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EAD HISTÓRIA DA LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA Profª Me. Daniela Osório Palin de Moraes Prof. Dr. Rinaldo Guariglia Prof. Djalma Rebelato Prof. Julio Aragoni HISTÓRIA DA LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA APRESENTAÇÃO A realidade da noção de língua portuguesa, aquilo que lhe dá uma dimensão qualitativa para além de um mero estatuto de repositório de variantes, pertence, mais do que ao domínio linguístico, ao domínio da história, da cultura e, em última instância, da política. Na medida em que a percepção destas realidades for variando com o decorrer dos tempos e das gerações, será certamente de esperar, concomitantemente, que a extensão da noção de língua portuguesa varie também. Eduardo Paiva Raposo Olá Interagimos, agora, para percorrermos o caminho da História da Língua e Literatura Portuguesa. A proposta que norteará nossos encontros é propiciar a você, futuro professor de Língua Portuguesa, conhecimentos básicos, essenciais para um trabalho eficiente. O PORTUGUÊS é a língua que os lusitanos, os brasileiros, muitos africanos e alguns asiáticos estudam desde a sua origem, adotam como patrimônio nacional e usam como utensílio de comunicação, quer dentro da sua sociedade, quer no relacionamento com outras comunidades lusófonas. Esse idioma não dispõe de um território continuado (mas de vastas nações separadas, em vários continentes) e não é específica de uma comunidade (mas é sentida como sua, por igual, em sociedades distanciadas). Por isso, apresenta ampla diversidade interna, de acordo com as regiões e os grupos que a utilizam. Entretanto, também por isso, é uma das principais línguas do mundo. É possível apresentar percepções díspares quanto à unidade ou diversidade internas da língua portuguesa, segundo a perspectiva do observador. Quem se centralizar na língua dos escritores e da escola, adquirirá uma sensação de coesão. Quem comparar a língua oral de duas regiões (dialetos) ou de grupos sociais (socioletos) não resistirá a uma sensação de diversidade, até mesmo de separação. Uma língua de cultura como essa, portadora de extensa história, que serve de matéria- prima e é produto de várias literaturas, instrumento de afirmação internacional de diversas sociedades, não se consome na descrição de seu sistema linguístico: uma língua como essa vive na história, na comunidade e no mundo. Ela mantém uma existência que é determinada e condicionada pelos amplos movimentos humanos e, prontamente, pela existência dos grupos que a falam. Isso significa que o idioma falado em Portugal, no Brasil e na África continua a ser sentido como uma única língua enquanto as comunidades dos vários países lusófonos sentirem necessidade de vínculos que os unam. A língua é, por acaso, o: mais importante desses laços. A disciplina resgatará alguns temas principais da literatura portuguesa. A literatura de Portugal, que começa a partir do século XII, é única na maneira com a qual mantém e recicla alguns temas de maneira cíclica, cultivando então uma memória preciosa de sua história. Como os temas são amplos, escolhemos alguns dos mais importantes, pois é impossível abarcar em uma única disciplina todos os momentos em que a memória de Portugal foi retrabalhada na literatura portuguesa. De qualquer modo, será possível, após a leitura da apostila e a devida leitura dos textos analisados, compreender de que maneira os principais temas portugueses são vividos e estudados. Caro aluno, esta disciplina tem como objetivo um panorama do lirismo lusitano ao longo do tempo, desde a formação do reino português até a atualidade. A abordagem será feita por meio dos autores mais representativos e fixando-se no verso ou poema. Para atingirmos nosso objetivo, é importante uma breve revisão da teoria dos gêneros e do gênero lírico em particular. Portanto vamos retomar esses conceitos. Profª Me. Daniela Osório Palin de Moraes Prof. Dr. Rinaldo Guariglia Prof. Djalma Rebelato Prof. Julio Aragoni PROGRAMA DA DISCIPLINA EMENTA: A evolução histórica da Língua Portuguesa: formação vernácula do vocabulário do Português. Os fundamentos históricos e míticos do “ser português” e sua mediação estético-simbólica em diferentes épocas. A especificidade da obra ficcional e suas relações com a história. História, lusofonia e literatura no contexto pós- colonial. A obra literária, seu tempo e a reatualização da obra pela leitura. OBJETIVOS: Os graduandos deverão adquirir noção básica dos principais pontos da gramática histórica da Língua Portuguesa, visando à sua compreensão e ao seu entendimento; Focalização da evolução histórica da Língua Portuguesa, originária do latim, assim como a das demais línguas neolatinas; O estudo da morfossintaxe da Língua Portuguesa; Visão ampla do funcionamento da Língua Portuguesa, privilegiando a relação desta com a Língua Latina. Conhecer a história dos principais mitos que definem a identidade lusitana e de que maneira eles se relacionam com sua história. CONTEÚDOS: História da língua portuguesa. Mudanças de som. Principais fenômenos. Analogia. Mudança gramatical. Mudança semântica. A Língua Portuguesa no mundo. O Império Português. O Sebastianismo. A atualização da história através da literatura. José Saramago METODOLOGIA: A disciplina deverá ser ministrada na modalidade a distância (EAD): embasamento teórico. Interação com o professor no sentido de dirimir dúvidas. Por meio de situações concretas de usos da língua e da fala, pretendemos conduzir os futuros alfabetizadores à reflexão da língua. AVALIAÇÃO: No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 1) Trabalhos individuais desenvolvidos no AVA; 2) Provas semestrais realizadas presencialmente; As estratégias de recuperação incluirão: 1) retomada eventual dos conteúdos abordados nos módulos, quando não satisfatoriamente dominados pelo aluno; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Bibliografia Básica: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Panorama da literatura portuguesa. São Paulo: Atual, s/d. COUTINHO, I. de L. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Acadêmica, s/d. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. MUSSALIN, F. & BENTES, A. C. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras (v. 1). São Paulo: Cortez, 2001. TARALLO, F. Tempos Lingüísticos: itinerário histórico da Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990. Bibliografia Complementar: BASTOS, Neusa Barbosa (org.). Língua Portuguesa: uma visão em mosaico. São Paulo: EDUC, 2002. BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ELIA, Sílvio. A língua portuguesa no mundo. São Paulo: Ática, 2001. FARACO, C. A. Linguística Histórica: uma introdução aos estudos das línguas. São Paulo: Ática, 1991. GOULART, Audemaro Taranto & SILVA, Oscar Vieira da. Estudo dirigido de Gramática Histórica e Teoria da Literatura. São Paulo: Editora do Brasil, s/d. ILARI, R. Linguística Românica. São Paulo: Ática, 1999. IANNONE, Carlos Alberto; GOBBI, Márcia Valéria Zamboni; JUNQUEIRA, Renata Soares. (Org.). Sobre as naus da iniciação. São Paulo: UNESP, 1997. MOISÉS, Carlos Felipe. O desconcerto do mundo: do Renascimento ao Surrealismo. São Paulo: Escrituras Editora, 2001. PESSOA, Fernando.Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. SARAMAGO, José. Memorial do convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. VIEIRA, Antônio. De profecia e Inquisição. Brasília: Senado Federal, 2001. SUMÁRIO UNIDADE 01 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS DA LÍNGUA PORTUGUESA ............ 8 UNIDADE 02 - DOCUMENTOS EM LATIM VULGAR E EM LATIM CLÁSSICO .............................. 14 UNIDADE 03 - A ORIGEM DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS ............................................................... 17 UNIDADE 04 - BREVE HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA E SEU DOMÍNIO MUNDIAL ATUAL .......................................................................................................................................................... 21 UNIDADE 05 - PORTUGUÊS NO BRASIL ........................................................................................ 26 UNIDADE 06- FONÉTICA HISTÓRICA ............................................................................................ 32 UNIDADE 07 - FONOLOGIA HISTÓRICA ....................................................................................... 40 UNIDADE 08 - MORFOLOGIA HISTÓRICA .................................................................................... 45 UNIDADE 09 - SINTAXE HISTÓRICA .......................................................................................................... 51 UNIDADE 10- SEMÂNTICA HISTÓRICA ......................................................................................... 60 UNIDADE 11 - O PORTUGUÊS BRASILEIRO .................................................................................. 73 UNIDADE 12 – O IMPÉRIO PORTUGUÊS: A HISTÓRIA E O MITO DO QUINTO IMPÉRIO .......... 83 UNIDADE 13 - MITOLOGIA E OS LUSÍADAS ................................................................................. 87 UNIDADE 14 – O SEBASTIANISMO ................................................................................................ 93 UNIDADE 15 - O MITO SEBASTIANISTA ........................................................................................ 96 UNIDADE 16- O SEBASTIANISMO EM MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA. ........................... 99 UNIDADE 17 – REINVENÇÃO DA HISTÓRIA ............................................................................... 106 UNIDADE 18 - JOSÉ SARAMAGO E O MEMORIAL DO CONVENTO ........................................ 110 UNIDADE 19 - TEORIA DOS GÊNEROS ....................................................................................... 114 UNIDADE 20 - O LIRISMO MEDIEVAL – TROVADORISMO E HUMANISMO ............................. 120 UNIDADE 21- RENASCIMENTO OU CLASSICISMO – LIRISMO CAMONIANO I ....................... 129 UNIDADE 22 - LIRISMO CAMONIANO - A MEDIDA NOVA CLÁSSICA ..................................... 135 UNIDADE 24 - O LIRISMO ROMÂNTICO– GARRETT E QUENTAL ............................................. 152 UNIDADE 26 - LIRISMO MODERNISTA PORTUGUÊS – FERNANDO PESSOA – I ..................... 164 UNIDADE 27- OS HETERÔNIMOS DE FERNANDO PESSOA ...................................................... 171 UNIDADE 28 - O LIRISMO MODERNISTA E CONTEMPORÂNEO PORTUGUÊS ........................ 179 UNIDADE 01 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS DA LÍNGUA PORTUGUESA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar a origem da Língua Portuguesa. O aparecimento da Língua Portuguesa está intensa e inseparavelmente ligado ao processo de constituição da Nação Portuguesa. ESTUDANDO E REFLETINDO Na região central da presente Itália, o Lácio, existia um povo que falava latim. Nessa terra, posteriormente foi fundada Roma. Esse povo foi crescendo e anexando novos territórios a seu domínio. Os romanos chegaram a ter um amplo império, o Império Romano. A cada conquista, fixavam aos vencidos seus costumes, suas instituições, os padrões de vida e o idioma. Havia duas modalidades de latim: o latim vulgar (sermo vulgaris, rusticus, plebeius) e o latim clássico (sermo litterarius, eruditus, urbanus). O latim vulgar foi apenas falado; a língua do dia-a-dia utilizada pelo povo analfabeto da Itália e das províncias: soldados, marinheiros, artesãos, agricultores, barbeiros, escravos, etc. Foi a língua coloquial, viva, sujeita a modificações frequentes. Oferecia diversas variações. O latim clássico foi a língua oralizada e escrita, asseada, artificial, rígida, era o utensílio literário usado pelos bons poetas, prosadores, filósofos, retóricos... A modalidade do latim aplicada aos povos vencidos foi a vulgar. Os povos vencidos foram muitos e falavam línguas distintas, por isso em cada região o latim vulgar sofreu alterações diferentes o que resultou no surgimento dos diferentes romanços e após, nas diferentes línguas neolatinas. No século III a.C., os romanos dominaram a região da Península Ibérica; principiou-se assim a ação de romanização da península. A dominação não foi apenas territorial, mas também cultural. Espaçaram estradas ligando a colônia à metrópole, edificaram escolas, organizaram o comércio, conduziram o cristianismo aos nativos. A ligação com a metrópole mantinha a unidade do idioma evitando a proliferação das tendências dialetais. Foram anexadas à língua latina palavras e expressões das línguas dos povos dominados. No quinto século da era cristã, a península sofreu a incursão de povos bárbaros. Como tinham cultura pouco desenvolvida, os novos conquistadores acolheram a cultura e fala peninsular. Influenciaram a língua local adicionando a ela novos termos e favorecendo sua dialetação, porque cada povo bárbaro usava o latim de uma forma distinta. Com o declínio do Império Romano, as escolas são fechadas e a nobreza é desbancada, não havia mais os elementos unificadores da língua. O latim ficou livre para modificar-se. As invasões não pararam. No século VIII, a Península Ibérica foi tomada pelos árabes. O domínio mouro foi mais relevante no sul. Compôs-se então a sociedade moçárabe, que serviu por muito tempo; no período intermediário entre o mundo cristão e o mundo muçulmano. Apesar de terem uma cultura plenamente desenvolvida; foi muito distinta da cultura peninsular, gerando resistência por parte do povo. Sua religião, língua e hábitos foram completamente diferentes. O árabe foi falado simultaneamente que o latim (romanço). As influências lingüísticas árabes limitam-se ao léxico, no qual os empréstimos são normalmente notados pela sílaba inicial al-, correspondente ao artigo árabe: alface, álcool, álgebra, Alcorão, alfândega... Outros exemplos: bairro, berinjela, xarope, califa, garrafa, quintal, café. Apesar de bárbaros e árabes terem permanecido longo tempo na península, a influência que desempenharam na língua foi acanhada; esteve restrita ao léxico, pois o procedimento de romanização foi muito intenso. Os cristãos, principalmente do norte, nunca abrigaram o domínio muçulmano. Prepararam um movimento de saída forçada dos árabes (a Reconquista). A batalha travada foi chamada de "santa" ou "cruzada". Isso aconteceu por volta do século XI. No século XV, os árabes estavam totalmente expulsos da península. Durante a Guerra Santa, muitos nobres lutaram para auxiliar D. Afonso VI, rei de Leão e Castela. Um deles, D. Henrique, conde de Borgonha, revelou-se pelos serviços prestados à coroa e por prêmio recebeu a mão de D. Tareja, filha do rei. Como dote ganhou o Condado Portucalense. Continuou a lutar contra os árabes, anexando nova região ao seu condado que foi ganhando o contorno do que hoje em dia é Portugal. D. Afonso Henriques, filho do casal, inicia a Nação Portuguesa que fica independente em 1143. A língua da oralidade na parte ocidental da Península era o galego- português; com o tempo, foi diferenciando-se: no sul, português, e no norte, galego, que sofreu mais influência do castelhano. Em 1290, o rei D. Dinizinicia a Escola de Direitos Gerais e obriga, em decreto, a utilização oficial da Língua Portuguesa. Agora, que você teve uma breve apresentação da Língua Portuguesa, vamos estudar como tudo começou, o que nos remete a um estudo prévio do Latim. BUSCANDO CONHECIMENTO Os estudos de Gramática Histórica Antes de iniciarmos nossos estudos sobre os conteúdos específicos da Gramática Histórica, é importante sabermos para que estudá-la, visto que, segundo Ismael de Lima Coutinho, trata-se de uma ciência que estuda os fatos de uma língua, no seu desenvolvimento sucessivo, desde a origem até a época atual.1 Assim, poderemos perceber e compreender as transformações pelas quais a Língua Portuguesa passou e passa em sua trajetória espacial e temporal. Há de se esclarecer, também, o porquê de tais transformações, visto que elas ocorrem devido às necessidades naturais de todas as línguas, portanto há um fundamento para que haja tais mudanças. Para começarmos a desvendar a história de nossa língua, daremos voz ao poeta Olavo Bilac que cantou, em seus versos, a Língua Portuguesa: Língua portuguesa2 Olavo Bilac Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Em seu soneto, Bilac refere-se à Língua Portuguesa como Flor do Lácio, em latim Latium e em italiano Lazio, região da Itália, local em que, primeiramente, foi falado o latim, língua que deu origem à Língua Portuguesa. Observe o mapa da Itália, e veja a localização destacada da região do Lácio.3 1 COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica, p. 13. 2 Os versos acima foram extraídos do livro "Poesias", Livraria Francisco Alves - Rio de Janeiro, 1964, pág. 262. 3 Mapa retirado do site www.google.com.br O Latim foi falado, primeiramente, por primitivos habitantes de Roma, povos rústicos que praticavam trabalhos voltados à lavoura, portanto seu vocabulário caracterizava-se por vocábulos necessários aos seus afazeres. Com o passar do tempo, houve uma ampliação do vocabulário e seu inevitável enriquecimento, visto que ocorreu contato entre os povos do campo e os povos da cidade. Importante acontecimento no desenvolvimento natural de todas as línguas, visto que novas palavras e expressões são incorporadas, atendendo às necessidades de cada idioma. O Latim clássico e o Latim vulgar O Latim clássico e o Latim Vulgar não são considerados línguas diferentes, mas sim, modalidades diferentes da mesma língua. Vamos entender o porquê: O latim originariamente falado na região do Lácio tratava-se de uma língua estritamente falada4, ou seja, atendia às necessidades concernentes à comunicação entre as pessoas que dessa língua se utilizavam, porém, com o passar do tempo, esse idioma acaba por transformar-se, também, em um instrumento literário. Segundo Ismael de Lima Coutinho, ... com o correr do tempo, se tornam cada vez mais distintos: o clássico e o vulgar. Não eram duas línguas diferentes, mas dois aspectos da mesma língua. Um surgiu do outro, como a árvore da semente. Essas duas modalidades do latim, a literária e a popular, receberam dos romanos a denominação, respectivamente, de sermo urbanus e sermo vulgaris.”5 4 Veremos em aula posterior que há raros escritos em Latim Vulgar. 5 COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica, p. 29. Assim, o Latim Vulgar caracterizava-se por ser uma modalidade da língua falada e o Latim Clássico, por ser uma modalidade da língua escrita. Veremos as diferenças entre ambas: Latim Vulgar: Falado primeiramente pelos povos rústicos da sociedade romana, caracterizando-se da seguinte forma: Uso de arcaísmos, neologismos e estrangeirismos;6 Pouca importância para normas gramaticais; Utilizado para a fala na comunicação direta entre pessoas. Latim Clássico: Vocabulário sem a presença de arcaísmos, neologismos e estrangeirismos; Muita importância dada para normas gramaticais; Utilizado em obras literárias e documentos oficiais. O Latim clássico, língua escrita, encontra-se configurada nas obras literárias de escritores latinos; por ser uma língua utilizada para tal propósito, era imóvel, ou seja, não sofria mudanças. Situação contrária era a do Latim Vulgar falado por soldados, marinheiros, agricultores, pessoas consideradas como parte das camadas inferiores da sociedade romana que utilizavam o idioma para aquilo que lhes era prático. Há de se esclarecer que, embora fossem modalidades diferentes de uma mesma língua, havia expressões e palavras clássicas no Latim Vulgar, assim como expressões populares no Latim Clássico. 6 Arcaísmo: palavra, expressão ou construção arcaica. Modo de falar ou de escrever antiquado; Neologismo: palavra, frase ou expressão nova, ou palavra antiga com sentido novo; Estrangeirismo: emprego de palavra, frase ou construção sintática estrangeira. (Novo Dicionário básico da Língua Portuguesa – Folha/Aurélio – Editora Nova Fronteira – 1994/1995) UNIDADE 02 - DOCUMENTOS EM LATIM VULGAR E EM LATIM CLÁSSICO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar, por meio de textos, a diferença entre latim clássico e latim vulgar. Escassos são os documentos em Latim Vulgar, visto que era uma modalidade do latim quase que exclusivamente utilizada para a comunicação entre as pessoas, ou seja, a fala direta entre elas. ESTUDANDO E REFLETINDO Embora os documentos em Latim Vulgar sejam escassos, mesmo assim, há algumas raras fontes em que podemos estudar o Latim Vulgar. Um desses documentos são as inscrições, são os documentos escritos em Latim Vulgar em maior número. Segundo Ismael de Lima Coutinho, elas não retratam apenas o latim de uma fase, nem de uma região, mas de todas as fases e de todas as regiões. (p. 35) Dessa forma, por meio das inscrições pode-se conhecer as diferenças regionais, seguir a evolução da língua. Deve-se atentar para o fato de que as inscrições oficiais não são fontes para o estudo do Latim Vulgar, visto que não eram escritas nessa modalidade da língua. Destacam-se as inscrições tumulares (epitáfios) que eram, geralmente, encomendadas por pessoas simples e confeccionadas por outras que não tinham o conhecimento do Latim Clássico. Veja um exemplo: “Hoc tetolo fecet Muntana conius sua Mauricio, qui visit com elo annus dodece et portavit annos quarranta. Trasit die VIII Kl. Iunias.” Tradução “Este epitáfio fez para Maurício a sua esposa Montana, que viveu em sua companhia doze anos, e tinha ele quarenta. Morreu no dia oitavo antes das calendas de junho (25 de maio).”7 Há, também, as inscrições contidas nas tábuas execratórias, feitas de bronze, chumbo, mármore, entre outros materiais. Elas continham fórmulas mágicas ou de maldição. Veja um exemplo: “Te rogo que infernales partes tenes, commendo tibi Iulia Faustilla, Marii filia, ut cam celerius abducas et ibi in numerum tu abias”. Tradução “A ti, que dominas as regiões infernais, peço e encomendo Júlia Faustila, filha de Mário, para que a leves mais rapidamente e a conserves aí no número (dos mortos).”8 Appendix Probi” (Apêndice à Gramática de Probo): caracteriza-se por ser um documento em Latim Vulgar que tinha como objetivo a correção de palavras erradasutilizadas pelas pessoas. Veja uns exemplos: Speculum (forma correta) – speclum (forma incorreta) Calida (forma correta) – calda (forma incorreta) Speculum – espelho; calida – quente. Observação: não se tem a autoria desse trabalho, ou seja, não se sabe quem foram as pessoas que o confeccionaram. A Peregrinatio ad Loca Sancta” (Peregrinação à Terra Santa): obra escrita por uma monja que conta sua viagem à Terra Santa. Veja um fragmento: 7 COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica, p. 37. 8 COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática histórica, p. 36. “In eo ergo loco est nunc ecclesia non grandis, quoniam et ipse lócus, id est summitas montis, non satis grandis est; quae tamen ecclesia habet de se gratiam grandem. Cum ergo, iubente Deo, persubissemus in ipsa summitate, et peruenissemus ad hostium ipsius ecclesiae, ecce et eccurrit presbyter ueniens de monasterio suo, qui ipsi ecclesiae deputabatur, senex integer et monachus a prima uita, et ut hic dicunt ascitis, et quid plura? qualis dignus est esse in eo loco”. Tradução “Nesse lugar há, pois, agora uma igreja não grande, porque também o mesmo lugar, isto é, o cimo do monte não é muito grande; contudo, a qual igreja tem por si grande renome. Como, pois, ordenando Deus, subíssemos a esse cimo e chegássemos à porta da igreja, eis que corre ao nosso encontro um presbítero vindo do seu mosteiro, que estava á testa da mesma igreja, o velho virtuoso e monge desde cedo, como aqui dizem ascitis e que mais? o qual é digno de estar nesse lugar”.9 Observação: os documentos em Latim Clássico são encontrados mais facilmente e em maior número, pois essa modalidade do Latim era utilizada para a literatura, ou seja, pelos escritores e poetas latinos consagrados. Consta, também, que era utilizado em documentos oficiais. 9 Idem, p. 38 UNIDADE 3- A ORIGEM DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: A partir do Latim Vulgar, explicitar a origem das línguas românicas. Agora, você já se encontra mais familiarizado (a) com o Latim Vulgar, pois aprendeu sua origem, seu uso corrente e as fontes disponíveis para seu estudo. Nesta etapa, você aprenderá que o Latim Vulgar, modalidade do Latim utilizada mais usualmente na fala e nem tanto na escrita, deu origem a diversas outras línguas, dentre elas, a nossa, ou seja, a Língua Portuguesa. ESTUDANDO E REFLETINDO O Latim disseminou-se por vários territórios por meio de conquistas políticas. No auge do Império Romano, essas conquistas se acentuaram ainda mais, e o Latim era levado para todos os países invadidos e conquistados por Roma. A língua latina, em cada um desses territórios, sob a influência de vários fatores, transformou-se, com o tempo, em diferentes idiomas, os quais são chamados de Línguas Românicas, Línguas Neolatinas, Línguas Novilatinas ou Línguas Latinas, consideradas uma extensão do Latim. Vamos entender de que forma esse processo se desenvolveu: O Latim levado por meio dos soldados, colonizadores, para os territórios conquistados, era o Latim Vulgar. Deve-se levar em conta que nesses territórios já havia uma ou mais línguas que eram faladas pelas pessoas que lá habitavam.10 10 Substrato é a língua de um povo que é abandonada e esquecida, em proveito de outra que a ela se impõe, em regra, como consequência de conquista política. Matoso Câmara, Dicionário de Filologia e Gramática, Rio, Ozon, 1964. Atenção: em estudos mais recentes sobre as línguas românicas, Bruno Fregni Basseto (As línguas românicas: perene herança latina), informa que de acordo com a União Latina, no início do ano de 2000, 982 milhões de pessoas usavam uma variedade românica como língua materna, em todas as partes do mundo. Essa informação nos leva a crer que, hoje em dia, esse número de usuários aumentou, marcando a herança latina entre as diversas línguas existentes.1 Ainda segundo Bruno, o sardo é um importante ponto de referência nos estudos das línguas românicas, visto o caráter bastante arcaico de sua estrutura, o que o torna a língua românica mais próxima do latim vulgar. Com a invasão do Império Romano por povos bárbaros novas mudanças na língua foram acontecendo, surgindo assim, um superstrato.1 Com o passar do tempo, a língua falada pelos soldados romanos, o latim vulgar, já se encontrava bastante modificado, formando, assim, um romanço. Cada romanço deu origem a uma língua neolatina, sendo considerado uma evolução do latim. Atenção: O que é o Método Comparativo? Vamos esclarecer: O método comparativo é um processo utilizado para o estudo das línguas românicas, visto que ao compará-las percebe-se certa semelhança entre elas o que reforça a tese de que elas se originaram do Latim Vulgar. Segundo Rodolfo Ilari, as línguas românicas vistas em conjunto são a melhor fonte para o conhecimento de sua própria origem. (p. 22) Vejamos um exemplo da aplicação do método comparativo: Porta (latim); porta (português); puerta (espanhol); porte (francês); porta (italiano); Luna (latim); lua (português); luna (espanhol); lune (francês); luna (italiano). Percebe-se que o Método Comparativo é um grande aliados aos estudos das Línguas Românicas, visto que sua origem, o Latim Vulgar não deixou muitos documentos para o seu estudo. O povo conquistado começa a utilizar a nova língua oficial imposta a ele, ou seja, o Latim Vulgar, porém adapta a nova língua a seus hábitos fonéticos, além de fazer uso de vocábulos de seu próprio idioma. Determinar a época exata em que o latim vulgar deu origem às línguas românicas é algo inviável; o que podemos salientar é que entre o latim vulgar e as línguas românicas há um estágio intermediário, denominado romanço ou romance, considerado um dialeto formado pelo latim vulgar e pelas línguas já faladas nas regiões conquistadas. O romanço ou romance por ser um estágio intermediário não é mais o latim vulgar nem ainda a língua neolatina, trata-se de um dialeto de origem latina. Os povos vencidos pelos conquistadores romanos quase sempre aceitavam a nova língua, o latim vulgar, porém essa modalidade do latim não prevaleceu em todas as regiões invadidas. Por exemplo, na Britânia (atual Inglaterra), a língua latina não predominou, mas deixou suas marcas no vocabulário inglês. Há dez línguas neolatinas: Português: falado em Portugal, no Brasil, em alguns lugares da África (Guiné- Bissau, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Ilha da Madeira, São Tomé e Príncipe), da Ásia (Macau, Timor, Goa, Malaia). Espanhol: falado na Espanha, em alguns países da América do Sul (exceto Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa) da América Central (exceto Haiti e Jamaica), do México, em algumas ilhas da Antilhas e das Filipinas; é ainda uma das duas línguas dos Estados bilíngües dos Estados Unidos: Flórida, Califórnia e Texas.11 Catalão: falado na Catalunha (sul da Espanha). Francês: falado na França, em alguns lugares da África (Senegal, Madagascar), Guiana Francesa, em Quebec (Canadá), na América Central (Haiti), na Louisiana. Provençal: falado em Provença (sul da França). Italiano: falado na Itália. Foi levado, também à Eritréia, à Somália e à Líbia.12 Rético: Falado no Tirol, Friul e em uma parte da Suíça. Romeno: falado na Romênia. Sardo: falado na Sardenha. Dalmático: falado na Dalmácia.13 BUSCANDO CONHECIMENTO Causas do aparecimento das Línguas românicas Todas as línguas neolatinas são originárias do latim vulgar, mas são diferentes entre si. As causas que apresentaremos abaixo justificam o porquê: 11 ILARI, Rodolfo. Linguística Românica,p.52. 12 Idem, p. 52. 13 O Dalmático, hoje, é uma língua morta, ou seja, sabemos que ele existiu como língua, pois há documentos que comprovam sua existência. As demais línguas neolatinas são vivas, ou seja, ainda são faladas e há outra denominação na classificação das línguas que são as extintas, ou seja, línguas que se supõe terem existido, mas não há documentos que comprovem sua existência, como por exemplo, o indo-europeu. Causa Histórica: as línguas neolatinas são diferentes entre si, pois as conquistas realizadas por Roma ocorreram durante, aproximadamente, 400 anos. A Hispânia foi conquistada em 197 a. C.; a Sicília, em 241 a. C. O tempo causa modificações profundas em uma língua. Se lermos um romance do século XIX, perceberemos que a linguagem é muito diferente de uma romance escrito no século XX ou XXI. Causa Política: enquanto o Império Romano manteve-se no auge de suas conquistas, tudo foi feito para que a língua se mantivesse uniforme por todas as regiões conquistadas por Roma, porém com o declínio do Império Romano, essa situação se modificou, pois cada dialeto evoluiu conforme suas necessidades próprias. Com o passar do tempo, cada um desses dialetos se transformou em um romanço e, mais tarde, em uma língua neolatina. Causa etnológica: os territórios conquistados por Roma eram habitados por povos diferentes que falavam línguas diferentes. Assim houve uma interação entre o Latim Vulgar com cada uma das línguas faladas por esses povos, consequentemente cada romanço seria diferente, portanto cada uma das línguas românicas apresentaria suas diferenças. UNIDADE 04 - BREVE HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA E SEU DOMÍNIO MUNDIAL ATUAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Propiciar conhecimentos sobre a história da Língua Portuguesa Você já aprendeu, em aulas anteriores, que a Língua Portuguesa e as demais línguas românicas originaram-se do Latim Vulgar; veremos, agora, algo mais específico sobre a nossa língua. ESTUDANDO E REFLETINDO A Língua Portuguesa foi levada à Península Ibérica por meio de conquistas romanas. Nesse lugar, havia primitivos habitantes, o povo ibero e também gregos e fenícios que nessa região se estabeleceram. Mais tardiamente, os celtas, de origem germânica, instalaram-se na Península, dando origem aos povos celtiberos. Por meio das Guerras Púnicas, os romanos venceram os cartagineses que dominavam a Península Ibérica, que passou a fazer parte do Império Romano em 197 a. C. Dessa forma, a língua dos romanos, a latina (o latim vulgar) fundiu-se com a língua dos celtiberos e, posteriormente, novos elementos advindos da língua de povos bárbaros (vândalos, suevos e visigodos) influenciaram a nova língua, ou seja, um latim já bastante modificado. Este latim já bastante dialetado sofreu também influência da língua árabe, porém de forma discreta, visto que tal língua foi assimilada apenas por uma pequena parcela da população da Península, ficando restrita, também, a apenas documentos. Guerreiros cristãos, mais tardiamente, lutaram pela posse da Península Ibérica, entre eles Dom Henrique de Borgonha que recebeu o pequeno reino denominado Condado Portucalense. Deve-se destacar que durante as batalhas dos cristãos contra os árabes, pequenos reinos foram formados. Mais tarde, o Condado Portucalense foi tomado por Dom Afonso Henriques, e já bastante ampliado em virtude das conquistas de Dom Afonso, tornou-se o reino de Portugal. A partir do século XV, o português apresenta-se como língua representativa de uma nação e de um povo, sendo levado a várias partes do mundo por meio de conquistas portuguesas. Assim, a Língua Portuguesa, disseminou-se por vários locais do mundo, chegando também ao Brasil. Segundo Leite de Vasconcelos14, a história da Língua Portuguesa pode ser dividida em três períodos: I- Pré-histórico: das origens ao século IX. Nesse período, surgem os primeiros documentos latino-portugueses; II- Proto-histórico: do século IX ao século XII. Os documentos existentes ainda são escritos em latim, tendo algumas palavras portuguesas. 14 GOULART, Audemaro Taranto e SILVA, Oscar Vieira da. Estudo dirigido de Gramática Histórica e Teoria da Literatura, p. 45. III- Histórico: do século XII em diante. Os textos já são grafados em português. Nesse período, surge a epopeia portuguesa Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões. O período Histórico se divide em duas fases: I. Arcaica: do século XII ao XVI. II. Moderna: do século XVI em diante. BUSCANDO CONHECIMENTO A EXPANSÃO Portugal foi conhecido pelas amplas navegações. No século XV e XVI, por meio dos movimentos colonialistas e de proliferação do catolicismo, difundiu pelo mundo a língua portuguesa. O português é imposto às línguas autóctones como idioma oficial ou modificava-se, oferecendo origem aos dialetos crioulos. Assim foi que a língua chegou à América, África, Ásia e Oceania. O DOMÍNIO ATUAL Presentemente, o português é a língua oficial destes países (Portugal, arquipélago de Açores e ilha da Madeira, Brasil, Giné-Bissau, Angola, Moçambique, Ilha de São Tomé e Príncipe, arquipélago de Cabo Verde). Em outras regiões, é usado por parte do povo como um dialeto (Macau, Goa, Damão e Timor). Observe o mapa: Como você pode observar, as regiões que falam o português estão ligadas à colonização de Portugal. A Língua Portuguesa no mundo Você pôde perceber, nas aulas anteriores, que a Língua Portuguesa é falada em diversas partes do mundo. Vejamos, agora, mais detalhadamente esse assunto. Sílvio Elia, em seu estudo sobre o domínio da Língua Portuguesa no mundo, denomina Lusitânia a todo espaço geo-linguístico ocupado pela Língua Portuguesa, considerando a situação da língua após a Segunda Guerra Mundial. 1- Lusitânia Antiga: Portugal, Ilha da Madeira e Açores. Sabemos que a origem da Língua Portuguesa como língua originária do Latim Vulgar ocorre em Portugal, conforme aprendemos na última aula, portanto Portugal faz parte da Lusitânia Antiga, porque é o berço da Língua Portuguesa. A Ilha da Madeira e Açores foram povoadas por colonizadores portugueses, visto que antes de sua chegada a essas terras, não havia habitantes, por isso foram incluídas na Lusitânia Antiga. Nesses territórios, a Língua Portuguesa é a língua oficial. 2- Lusitânia Nova: Brasil. Diferente do que ocorreu na Ilha da Madeira e em Açores, no Brasil, os colonizadores encontraram o território povoado por indígenas que falavam suas próprias línguas que eram diversificadas. Temos no Brasil, portanto, o português como língua transplantada e não língua-berço. Trata-se também, no Brasil, de língua nacional, pois é falada em todos os lugares do território brasileiro e também é uma língua materna, pois é ensinada nas escolas e falada por toda a população brasileira, sendo também, a língua oficial do país. 3- Lusitânia Novíssima: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O português é falado em todos esses territórios, embora “concorra” com algumas línguas nativas. 4- Lusitânia Perdida: regiões da Ásia e da Oceania. Nesses territórios, o uso da língua portuguesa é restrito, mínimo. Exemplos: Índia, Macau e Timor. 5- Lusitânia Dispersa: pequenas comunidades espalhadas pelo mundo que falam a língua portuguesa. UNIDADE 05 - PORTUGUÊS NO BRASIL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as influências na Língua Portuguesa falada no Brasil. No Brasil, a Língua Portuguesa foi trazida no século XVI quando do descobrimento. Os nativos apresentaram grande resistência à obrigação da língua pelos colonizadores. Além das várias línguas indígenas, combinaram também ao português o espanhol e ofrancês (invasões), as línguas africanas (por meio da vinda dos negros) e, posteriormente, com a imigração, mais línguas européias chegaram (italiano, alemão e espanhol). O idioma também sofreu influência de veículos de comunicação. Com isso, absorveram-se palavras japonesas, francesas e principalmente inglesas. ESTUDANDO E REFLETINDO Principais Influências na Língua Portuguesa Falada no Brasil INFLUÊNCIA EXEMPLOS Tupi Nomes de pessoas: Ubirajara, Iracema... Nomes de lugares: Ipanema, Copacabana... Nomes de animais e plantas: tatu, arara, caju, maracujá... Dialetos africanos Acarajé, dendê, fubá, quilombo, moleque, caçula... Alemão Níquel, gás... Espanhol Bolero, castanhola... Japonês Karaokê, camicase... Francês Paletó, boné, matinê, abat-jour (abajur), bâton (batom), cabaret (cabaré)... Italiano- geralmente termos relacionados às artes e à culinária Macarrão, piano, soneto, bandido, ária, camarim, partitura, lasanha... Inglês Show, software, hamburger... Crioulos de Base Portuguesa Um crioulo é uma língua natural, de formação rápida, criada pela necessidade de comunicação plena entre pessoas inseridas em sociedades multilingues relativamente estáveis. Procurando superar a pequena funcionalidade das suas línguas maternas, elas recorrem ao modelo imposto (porém pouco acessível) do idioma socialmente dominante e ao seu saber linguístico para instituir uma forma de linguagem veicular simples, de caráter restrito, mas eficaz, o pidgin, que é gramaticalmente complexo e lexicalmente expandido, em particular, pelas novas gerações que o adquirem como língua materna, dando origem posteriormente a um crioulo. Chamam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é predominantemente de origem portuguesa. No entanto, gramaticalmente, os crioulos são línguas diferenciadas e autônomas. Sendo a língua-base aquela que oferece o léxico, pode-se encontrar crioulos de diferentes bases: inglesa (o Krio da Serra Leoa), francesa (Seychelles), árabe (Kinubi do Uganda e do Quénia) ou outra. Os crioulos de base portuguesa são frequentemente classificados a partir de um critério de ordem fundamentalmente geográfica, apesar de, em muitos casos, existirem também correlação entre a localização geográfica e a tipologia de línguas de substrato no momento da formação. Na África, foram formados os Crioulos da Alta Guiné (Cabo Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (São Tomé, Príncipe e Ano Bom). Classificam-se como Indo-portugueses os crioulos da Índia (de Diu, Bombaim, Damão, Chaul, Korlai, Mangalor, Mahé, Cananor, Tellicherry, Cochim, Quilom e Vaipim e da Costa de Coromandel e de Bengala) e os crioulos de Sri-Lanka (Trincomalee e Batticaloa, Mannar e zona de Puttallam). Quanto a Goa (na Índia), é discutível se se teria formado um crioulo de base portuguesa. Na Ásia, surgiram crioulos de base portuguesa: Malásia (Kuala Lumpur, Malaca e Singapura) e nalgumas ilhas da Indonésia (Java, Ternate, Ambom, Flores, Macassar e Timor) conhecidos sob a designação de Malaio-portugueses. Os crioulos Sino-portugueses são estes: Macau e Hong-Kong. Na América, encontra-se um crioulo que se considera de base ibérica, já que o português compartilha com o castelhano a origem de grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau, Bonaire e Aruba, nas Antilhas) e mais um crioulo no Suriname: o Saramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta, no seu léxico, uma grande influência portuguesa. A época da colonização portuguesa foi adequada ao contacto linguístico e à formação de crioulos. Os primeiros contatos propiciaram a formação de pidgins, para efeito de comunicação imediata, principalmente quando as línguas veiculares normalmente usadas para esse fim, como o árabe, por exemplo, deixavam de ser funcionais. Esses pidgins se estabeleceram como línguas de comércio na África e na Ásia até o século XVIII. A partir desses primeiros contatos — em que a língua portuguesa conseguiu impor-se, apoiada por um grande número de falantes (como no Brasil) ou por uma política de ensino e propagação sistemática (como em Goa, local-sede do poder militar e administrativo de Portugal desde 1512) — os pidgins foram plenamente adquiridos pelos povos que a eles tiveram acesso; mantiveram-se, assim, com vitalidade. Contrariamente, a formação das línguas crioulas ocorreu em comunidades multilingues em que existiu fraco acesso ao modelo da língua portuguesa (número de portugueses, proporcionalmente inferior ao dos outros grupos); houve perda parcial (ou mesmo total) de aplicação de outras línguas maternas, e forte miscigenação. Essas situações ocorriam em regiões de concentração e de isolamento de povos miscigenados (como em Korlai, na Índia), longe das suas propriedades e culturas de origem, particularmente em plantações e em ilhas como Cabo Verde e S. Tomé, e nas fortificações costeiras construídas pelos portugueses nos séculos XV e XVI (como Cananor e Cochim). Os crioulos portugueses surgiram de três maneiras distintas: por origem in loco ou por difusão (neste caso, migrado com seus falantes para diversas partes do mundo; às vezes, tão longínquas, como as Antilhas), ou também pela convergência das duas formas. Os crioulos de base portuguesa que presumidamente existiram em algumas regiões do Brasil, no Nordeste, teriam sido o resultado dessa convergência: ao contexto multilíngüe em função das plantações de cana-de-açúcar associa-se à importação de escravos de regiões africanas, onde já se utilizava um crioulo comprovadamente, como em São Tomé. Ao contrário dos pidgins, os crioulos, uma vez formados, passaram a ser símbolos de identidade de um grupo. Isso explica, em grande parte, a sua resistência às investidas dos idiomas de poder e de maior prestígio sócio-cultural. Essa resistência foi maior e mais eficaz à medida que o isolamento se constituía (como em Tugu) e quanto menor o poder e a investida das línguas em contato (principalmente através da instrução). Ademais, à língua crioula se associou a identificação com a religião cristã, em oposição às crenças circundantes (Casamansa e Malaca). Em situações em que os povos falantes de crioulos tornaram-se independentes (Cabo Verde, Guiné-Bissau...) houve uma revitalização do crioulo, fortalecida nos episódios de oficialização (Papiamento). Ainda assim, esses focos de resistência cederam e permitiram uma descrioulização; às vezes paulatina; outras vezes, acelerada; acarretando, em alguns casos, a morte, particularmente quando os crioulos perderam a funcionalidade em detrimento de outras línguas social e politicamente prevalentes (como crioulos da Ásia). BUSCANDO CONHECIMENTO A origem lexical dos crioulos de base portuguesa é, nalguns casos, facilmente reconhecível, conforme se pode verificar na seguinte expressão em Crioulo de Cabo Verde: E meste pa nho ben li Ele (haver) mister (de) para senhor vem ali Ele precisa (de) que o senhor/você venha cá Já em Forro, um dos crioulos de São Tomé, a identificação torna-se mais difícil, conforme revela o seguinte dito popular (que corresponde o ditado português: Cada um serve-se das armas que tem): Mina pikina ka pidji ku bóka Menina pequena ficar pedir com boca A criança pede com a boca Ngê tamé ka pidji ku uê Alguém tamanho ficar pedir com olho O adulto pede com os olhos Nesse crioulo, as intensas mudanças fonológicas tornam mais evidente a desarmonia em relação ao português. A ausência dos fonemas representados por –r- e –rr- na grafia portuguesa, torna extremamente difícil, por exemplo, a identificação destas palavras: tela e lenha, que se traduzem, respectivamente,por terra e rainha. O mesmo acontece no crioulo do Príncipe, ou Lunguyé, em que esses fonemas submergem: Tetúga kodá na súnu, e wé buká kágu (A tartaruga despertou do (seu) sono, foi buscar a carga). A origem portuguesa da maior parte das unidades que compõem o léxico das novas línguas crioulas não sugere que tenha havido manutenção do sistema lexical português. Pelo contrário, as unidades do léxico foram reanalisadas e integradas em um sistema fonológico, morfológico, sintático e semântico novo; e, apesar das afinidades notórias, quase sempre foram divergentes. A convivência sincrônica de semelhanças e divergências — associada ao efeito do contato com outras línguas e ao efeito das diversas mudanças diacrônicas toleradas autonomamente, por cinco séculos, pela língua portuguesa e pelos crioulos que dela derivam — dá origem, por um lado, a problemas de reconhecimento do étimo português (como no santomense e no principense); por outro, a um fenômeno de aparente entendimento e consequentes mal–entendidos entre usuários das duas línguas: crioula e portuguesa. Pidgin Em ocasiões de contato entre usuários de línguas maternas diferentes que, por razões de ordem social, apresentam necessidade urgente de falar entre si, surge uma forma de língua veicular, empregada em circunstâncias restritas de comunicação. Trata-se de um pidgin. O pidgin obedece aos primeiros estágios de assimilação espontânea da língua do grupo socialmente dominante pelos usuários das outras línguas. O grupo dominante que, inicialmente, procura adequar e simplificar a sua língua para se fazer compreender, acaba por ter de aprender o pidgin. O pidgin é uma língua subsidiária, de expediente, com um léxico e uma morfologia reduzida, sem que possa funcionar como língua materna. A língua dominante, também chamada língua-base (ou língua sobrestrato), colabora fundamentalmente com o léxico para a sua formação. Diz-se, assim, de um pidgin cujo léxico deriva do português, que é um pidgin de base portuguesa. Foi a urgência de entrosamento mútuo entre europeus e africanos (e, em seguida, asiáticos), que criou as primeiras categorias de emergência de pidgins de base portuguesa, nos séculos XV e XVI. Esses, em alguns casos, por um processo de complexidade estrutural e expansão do léxico, deram origem a crioulos. UNIDADE 06- FONÉTICA HISTÓRICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Propiciar conhecimentos sobre Fonética Histórica. As chamadas leis fonéticas, proclamadas pelos linguistas da escola Neo-Gramática do século XIX, são mudanças regulares que se observam na evolução de todas as línguas, motivadas pela configuração fonética das palavras. Não sendo, como se julgava inicialmente, maciças e inobserváveis, acabam, aos poucos, por afetar a quase totalidade do léxico de cada língua em determinada secção de tempo. São eventos históricos, sujeitos às mesmas contingências regionais, políticas, culturais e sociais dos outros eventos que atingem a vida de uma comunidade, o que significa que têm uma atuação limitada a um passo da história daquela mesma comunidade. ESTUDANDO E REFLETINDO Na evolução do latim falado, no início do Império, para o falado na România Ocidental (Norte de Itália, Gália, Récia e Hispânia) e desse para o romance galego-português, verificaram-se consideráveis mudanças regulares, determinadas pelo contexto fonético e que são, resumidamente, estas: Símbolos 1. A mudança ocorrida entre duas formas separadas pelo tempo indica-se inscrevendo entre elas o parêntese angular >. 2. As formas latinas, para imediato reconhecimento, escrevem-se em caracteres maiúsculos. 3. Quando uma vogal acentuada latina é longa, a sua notação vem seguida do sinal: e, quando é breve, não é assinalada. 4. Recorre-se aos parênteses retos para incluir, no seu interior, uma letra, ou letras que interessa considerar pelo seu valor fonético. Se estiver em causa o seu valor fonológico, ou seja, a entidade abstrata a que correspondem no sistema de uma língua, já se recorre às barras oblíquas. 5. O hífen no final de uma forma latina indica que naquela posição esteve uma desinência (normalmente -m para os substantivos e adjetivos, -t para as formas verbais) que caiu muito cedo em latim vulgar e da qual não guardam memória as línguas românicas. Exemplificação: AMA:RE>amar PIRA->pêra À esquerda dos parênteses angulares, estão as formas latinas e à sua direita as formas portuguesas resultantes. No primeiro caso, a palavra latina tem [a] longo na sílaba tônica e, no segundo, um [i] breve. Estas vogais, na mente dos falantes são, respectivamente, /a:/ e /i/, ao passo que nas suas bocas são [a:] e [i]. Assimilação Por assimilação, entende-se a modificação de um som por influência do som vizinho que com ele passa a partilhar traços articulatórios (i.e. torna-o foneticamente parecido ou igual a ele). Esta é uma mudança sintagmática, assim chamada por ocorrer entre elementos de uma cadeia sintagmática (sons articulados sucessivamente na pronúncia das palavras). A assimilação de um som pode verificar-se por influência do som anterior (será uma assimilação progressiva), do som seguinte (uma assimilação regressiva), por influência simultânea dos sons anterior e seguinte (assimilação dupla) e por influência de um som não contíguo (assimilação à distância). Os contextos fonéticos (i.e. palavras concretas onde ocorrem as mudanças fonéticas) mais propícios à assimilação são os nasais, os anteriores e os intervocálicos. Contextos nasais: - Uma vogal vizinha de [m] e [n], sons que são consoantes nasais, tem tendência para deixar de ser vogal oral e passar a ser vogal nasal. Isto ocorre universalmente na história das línguas e, no caso do português, verificou-se na passagem do latim hispânico para o romance galego-português (séculos VI-VII), talvez por influência das línguas celtas que na Península se chegaram a falar. As vogais que antecediam o [n] passaram a ser vogais nasais (ex: PONTE->p[õ]te, LU:NA->l[ũ]a, NON>n[o~]), pelo que se diz que foram nasalizadas por assimilação regressiva. Na época contemporânea, observam-se nasalizações, já de sentido progressivo, sempre que os falantes pronunciam, na primeira sílaba da forma muito, um ditongo nasal e, na primeira sílaba de mesa, uma vogal nasal (esta última nasalização progressiva apenas ocorre dialetalmente, mas a primeira é geral em português europeu, brasileiro e africano, pelo que deve ser bastante antiga, mas não anterior ao século XVI, já que Camões rimava muito com fruito). Contextos anteriores ou palatais: - Outras assimilações podem dar-se junto de vogal anterior, tradicionalmente chamada palatal [i] ou [e], ou junto de semivogal anterior, ou palatal, [j]. Estas mudanças chamam-se palatalizações e podem também ser regressivas ou progressivas. Em latim vulgar, a língua falada no Império Romano do Ocidente entre os séculos III a.C. e V d.C., ter-se-á iniciado, no século I da era Cristã, uma palatalização regressiva que afetou as consoantes não contínuas, [-cont], tradicionalmente chamadas oclusivas, [k] e [t], antes de som anterior. Nos contextos [ke], [ki], [kj] e [tj] as consoantes evoluíram para uma sequência com iode (a semivogal anterior) [tj] e mais tarde, só na România Ocidental, para a africada dental [ts], forma antepassada daquelas consoantes que hoje em português se escrevem <c, ç,> ou então <z> (este último num contexto especial, intervocálico, que possibilitou a evolução [ts]> [dz]). Assim, temos: CENTU->[tj]ento>[ts]ento>cento FACERE>fa[tj]ere>fa[ts]er>fa[dz]er>fazer CISTA->[tj]esta>[ts]esta>cesta FACIE->fa[tj]e>fa[ts]e>face. Mais antiga, foi a evolução de [tj]: FORTIA->for[ts]a>força. Outras palatalizações regressivas, desencadeadas no latim vulgar da mesma época pela presença da semivogal anterior [j], afetaram consoantescontínuas (ou fricativas), líquidas e nasais: CASEU->queijo, VINEA->vinha, FILIU->filho. Mais tardias, foram as palatalizações regressivas típicas do romance galego-português, ocorridas pelo século VI, que modificaram a articulação das consoantes não contínuas, ou oclusivas, [p], [k] e [t], antes da líquida [l]; esta evoluiu para a semivogal anterior [j] e, a partir daí, palatalizou em africada [tS] a consoante precedente, a qual, a seu tempo, simplificou na consoante contínua anterior [S], sempre escrita com <ch>: PLORA:R(E)>[tS]orar>chorar, CLAMA:R(E)>[tS]amar> chamar; FLAGRA:R(E)>[tS]eirar>cheirar. Mas este tipo de assimilação também pode ser progressivo, o que se vê igualmente no latim, mas já só na Hispânia, pelo que terá ocorrido mais adentro da era Cristã: CAPSA->ca[j]sa>caixa, COXA- ou seja ['koksa]>co[i]sa>coixa>coxa, ACUC(U)LA- >agu[j]la>agulha. Contextos intervocálicos: - Aqui já se observa a assimilação dupla. Por assimilação dupla entende-se aquele tipo de influência simultânea que as vogais exercem sobre uma consoante que ocorra entre elas na cadeia sintagmática. Este contexto, chamado intervocálico e simbolizado VCV (vogal+consoante+vogal), é extremamente debilitante para a consoante, a qual ora é fricatizada, se for uma consoante oclusiva (segundo uma terminologia mais moderna, passa de não contínua a contínua), ora é sonorizada se for surda (passa de não vozeada a vozeada), ora, se for já de si mais instável (uma contínua, uma líquida ou uma nasal), pode deixar totalmente de ser articulada (fenômeno que tem o nome de assimilação total). Esta é a tendência universal da mudança e, em galego-português, pelo século VII, ocorreu uma assimilação dupla que muito caracteriza esta língua medieval de origem latina (este romance). Com efeito, só em galego-português é que o [l] simples intervocálico latino deixou de ser articulado e só em galego-português (e gascão) é que o [n] simples, no mesmo contexto, deixou também de ser articulado: PALA->paa>pá, DOLO:RE->door>dor, BONU->bõo>bom, ANELLU->ãelo>elo (Repare-se que a assimilação dupla de [n] simples intervocálico foi precedida de uma assimilação regressiva, em que a mesma consoante nasalizou a vogal anterior; note-se também que o [l_G] de anel ainda persiste porque tem origem numa líquida latina geminada [ll]) Outras assimilações duplas, anteriores a estas, afetaram consoantes do latim vulgar a partir do início da era Cristã, mas raramente culminaram no respectivo desaparecimento porque foram travadas por fatores sistemáticos, neste caso, fonológicos. Entre os séculos I e V d. C., uma assimilação dupla provocou, na România Ocidental, aquilo a que tradicionalmente se chama sonorização, ou seja, vozeamento das consoantes não vozeadas intervocálicas. As vozeadas intervocálicas também foram atingidas por este processo de assimilação dupla, tendo começado por passar a consoantes contínuas, e acabando duas delas por deixarem de ser articuladas. Da mesma forma, as geminadas sofreram simplificação. O português conservou o resultado deste latim vulgar já evoluído: APICULA->abelha MUTU->mudo LACU->lago FABA->fava NU:DA->nua STRI:GA->estria CIPPU->cepo GUTTA->gota PECCA:RE>pecar ABBA:TE>abade ADDUCERE>aduzerarc O fato de o mesmo tipo de assimilação ter ocorrido entre vogal e consoante líquida /r/ conduz a uma reflexão sobre o estatuto particular das consoantes líquidas que, em certos aspectos, se aproximam dos segmentos vocálicos. Exemplos: PATRE->padre, MA:TRE->madre, LACRIMA>lágrima. BUSCANDO CONHECIMENTO Dissimilação Por dissimilação, entende-se a modificação de um som por influência de um som vizinho, articulatoriamente próximo que, com ele, e por sua influência, deixa de partilhar traços articulatórios (i.e. torna-se foneticamente diferente). Esta é também, tal como a assimilação; uma mudança sintagmática, que envolve elementos da mesma cadeia sintagmática (i.e. sons da mesma palavra), mas é muito menos regular, ocorrendo apenas esporadicamente, pelo que é difícil também calcular uma data precisa para a sua ocorrência. Os sons que preferentemente sofrem dissimilação são os vocálicos, orais e nasais, e os consonânticos que constituam líquidas ou nasais. Dissimilação entre vogais: LOCUSTA->lagosta ROTUNDA->redonda VENTA:NA->ventãa>venta CAMPA:NA->campãa>campa Dissimilação entre consoantes: MEMORA:RE>nembrar>lembrar ANIMA->alma LOCA:LE->logar>lugar Metátese Tal como a dissimilação, a metátese, que é a transposição de sons dentro de uma mesma cadeia sintagmática, é irregular, de difícil datação e muito frequentemente envolve consoantes líquidas, aquelas que menos estabilidade têm. Também pode envolver semivogais postônicas que, por metátese, passam a ocorrer junto da vogal tônica. O padrão silábico parece aqui funcionar como um rastilho para este tipo de mudança. Metátese de semivogais: O latim vulgar sofreu em época bastante recuada, uma vez que a generalidade das línguas românicas a testemunha, a metátese de semivogal anterior nos sufixos -A:RIU>airo, -A:RIA>aira. Em português, as formas herdeiras desses sufixos revelam ainda uma assimilação para -eiro, -eira, que deverá ter ocorrido em latim hispânico, já que em castelhano as formas paralelas são -ero, -era. DIA:RIA->jeira PRIMA:RIU->primeiro Metátese de consoantes: Como se disse, são sobretudo as consoantes líquidas l e r que sofrem o processo da metátese. É uma tendência universal que pode testemunhar-se pelo destino de uma forma latina ARBORE-, a qual em português não deu origem a metátese (árvore), mas em italiano e castelhano provocou duas diferentes soluções de metátese envolvendo as mesmas consoantes, respectivamente, alberoit e árbolcast. Para exemplificar metáteses com líquidas portuguesas, podem observar-se as formas FLO:RE->frolmedieval ou TENEBRAS>teevras>trevas Epêntese Este é um fenômeno contrário ao da assimilação total, uma vez que consiste na adição de sons no interior da cadeia sintagmática. Tutelado pela estrutura da sílaba, que tende frequentemente para o padrão universal CV (consoante+vogal), o fenômeno da epêntese consonântica reestruturou notoriamente as sílabas do português medieval que continham o hiato (encontro de duas vogais) -i~o, -i~a e que, a partir dos séculos XIV-XV, passaram a terminar em -inho, -inha, com epêntese da consoante nasal [J]: VI:NU->vi~o>vinho GALLI:NA->gali~a>galinha Quando diz respeito à inserção de vogais, a epêntese tem o nome mais particular de anaptixe, e observa-se frequentemente no português do Brasil, que reestruturou sílabas com grupos consonânticos, sílabas CCV, em sucessões de sílabas obedecendo ao padrão universal CVCV: opção>opição ritmo>ritimo pneu>pineu~peneu UNIDADE 07 - FONOLOGIA HISTÓRICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as regularidades na evolução do sistema fonológico. Tal como nas leis fonéticas, mas agora independentemente do contexto fonético, pode haver regularidade na evolução dos sistemas fonológicos das línguas, mas, também neste caso, desde que se considere apenas uma secção de tempo na história de uma comunidade precisa. Considerando o latim vulgar da România Ocidental, todo o seu vocalismo acentuado e parte do seu consonantismo sofreram mutações ao evoluírem para os romances ocidentais. Da mesma forma, mas séculos mais tarde, o português medieval viu o seu vocalismo átono final reduzir-se no caminho para o português clássico, e o vocalismo átono pretônico deste último teve uma ulterior evolução, já a meio da época Moderna. ESTUDANDO E REFLETINDO Vamos verificar os símbolos utilizados para a evolução fonológica. Símbolos 1. A mudança ocorrida entre duas formas separadas pelo tempo indica-se inscrevendo entre elas o parêntese angular>. 2. As formas latinas, para imediato reconhecimento, escrevem-se em caracteres maiúsculos. 3. Quando uma vogal acentuada latina é longa, a sua notação vem seguida do sinal: e, quando é breve, não é assinalada. 4. Recorre-se aos parênteses retos para incluir, no seu interior, uma letra, ou letras que interessa considerar pelo seu valor fonético. Se estiver em causa o seu valor fonológico, ou seja, a entidade abstrata a que correspondem no sistema de uma língua, já se recorre às barras oblíquas. 5. O hífen no final de uma forma latina indica que naquela posição esteve uma desinência (normalmente -m para os substantivos e adjetivos, -t para as formas verbais) que caiu muito cedo em latim vulgar e da qual não guardam memória as línguas românicas. Exemplificação: AMA:RE>amar PIRA->pêra À esquerda dos parênteses angulares estão as formas latinas e à sua direita as formas portuguesas resultantes. No primeiro caso, a palavra latina tem [a] longo na sílaba tônica e, no segundo, um [i] breve. Estas vogais, na mente dos falantes são, respectivamente, /a:/ e /i/, ao passo que nas suas bocas são [a:] e [i]. Evolução do vocalismo tônico latino A partir do início da era Cristã, nas múltiplas situações de bilinguismo a que a expansão do Império Romano obrigava, o contacto linguístico forçou o sistema fonológico do latim vulgar a evoluir. Ao nível do vocalismo acentuado, deu-se uma notável redução das oposições fonológicas, deixando o sistema de conter dez diferentes segmentos vocálicos para passar a conter apenas sete. O rastilho para esta mudança consistiu numa modificação acústica que atingiu o acento das palavras: este deixou de se traduzir num aumento da frequência da vibração das cordas vocais (acento melódico, de altura ou tonal) para passar a resultar do aumento da intensidade dessa vibração (acento de intensidade). Ou seja, as vogais acentuadas deixaram de ser mais altas (de uma altura acústica, entenda-se) do que as átonas, e passaram a ser mais intensas. Esta mudança acústica veio provocar a alteração de todo o sistema vocálico tônico, desaparecendo a oposição fonológica entre vogais longas e breves, até aí possível, mas logo tornada impossível por o acento de intensidade alongar necessariamente a quantidade das vogais nele envolvidas. (i.e. apenas podia cair em vogais longas). Como resultado, a quantidade vocálica foi substituída pelo timbre enquanto traço pertinente na distinção de segmentos vocálicos: à exceção do que se passou com /a/ longo e /a/ breve, vogais que se fundiram num único /a/, as antigas vogais longas tenderam para manter o seu timbre e as antigas vogais breves para sofrer abertura tímbrica. Falando em termos de altura articulatória, as antigas vogais breves sofreram, à exceção do /a/, abaixamento de um grau, tornando-se mais baixas do que eram anteriormente, enquanto que as antigas vogais longas mantiveram a respectiva altura. O português manteve, no caso das vogais tônicas, o mesmo sistema fonológico. Vogais longas tônicas Vogais breves tônicas DI:CO>digo, com /i/ acentuad PIRA->pera, com /e/ acentuado NU:DU->nu, com /u/ acentuado LUTU->lodo, com /o/ acentuado ACE:TU->azedo, com /e/ acentuado PETRA->pedra, com /E/ acentuado FORMO:SU->formoso, com /o/ acentuado ROTA->roda, com /O/ acentuado MA:TRE->madre, com /a/ acentuado CADO>caio, com /a/ acentuado Fundiram-se em resultados únicos os antigos /u/ breve e /o/ longo, os antigos /i/ breve e /e/ longo, os antigos /a/ breve e /a/ longo. Desaparecem, assim, três oposições fonológicas, pelo que o sistema latino antigo de dez vogais acentuadas é rendido por um de sete. Não se tratando de mudança condicionada pelo contexto (ela ocorre em todas as formas da língua latina em que estas vogais ocupem a posição acentuada), presenciamos aqui uma mudança fonológica e já não fonética, livre de restrições associativas com sons vizinhos (restrições sintagmáticas), mas sujeita a restrições opositivas com sons alternativos (restrições paradigmáticas). BUSCANDO CONHECIMENTO Evolução das consoantes latinas oclusivas intervocálicas No nível da fonética histórica do latim vulgar, observa-se que, por assimilação dupla, as consoantes oclusivas (não contínuas) intervocálicas do latim vulgar sofreram lenição (i.e. enfraquecimento), passando as geminadas a simples, as não vozeadas a vozeadas e as vozeadas a contínuas, podendo estas, depois, chegar a desaparecer, num processo que decorreu entre os séculos I e V da era Cristã (ver Fonética Histórica do Português - Contextos intervocálicos). O ímpeto assimilatório que desencadeou esta evolução latina, se não fora travado, acabaria num resultado único, que seria a assimilação total. Mas foi refreado por restrições do sistema (restrições paradigmáticas) que impediram as vogais de fazer desaparecer totalmente algumas consoantes que entre elas se encontravam (recorde-se que o contexto para este tipo de assimilação é o intervocálico). Assim, observaram-se diferentes graus de assimilação possíveis, mantendo-se quase intacta a sequência inicial de oposições fonológicas: APICULA->abelha MUTU->mudo LACU->lago FABA->fava NU:DA->nua STRI:GA->estria CIPPU->cepo GUTTA->gota PECCA:RE>pecar ABBA:TE>abade ADDUCERE>aduzerarc Evolução do vocalismo átono do português europeu O português europeu distingue-se das variantes brasileira e africanas desta língua por apresentar em estado avançado uma redução do vocalismo átono, quer final (i.e. em final de palavra), quer pretônico (i.e., em posição átona anterior à ocorrência da vogal tônica). Esta redução chegou às variantes não europeias no que às átonas finais diz respeito, e o português do Brasil, por exemplo, na maioria dos seus dialetos, revela a elevação /e/>/i/, /o/>/u/, dizendo os brasileiros pont[i] para "ponte" e coc[u] para "coco". Já não elevam contudo, o /a/ final para /6/, tal como não o fazem os falantes africanos de português. Esta elevação em posição final terá sido muito recuada na história para ter chegado a conhecer uma difusão tão extensa. Mais recente, por menos difundida, foi a elevação das átonas pretônicas, que só parcialmente é conhecida das variantes africanas e que é desconhecida no Brasil. Em posição pretônica, o português europeu tem as seguintes elevações: /e/ > /@/ /o / > /u/ /a/ > /6/ Posição acentuada Posição pretônica pele, com [E] tônico pelar, com [@] pretônico sebo, com [e] tônico seboso, com [@] pretônico posso, com [O] tônico possível, com [u] pretônico roxo, com [o] tônico arroxeado, com [u] pretônico casa, com [a] tônico casario, com [6] pretônico Este é um fenômeno do qual só há testemunhos diretos a partir do século XVII, altura em que os textos escritos por mãos pouco alfabetizadas muito hesitam na colocação do grafema <e>, por exemplo, usando-o até no interior de grupos consonânticos, o que prova que o "e mudo" já figurava no sistema vocálico átono. Exemplo: <teres> para <três>. UNIDADE 08 - MORFOLOGIA HISTÓRICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Desenvolver conhecimentos sobre a morfologia histórica. Do ponto de vista morfossintático, o latim era, ao contrário das línguas românicas, uma língua sintética, na qual as diferentes categorias semânticas e sintáticas se exprimiam preferencialmente pela flexão, nominal e verbal. As informações de gênero, número, pessoa, tempo, modo, aspecto, as categorias de sujeito, objeto, complemento eram traduzidas pelas terminações das formas verbais e dos nomes, adjetivos e pronomes. Em virtude de evoluções fonéticas que afetaram consoantes finais como o /-m/ e o /- t/, e em virtude de evoluções fonológicas que modificaram a pertinência da quantidade vocálica enquanto traço distintivo, toda a arquitetura sintética da morfossintaxe latina deu lugar a aspectos analíticos que afloram sobretudo ao nível daordem de palavras e no enriquecimento de classes gramaticais como a das preposições. No português, manteve-se, contudo, majoritariamente sintética (flexional, portanto) a morfologia verbal, bem como o subsistema dos pronomes pessoais, o qual pode ser considerado bastante arcaizante. ESTUDANDO E REFLETINDO Um outro fator de mudança, que veio atuar nas categorias nominais e verbais portuguesas entre a Idade Média a época atual, foi a analogia. A analogia é um tipo de mudança universal (comum a todas as línguas do mundo) que não tem motivação fonética nem fonológica, tem sim uma motivação gramatical. A linguística neogramática do século XIX classificava a analogia enquanto mudança "psicológica", oposta à mudança fonética, que seria já "mecânica". Esta era caracterizada pela sua regularidade, se bem que tivesse como resultado criar paradigmas (grupos de formas flexionadas da mesma palavra) irregulares; aquela se via como imprevisível e irregular, mas o seu resultado tendia a criar paradigmas já regulares. Hoje a analogia é descrita em termos mais gramaticais, e faz-se decorrer a sua inevitabilidade daquela característica de todas as línguas do mundo que é a sua forte estruturação interna. Fruto da analogia, muitos substantivos, adjetivos, pronomes e verbos portugueses são hoje mais equilibrados na sua estrutura flexional do que o foram no passado, sendo também, por isso mesmo, mais simples de aprender. Da gramática sintética latina à analítica românica. O caso do desaparecimento das declinações Edwin Williams, na sua gramática Do latim ao português, menciona o caos da rica flexão latina no seu caminho para as línguas românicas (referindo o caso particular do português) numa formulação breve, mas explícita: Paradigmas nominais (substantivos, adjetivos e pronomes flexionados em caso, gênero e número) Pouco restou das declinações do latim clássico em latim vulgar. A quarta e a quinta declinações, o gênero neutro e todos os casos, exceto o nominativo e o acusativo, desapareceram. Com o desaparecimento do nominativo em português, a distinção casual terminou. Apenas a flexão de número permaneceu. A forma oriunda do acusativo latino passou a exercer a função de sujeito, de objeto de um verbo e de objeto de uma preposição. (Williams, 1975: p. 123) Quanto ao gênero, as formas nominais portuguesas podem ser femininas ou masculinas. Assim era também em latim vulgar, mas essa língua evoluíra de uma outra que tinha também o gênero neutro. As formas neutras dos substantivos e adjetivos latinos foram absorvidas quer pelas masculinas quer pelas femininas, e o português não tem hoje expressão gramatical para a categoria semântica neutra. Quanto ao caso, as formas nominais latinas também caminharam de um estado de flexão casual, para o seu quase total desaparecimento em português. O fator original desta mudança morfológica foi, como está dito acima, de natureza fonética e fonológica. As terminações de muitos casos e de diferentes gêneros tornaram-se idênticas pela queda de consoantes finais (apócope) e a prosódia nivelou, pelo desaparecimento do acento melódico, os radicais de muitas formas anteriormente distintas em termos de quantidade vocálica. Os casos nominativo, genitivo, dativo, acusativo e ablativo eram categorias a que pertenciam formas com distintas funções na frase, e essa função sintáticas aflorava numa terminação (desinência de caso) específica: Nominativo: caso da função sintática de sujeito Genitivo: caso possessivo e de outras relações entre formas nominais Dativo: caso do complemento indireto Acusativo: caso do complemento direto Ablativo: sem função específica, sendo sobretudo o caso do objeto de uma preposição (herdeiro da fusão de três casos indo-europeus, o instrumental, o locativo e o ablativo, inicialmente um caso de separação). As terminações da primeira, segunda e terceira conjugações latinas destoam, em variedade, dos seus sucedâneos portugueses: 1ª declinação latina Singular Plural Nominativo -a -ae Genitivo -ae -a:rum Dativo -ae -i:s Acusativo -a-m -a:s Ablativo -a -i:s A essa declinação pertenciam nomes quase todos eles femininos (exceções: NAUTA "navegante", AGRICOLA "lavrador", ambos nomes masculinos). Para ela convergiram os nomes neutros plurais da segunda declinação (ex: ARMA>arma, UO:TA>boda, LIGNA>lenha, FOLIA>folha), dela desapareceram todos os casos, exceto o acusativo (que perdeu, no singular, o seu -m final) e, ao tempo do português medieval, tínhamos o seguinte estado herdado das terminações da primeira declinação latina: português singular português plural -a -as Da segunda declinação, restam em português algumas formas singulares com o -s final característico do nominativo latino. Mas são casos isolados, quase todos eles de nomes próprios (Deus, Jesus, Carlos, Domingos, Mateus). De resto, esta declinação, com a qual se fundiu a quarta, também se reduziu ao acusativo plural e singular (sem -m final e com abaixamento de -u para -o): 2ª declinação latina Singular Plural Nominativo -us (masc) / -um (neut) -i: (masc) / -a (neut) Genitivo -i: -o:rum Dativo -o: -i:s Acusativo -u-m -o:s (masc) / -a (neut) Ablativo -o: -i:s português singular português plural -o -os Estas terminações das formas nominais portuguesas, oriundas da primeira e segunda declinações latinas, distribuíram-se num sistema em que as herdeiras da primeira declinação caracterizam substantivos, adjetivos e pronomes portugueses femininos, descendendo da segunda declinação as formas portuguesas masculinas. Quanto ao vocabulário português que descende da terceira declinação latina (que tinha nomes de tema em consoante e de tema em -i, e com os quais se fundiram os da quinta declinação), aí tanto encontramos formas nominais femininas como masculinas: 3ª Declinação Singular Plural Nominativo -s (tema em consoante) -is (tema em -i) / -e (neut) -e:s (tema em consoante) -ia (tema em -I) / -a (neut) Genitivo -is -um Dativo -i: -ibus Acusativo -e-m -e:s (tema em consoante) -ia (tema em -i) / -a (neut) Ablativo -e / -i: -ibus português singular português plural -l / -r / -z / -e -es Com ascendência nesta declinação, em português temos ponte, que é feminino, árvore, também feminino, mas leite já é masculino, assim como mar. Passando para outras línguas românicas, assistimos à flutuação, quanto ao gênero, das formas cognatas (i. e. com a mesma origem remota): em francês temos os masculinos le pont, le lait, l'arbre e o feminino la mer. Em castelhano há el puente, el mar (mas Mar Bella, como arcaísmo), el árbol e, já como feminino, la leche. BUSCANDO CONHECIMENTO A mudança por analogia. O caso dos particípios portugueses em –udo Um aspecto exemplar da morfologia verbal portuguesa demonstra o poder da analogia na regularização de paradigmas. As três conjugações portuguesas, de tema em a (1ª), em e (2ª) e em i (3ª), provêm de quatro latinas. A 2ª e a 3ª latinas fundiram-se: por exemplo, RESPONDE:RE e VENDERE eram, em latim, de conjugações diferentes, da 2ª e da 3ª, respectivamente, mas em português têm descendentes da mesma conjugação (responder e vender, da 2ª conjugação). Isto sucedeu em todas as línguas românicas faladas na Península Ibérica, pelo que o fenômeno de fusão terá sido bem antigo, não fazendo parte, propriamente, da história do português. As formas do particípio passado dos verbos de tema em e, com aquela genealogia dupla, tinham, no português da Idade Média, a vogal /u/ em posição acentuada, ou seja, tinham terminação em -udo (exs: teúdo, perdudo, conhoçudo, creçudo usavam-se em vez de tido, perdido, conhecido e crescido). A variação entre -udo e -ido só começou a aparecer em textos de finais do século XIV, mas foi tão radical que não há hoje qualquer verbo da 2ª conjugação que tenha nas suas formas do particípio
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