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A leucemia mieloide crônica é uma doença clonal da célula progenitora hematopoiética. Nessa doença, há a multiplicação excessiva de células precursoras da linhagem mieloide sanguínea, sendo que a transformação maligna ocorre nas células mais maduras. A LMC é uma síndrome mieloproliferativa crônica, juntamente com a policitemia vera, mielofibrose idiopática e a trombocitemia essencial. As síndromes mieloproliferativas formam um grupo de neoplasias hematológicas que se originam da célula-tronco (stem cell) ou de um progenitor próximo a esta em sua maturação. A ocorrência de LMC corresponde à 14% da ocorrência de todas as leucemias. No Brasil, observa-se a incidência de 1,6 casos a cada 100 mil habitantes, por ano. É uma doença que costuma acometer adultos mais velhos, por volta dos 50 ou 60 anos, sendo apenas 4% dos pacientes crianças. É observada uma discreta predominância de casos no sexo masculino. O clone neoplásico da LMC provavelmente é uma célula-tronco (stem cell). Por razões desconhecidas essas células adquirem uma anomalia citogenética denominada cromossomo Filadélfia que, na verdade, é uma translocação entre os braços longos do cromossomo 9 (banda 34) e 22 (banda 11), representada por t(9;22) (q34; q11). Essa simples translocação aproxima o gene c-abl, presente no cromossomo 9, a um gene do cromossomo 22 denominado bcr (Breakpoint Cluster Region). Essa fusão de genes dá origem a um gene híbrido, chamado BCR-ABL, que irá definir a transcrição de uma proteína com alta atividade de tirosina quinase. Essa atividade enzimática está envolvida com a regulação da proliferação celular – aumento da divisão celular e bloqueio da apoptose. Dessa forma, quando há essa mutação genética, observamos a alteração nessa regulação, fazendo com que as células se proliferem desgovernadamente. O clone neoplásico é capaz de se diferenciar em células maduras, diferente do encontrado nas leucemias agudas. A diferenciação ocorre preferencialmente para a série granulocítica, levando ao acúmulo na medula óssea e no sangue periférico de neutrófilos, bastões, metamielócitos, mielócitos e, eventualmente, raros mieloblastos (< 5%). Os eosinófilos e basófilos encontram-se elevados, pois também são granulócitos. Os monócitos e as plaquetas podem se elevar (monocitose, trombocitose), porém a hematimetria tende a se reduzir (anemia) por conta da ocupação medular neoplásica, inibindo a eritropoiese. Muitos pacientes com LMC são descobertos em uma fase assintomática da doença, através de exame físico mostrando esplenomegalia e/ ou hemograma revelando leucocitose neutrofílica acentuada, com desvio para esquerda até mielócito ou mieloblasto. LMC (Leucemia Mieloide Crônica). O sangue periférico contém um predomínio de granulócitos em várias fases de maturação: promielócitos (1); mielócitos (2); metamielócitos (3); bastões (4); e neutrófilos (5). A doença surge na medula óssea, mas também infiltra o fígado e o baço, determinando uma esplenomegalia maciça. O marco da LMC é justamente a associação: o leucocitose neutrofílica acentuada com desvio à esquerda o esplenomegalia de grande monta Os sintomas mais comuns de apresentação da doença são decorrentes do estado hipercatabólico, da esplenomegalia, da anemia e/ ou da disfunção plaquetária, tais como: o febre o perda ponderal o astenia o sudorese noturna o desconforto abdominal no hipocôndrio esquerdo o saciedade precoce o palpitação o dispneia o equimoses. As infecções na LMC não são frequentes, nem caracterizam a doença. O clone neoplásico é capaz de se diferenciar até o neutrófilo maduro (segmentado). Este neutrófilo possui função normal ou levemente diminuída. EXAME FÍSICO O exame físico da LMC demonstra esplenomegalia em 60-80% dos casos, que pode ser de grande monta (> 5 cm do RCE), e algumas vezes com o baço palpável na fossa ilíaca esquerda. A esplenomegalia pode ser indolor ou dolorosa. Existem relatos de rotura esplênica espontânea, um quadro bastante dramático, capaz de levar rapidamente ao óbito por choque hemorrágico. FASE CRÔNICA Costuma ser pouco sintomática, geralmente durando de 3 a 5 anos. Geralmente o paciente, quando possui sintomas, se apresenta com fadiga, perda de peso, sudorese, febre e palidez, que ocorre por conta da anemia associada. Porém a maioria dos pacientes na fase crônica apresentam esplenomegalia, que vem associada de desconforto abdominal por causa da compressão das vísceras. FASE ACELERADA É quando ocorre o aparecimento de sinais e sintomas durante alguns meses. Geralmente ocorre um aumento da esplenomegalia e também da basofilia e da quantidade de blastos circulantes, quando comparada com a fase crônica. Um fato importante que evidencia a transição da fase crônica para a acelerada é o surgimento de resistência à terapêutica citorredutora, que é o tratamento inicial. Além disso, o paciente apresenta febre, sudorese noturna, perda ponderal e dores ósseas. FASE DE CRISE BLÁSTICA É quando a doença passa a se comportar como uma leucemia aguda, com quadro clínico agravado, quase sempre fatal. Evidenciada pela observação de blastos maiores que 20% na medula óssea ou no sangue periférico, sendo comum nessa fase o paciente se manifestar com febre, sudorese noturna, anorexia, perda ponderal acentuada, dores ósseas, piora na esplenomegalia, infiltração extramedular dos blastos que acomete a pele, linfonodos, ossos e sistema nervoso central, causando diversos sinais e sintomas sistêmicos. ACHADOS LABORATORIAIS Caracteriza-se pela acentuada leucocitose neutrofílica, invariavelmente presente. A contagem leucocitária pode atingir valores altíssimos, de até 1.000.000/mm3, sendo comuns valores acima de 100.000/mm3 (hiperleucocitose) e quase sempre acima de 50.000/mm3. A leucostase começa a ocorrer nessa doença apenas com leucometrias acima de 200.000/mm3. O diferencial revela intenso “desvio para esquerda”, havendo muitas formas jovens granulocíticas na periferia: bastões, metamielócitos, mielócitos e até mieloblastos. A contagem absoluta de eosinófilos e basófilos está tipicamente alta (eosinofilia e basofilia). A LMC é uma das poucas causas de basofilia proeminente e persistente. Uma anemia normocítica normocrômica está presente na apresentação em 50% dos casos. Em relação às plaquetas, a regra é a trombocitose (plaquetometria > 400.000/mm3), ocorrendo em metade dos casos já na apresentação clínica. A regra, portanto, na LMC é: Anemia + hiperleucocitose + trombocitose Apesar da contagem de plaquetas alta, os pacientes estão propensos ao sangramento, pois existe disfunção plaquetária. Ao mesmo tempo, têm um risco aumentado de trombose, pela leucostase e pela trombocitose acentuada. Outros achados laboratoriais são: hiperuricemia (maior risco de gota); aumento dos níveis séricos de vitamina B12 (maior produção das proteínas de transporte transcobalamina I e III); aumento de LDH e lisozima. A confirmação é dada pela detecção do RNAm da mutação BCR/ABL, o que atualmente pode ser feito através da técnica de RT-PCR (Reverse Transcriptase Polymerase Chain Reaction) no sangue periférico. ASPIRADO DE MEDULA ÓSSEA Não é indispensável para o diagnóstico, porém sempre acaba sendo realizado no portador de LMC, pois auxilia na estratificação prognóstica e também no acompanhamento da resposta terapêutica. Histopatologicamente, a medula apresenta hiperplasia mieloide acentuada, com relação mieloide-eritroide entre 15:1 e 20:1 (o normal é de no máximo 3:1). Pode ocorrer algum grau de mielofibrose, que eventualmente pode ser acentuado. O cromossomo Filadélfia pode ser encontrado na avaliação citogenética das células do aspirado/ biópsia, e tem o mesmo significadoda detecção do gene BCR/ABL no sangue. TERAPIA MEDICAMENTOSA “ESPECÍFICA” (INIBIDORES DA TIROSINA-QUINASE) O mesilato de imatinibe (Gleevec) tem sido o tratamento de primeira linha, ficando o transplante alogênico de células hematopoiéticas em segundo plano. Trata-se de um inibidor específico da tirosina- quinase “mutante” codificada pelo gene BCR/ABL. Logo, ele atua apenas nas células neoplásicas, bloqueando o estímulo hiperproliferativo, o que evita seu acúmulo no organismo. Em geral os efeitos adversos são leves a moderados, incluindo anasarca, náuseas, diarreia, hemorragias, cãibras e rash cutâneo. A dose padrão é 400 mg/ dia, via oral. O principal objetivo da terapia com Gleevec é a obtenção de uma resposta citogenética completa. Esta é definida pelo desaparecimento das células carreadoras do cromossomo Filadélfia no estudo citogenético do aspirado de medula óssea (isto é, “0% de células Ph+ no AMO”), o que em geral ocorre após 12-18 meses de tratamento. De acordo com a literatura atual, a resposta citogenética completa é o único parâmetro terapêutico que se associa de forma consistente com aumento da sobrevida! Outros parâmetros também devem ser monitorados, e geralmente acompanham a resposta citogenética completa: o Resposta Hematológica Completa = normalização do hemograma e da esplenomegalia; o Resposta Molecular = redução do número de transcritos do gene bcr-abl conforme avaliação por PCR quantitativa no sangue periférico. Em casos de intolerância ou falência terapêutica devemos trocar o Gleevec por outro inibidor de tirosina-quinase mais potente, ou então, encaminhar o paciente para o transplante de células hematopoiéticas. Em geral, a escolha recai sobre algum dos inibidores de tirosina-quinase de 2a geração, como o dasatinibe (Sprycel) ou o nilotinibe (Tasigna). Essas drogas são bem mais potentes que o Gleevec® (30-300x mais), sendo capazes de "salvar" até 90% dos pacientes em falência terapêutica. Por fim, pacientes que não respondem a nenhum inibidor de tirosina-quinase – evoluindo com progressão da doença – devem ser avaliados para o transplante alogênico de células hematopoiéticas. Recentemente, um novo medicamento foi incorporado ao arsenal terapêutico da LMC: trata- se do omacetaxine (Synribo), um inibidor de síntese proteica que bloqueia preferencialmente a transcrição do oncogene BCR-ABL nas células do clone neoplásico. Tal droga foi aprovada como terapia de resgate para os pacientes em fase crônica ou acelerada que apresentaram falha terapêutica a pelo menos dois inibidores de tirosinaquinase. Deve ser ministrada pela via parenteral por 21 dias. TRANSPLANTE O transplante alogênico de células hematopoiéticas é indicado para portadores de LMC que falham na terapia com inibidores de tirosina-quinase. Um pré-requisito básico para se considerar esse tratamento é a idade < 55-60 anos. Idealmente, devemos buscar um doador “aparentado” HLA compatível (ex.: irmão). A chance de cura nesta situação oscila em torno de 50-60%, aumentando para 70-80% em pacientes < 50 anos quando o transplante é realizado dentro do primeiro ano do diagnóstico. Para os pacientes sem irmãos HLA compatíveis, existe a alternativa do transplante alogênico de um doador não aparentado HLA compatível, localizado no “banco de medula” nacional. TERAPIA PALIATIVA As drogas mielossupressoras, em especial o bussulfan e a hidroxiureia, são capazes de promover a remissão hematológica (diminuir a contagem leucocitária e plaquetária) e controlar os sintomas e a esplenomegalia. A hidroxiureia é preferível pois apresenta menos toxicidade, menor chance de transformação para crise blástica e maior sobrevida média. A remissão citogenética quase nunca é atingida e, portanto, os agentes mielossupressores não modificam a história natural da doença. O alopurinol é utilizado como medida de prevenção da gota e da nefropatia por deposição de urato (síndrome de lise tumoral). A maioria (90-95%) dos pacientes com LMC é diagnosticada ainda na fase crônica da doença. Após um período médio 3-5 anos, virtualmente todos os pacientes com LMC não tratada evoluem para a chamada crise blástica – uma leucemia aguda rapidamente fatal (sobrevida média de três meses); a causa mais comum de óbito na doença. Um terço dos pacientes evolui diretamente para a crise blástica, enquanto os dois terços restantes, antes de chegar à crise blástica, passam por uma fase acelerada da LMC, caracterizada por uma alta contagem granulocítica (neutrófilos, basófilos) e esplenomegalia refratárias à terapia mielossupressora e pela perda progressiva da capacidade de diferenciação do clone neoplásico. A explicação para a progressão para as fases acelerada e blástica da doença está na aquisição de anomalias citogenéticas ou moleculares adicionais pelo clone leucêmico da LMC (fenômeno chamado de “evolução clonal”). Critérios da fase acelerada e da crise blástica da LCM (pela OMS). O “Sokal” é um modelo prognóstico que divide os pacientes em categorias de risco baixo, intermediário e alto, a partir de seis variáveis: o Idade; o Tamanho do baço; o Contagem plaquetária, de basófilos, de eosinófilos e de blastos. Este índice é útil em prever a probabilidade de resposta citogenética completa nos pacientes tratados com inibidores de tirosina-quinase.
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