivamente. Maa 
a constituição da federação, a "constituição federal", é, simultânea-
Plente, a constituição do Estado federal inteiro. 
Caracteriza-se o Estado federal pelo fato de possuírem os. Es-
tados federados certo grau de autonomia constitucional, quer dizer, 
o órgão legislativo de cada Estado federado é competente em 
assuntos relativos à constituição dessa comunidade, de forma que 
podem ser realizadas modificações nas constituições dos Estadoa 
federados por leis dos própnos Estados federados. Esta autonomia 
constitucional dos Estados federados sofre restrições. Os EstadOll 
federados são adstritos a certos princípios constituciqnais da cena-
tituição federal; assim, os Estados federados podem, consoante a 
constituição federal, ser obrigados a ter constituições democrática. 
e republicanas. A autonomia constitucional dos Estados federadOlJ, 
mesmo quando restrita, distingue o Estado federal de um Estado 
unitário relativamente descentralizado e organizado em províncias 
autônomas. Estas são consideradas apenas como tais, e não como 
Estados federados, não só por ser-lhes a competência, e especial-
mente a da legislação provincial, relativamente restrita, mas tam-
bém por não terem· autonomia constitucional, sendo-lhes .as consti-
tuições prescritas pela constituição do Estado como um todo e não 
podendo ser modificadas senão por uma revisão da própriá cons- . 
tituição do Estado. 'A legislação relativa a assuntos constitucionais 
é, neste caso, integralmente centralizada, enquanto no Estado fe-
deral·é apenas incompletamente centralizada, ou, em outros têrmos, 
descentralizada até certo ponto. 
A centralizeção do Estado federal, isto é, o fato de conside-
rável parte das normas da ordem jurídica total' ser válida em tôda 
a extensão territorial da federação. sofre restrições quando o órgão 
central criador de dirclto se compõe da maneira seguinte, bastante 
típica para o Estado federal: constitui-se êste órgão de duas câ-
maras; os membros de uma são eleitos diretamente pelo povo in-
teiro do Estado federal - é a 'chamada Câmara dos Representan-
tes, ou Câmara dos Deputados, designada também representação 
popular. A segunda câmara compõe-se de indivíduos eleitos que(' 
pelo povo, quer pelo órgão legislativo de cada Estado federado. 
aendo êles considel'8dos representantes dêstes Estados federados.-
Designa-se esta segunda câmara sob o nome de "Câmara dos Esta-
dos" ou Senado. Corresponde ao tipo ideal do Esb,do federal que 
os Estados federados sejam representados num pé de igualdade no 
Senado, que cada Estado federado, indepenc1«;nte de sua extensão 
territorial ou do número dos seus "habitantes, mande o mesmo 
número de representantes ao Senado. 
Constitui-se, normalmente, um Estado federa~ através de um 
tratado internacional concluído por Estados independentes. A repre-
sentação de cada Estado fedérado no Senado pelo mesmo número 
de delegados patenteia que os Estados federados eram inicial-
mente Estados independentes e pretendem ser tratados assim, 
consoante o princípio do direito internacional conhecido como 
"igualdade dos Estados". Essa composição do Senado garante que 
os Estados federados, as comunidades locais, como tais, participem 
no processo central de legislação, o qqe implica um elemento de 
descentralização. Todavia, êste 'elemento de descentralização ba-
- ' seado na idéia da igualdade dos Estados federados, é quase com-
pletamente neutralizado pelo fato de o Senado adotar as- suas de-
cisões de acôrdo com o princípio majoritário. Dêsse modo, êsse 
órgão legislativo perdeu o caráter internacional. 
lI. Confederação de Estados - Pode uma união meramen-
te internacional de Estados, que redunda em comunidade organi-
zada, a chamada confederação de Estados, como, por exemplo, a 
,Liga das Nações, assem~lhar-se,sob muitos aspectos, a um Estado 
federal A constituição dessa comunidade forma o conteúdo de um 
tratado. internacional, como acontece também normalmente com 
um Estado federal. A constituição de uma confederação de Esta-
dos é uma ordem jurídica válida em todo o território de todos os 
Estados dessa comunidade internacional. Tem o caráter de uma 
ordem central e constitui uma comunidade parcial, a confederação. 
Os diferentes Estados, os chamados Estados membros, são, como 
os Estados federados de um Estado federal, também comunidades 
parciais, constituídas por ordens jurídicas locais, a saber, nacionais. 
A conf'ederação em conjunto com os Estados membros forma a co-
munidade total. A constituição da comunidade central. que é, ao 
mesmo tempo, a constituição da comunidade total, da confederação, 
pode instituir um órgão central competente para criar normas vá-
lidas para todos os Estados da comunidade, a saber, válidas em 
tôda a extensão da união. Pode êste órfão ser comparado ao órgão 
legislativo central de um Estado federal. E' normalmente um órgão 
colegial composto de representantes"dos Estados membros, designa-
dos pelos governos respectivos. O órgão central adota normalmente 
as suas decisões, obrigatórias para os membros da união, por una-
nimidade, cabendo a cada Estado membro representado no órgão 
) 
{ 
I 
/ 
I 
( 
I 
- ) 
\ 
central o mesmo número de votos. ResoluçÕes obrigatórias por voto 
majoritário, embora não sejam excluídas, constituem, entretanto, 
~ a exceção. Como exemplo de um órgão dêsse gênero, pode-se citar 
\ a Assembléia da Liga das Nações. A constituição da confederação 
1 não contém no~almente dispositivos a respeito das ~nstituições 
II dos Estados membros. Pode, sem embargo, a autonomia constitu- . 
\ cional dos membros mesmo de uma união meramente internaciO-: 
',nal sofrer, até certo ponto, restrições, como aconteceu no Pacto 
. da Liga das Nações, que estabeleceu dever cada membro da Liga 
ser um Estado Iu1Iy seIf-gaveming. Nada impede que o tratado 
cujo conteúdo forma a constituição de uma confederação obrigue 
os Estados membros a obServar uma constituição democrática e 
republicana . 
B. Centralização da execução: I. Estado federal - Não 
é apenas a competência legislativa que, no Estado federal, é dividida 
entre a federação e os .Estados federados, mas ainda a competência 
judicial e a: administrativa. Ao lado de tribunais federais, existem 
tribunais dos Estados federados; ao . lado dos órgãos administrativos 
da federação, os dos Estados federados. Compete ao supremo tri-
bunal federal não só a decisão de certos conflitos e a punição de 
certos crimes de indivíduos e particulares, senão que a solução dos 
conflitos entre os Estados federados. Encabeça a administração 
federal um govêmo federal encarregado do poder executivo, que 
pode ser usado não sõmente para a execução de sanções contra 
. indivíduos mas também - como execução federal - contra os· 
Estados federados como tais, quando êles, isto é, os órgãos dêles, 
infringem a constituição da federação, que é, ao mesmo tempo, a 
constituição de todo o Estado federal. 
Encabeça a administração de cada Estado federado um go-
vêrno dêste Estado. A forma do govêmo, quer da federação, quer 
dos Estados federados, pode ser monárquica ou republicana, corres-
pondendo, neste último caso, mais ou menos a princípios democrá-
ticos. O govêmo pode ser um órgão individual ou colegial, isto é, 
consistir em um único indivíduo ou de vários, podendo êstes -
embora não necessàriamente - formar um corpo que adota as 
suas resoluções por voto majoritário. O govêmo, especialmente o 
chefe de um Estado federal republicano, é eleito quer diretamente 
pelo povo, quer pelo órgão legislativo. 
lI. Confederação de ~ados - A constituição de uma confe-
deraçãó internacion(ll, uma união ou liga de Estados, pode também 
instituir ,um tribunal central e um govêmo centra1. Mas à côrte 
cabe normalmente apenas a solução de conflitos entre os Estados 
membros; só .excepcionalmente são particulares admitidos como 
requerentes ou acusados. O órgão governâmental central tem ca-
ráter colegial. Sendo diferente do órgão legislativo central supra-
-66- ) 
mencionado, não podem todos os me~brosFser nêle representaldos, "/ 
ou não podem sê-lo da mesma manetra. ornece um exemp o o 
Conselho da Liga daS Nações, no qual apenas as grandes potências ) 
er.am permanentemente representadas, ocupando os demais Esta- l 
dos membros lugares durante períodos variáveis. Nas decisões dêsse ~ 
órgão prevalece também a regra da unanimida...de. / 
C. Distribuição das competências num Estado federal e' 
numa confederação de Estados - Entre os assuntos que, geral-
mente, entram, num Estado federal, na competência da federação, 
figuram todos os aspectos ligados às relações exteriores, especial-
mente a conclusão de tratados internacionais, a declaração de guer-
ra, a conclusão da paz e o contrôle das fôrças armadas. Isto vale 
dizer que as fôrças terrestres, navais e aéreas são órgãos da fe-
deração, não porém órgãos dos Estados federados, que, como tais, 
não interferem em a!Buntos internacionais. As fôrças armadas estão 
em geral sob o comando supremo do chefe do Estado federal. Pode 
acontecer, entretanto, que os Estados federados mantenham certa 
jurisdição em referência às fôrças armadas, embora não possam 
tratar de" assuntos ,importantes, estando estas Intimamente ligadas 
à política externa, que é, da exclusiva competência da federação. 
Precisamente nas matérias em que se patenteia, com máxima evi-
dência, o chamado poder do Estado, surge uma constituição fe-
deral, que restringe sensivelmente a competência dos Estados fe-
derados, ou a sua soberania, como, a êsse respeito, lhe chamam. 
Via de regra, limita-se a competência de uma confederação 
internacional à solução das controvérsias entre os Estados mem-
bros e à defesa contra agressões exteriores. Pràticamente irrestrita 
fica a competência dos Estados membros no campo da política 
exterior e dos assuntos militares. Não há centralização' do poder 
executivo. A confederação não tem polícia, exército, marinha ou 
fôrça aére~ próprios. Os EstadoS membros detêm a disposição 
irrestrita de todos os meios de poder. notadamente das suas fôrças 
armadas. Em caso de guerra contra Estados não pertencentes à 
confederação, os Estados membros têm de pôr à disposição do órgão 
central dela as fôrças armadas necessárias. A aplicação de sanções 
militares contra um Estado membro acusado de violar a constitui-
ção da confederação também só é possível com o auxílio das fôrças 
armadas dos demais Estados membros. Quando o E1;tadoccontra o 
qual a sanção é dirigida dispõe de exército, de marinha e de fôrça 
aérea próprios, a execução da sanção tem o sentido de guerra den-
tro da comunidade. A violação da constituição da confederação 
pode consistir no fato de recorrer um dos Estados membros à guerra 
contra outro. Isso não pode acontecer em um Estado federal se o 
poder executivo é tão centralizado que os Estados federados não 
) 
( 
-67-
dispõem de fôrças armadas próprias, como ordinàriamente acon-
tece. 
D. Cidadania - E' elemento característico de um' .Estado 
federal a cidadania fede~l, embora tenha cackt Estado federado 
l( sua própria cidadania estadual Sendo assim, cada indivíduo é ci-
, dadão (natural) de determinado Estado federado como cidadão 
'; (nacional) da federação; deve, pois, haver dispositivos que regula-
-_ mentem as relações entre as duas instituições. Na confederação in-
ternacional não existe cidadania da confederação. Os indivíduos são 
apenas cidadãos de cada Estado membro, pertencendo, indireta-
men~e, através d9S seus Estados, à comunidade internacional. 
E. Obrigações e aut.:Jrizaçães diretas e indiretas - A juris-
dição do órgão central do Estado (ederal em outros assuntos não é 
tão importante comonos das relações exteriores, medidas militares 
e cidad..nia. Todavia, a federação tem normalmente importantes 
direitos no domínio econômico, especialmente em relação a assun-
tos monetários, e no campo alfande~ário (ligado às relações exterio-
res). Constitui usualmente o Estado federal uma única unidade 
alfandegária e monetária. Importa que a federação tenha o direito 
de impor e arrecadar impostos a fim de cobrir as despesas da sua 
atividade no domínio legislativo, judiciário e administrativo. Pelas 
leis de impôsto e pelas leis militares da federação, os indivíduos são 
diretamente forçados a executar certas obrigações. Para a confe-
deração de Estados, os Estados membros têm de contribuir com 
contingentes de tropas e determinadas importâncias em dinheiro; 
dêsse modo, devem, por sua vez, adotar primeiramente as leis ne-
cessárias pelas quais os indivíduos são obrigados ao serviço militar 
e ao pagamento 'de impostos. Nó Estado federal, as exigências 
requeridas dos indivíduos são matéria de obrigações legais fixadas 
diretamente pela legislação federal. Constitui, pois, traço caracte-
rístico do Estado federal o fato _ de as normas centrais, as leis fe-
derais, obrigareme autorizarem diretamente os indivíduos. sem 
qualquer interferência de normas locais, de leis dos ltstados fe-
derados. Isso o distingu~ claramente, da confederação internacio-
nal de Estados. As normas centrais da ordem jurídica que formam 
a confederação obrigam e autorizam diretamente apenas Estados; 
e visam indiretamente indivíduos, por intermédio das ordens jurí-
dicas dos Estados que a ela pertencem. A obrigação e autorização 
apenas indiretas dos indivíduos . é elemento típico da técnica do 
direito internacional. O próprio fato de instituírem as normas cen-
trais da ordem jurídica de um Estado federál obrigações e autori-
zações diretas dos indivíduos comprova que essa ordem não é ordem 
jurídica internacional, e sim nacional. Neste contexto, em vista da 
relação entre as normas centrais e as locais de uma ordem jurídica 
J 
-, 
" '1 
i 
-68- ) 
de um Estado federal, depreende-se que a diferença entre a obriga- ( ~o e autorização direta e a indireta de indivíduos também pode ser ') 
concebida do ponto de vista da centralização e descentralização. J 
E' patente que implica certa descentralização, ou grau menor de .. 
centralização, se as normas centrais podem obrigar e autorizar indi- i 
víduos apenas através de normas locais; e, vice-versa, implica certa 
centralização se para essa interferência as normas centrais não ! 
necessitam de normas locais que obriguem ou autorizem os indiví-
duos. Também sob êsse aspecto o Estado federal apresenta, em 
comparação com uma confederação puramente internacional de 
Estados, grau superior de centralização; precisamente por isso, é 
um Estado e não apenas uma união de Estados. 
A mesma difer~nça decorre ainda do fato de que os Estados 
membros de uma comunidade internacional, especialmente de uma 
confederação de Estados, podem normalmente abandonar a co-
munidade, retirando-se da união, enquanto para os Estados fe-
derados de um Estado federal tal possibilidade não existe legal-
mente. Os Estados federados de um Estàdo federal não SIão nor-
malmente sujeitos do direito internacional. Apenas ao Estado fe-
deral cabem 'direitos e deveres internacionais. Considerando-se ele-
mento essencial do Estado a personalidade jurídica de direito inter-
nacional, os chamados Estados federados de um Estado federal não 
são Estados, na acepção real do têrmo, pelo menos não são Estados 
no sentido do direito internacional . 
. F. ,Internacionalização e centralização - Se tôda a política 
estrangeira está entregue aos órgãos centrais de um Estado federal, 
mormente se todos os tratados internacionais são concluídos pelo 
órgão competente da federação, então deve a federação dispor dos 
meios para executar êsses tratados. Se os tratados internacionais 
podem referir-se aos mais variados assuntos, mesmo a assuntos 
reservados à legislação e execução dos Estados federados, a fe-
deração tem de poder interferir nessa competência dos Estados 
federados. Com a progressiva internacionalização da vida cultural 
ou econômica, a competência dos Estados federados deve sofrer 
limitações correspondentes. Essa tendência a favor da centralização, 
a transição gradual do Estado federal para um Estado unitário, é 
ainda favorecida por outras circunstâncias que conduzem ao con-
trôle estatal da vida econômica, ao desenvolvimento do capitalismo 
de Estado. E' quase inevitável . que tal centralização no campo 
. econômico conduza à centralização política e, dêste modo, também 
a certo nivelamento no campo cultural, se os Estados federados, 
unidos num Estado federal, representarem originàriamente núcleos 
culturais diferentes. 
\ 
G. Trànsformação de Um Estado unitário em um Estado 
f8(leral ou em uma confederação de Estados - SOmente se o traço 
essencial de um Estado federal é concebido como grau peculiar e 
forma específica de descentralização pode-se reconh~er uma dada 
constituição positiva, graças ao seu conteúdo, como a de um Esta-
do federal Ilêste ponto de vista, o processo da sua criação toma-se 
irrelevante; pouco importa, então, se nasceu de -tratado intemacio-
\ nal (a estabelecer a constituiçijo federal) entre Estados até então 
, soberanos, isto é, entre Estados subordinados apenas à ordem jurí-
dica internacional, ou se nasceu de ato legislativo de um Estado 
unitário 'tIue se transformou em· um Estado federal pelo aumento 
do grau da sua descentralização. Por êsse último processo, a Repú-
blica austríaca, Estado unitário com províncias autônomas, trans-
mudou-se, em 1920, por . uma modificação constitucional, em um 
Estado federal. 
O mesmo se pode dizer de wha confederação de Estados: Nor-
malmente, uma confederação de Estados é estabelecida per um 
tratado internacional; não é, entretanto, impossível que se tr8ll5-
forme um Estado, especialmente um Estado federal, por um ato 
, do seu órgão legislativo, modificando-lhe a constituição, em uma 
confederação de Estados. E' êsse, por exemplo, o processo pelo qual 
o Império Britânico tomou a ser mera união de Estados, graças 
ao chamado EstatUto de Westminster, de 1931, que foi ato legisla-
tivo do Parlamento britânico. 
Apresenta isso um processo de descentralização. Se a nova 
constituição atinge grau de descentralização característico para 
uma confederação de Estados, os Estados federados do Estado 
federal se transformam em verdadeiros Estados no sentido do di-
reito internacional O Estado federal desaparece. E' também p~­
sível uma "evolução na direção oposta. Alguns Estados indepen-
dentes podem, por tratado internacional, unir-se não só em um 
Estado federal mas ainda em um Estado unitário, se a constituição 
estabeleQda pelo tratado apresenta o grau apropriado de centra-
lização. 
Se a constituição de um Estado federal ou unitário forma o 
conteúdo de tratado internacional, então ela pertence ao direito in-
tem&cionál e, como constituição estatal, quer dizer, como -base de 
uma ordem jurídica nacional, ao mesmo tempo, ao direito DQci~ 
·naL Se a constituição de um Estado federal é transformada, por ato 
legislativo dêste Estado, em uma constituição de uma confederação 
de EStados, então ela assume o caráter de direito internaci~ 
embora seja, como conteúdo de uma lei adotada pelo órgão de um 
Estado, ao mesmo tempo, direito nacional. 
1[I!!~!"i.!"'·,!"f"E""~'EP~-.. P+4,,"·""·."'l"'P--"'·"'t'. "'; '!>'; """"+",9-.... ,.. .• ""_"'."'\&9'l".~ Q""~!l!I,"""""''''_'iO'''. "!!9\"!':...,."' .. LQ!'!'-..-... 1O ..... ' """'l!"~"'_h"'., ... .,. .... _""'''''' ... ~.,~~-~~-~ __ . "".'" -_.: •. .' ~" 
,..:~t.ir. 
S. A COMUNIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL 
A. 'Não há delimitação nítida entre direito nacional e inter. 
nacional - O fato indubitável de serem os Estados (mormente Es-tados federais) estabelecidos por tratados internacionais e confe-
derações de Estados por atos legislativos, mostra que a tese tradi-
cianal sôbre a impossibilidade da criação da direito nacianal pelo 
direito internacianal ou a da arigem do direita internacianal por 
parte do direito nacianal não é carreta. Não existe delimitação 
absoluta entre direito nacianal e internacianal. Normas que, graças 
à sua criação, tenham a caráter de direito internacional, estabele-
cidas que são por tratado .internacianal, podem, pela canteúdo, ter 
.' o de direito nacianal, porque estabelecem uma arganização relati-
vamente centralizada. Vice--versa, narmas que, pela sua criação, 
tenham a earáter de direito nacianal, par serem criadas por ato le-
f.Íslativo de um Estado, podem ter, quanta ao canteúda, a de direi-
te ~ternaçianal, visto canstituírem organizaçãO' relativdlIlente des-
centralizada. 
B. O direito nacional como ordem jurídica relativamente 
centralizada -' A diferença entre direita nacianal e interna-
cional é apenas relativa; cansiste, em primeira lugar, na grau de 
centralizaçãO' au descentralizaçãO'. O direita nacianal é ardem jurí-
dica relativamente centralizada. E' precipuamente a centralização 
da aplicação do direito, a instituição de órgãas judiciais centrais 
competentes para classificar o delitO' e para ardenar e executar a 
sanção, o traço característico da ardem jurídica que canstitui um 
Estado. Pela centralização do judiciário, distingue-se o Estada da 
camunidade jurídica pré-estatal. E' também o grau de centraliza-
ção que distingue o Estado da comunidade jurídica interestatal 
ou supra-estatal constituído pela ardem jurídica internacional. O 
direito· intemaci()nal, camparado cam o direita nacianal, é ardem 
jurídica mais descentralizada. Apresenta o maiar grau de descen-
tralização . que ocorre no direito positivo. 
C. A descentralização do direito internacional - A fim de 
poder dar-se canta disso, tarna-se necessária compreender tada o 
direito positiva, a ordem jurídica internacianal quanta as ardens 
jurídicas nacionais, camo um sistema jurídico único e universal. 
Dentro dêste sistema, as normas ·da chamado direito internacianal 
geral são as normas centrais, válidas para um território que inclui 
os territórios de todos as Estadas, atual e efetivamente existentes, 
e para o território ande Estados podem eventualmente existir. 
As ordens jurídicas dos Estados são narmas locais dêsse sistema. 
EnquantO' O' território de· um Estado, a esfera territorial de validez 
de uma ordem jurídica nacianal, é limitada pelos dispos.itivos do 
! 
I 
( 
I 
I 
/ 
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direitointemacional, a esfera territorial de validez da ,ordem jurir 
dica internacional não é .juridicamente limitada. O direito interna-
\
cional vigora onde devem ser aplicadas as suas normas. ' 
Não há nisso, entretanto, diferença absoluta entre direito in-
ternacional e nacional. São apenaS as ordens jurídicas efetiva-
mente válidas que têm tal esfera territoric.l limitada de valides. 
Não se exclui a priori que a evolução do direito internacional con-
Ituzirá ao estabelecimento de um Estado mundial IssO significa • 
't.ue a ordem jurídica internacional atualmente válida se t,ransfor-
'mará, pelo processo da' centralização, em ordem jurídica nacional 
, euja esfera territorial de eficácia coincidirá com a do direito inter-
nacional atualmente válido. 
I. DescentrBlização estática - O elevado grau de descen ... 
tralização do direito internacional, ou da comunidade' jurídiCa in-
ter;oacional chamada "Família das Nações (Estados)", manifesta-
o8e, em primeiro lugar, no, fato' de serem as normas' centrais dessa 
ordem jurídica, as normas do chamado direito internacional g~ 
ultrapassadas, em número e importância, pelas ,nórmas locais, pelaa; 
.normas ·das ordens jurídicas nacionais. São elas ordens jurídicas 
parciais dentro da ordem jurídica universal; e as comunidades 
jurldicas constituídas por essas ordens, jUrídicas parciais, isto é, 
OS Estados, são comurudades jurídicas parciais dentro da comu-
nidade' jurídiCa universal. Dentro 1 dessa ordem jurídica univ~ 
o di~ito internacional geral forma apenas, uma ordem jurídica' par-
cial que, em conjunto com as ordens jurídicas nacionais, f~ a 
ordem jurídica universal. 
As ordens jurídicas nacionais não são, todavia, as únicas normas 
locais da ordem unive~l São normas locais, também as nOnIl8lJ' 
do chamado direito internacional particular que, em regra, é criado 
por tratados internacionais. As esferas territoriais dessas nonn&Íi 
coínpreendemgera1mente os territórios dos Estados que concluíram 
o tratado, aos q~' as normas devem a sua existência. As normas 
do direito internacional geral são em número e importância infe-
riores a essas normas do direito internacional particular. Destarte, 
as normas locais, ultrapassam, dentro da ordem jurídica universal, 
, as centrais. A ordem jurídica universal patenteia, com clare~a me. 
ridiana, o elevado grau da sua descentralização quando comparada 
com o tipo de ordens jurídioas às quais ela se· assemelha, isto é, 
ao Estado federal ou à confederáção de Estados. 
Outro -aspecto da descentralização do direito internacional for-
nece o fato de, via de regra, obrigarem- e autorizarem as suas normas 
apenas pessoas jurídicas, a saber, Estados, o que significa que o 
direito internacional regulamenta apenás indiretamente o com-
portamento dos indivíduos, através das ordens jurídicas nacionais. 
. O,L· . 
Já foi mencionado o efeito descentralizador das obrigações e auto- / 
rizaçóes indiretas, quando estudada a diferença entre Estados fe-
derais e confederações de Estados. f • 
. lI. Descentralização dinâmica - Maior ainda do que a es- J 
tática é a descentralização dinâmica da ordem jurídica universal. ~ 
O direito internacional geral não estabelece qualquer órgão espe- f 
cial que procedesse conforme ao princípio da divisão do trabalho~' 
Nó que diz respeito ao direito internacional geral, tanto a . criação 
como a aplicação do direito incumbem exclusivamente aos sujeitos 
do direito internacional, quer dizer, aos Estados. O uso e os tratados 
- ambos métodos descentralizados de criação de direito - são as 
únicas fontes de direito conhecidas no direito internacional geraL 
Merece menção especial o fato de ser a aplicação do direito intei-
ramente descentralizada. O direito internacional geral deixa às 
pc6prias partes em conflito o encargo de verificar a quem incumbe 
a responsabilidade de um delito perpetrado segundo as inculpa-
ções de uma delas, bem como o de decidir e executar a sanção. 
Também sob êste aspecto o direito internacional geral é um direito 
primitivo. Obedece ainda à técnica da defesa própria. O· Estado, 
violado nos seus direitos, é, autorizado a reagir contra o outro Es-
tado, autor da violação, recorrendo à guerra ou a represália. São 
eaotas as sanções especificas previstas pelo direito internacional 
ceraL 
lI!. Centralização relativa pelo direito internacional parti-
cular - Grau superior de centralização pode ser atingido pelo 
direito internacional particular. Tratados internacionais podem es-
tabelecer tribunais, órgãos administrativos e até órgãos legislativos. 
Tais tratados constituem comunidades internacionais cuja centrali-
ação ultrapassa sensivelmente a da comunidade internacional for-
mada pelo direito internacional geral. A confederação de Estados 
é uma dessas comunidades internacionais relativamente centrali-
zadas. Progredindo o processo de centralização, transforma-se a 
comunidade em um Estado federal ou mesmo em um Estado uni-
tário, e a ordem jurídica criada por um tratado internacional assu-
me o caráter de direito nacional. 
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I

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