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Alfabetizacao_e_letramento_Perspectivas

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ÍNDICE
	Apresentação
Roxane Helena Rodrigues Rojo (LAEL/PUC-SP)
	3
	
	
	Sobre a aquisição da escrita: Algumas questões
Cláudia T. G. de Lemos (IEL/UNICAMP)
	7
	
	
	A alfabetização como objeto de estudo: uma perspectiva processual
Milton do Nascimento (UFMG/CEALE)
	19
	
	
	A respeito de alguns fatos do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita pelas crianças na alfabetização
Luiz Carlos Cagliari (IEL/UNICAMP)
	35
	
	
	Reflexões sobre o processo de aquisição da escrita
Maria Laura Mayrink-Sabinson (IEL/UNICAMP)
	51
	
	
	O letramento na ontogênese: Uma perspectiva sócio-construtivista
Roxane Helena Rodrigues Rojo (LAEL/PUC-SP)
	71
	
	
	Ação e mudança na sala de aula: Uma pesquisa sobre letramento e interação
Angela B. Kleiman (IEL/UNICAMP)
	99
	
	
	Posfácio: A aquisição da escrita do português - considerações sobre diferentes perspectivas de análise 
Maria Bernadete Marques Abaurre (IEL/UNICAMP)
	119
APRESENTAÇÃO[footnoteRef:1]* [footnoteRef:2]* [1: * A possibilidade de organização tanto desta coletânea como do evento que a gerou deve-se, em boa parte, aos subsídios CNPq (Bolsa Pesquisador/Pesquisa Integrada) e FAPESP (Organização de Evento e Estágio de Pós-Doutoramento no Exterior), a quem agradecemos.] [2: ] 
Roxane Helena Rodrigues Rojo
LAEL/PUC-SP
	Alfabetização, aquisição da escrita; (sócio-)construção da escrita, letramento... A variedade de designação do fenômeno da entrada do sujeito no mundo da escrita, representada no título deste volume, é mais do que mera sinonímia. Ela é bastante significativa no que diz respeito às diferentes vias de abordagem do fenômeno e bastante representativa dos principais embates - teóricos e práticos - que têm atravessado o cotidiano do alfabetizador e dos profissionais interessados no desenvolvimento da escrita na última década. Psicólogos, pedagogos, educadores em geral e também os lingüistas - teóricos e aplicados - têm sido convocados a participar da reflexão sobre o fenômeno e a interagir neste cotidiano. Este livro é justamente uma coletânea dedicada a representar o pensamento dos lingüistas ativos neste processo no início dos anos 90.
	Os textos que aqui aparecem foram conferências apresentadas e debatidas durante o I Grupo de Trabalho sobre Letramento, Alfabetização e Desenvolvimento de Escrita, realizado, sob minha coordenação, na PUC-SP, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL), em fins de outubro de 1991.
	Este Grupo de Trabalho tinha como objetivo principal expor, debater e sintetizar os principais trabalhos de investigação sobre o tema, em curso no início dos anos 90. Como bem indica Nascimento em seu texto, com base em dados de pesquisa do CEALE (Centro de Estudos da Alfabetização e Leitura) da UFMG, o impulso inicial do interesse dos lingüistas pela temática da alfabetização data dos anos 80 e foram trabalhos pioneiros neste campo aqueles de fonólogos ou sintaticistas interessados nas questões de ortografia e de sua relação com a fonologia, tais como os trabalhos de Lemle, no Rio de Janeiro, e de Abaurre e Cagliari, na UNICAMP. Assim, no início dos anos 90, julgamos interessante ter uma visão de conjunto dos proincipais trabalhos de pesquisa que estavam sendo então conduzidos e debater metateoricamente seus principais pontos de convergência e suas principais divergências.
	Embora já alguns anos separem este livro de seu evento de origem, não creio que as posições da Lingüística brasileira, aqui representadas, sobre a questão da entrada da criança no mundo da escrita tenham mudado substancialmente. É claro que as pesquisas relatadas avançaram em termos de seus resultados e solidificaram e lapidaram as posições, muitas vezes iniciais, consubstanciadas nos textos. Alguns destes resultados já circulam, em forma de textos, livros, ou mesmo, do porte que adquiriu, em Minas Gerais, o CEALE , ligado à UFMG, sede das pesquisas comentadas no texto de Nascimento, neste volume. Entretanto, embora as pesquisas tenham avançado e outras tantas tenham emergido, não creio que tenham mudado radicalmente os pressupostos ou os enfoques aqui representados.
	E a pluralidade de designação do fenômeno, presente no título e nos textos deste volume, parece-nos bastante representativa destes enfoques e pressupostos. Termos como alfabetização, aquisição da escrita; (sócio-) construção da escrita, letramento, em minha opinião, mais do que diretamente reveladores de pressupostos teóricos, muitas vezes, nestes textos, são índices das teorias com as quais, de uma maneira ou de outra, os autores estão ou estiveram dialogando em suas investigações.
	Mas - atenção -, diálogo não quer dizer unicamente acordo, isto é, adoção de pressupostos semelhantes; muitas vezes, na comunicação cotidiana como nos textos aqui presentes, diálogo quer dizer debate, confronto de opiniões e posições divergentes.
	O termo aquisição de escrita, assim como aquisição de linguagem, adotado neste volume por muitos autores (de Lemos, Abaurre, Mayrink-Sabinson, Nascimento), é um exemplo excelente desta dupla direção da dialogia. Cunhado quando das pesquisas iniciais da Psicolingüística chomskiana sobre os fenômenos da entrada da criança na linguagem, o termo aquisição guarda em si a significação dos pressupostos inatistas da pesquisa chomskiana: "adquire" algo aquele que tem um valor a trocar pelo bem "adquirido". Assim, na postura chomskiana a partir da qual se desenvolveram os primeiros trabalhos ditos psicolingüísticos sobre a "aquisição" de linguagem, no início da década de 70, a criança era vista como dotada de um valor - as capacidades inatas universais para a linguagem - que lhe permitia, em contato com a linguagem em circulação (input), "adquirir" suas estruturas e regras. Assim, o termo "aquisição" guarda em si uma significação inatista, com a qual certos trabalhos aqui presentes estão, de uma ou de outra maneira, em diálogo. É justamente índice deste diálogo a adoção do termo aquisição de escrita.
	O trabalho de de Lemos é exemplar neste sentido. Pesquisadora da "aquisição de linguagem", desde seus trabalhos iniciais, de Lemos coloca-se em permanente confronto com as teorias de base biológica e, em particular, com as pesquisas de base chomskiana. Neste caso, o termo "aquisição" é uma "arena" comum onde significados se confrontam: a base social, interativa, da construção da linguagem, defendida por de Lemos, e a base biológica, inata, proposta pelos pesquisadores em "aquisição". Os construtos teóricos e interpretativos de de Lemos têm mudado e se sofisticado bastante no curso de sua história exemplar de pesquisa, e, por isso mesmo, seu embate com as teorias associais da linguagem tem se fortalecido. Da mesma maneira, a presença do termo "aquisição" nos trabalhos de Abaurre e Nascimento pode ser tomado como índice de seu permanente diálogo com as teorias e descrições fonológicas e sintáticas da língua, presentes nos trabalhos chomskianos.
	Outros autores deste volume (Nascimento, Cagliari, Abaurre, Kleiman), preferem, por vezes, o termo alfabetização , o que indica, como interlocutor privilegiado no uso deste termo, o alfabetizador. Os quatro trabalhos têm em comum uma interlocução permanente, e já histórica, nos textos e nas assessorias, com os profissionais ativos da educação no ensino básico.
	O termo (sócio) construção da escrita, presente nos textos de Rojo e Mayrink-Sabinson, são indicativos da adoção de pressupostos sócio-históricos (vygotskianos) e construtivistas no que diz respeito à apropriação, por parte da criança, das práticas dos significados, dos usos e dos conhecimentos ligados à escrita numa sociedade letrada.
	De todas as terminologias aqui adotadas, a mais polissêmica e que apresenta maior flutuação de significado, nos textos aqui presentes (Rojo, Kleiman) como nas pesquisas em geral, é o de letramento. Por isso mesmo, boa parte do texto de Kleiman é dedicado ao esclarecimento de seu significado e de suas relações com a cultura e as práticas sociais, com a interação, com o ensino-aprendizagem(cf. também a respeito o texto de Kleiman (1995), em Os Significados do Letramento). Em todos os trabalhos, entretanto, o uso deste termo implica a adoção de pressupostos teóricos (sociológicos, etnográficos) onde a interação social tem um peso decisivo na construção da escrita pela criança.
	Assim, neste volume, temos representados, nas pesquisas lingüísticas sobre o tema da alfabetização, diferentes pressupostos, teorias e interlocutores básicos. Alguns textos, como o de abertura (de Lemos) e o de fechamento (Abaurre), que funcionam, de certa maneira, como prefácio e posfácio do volume, trazem ao leitor, além da própria contribuição das autoras, uma visão geral crítica dos textos e pesquisas presentes na coletânea e estão em diálogo com o leitor deste livro, assim como com os diferentes autores.
	Cagliari e Nascimento, em seu texto, têm como interlocutor básico o alfabetizador. O primeiro, questionando, a partir da história dos diferentes sistemas de escrita e dos conhecimentos elaborados pela Fonologia em Lingüística, alguns pressupostos, conceitos e dogmas a partir dos quais o alfabetizador elabora seu pensar e sua prática sobre a alfabetização. O segundo, a partir de um volume considerável de dados quantificados em diferentes pesquisas levadas a termo pelo CEALE/UFMG, e de diferentes teorias sobre aprendizagem e sobre linguagem, traz contribuições de peso para a reflexão sobre o processo de construção do uso e do conhecimento da criança sobre nosso sistema de escrita.
	Os textos de Mayrink-Sabinson e de Rojo, a partir de metodologia de pesquisa semelhante (estudo de caso longitudinal com sujeito de alto grau de letramento) e de mesmos pressupostos, apresentam análises qualitativas e em detalhe de diferentes aspectos e processos envolvidos na construção do uso e das representações do sistema de escrita, por parte de crianças, com grande contato e intensidade de interações envolvendo a escrita, no período anterior à alfabetização propriamente dita.
	O texto de Kleiman, expondo duas diferentes pesquisas em curso, tematiza, ao contrário, diferentes aspectos e processos envolvidos na alfabetização de jovens e adultos de baixo grau de letramento e cujo contato com a letra e com a escola tem como marca o conflito cultural.
	É esperando, portanto, que esta coletânea possa lhe trazer - a você, leitor - uma visão geral das pesquisas lingüísticas sobre alfabetização e letramento, que o convidamos então, sem mais demora, a adentrar conosco este mundo da escrita visto pelos olhos daquele que com ele faz seus primeiros contatos.
SOBRE A AQUISIÇÃO DA ESCRITA: ALGUMAS QUESTÕES[footnoteRef:3]* [3: * Agradeço aqui à CAPES, pela Bolsa de Dedicação Acadêmica (1991-1995) e à Universidade Católica de Leuven, pelo "fellowship" de 1995, subsídios que possibilitaram o desenvolvimento de minhas pesquisas e a redação final deste texto, em setembro de 1995.] 
Cláudia T.G. de Lemos
Departamento de Lingüística
IEL-UNICAMP
	Minha presença neste volume representa o reconhecimento de que é possível, a alguém que estuda aquisição de linguagem, dizer algo sobre o acesso da criança à escrita. Eleger a Lingüística - e as disciplinas que a têm como referência - como um espaço teórico-metodológico para a discussão da escrita e de sua aquisição é tornar conseqüente o fato de que é de linguagem que se trata, quando disso se trata.
	Não me parece, contudo, que se deva entender como conseqüente ao reconhecimento da Lingüística como lugar de um saber sobre a linguagem, que este saber seja visto como disponível sob a forma de certezas e respostas às questões que o processo de alfabetização coloca. Penso, ao contrário, que essa escolha só pode vir a ter conseqüências, se a Lingüística for tomada como lugar onde o que não se sabe sobre a linguagem é reconhecido e produz questões. 
	Este modo de pensar a relação da Lingüística com outras disciplinas e, em particular, com aquelas cujo objeto inclui uma prática - pedagógica ou clínica -, ganha importância quando o que está em discussão é o processo que se tem chamado de aquisição da escrita. Para estudá-lo ou comprendê-lo, algumas dessas disciplinas, de suas linhas de pesquisa e teorização, têm chegado a importar da Lingüística conceitos e procedimentos descritivos. No quadro dessas disciplinas e áreas, esses conceitos e procedimentos têm sido integrados, quer como explicativos do que se encontra na escrita do aprendiz, quer para justificar práticas ou métodos, não se levando em conta, portanto, nem as questões que levaram à sua formulação, nem aquelas que essa mesma formulação suscita. O que, enfim, se esquece é que a Lingüística, como qualquer outra ciência, é um lugar onde o que se sabe serve, acima de tudo, para interrogar e se transforma em um saber interrogar. 
	Não é minha intenção enfrentar aqui uma pergunta crucial: a que incide sobre as condições de possibilidade da pesquisa inter/transdisciplinar. No que toca à alfabetização ou ao processo mais amplo de aquisição da escrita, mais razoável seria começar por tratar as questões que ele suscita não como questões a serem resolvidas pela Lingüística, mas como questões que se apresentam como tal também para a Lingüística. Ou ainda, como questões que a Lingüística antes contribui para formular do que para resolver. 
	Para isso, também é preciso ter em mente o que o texto de Milton do Nascimento neste volume põe em evidência, a saber, a impossibilidade de se esgotar o conhecimento sobre a linguagem, dadas as múltiplas faces sob as quais ela se apresenta à indagação. O mínimo que se pode extrair dessa afirmação é que o que venho chamando de Lingüística em um sentido amplo, não é um campo homogêneo: nele se defrontam diferentes teorias, diferentes pontos de vista sobre a linguagem, a partir dos quais se constituem diferentes objetos. Essa diferença não se faz ver apenas no corpo de conhecimentos sobre a linguagem que cada teoria exibe, mas, a meu ver, nas questões que cada teoria permite formular a partir desses conhecimentos. 
	É exemplar nesse sentido a posição de Chomsky (1986: 222-223) relativamente à questão sobre como o conhecimento da linguagem é posto em uso. Logo após ter reafirmado a capacidade da teoria gerativa de dar conta do que é conhecer uma língua e de como esse conhecimento é adquirido, ele não hesita em dizer que o uso desse conhecimento, principalmente no que concerne à produção, coloca problemas muito sérios, "talvez, mistérios impenetráveis para a mente humana". Na mesma linha, parece possível entender a resposta por ele dada, em Manágua, a uma pergunta, feita provavelmente por um professor, sobre como poderiam ser usados os achados recentes, expostos em suas palestras sobre teoria gerativa , no ensino de línguas e da tradução. Ao fim de uma resposta longa sobre a importância da motivação na aprendizagem, que inclui uma discussão sobre a descontinuidade entre teoria e prática, Chomsky diz:
"A conclusão adequada, a meu ver, é esta: use seu bom senso e sua experiência e não dê ouvidos demais aos cientistas a não ser que você ache que o que eles dizem tenha realmente um valor prático e ajude a entender os problemas que você enfrenta, como às vezes, de fato, é o caso." (Chomsky, 1988: 182, tradução e ênfase minhas)
	Entre outras coisas, o que aproxima os dois textos é que, neles, limites são reconhecidos, ainda que, no primeiro, eles sejam atribuídos à mente humana e, no segundo, à ciência, mais precisamente às ciências da linguagem. A exemplaridade desse reconhecimento se deve tanto à autoridade científica de quem o enuncia quanto à distinção entre mistério e questão/problema insinuada. Não seria "mistério" a questão que uma determinada teoria não tem nem sequer condições de formular? Com efeito, para que uma ciência ou teoria científica "ajude a entender os problemas" que uma determinada prática enfrenta, não seria necessário primeiro que ela se deixasse perturbar por essa prática de modo a transformá-la em questões?
	Muito se tem falado e escrito sobre as dificuldades da escola brasileira em cumprir sua tarefade alfabetizar e de introduzir nas práticas efetivas da leitura e da escrita aqueles que delas estão excluídos, dada a marginalidade de sua participação em uma sociedade letrada. Parece-me que, no que diz respeito ao funcionamento da linguagem, pouco do que se tem falado e escrito tem tomado a forma de mistérios ou de questões. Os textos reunidos neste volume me levaram a uma reflexão preliminar sobre alguns pontos, cuja obscuridade emerge da própria luz sobre eles lançada por esses trabalhos.
	O primeiro deles diz respeito ao caráter irreversível da transformação que se opera em nós pelo simbólico. Uma vez transformados pela escrita em alguém que pode ler ou escrever, não é possível subtrairmo-nos a seu efeito[footnoteRef:4], nem concebermos qual é a relação que aquele que não sabe ler tem com esses sinais que, para nós, apresentam-se como transparentes. Ou ainda, não podemos mais recuperar a opacidade com que esses sinais antes se apresentavam também para nós. [4: Essa observação deve ser relacionada com o que Eni Orlandi (1990) tem definido como "injunção à interpretação".] 
	Talvez seja o caráter irreversível dessa operação que atinge nossa própria percepção que nos leve, portanto, a supor que a escrita é transparente para aqueles que não sabem ler. Ou melhor, a supor que ela se torne transparente pela simples apresentação ou exposição de relações entre letras e sons, quer sob a forma de sílabas, quer sob a forma de palavras, quer sob a forma de textos ou do que se supõe que umas e outros "querem dizer". 
	O que acabo de dizer parece contrapor-se ao que Emília Ferreiro e Teberosky (1979 e outros) tiveram o mérito de mostrar, isto é, que a criança já sabe sobre a escrita antes mesmo da alfabetização e que o reconhecimento desse saber deve orientar as práticas escolares. Na verdade, penso que é a pressuposição de transparência da escrita que explica pelo menos parte das dificuldades do alfabetizado-professor em atribuir algum saber sobre a escrita ao alfabetizando. Ao projetar sobre o alfabetizando sua própria relação com a escrita, o alfabetizado fica impedido de "ler" os sinais - orais ou gráficos - em que o primeiro deixa entrever um momento particular de sua particular relação com a escrita. 
	Se isso faz algum sentido, qualquer metodologia deve começar por ser uma interrogação sobre o que é aprender, o que é ensinar e o que aprender tem a ver com o ensinar, quando está em jogo essa transformação pelo simbólico.
	 É a partir dessa reflexão que me arrisco a propor uma metodologia do mistério, isto é, a suspensão da transparência como estratégia que torne possível a formulação de questões. Não é demais lembrar que a suspensão da transparência ou da "naturalidade" está na origem da indagação científica. 
	Como suspender a transparência, depois de tê-la declarado processo irreversível? A resposta a essa pergunta está em deslocar esse efeito de transparência de seu lugar de "evidência fundante", para usar uma expressão de Pêcheux (1988) e submetê-lo ao mesmo tipo de indagação a que foi submetida a relação entre significante e significado por filósofos e lingüistas (ver, a propósito, Lahud, 1977). 
	Todas as pesquisas reunidas neste volume, de uma maneira ou de outra, remetem a essa indagação sobre como algo se torna outro ou passa a se apresentar como outro à percepção e à interpretação, transformando assim o sujeito em alguém que "lê", isto é, que vê o que não estava lá. 
	Além de não se apresentar por si próprio, não há, com efeito, nada no que se apresenta como escrita que aponte para a oralidade que ela passa a "representar" para o alfabetizado. Em seu texto, Cagliari soube mostrar de forma eficaz, colocando-nos diante de exemplares de um sistema de escrita não alfabético, como sua opacidade de "coisa" resiste a tentativas de decifrá-los, mesmo quando se sabe a que correspondem oralmente, mesmo quando se conhece sua tradução em português, seu significado. 
	Já os trabalhos de Mayrink-Sabinson e Rojo mostram que as práticas discursivas orais em torno de objetos-portadores de textos estão na origem das relações que se estabelecem entre a criança e o texto. Através dessas práticas é que o texto deixa seu estado de "coisa" para se transformar em objeto significado antes pelos seus efeitos estruturantes sobre essas mesmas práticas orais do que pelas suas propriedades perceptuais positivas. Não se trata aí, portanto, de uma oralidade que desvenda o texto escrito nem que é por ele representada, mas de uma prática discursiva oral que, de algum modo, o significa, isto é, que o torna significante para um sujeito. 
	Por outro lado, ambas as pesquisas sobre letramento apresentadas no texto de Angela Kleiman têm, entre seus objetivos e questões, o de identificar os mecanismos sociais de exclusão e seu modo de atuar no processo de alfabetização. A possibilidade de fazê-lo, conforme se depreende do trabalho de Kleiman, depende de que se possa ir além da avaliação do grau e modo de acesso a textos escritos e, principalmente, além de uma concepção de acesso como exposição à escrita e/ou participação em situações de leitura/escrita. Isso supõe, entre muitas outras coisas, analisar situações de escrita como práticas discursivas escolares cujos mecanismos de inclusão e exclusão, por serem lingüistico-discursivos, não são transparentes.
	Mas de que modo se opera essa transformação de/em alguém que passa a ver o que não via e é assim capturado pela escrita enquanto funcionamento simbólico? Esta pergunta nos leva ao segundo ponto desta reflexão. 
	Com o uso do termo "tranformação", o que tenho em mente é por em discussão tanto a concepção da escrita como representação dos sons da fala[footnoteRef:5], quanto a "naturalização" da continuidade da escrita relativamente à oralidade. Já que não há nada no sinal da escrita que, em si mesmo, aponte para a materialidade sonora, que mediação é, então, necessária para que se dê essa transformação que produz, ao mesmo tempo, um sujeito - outro modo de "ver" - e um objeto - o que se dá a "ver" para esse sujeito e que através do qual ele se vê "vendo"? [5: Para uma crítica mais alentada e profunda da concepção da escrita como representação da oralidade, ver Mota (1995).] 
	Seria interessante, a esta altura, lembrar de novo que essa mediação tem sido pensada no interior da relação ensino-aprendizagem: a uma aquisição "natural" da linguagem oral se seguiria o aprendizado dirigido da escrita[footnoteRef:6]. Não é relevante aqui, ainda que tenha muita importância, o fato de muitas crianças aprenderem a ler "naturalmente", sem serem ensinadas. O que chama atenção nessa oposição entre "natural" versus aprendido é que ela mostra o que tem ficado escondido quando se discute a aquisição da escrita. A saber, ainda que os métodos tradicionais de alfabetização apostem na transparência ou na relação direta entre oralidade e escrita, a crença na escrita como um conhecimento a ser ensinado/aprendido aponta um intervalo a ser preenchido, uma descontinuidade. [6: Para uma discussão mais geral sobre os pressupostos do ensino-aprendizagem que qualificam a aquisição da linguagem oral como "natural", ver de Lemos (1991).] 
	A oscilação entre essa aposta e essa crença torna ainda mais difícil o entendimento do que seria a mediação no contexto ensino-aprendizagem. Se, de um lado, a assunção do pressuposto de transparência também permite pensar em mediação como transmissão, de outro lado, o pressuposto de não-continuidade "natural" entre linguagem oral e escrita leva, no mínimo, à indagação sobre o que é transmitido (e como). 
	A partir dessa observação se poderia, então, pensar que o termo "transformação" tem aqui o mesmo valor que "construção", o que aproximaria esta minha reflexão de posições construtivistas. Não é esse o caso: tais posições implicam desenvolvimento, supõem uma teleologia e, portanto, um sujeito que se desenvolve a partir da construção do objeto enquanto objeto de conhecimento, a ele submetido, por ele dominado. Ao tratar a aquisição da escrita, assim como a aquisição delinguagem em geral, como transformação ou mudança que se opera através do funcionamento simbólico, o que tenho em mente é sujeito e objeto (para um sujeito) como efeitos desse funcionamento. Isso significa que não se parte da interação sujeito-e-objeto, mas da linguagem. Isso significa que não se chega a um sujeito que se apropria do objeto a um certo ponto de seu percurso, que faz dele um conhecimento, um saber estável que o esgota. A cada ato/"acontecimento"[footnoteRef:7] de leitura/escrita se pode refazer essa relação nesse funcionamento. [7: Refiro o termo "acontecimento" ao sentido que lhe dá Pêcheux (1990), lembrando ainda que, através dele, recupero e reformulo o que afirmei em trabalho anterior (1982: 136), isto é, que a "linguagem [é um] objeto que se refaz a cada instância de seu uso".] 
	Contudo, é importante reconhecer que as propostas construtivistas, inspiradas quer em Piaget, quer em Vygotsky, não dão lugar a que se pense a aquisição/desenvolvimento da escrita a partir da transmissão de conhecimento do adulto para a criança, ou daquele que sabe para o aprendiz. Mesmo para Vygotsky, que considerava os processos intersubjetivos como responsáveis pelo funcionamento intra-subjetivo, "as operações com signos" não são transmitidas, mas derivam de "uma série de transformações qualitativas complexas" ( Vygotsky, 1930/1978: 45).
	Por isso mesmo, tanto as propostas construtivistas inspiradas em Vygotsky, quanto a posição aqui esboçada[footnoteRef:8], na medida em que assumem a interação como lugar de transformação, têm o compromisso de responder teoricamente sobre o que distingue a mediação da transmissão. Enfim, o compromisso de explicitar o papel do outro - interlocutor-alfabetizado -, do alfabetizando e o das práticas discursivas, escolares e não-escolares, em que o texto escrito está de algum modo em questão. [8: Uma exposição mais detalhada desta proposta no que diz respeito à aquisição da linguagem oral encontra-se em de Lemos, 1992.] 
	Essa é uma condição necessária para que se possa ir minimamente além do senso comum ao se falar em interação e ensino, ou ainda ao se atribuir ao professor ou à escola responsabilidades pelo sucesso ou fracasso no que diz respeito à alfabetização ou, melhor dizendo, à relação da criança com a escrita.
	A fim de traçar, em linhas gerais, o espaço em que, do meu ponto de vista, se poderia pensar o lugar do outro na aquisição da escrita, é necessário que eu me detenha primeiro no que tenho pensado mais recentemente sobre aquisição da linguagem oral. Para isso, vou me servir de dois episódios de uma mesma sessão de gravação de Mariana, aos dois anos e um mês de idade, em diálogo com sua mãe.
(1) Mariana tenta por de pé, encostado na parede, um boneco grande de plástico:
Ma.: vamo tilá ele de pé
	tila ele de pé
	ai, eu seguro,
	tá encostado?
(2) Mesma situação de (1):
Ma.: põe/põe minha aqui o péto
	põe mim pé aqui
Mãe: Que pé?(como quem não entende o que Ma. está dizendo)
Ma: a/ugustado assim.
	Observe-se, em primeiro lugar, que a fala de Mariana remete diretamente a falas anteriores da mãe na mesma situação, a de tentar "por de pé" o boneco, de mantê-lo de pé, segurando-o "encostado" na parede. Fragmentos dessa fala se repõem na fala de Mariana em episódios anteriores a (1) e (2) e, com eles, gestos e ações sobre o mesmo boneco. Em (1) e (2), porém, esses fragmentos da fala da mãe se cruzam com outros fragmentos de outros textos-diálogos, cruzamentos esses que, na superfície da fala de Mariana, dão-se agora como "erros". 
	Como descrever a expressão tirar ele de pé sem relacioná-la com o fato de que "por", ainda que faça parte da expressão "por de pé", também funciona em oposição a "tirar" ("por x"/"tirar x"), em que toma um sentido diferente do que toma em "por em pé"? Como interpretar a presença de minha em (1) e de mim em (2), que se alternam na mesma posição nessas cadeias, senão levando em conta sua semelhança (e sua diferença) e a expressão põe de pé pra mim, que ocorre na fala de Mariana em episódios anteriores? Interpretação semelhante deve ser dada a péto ("perto") na primeira linha de (2) em sua relação com pé na segunda linha, que mostra ainda o movimento de aproximação entre "por de pé" e "por perto". Fica para ser decifrada a palavra que atravessou "encostado" em ugustado.
	Chamo a atenção para o fato de que, num primeiro momento, a fala do adulto se apresenta na fala da criança com uma aparência "correta" e no "contexto adequado". Nem é preciso dizer que os "erros" que se seguem a essa aparente correção também cederão lugar a uma fala que não difere da do adulto de sua comunidade.
	Esse fenômeno, conhecido na Psicologia do Desenvolvimento como Curva em U[footnoteRef:9], pela representação em diagrama da seqüência cronológica correção-erro-correção, tem sido considerado como evidência empírica de que os erros representam o momento do desenvolvimento em que as crianças fazem hipóteses sobre as regularidades/regras da língua a que estão expostas. Note-se, porém, que os erros sobre os quais incide essa interpretação da criança como um sujeito que faz hipóteses sobre a língua enquanto objeto de conhecimento são aqueles interpretáveis como regularizações de formas irregulares e cujo exemplo clássico, na literatura em língua portuguesa, é o uso de "fazi" por "fiz"[footnoteRef:10]. [9: Uma apresentação da curva em U no que concerne particularmente à aquisição de linguagem pode ser encontrada em Karmiloff-Smith (1986).] [10: Para o estatuto metodológico do erro na Aquisição de Linguagem, ver os trabalhos de Figueira em geral e, particularmente, o capítulo da coletânea sobre Questões Metodológicas, organizada por Pereira de Castro. Para a discussão das conseqüências teóricas da interpretação do erro como sintoma de construção, ver a tese de doutorado de Carvalho (1995).] 
	Os "erros" em questão aqui não são regularizações ou ultrageneralizações de regras morfológicas, como é o caso de "fazi", nem têm a sua previsibilidade. Mostram, isso sim, que os fragmentos da fala do adulto se relacionam entre si na fala da criança de um modo que não se pode prever a partir da língua como sistema estabelecido, estático. O que não quer dizer que essas relações não indiciem uma sistematicidade, um funcionamento da língua que orna substituíveis - e, por isso mesmo, semelhantes - fragmentos cuja identidade assenta na diferença.
	Note-se ainda que tais relações não se dão entre palavras, mas entre fragmentos que se apresentam (para os falantes adultos) como cadeias, e que palavras/segmentos só emergem como unidades/constituintes de cadeias a partir da relação que se faz ver pela substituição. Relações entre cadeias, por outro lado, se dão também seqüencialmente, produzindo encadeamentos insólitos, embora evoquem o texto de onde provêm[footnoteRef:11], como se pode depreender do episódio (3), ocorrido na mesma época que (1) e (2). [11: No artigo acima citado (de Lemos, 1992) trato esses dois tipos de relações como processos metafóricos e metonímicos, apoiando-me em Jakobson (1963). Para uma análise e discussão desses processos e, particularmente, dos processos metonímicos no monólogo da criança no berço, ver Lier-de-Vitto (1994).] 
(3) Mariana aponta para um anúncio publicitário, em uma página de uma revista. A modelo do anúncio não é quem ela "refere" como Betty:
Ma.: Você viu aqui amiga papai é essa?
	Essa amiga?
	É essa?
Mãe: Quem que é a amiga do papai?
Ma.: Essa, Betty. 
Mãe: Ah, ela chama Betty?
Ma: amiga papai
	éta/eu/e/a/a/
	o papai tabaia 
	papai faz filme
	essa/essa amiga papai.
	Esse movimento da língua, que ganha visibilidade na fala da criança e que, no adulto, fica submerso, irrompendo no lapso, alçando-se no poético, remete à tensão entre o eixo sintagmático e o eixo paradigmático a que Saussure deu estatuto teórico. Ao definir esses eixos como "duas esferas distintas", mas interdependentes, em que "as relações e as diferenças entre termos lingüísticos se desenvolvem" (Saussure, 1916/1987: 142), é que ele se deu conta da necessidade dereconhecer tanto o que faz do "mecanismo da língua [...] uma limitação do arbitrário"(op. cit.: 154) quanto "o jogo desse duplo sistema no discurso" (op. cit.: 150)[footnoteRef:12]. [12: Em meu trabalho sobre "Língua e discurso na teorização sobre aquisição de linguagem" (a sair), tento interpretar essa tensão entre eixo sintagmático e paradigmático como lugar em que Sassure rediscute a dicotomia língua versus fala.] 
	No que concerne à aquisição de linguagem, isto é, à relação da criança com a língua, o que limitaria a arbitrariedade vista do ângulo da relação entre significantes? Ou o que impediria que se pensasse esse movimento como aleatório? Para refletir sobre isso, é preciso voltar aos episódios acima e fazer notar que, ainda que os "erros" e os enunciados insólitos de Mariana impeçam que a eles se atribua significado quer lexical quer sentencial, sua relação com a "situação" discursiva, o que inclui a fala da mãe, faz sentido. Não quero dizer com isso que eles "representam" essa situação e, sim, que essa situação, o que inclui a posição da criança nela, está inscrita neles; é por eles evocada. 
	Enfim, os fragmentos da fala do adulto que retornam na fala da criança e que se cruzam entre si, são aqueles onde se deu essa inscrição. É por isso mesmo que o que retorna é imprevisível e tem oposto resistência às tentativas de colocar a fala da criança em estágios. É por isso que, ainda que não seja aleatório, esse movimento - retorno e cruzamento - deixa marcas singulares na fala da criança[footnoteRef:13]. [13: Sobre dados de singularidade na aquisição da escrita, ver Abaurre (1991).] 
	Em que medida essa minha interpretação da aquisição da linguagem oral abre possibilidades para se dar ao outro - interlocutor da criança - um lugar que não seja nem o de transmissão, nem o de mera facilitação do processo? 
	Poder-se-ia argumentar que, nesse quadro, o adulto não passa de provedor de falas ou textos que circularão fragmentados na fala da criança, o que não o distinguiria suficientemente do provedor de "input" dos modelos tradicionais de aquisição. 
	Para responder a essa possível objeção, basta lembrar que a fala do adulto não retorna na da criança como produto de uma análise em constituintes fonológicos, morfológicos ou sintáticos. Ela retorna como um fragmento em que está de alguma forma inscrita a relação instaurada pelo adulto na situação discursiva em que a criança foi interpretada. Cabe dizer ainda que essa interpretação não tem origem no adulto mas no discurso em que ele próprio, submetido ao funcionamento lingüístico-discursivo, é significado. A Análise de Discurso da linha francesa e a Psicanálise são os espaços de teorização que permitiriam desenvolver esse e outros aspectos dos processos de identificação envolvidos nesse funcionamento.
	Por outro lado, as primeiras relações entre fragmentos se dão no diálogo, como efeito lingüístico-discursivo da fala do adulto na fala da criança, efeito de linguagem sobre linguagem. As primeiras substituições que ocorrem na fala de Mariana são operações sobre a fala da mãe[footnoteRef:14], como mostra o episódio (4). Chamo a atenção para o último enunciado da criança, do qual se depreende os limites gramaticais e semânticos dessas operações. [14: Em sua tese de mestrado, Maldonado (1995) mostra que erros como dómo por "durmo", que incidem sobre verbos com alternância vocálica do português, resultam da colocação de flexão na forma - no caso, "dorme" - que ocorre no turno precedente da mãe.] 
(4) Mariana, com um ano e nove meses, joga brinquedos no chão, fazendo muito barulho. Nessas ocasiões, sua mãe a repreende dizendo que o barulho vai acordar o bebê da vizinha. 
Ma: A Fávia tá nananda?
Mãe: A Flávia foi pra praia.
Ma: Maco foi pa paia?
Mãe: O Marco foi pra praia.
Ma: Telo Maco.
Mãe: E a Mariana?
Ma: Mamãe, Mariana foi pa paia?
Mãe: Oi você aqui.
	Do que acabei de expor, é possível fazer pelo menos uma primeira tentativa de discernir o outro da/na aquisição da escrita. É preciso começar pelas práticas discursivas orais em que o texto escrito é significado, passando a fazer sentido como objeto para a criança. Trabalhos sobre a concepção de texto escrito do alfabetizando e, particularmente, a tese de Mota (1995) mostram que, assim como os fragmentos da fala do adulto retornam na fala da criança como significantes da situação discursiva instaurada pelo texto-discurso do adulto, aspectos gráficos de textos escritos se repõem na escrita inicial da criança.
	É óbvio que esses "fragmentos de escrita", em que se inscreveram aspectos da prática discursiva oral que puseram a criança em uma relação significante com textos escritos, não "representam" os sons dessa fala que os tornou de alguma forma perceptíveis. Contudo, é possível pensar que, entrando em relação com outros fragmentos de escrita, em que se inscreveram outras práticas discursivas orais, eles sejam ressignificados, isto é, dêem-se a perceber para o alfabetizando em outros de seus aspectos gráficos. Já que essa ressignificação incide também sobre as práticas discursivas orais, por que não pensar, como propõe Mota (op. cit.), que, desse modo, fragmentos de textos escritos entrem em relação com textos orais? Assim como o texto oral instaura relações com objetos, relações que são significadas como referenciais, o texto escrito pode entrar em relação com o texto oral, ganhando uma significação que vem a ser interpretada como referência a ele.
	Nesse processo de ressignificação que incidiria fundamentalmente sobre cadeias de textos-discursos e não, sobre unidades como palavras e sílabas, letras e fonemas - produtos desses processos -, o papel do outro seria, como na aquisição da linguagem oral, o de intérprete. Lendo para a criança, interrogando a criança sobre o sentido do que "escreveu", escrevendo para a criança ler, o alfabetizado, como outro que se oferece ao mesmo tempo como semelhante e como diferente, insere-a no movimento lingüístico-discursivo da escrita.
	Gostaria de terminar, trazendo para a reflexão do leitor um episódio de que participei mais como observadora perplexa do que como interlocutora. Diante da insistência da mãe de uma criança, sucessivamente reprovada na primeira série do primeiro grau, aceitei "avaliar" a sua escrita. Sem saber muito o que fazer, peço a ela que escreva alguma coisa. Numa impecável letra arredondada, em ortografia correta, ela escreve : "A casa é de Maria". Diante da aparência de cartilha dessa escrita, peço então para ela que escreva alguma coisa sobre a irmã. Com dificuldade, entre várias interrupções, numa letra apertada, ela escreve algo em que, dada a "troca de letras", os problemas de separação de palavras, mal pude reconhecer a frase "Minha irmã bateu ni mim". Mas, só aí, pude perceber sua escrita em movimento em um texto em que ela não se apresentava como excluída, como na frase da cartilha e na letra da professora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Carvalho, G. M. (1995) Erro de Pessoa: Levantamento de questões sobre o equívoco em aquisição de linguagem. Tese de Doutorado, inédita. Campinas: IEL/UNICAMP.
Chomsky, N. A. (1986) Knowledge of Language. New York: Praeger.
 - (1988) Language and Problems of Knowledge: Managua Lectures. Cambridge, Mass.: The M.I.T. Press.
Ferreiro, E. & A. Teberosky (1979) Los Sistemas de Escritura en el Desarrollo del Niño. Cidade do México: Siglo XXI.
Figueira, R. A. (a sair) O erro como dado de eleição no estudo da aquisição da linguagem. Em M. F. Pereira de Castro (Ed.) Questões Metodológicas. Campinas: Editora da UNICAMP.
Jakobson, R. (1963) Deux aspects du langage et deux types d'aphasie. In Essais de Linguistique Générale: 41.-67. Paris: Minuit. 
Karmillof-Smith, A. (1986) From meta-processes to conscious access:: Evidence for children's metalinguistic and repair data. Cognition, 23: 95-147.
Lahud, M. (1977) Alguns mistérios da Lingüística. Almanaque,5: 28-37.
de Lemos, C. T. (1982) Sobre aquisição de linguagem e seu dilema (pecado) original. Boletim da ABRALIN, 3: 97-136.
 - (1991) Sobre o ensinar e o aprender no processo de aquisição de linguagem. Cadernos de Estudos Lingüísticos, 22: 149-152.
 - (1992) Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismos de cambio. Substratum, 1: 121-136.
 - (a sair) Língua e discurso na teorização sobre aquisição de linguagem. Anais do III Encontro Nacional sobre Aquisição de Linguagem, Porto Alegre: CEAL/PUC-RS.
Lier-de-Vitto, M. F. A. F. (1994) Os Monólogos da Criança: "Delírios da língua". Tese de doutorado. Campinas: IEL/UNICAMP, a sair pela Editora da UNICAMP.
Maldonado, I. R. (1995) Erros na Aquisição de Verbos com Alternância Vocálica: Uma análise socio-interacionista. Tese de mestrado. Campinas: IEL/UNICAMP.
Mota, S. B. (1995) O Quebra-Cabeças: A instância da letra na aquisição da escrita. Tese de doutorado, inédita. SP: PUC-SP.
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Pêcheux, M. (1988) Semântica e Discurso. Campinas: Editora da UNICAMP.
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Vygotsky, L. S. (1930/1978) Mind in Society: The development of higher psychological processes. Cambridge: Harvard University Press.
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
		Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
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A ALFABETIZAÇÃO COMO OBJETO DE ESTUDO: UMA PERSPECTIVA PROCESSUAL
Milton do Nascimento
UFMG/CEALE
	A finalidade deste volume é o debate metateórico das pesquisas lingüísticas sobre letramento e alfabetização que vêm sendo desenvolvidas em algumas Universidades do país.
	Meu texto representa, aqui, o trabalho sobre este tema do grupo de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que, na verdade, está se concentrando em torno do Centro de Estudos da Alfabetização e Leitura (CEALE), que acabamos de criar oficialmente na Universidade Federal, na Faculdade de Educação, e cuja diretora é a Profª Magda Soares. Neste grupo, há pesquisadores da Faculdade de Educação e da Faculdade de Letras. Além disso, o Centro conta com pesquisadores de outras instituições do Estado, reunindo não só pessoal universitário, mas também, da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, da Prefeitura de Belo Horizonte e de Contagem. É um projeto de porte, empreendendo, hoje, nove pesquisas, que serão aqui discutidas[footnoteRef:15]. As pesquisas aqui consideradas são conduzidas no Mestrado em Educação (Faculdade de Educação/UFMG) e em Letras (Faculdade de Letras/UFMG) e no CEALE. A tendência é a de que, a curto prazo, este Centro passe a congregar a maioria das pesquisas desenvolvidas em Minas Gerais sobre o processo de alfabetização, ditando os parâmetros a serem utilizados na sua definição, organização e implementação. Essa é a razão porque julgo interessante considerar aqui a maneira como as pesquisas em andamento no CEALE têm concebido o processo de alfabetização como seu objeto de estudo. [15: Não vou me referir a nenhuma destas pesquisas em particular, a não ser para ilustrar ou mostrar alguma conseqüência do aspecto teórico ou metodológico abordado. ] 
	Inicialmente, considerarei nossa delimitação do processo de alfabetização como objeto de estudo. Neste momento, procurarei destacar já alguns pressupostos teóricos e metodológicos assumidos pelo grupo. A seguir, apresentarei um esboço do que poderíamos chamar de „o quadro de referência teórica“ ou de o ponto de vista que enforma nossos trabalhos. Em terceiro lugar, com o objetivo de deixar mais explícito nosso ponto de vista, destacarei, a título de exemplo, alguns procedimentos adotados na condução de dois tipos de pesquisa que estamos realizando. E, finalmente, como conclusão, vou procurar apresentar um resumo dos pressupostos teóricos.
	Vejamos, em primeiro lugar, a delimitação do processo de alfabetização como objeto de estudo. Como vemos este nosso objeto de estudo? 
	As pesquisas atualmente em andamento no CEALE definiram-se, basicamente, a partir da pesquisa da Profª Magda Soares, entitulada Alfabetização no Brasil: O estado do conhecimento, publicada em livro pela EDUC, em 1990, com data de 1989. Nesse livro, analisa-se artigos publicados em periódicos especializados, dissertações e teses, produzidos na áreas de Educação, Psicologia e Letras, no Brasil, no período de 1950 a 1986.
	Na verdade, nas palavras da própria autora, esta pesquisa „teve como objetivo a identificação da produção acadêmica e científica sobre a aquisição da língua escrita pela criança no processo de escolarização regular e sua descrição à luz de determinadas categorias: os temas que têm sido privilegiados; as referências teóricas que vêm enformando estudos e pesquisas; os ideários pedagógicos a elas subjacentes; os gêneros em que o conhecimento produzido se expressa. Procurou-se, ainda, indicar as relações entre essas categorias e evidenciar-se, sob uma perspectiva histórica, a presença, maior ou menor, ao longo do período analisado, dos diferentes temas, referenciais teóricos, ideários pedagógicos e gêneros. A fim de contribuir para a identificação de estudos e pesquisas necessários na área de alfabetização e oferecer subsídios para a definição de uma política adequada de incentivo à pesquisa nesta área, buscou-se também determinar lacunas, apontando temas ausentes ou insuficientemente explorados; referenciais teóricos cuja presença na produção de conhecimento sobre alfabetização é ainda pouco significativa; alternativas metodológicas de investigação que, embora promissoras, ainda são pouco utilizadas na pesquisa sobre alfabetização“ (Soares, 1989).
	Há resultados interessantes deste esforço em situar as pesquisas em alfabetização no Brasil[footnoteRef:16]. Por exemplo, saber-se que a Lingüística está presente e preocupando-se com a alfabetização a partir dos anos 70 e, mais significativamente, somente nos anos 80; que se tem pouquissimos trabalhos em Lingüística e de que tipo são estes trabalhos. Nesse trabalho, Soares constata, ao lado de um aspecto quantitativo - crescimento numérico da produção de estudos e pesquisas sobre alfabetização -, um importante aspecto qualitativo: a diversidade de enfoques com que se tem ampliado a análise do processo de aquisição da escrita. E atribui este fato ao reconhecimento recente da complexidade do fenômeno alfabetização e da multiplicidade de facetas sob as quais este fenômeno pode e deve ser considerado. Mas observa: „a multiplicidade de perspectivas e a pluralidade de enfoques sobre alfabetização não trarão colaboração realmente efetiva, enquanto não se tentar uma articulação das análises provenientes de diferentes áreas de conhecimento, articulação que busque ou integrar estruturalmente estudos e resultados de pesquisa, ou evidenciar e explicitar incoerências e resultados incompatíveis“ (Soares, op. cit.). [16: Estes dados estão à disposição do público, com fichas por temas e por cruzamento de temas.] 
	A partir deste quadro geral, as pesquisas do CEALE vêm, justamente, implementando esta tentativa de articulação que tem orientado a especificação do processo de alfabetização como objeto de estudo. Ou seja, ao tomá-lo como objeto de pesquisa, em qualquer das suas várias facetas, procura-se, sempre, não perder de vista sua complexidade, admitindo-se, de antemão, „a necessidade de articulação e integração de estudos e pesquisas desenvolvidas no âmbito da Psicologia, da Lingüística, da Psicolingüística, da Sociolingüística, etc.“ (Soares, op. cit.).
	Isso, de um lado, determina uma maneira de se conceber os objetos de pesquisa e, de outro, certas opções teóricas e metodológicas que exporemos a seguir.
	No que concerne à maneira de se conceber os objetos de estudo, procuramos deixar claro que o foco de nossas pesquisas sobre alfabetização deve se situar no processo de alfabetização e não apenas em produtos encontráveis neste processo. Isto tem várias conseqüências,não só em termos de definição e condução das pesquisas, mas também em termos de seus possíveis resultados. Pesquisadores que, trabalhando sobre o processo de alfabetização, não levarem em conta esta determinação de foco sobre o objeto pesquisado, podem adotar procedimentos e parâmetros que, como bem observam Abaurre & Cagliari (1985: 26), „podem ser adequados para descrever os produtos, mas não ajudam a compreender os processos subjacentes à elaboração do discurso oral e escrito“.
	É o que se observa na maioria das pesquisas que estudam as relações entre o sistema ortográfico e o sistema fonológico. Pode-se constatar que tais pesquisas ou consideram diretamente as correlações estabelecidas do ponto de vista do pesquisador entre os dois sistemas, sem caracterizar o trabalho do aprendiz que os processa, ou, se consideram o trabalho do aprendiz, no processamento de tais relações, consideram-no fora do processo de alfabetização, sem levar em conta as reais condições de produção neste processo.
	Tendo delimitado como objeto de estudo este ou aquele aspecto do processo real de alfabetização, as pesquisas desenvolvidas no CEALE/UFMG, - como pesquisa-intervenção ou como pesquisa de descrição e verificação - estão todas focadas nesta vertente processual, quer tematizem processos informais, não escolares, de aquisição de escrita, quer, como tendemos a privilegiar, tematizem o processo de alfabetização formal, escolar, das classes populares, dos colégios p·blicos.
	Portanto, qual é a base de integração, o ponto comum em torno do qual se organizam as pesquisas da UFMG, que se pretendem integradas neste Centro de Estudos sobre Alfabetização e Leitura? A primeira é uma discussão sobre como se conceber este objeto de estudo complexo e processual. Logo, a primeira base para a integração de pesquisas está na definição do objeto.
	Mas é evidente que esta pretendida integração de pesquisas - integração no recorte do objeto - não se realiza apenas por uma concepção semelhante do objeto de estudo, do processo de alfabetização. Ela se torna possível, principalmente, pela adoção, por parte dos pesquisadores, de certos pressupostos teóricos comuns, que vão embasar o conjunto dos trabalhos. Numa visão processual, agora do trabalho do pesquisador, admite-se que o ponto de vista, o referencial teórico utilizado na delimitação do objeto de estudo e na organização de uma pesquisa não é estático, dado de uma vez por todas. De certa maneira, ele é também construído, ou reconstruído, no desenvolver da pesquisa.
	Por isso mesmo, ao tentar explicitar o que há de convergente nos referenciais teóricos que sustentam as pesquisas sobre alfabetização aqui consideradas, vou me limitar a destacar apenas duas ou três noções nucleares que, creio, são assumidas por todos os pesquisadores envolvidos nas pesquisas. Destas duas ou três conceituações decorrem os demais construtos teóricos que compõem os respectivos quadros de referência.
	A primeira concepção realmente negociada pelo grupo refere-se à noção de aprendizagem. Poderíamos afirmar que, de maneira correlata à concepção do objeto de pesquisa como fenômeno complexo, os pesquisadores a que nos referimos também entendem o ato de conhecer como um processo complexo. Creio mesmo que todos concordariam, no essencial, com Souza Lima (1990), num artigo sobre construtivismo e alfabetização publicado no último número da Revista da Faculdade de Educação/UFMG, onde a autora afirma que: „aprender é um processo complexo. Estudá-lo implica necessariamente que se faça um recorte. Entender este recorte como totalidade do processo de aprender é, evidentemente, um reducionismo. Em Educação, temos lidado continuamente com reducionismos que são, muitas vezes, encarados como teorias fechadas ou por seu formulador ou por seus seguidores, mais comumente, pelos segundos. Teorias estas que, pretensamente, dariam conta da complexidade do aprender. Esta postura determina a limitação da própria teoria como elemento de compreesão da realidade. Nesta perspectiva, ela torna-se totalmente inadequada, uma vez que o aprender requer, para ser compreendido, uma abordagem mais abrangente que envolve várias áreas do conhecimento. Exemplo recente deste equívoco tem sido a utilização do construtivismo, conceitualmente mal definido, cujos princípios são utilizados para fundamentar as práticas díspares de sala de aula. Este fato é conseqüência da transposição direta de uma teoria de uma área de conhecimento para outra. O construtivismo não é uma proposta pedagógica, não esgota as questões complexas que estão envolvidas no ato de ensinar e aprender, que não são meramente de ordem psicológica. O construtivismo apresenta um quadro teórico sobre o processo de construção do conhecimento no ser humano, a partir de uma abordagem específica do indivíduo. Dentro da Psicologia, existem outras teorias, que assumem o princípio do papel ativo da criança na elaboração de seu conhecimento. Só que a relação entre sujeito e conhecimento é vista sob um prisma distinto e de maior complexidade que no construtivismo, na medida em que consideram o social e o cultural como constitutivos do processo de construção do conhecimento“ (Souza Lima, op. cit.).
	Nesta citação, podemos afirmar que a autora caracteriza bastante bem e nos pontos essenciais a noção de aprendizagem com que procuramos trabalhar em nossas pesquisas: a) a concepção do ato de aprender e ensinar como fenômeno complexo, que requer uma abordagem mais abrangente, que uma só área do conhecimento não pode oferecer; b) a certeza de que o ato de aprender e ensinar envolve questões que não são meramente de ordem psicológica, ou seja, envolve considerações também de ordem lingüística; c) o papel ativo da criança na elaboração de seu conhecimento, visto de uma maneira mais ampla, que engloba o social, o cultural e, especificamente, as condições de produção da alfabetização.
	A segunda concepção representativa do enfoque do grupo é a noção de aprendizagem da escrita, ou seja, diz respeito à especificidade da aprendizagem da escrita. Um pressuposto adotado, de maneira geral, na condução das pesquisas em pauta, é o de que, no momento da alfabetização propriamente dita - o momento posterior àquele em que a criança já descobriu com que tipo de escrita ela vai trabalhar ou o momento em que a criança entra efetivamente na escola -, os alfabetizandos utilizam de maneira crucial os seus conhecimentos da língua na construção e organização das sucessivas representações gráficas da fala, que os conduzem ao domínio das regras oficiais de escrita. 
	Portanto, um pressuposto central é este: de que o conhecimento lingüístico é básico, é um elemento determinante, constituinte essencial, da construção do conhecimento sobre a escrita pela criança. Isso corresponde a dizer que a construção do conhecimento da escrita é essencilamente mediada pela competência lingüística do aprendiz. Ela é um dos fatores determinantes - condição de existência - da elaboração das hipóteses e estratégias por ele utilizadas na construção de seu conhecimento sobre a escrita.
	Concepção esta que nos leva a considerar a aprendizagem da escrita como tendo características que a distinguem de outros tipos de aprendizagem. A construção de conhecimento sobre a escrita é um tipo de aprendizagem que tem características específicas em relação a outros tipos de aprendizagem. Este foi um ponto muito discutido, pois é comum, no campo da Psicologia ou de uma certa Psicologia, afirmar-se a universalidade da dinâmica dos processos de aprendizagem.
	Note-se que o fato dos pesquisadores em questão assumirem que o conhecimento lingüístico do alfabetizando é um fator constitutivo essencial no processo de construção de seu conhecimento da escrita, não implica que todos concordem teoricamente em aspectos que concernem à gênese desta competência. Este é um ponto bastante controverso. Como este conhecimento é construído, qual sua base, qual sua modalidade de construção, quanto a isso há bastante divergência no grupo de pesquisadores. Há muitos pesquisadores,lá e fora de lá, que realmente colocam este conhecimento lingüístico, esta competência, como central e como fazendo parte do objeto pesquisado.
	Mas sejam quais forem as particularidades das teorias sobre aquisição de linguagem com que operam, os pesquisadores da UFMG, ao colocarem os conhecimentos lingüísticos do alfabetizando como fator essencial no processo de aquisição da escrita, estão incluindo a linguagem oral como um dos elementos constituintes do objeto de pesquisa. Pois dizer que é essencial o conhecimento lingüístico, implica dizer a centralidade da atuação lingüística, do desempenho lingüístico na oralidade. E isto evidencia a necessidade de programarmos mais pesquisas do tipo das que Soares (1989: 108) chama de pesquisas de intervenção, em que o pesquisador intervêm no processo de alfabetização, introduzindo um ou mais elementos novos ou variáveis.
	Se estamos colocando que toda a construção do conhecimento sobre escrita é intermediado e tem como base a atuação lingüística do sujeito, seja como ponto de referência, seja como condição de aprendizagem, e se tomamos o processo de alfabetização daquela sala de aula particular, daquele colégio tal como ele é organizado, é impossível simplesmente observarmos como as crianças utilizam este seu conhecimento da linguagem oral. Temos de intervir, reorganizar. Isto se torna um ajuste necessário no objeto a ser pesquisado - o processo de alfabetização -, principalmente porque, citando Cagliari (1986: 99) em sua maneira contundente de dizer, „a incompetência dos professores de alfabetização em lidar com a linguagem oral é tão trágica que, a meu ver, é um dos pontos que provocam um impasse ao progresso escolar de muitos alunos“.
	É verdade que a formação que estamos dando - nós que formamos os professores -, em termos de trabalhar com a linguagem oral, não capacita estes professores para que coloquem esta centralidade de processos que acontecem em linguagem oral e que intervêm na linguagem escrita. Nesse ponto, Cagliari teria razão ainda hoje. Portanto, para estudarmos esse processo de alfabetização, temos de fazer certos ajustes.
	Colocando a atuação lingüística do alfabetizando como um elemento propulsor so processo de construção do conhecimento da escrita, os pesquisadores da UFMG estão conscientes do que diz Abaurre (1988: 14): „o grande desafio está em sermos capazes de interpretar todas as hipóteses que fazem as crianças no momento inicial da aquisição da escrita, para trabalhar a partir dessas hipóteses na busca da escrita convencional socialmente valorizada“.
	Portanto, os dois tópicos que são pilares básicos do quadro de referência destas pesquisas são as noções de aprendizagem e de aprendizagem da escrita, tendo, esta ·ltima, como elemento constitutivo essencial o conhecimento lingüístico do aprendiz. Isso implica, como decorrência, uma perspectiva de pesquisa: o objeto pesquisado passa a ser, exatamente, este suceder de hipóteses que a criança realiza desde o momento em que ela começa a ter contato com a escrita, até o momento em que ela é capaz de produzir escrita oficial.
	Os pesquisadores concordam também com Abaurre, no mesmo texto citado acima, em que „as crianças incorporam desde cedo, em sua produção escrita, aspectos convencionais da escrita“. Isto não é de si tão evidente. Há pesquisas que afirmam que a criança constrói seu conhecimento da escrita a partir de seu conhecimento lingüístico e, a partit daí, começam a levantar hipóteses e dados, levando-se em conta só a linguagem oral. Mas, em termos processuais, a criança, quando entra na escola, já tem algumas idéias sobre escrita. A cada momento, ela recebe informações sobre escrita do professor, etc., e, em suas produções, ela demonstra exatamente que ela está levando em conta elementos da escrita oficial. E, se estamos, a partir do produto das crianças, tentando reelaborar as hipóteses com que ela os produz, temos de levar em conta, em termos processuais, não só seu conhecimento da oralidade, mas também como ela opera com seu conhecimento da escrita.
	Mais ainda, estes pesquisadores postulam que, em termos processuais, é necessário, nas pesquisas sobre alfabetização, tentar trabalhar com uma teoria das relações entre sistema fonológico e sistema ortográfico construída pelas crianças. Notem bem: relações construídas pela criança e não propostas pelo lingnista.
	Para isto, o que procuramos fazer foi tentar estabelecer uma primeira categorização dos tipos de relações envolvidas na interrelação que a criança estabelece entre os dois sistemas,. a partir da análise da produção das crianças nesse processo e buscando verificar as hipóteses com que ela trabalha, para, possivelmente, no melhor dos mundos, chegarmos a poder descrever o caminho normal, o caminho usual que toda criança, num ritmo ou noutro, segue até a sua aquisição de escrita.
	Tínhamos uma pesquisa anterior, que estávamos começando em 1985[footnoteRef:17], que partia da „análise de erro“ das crianças; não uma „análise de erro“ localizada, mas da perspectiva da história dos tipos de „erros“ que ela produz nesta tentativa de correlacionar estes dois sistemas. Uma „análise de erro“ sistemática, tentando isolar as variáveis (método, classe social, idade, sexo), num método de teoria da variação, e visando uma certa topologia de „erros“, de modo a chegarmos a ter uma certa base para começarmos a falar das hipóteses desta criança. [17: Esta pesquisa, hoje, já está com mais de 850.000 dados - todos computados e com disquettes à disposição no Banco de Dados - obtidos a partir de redações de crianças selecionadas em termos de tipo de colégio (classe não privilegiada/classe privilegiada; rede privada/rede pública), de série e idade, de sexo do informante (masculino/feminino) e pelo tipo de método adotado na alfabetização (global/não global). ] 
	A partir dos primeiros dados (até 1985, tínhamos chegado a trabalhar com 51.000 dados, todos eles digitados conforme variáveis estruturais/não estruturais), chegamos à conclusão que, a maior dificuldade de análise se apresenta face aos chamados "dados espontâneos". Quando se trata do processo de alfabetização, é preciso ter cuidado, pois corremos o risco de o aluno estar totalmente conduzido pelo professor, reproduzindo formas memorizadas, produzindo formas que o professor ensinou e, então, o dado já não se presta a este tipo de análise de produto, onde se busca saber, através daquilo que o aluno realiza, como ele desempenha a tarefa de fazer correlações entre os dois sistemas (fonológico e ortográfico) e produzir esta ou outra escrita. Mas mesmo assim, podemos, com este tipo de método, chegar a caminhar na direção de nossas hipóteses, pois aquilo que foge a esta reprodução, se chegarmos a determinar como e porque foge, podemos encontrar o que buscmos. Apesar de todo o controle, a criança ainda se manifesta.
	Tínhamos trabalhado com 51.000 dados (cf. Anexo I), mas com um número mínimo de „erro“s. Tivemos, então, necessidade de ampliar o Banco de Dados, trabalhando outros tipos de textos: redações informais, produzidas num grau maior de informalidade para ficar mais perto do texto espontâneo; textos colhidos em Supletivo, onde não havia formação escolar realmente regular; etc. São estes os dados que temos agora no Banco de Dados: 857.000 dados categorizados e codificados. Estamos trabalhando sistematicamente estes dados, a partir de oito arquivos que abrangem: a marcação da nasalidade; sílabas travadas; dígrafos; ditongos; os processos que a criança utiliza para a segmentação da escrita; como a criança adquire ou como ela resolve o problema da composição do texto em seus aspectos anafóricos - anáfora no sentido amplo; etc.
	Portanto, trata-se de uma análise de produto, quantitativa, a partir da metodologia da teoria da variação, que visa estabelecer uma topologia de „erros“ de alfabetização, com o objetivo de tentar depreender as hipóteses subjacentes a esta correlação que a criança faz entre sistema fonológico e sistema ortográfico.
	Paralelamente, vínhamos trabalhando, também desde 1985,numa pesquisa de alfabetização de adultos, onde havíamos organizado o processo de alfabetização numa seriação de atividades didáticas, a partir de certas relações entre os dois sistemas. 
	Neste segundo trabalho, fomos descobrindo que, na verdade, quando dizíamos que a sílaba é um elemento essencial na aprendizagem da escrita de palavras, não estávamos totalmente certos. Não se tratava realmente da sílaba ou de aspectos segmentais. Nesta pesquisa-intervenção, ensinávamos primeiramente leitura e só depois, escrita. Tínhamos a pressuposição de que, assim, os alunos iriam escrever mais facilmente, mas foi o contrário. Eles começaram a voltar ao zero, como se nunca tivessem visto a escrita; a não segmentar. Portanto, ler é uma coisa e escrever, outra: o processo recomeça. Uma das perguntas que nos colocávamos, então, era: por que que estes rapazes insistem em escrever só até a tônica? Da tônica para frente, não transcreviam. Ou então, conforme o tipo de enunciação na leitura, escreviam de um jeito ou de outro. Começamos, portanto, a perceber aspectos muito mais ligados ao suprasegmento que aos segmentos.
	A partir daí, começamos a identificar uma certa natureza destes processos; a ver que os „erros“ podiam ser categorizados. Poderíamos ter dado uma descrição muito melhor destes processos, se tivéssemos trabalhado com outros tipos de Fonologia que não a Linear. Estamos caminhando para isso. MAs o importante é que começamos a organizar uma "taxonomia de 'erros'" de ortografia, no processo de alfabetização.
	Insisto aqui no fato de que é necessário compreender bem isto que nós chamamos de "taxonomia de 'erros'", pois pode-se entender que estamos fazendo taxonomia de erros (sem aspas). Tem-se de entender este trabalho como um instrumento utilizado na tentativa de pesquisar um aspecto do processo de alfabetização. E o que quer dizer isto? Quer dizer que, na verdade, não organizamos o material em função disto, mas que este é um instrumento para que se possa, na análise do material, ver realmente que tipo de relações os alunos fazem na produção de seu texto.
	Esta taxonomia foi colocada em termos de tipos de „erros“ e fontes de „erros“, como se pode ver no Anexo II. São Tipos de „erros“: (a) violação do tipo de escrita; (b) violação de convenções invariantes do código escrito, no que se refere às relações entre fonemas e grafemas; (c) violação da representação gráfica oficial de um fonema, devido às relações opacas que se estabelecem entre este fonema e seus alofones; (d) violação da representação gráfica de seqüências de palavras; (e) violação das regras gramaticais utilizadas na escrita; (f) violação das formas dicionarizadas; (g) violação das regras que dizem respeito à forma do texto; e (h) „erros“ de hipercorreção. Cada um destes tipos de „erro“ é subcategorizado pelas fontes de „erro“, numeradas em arábico no Anexo.
	O que interessa aqui é que estávamos usando esta taxonomia como instrumento para separar determinados tipos de processo relativos às hipóteses a respeito da relação entre os dois sistemas. Além disso, esta não é a taxonomia completa. E apenas uma amostra, para colocar a idéia da pesquisa.
	Por exemplo, o tipo (A) - violação do tipo de escrita -, em seu subtipo (A)1 - utiliza-se de algo que não seja alfabeto oficial -, é uma categorização que visa detectar as intervenções que não são propriamente „lingüísticas“, que estão ligadas ao problema da descoberta do tipo de escrita com que o aluno está trabalhando; ao problema sensório-motor, de percepção, de espacialização, etc. Neste mesmo tipo (A) estariam, portanto, todos os fatores que pudessem situar-nos quanto a um aspecto mais material ou sensorial ou psico-motor da escrita e também quanto à compreensão daquilo que a escrita é.
	No tipo (B), inicia-se os tipos de relações que estamos querendo categorizar, que envolvem realmente conhecimento fonológico. Não vou comentar todos os tipos, mas, apenas, como exemplo, o tipo (B) - violação de convenções invariantes do código escrito, no que se refere às relações entre fonemas e grafemas. A palavra importante aí é invariantes. Veja-se que, se realmente o aluno percebe que há relação entre os dois sistemas que ele está relacionando através da escrita, ele deve perceber - e vimos que isto é verdade - que há relações diferentes. Estamos, então, tentando separar, nas suas características, estas relações, para, depois, verificarmos - como verificamos - que, nos textos mais avançados, por exemplo, este tipo (B) já está resolvido. Nos textos de alunos que já estejam mais avançados ainda no processo, o tipo (C) já está resolvido. E assim por diante. Os últimos a se resolverem são aqueles da letra (H).
	Compare-se, por exemplo, com (C): violação da representação gráfica oficial de um fonema devido às relações opacas que se estabelecem entre este fonema e seus alofones. Podemos ver que, na classe (B) e em suas várias fontes, são relações que poderíamos, levando em conta a direção do processamento (se é na direção da escrita ou se é na direção da leitura), dizer que as relações em (B) são todas regulares. Ou seja, o aluno pode trabalhá-las em termos de depreensão de generalidade, de regras. Já as relações em (C), não. Entenda-se opacas aí - nesta relação: de um lado fonema, de outro grafema - como efeito de um processo fonológico que esconde o realcionamento dos dois sistemas. Por exemplo, em (B)7: relações opacas oriundas da fala não padrão. Na fala do aluno, o infinitivo é /le-va/, /fa-ze/, /a-ma/. Na ortografia, tenho a marcação do infinitivo com -r. Esta seria uma fonte de „erro“ - o fato de, na fala padrão, o infinitivo se realizar desta maneira - que é também uma fonte de opacidade, pois o aluno teria de fazer correspondência com algo que não fala, para transcrever da maneira que o dialeto culto realizaria fonicamente.
	Note-se que, no tipo (D) - violação da representação gráfica de seqüências de palavras -, colocamos uma coisa normalmente encarada como inicial no processo de alfabetização. Isto é porque estamos olhando do ângulo da criança. Apesar de, aparentemente, muitas vezes, no comecinho, ela já estar segmentando, este é um trabalho de elaboração mais complexo, pois já supõe uma análise mais global dos dois sistemas. Repare-se que o aprendiz tem de partir de uma noção de unidade no âmbito da fala e realizar outro tipo de unidade na escrita. Por isso, figuram aí dois tipos de fontes (unidades).
	No tipo (E) - violação das regras gramaticais utilizadas na escrita -, o que se vê é que, apesar de estarmos numa perspectiva onde o que interessa são relações entre o sistema ortográfico e fonológico, temos de considerar também a morfo-sintaxe. A fonologia não é o único elemento determinante da ortografia.
	O tipo de „erro“ em (F) - violação das formas dicionarizadas -, em relação a (B), representa outro tipo de aprendizagem, dentro daquela perspectiva de se tomar aprendizagem como processo complexo. No caso de (B), a criança pode chegar a operar com regras. Em (F), não há como falar de regras. Saber se /sitw/ se escreve com c- ou com s- é uma aprendizagem praticamente ideográfica, de memorização, de dicionário. Este tipo de „desvio“ da ortografia oficial apresenta um tipo de relação onde posso esperar que, realmente, mesmo os alunos mais avançados na aquisição do processo terão problemas.
	Já no tipo (G) - violação das regras que dizem respeito à forma do texto -, estamos caminhando da regularidade inicial para aquilo que é mais ideossincrático; daquilo que está mais de acordo com a natureza do processo, para aquilo que é mais convencional.
	O que temos feito com esta tipologia ou taxonomia? Neste momento, estamos tentando montar, com um Colégio da Prefeitura de Contagem, um sistema de alfabetização que leve em conta este tipo de distribuição categorial das relações entre os dois sistemas. Em que sentido? Não no sentido - que tentamos no início -, de prepararmos textos que somente tenham relações de um ou de outro tipo. Isto acaba por impossibilitar os textos: não há texto e nem linguagem. Mas no sentidode formar o professor, para que ele possa, aplicando esta taxonomia sobre os textos produzidos por crianças e controlados de uma maneira mais ou menos sistemática, levantar a topografia de „erros“ de seu(s) grupo(s) e dizer alguma coisa sobre a sua dinâmica da construção do conhecimento sobre a escrita.
	Em síntese, minha intenção neste texto, ao relatar como encaramos e como organizamos a pesquisa em alfabetização no CEALE/UFMG, foi, em primeiro lugar, mostrar que estudar o processo de alfabetização é um problema também para nós. E que estamos tentando solucionar este problema, trabalhando de maneira a que possamos dizer como concebemos e olhamos este objeto de estudo. 
	Vimos que, no que se refere à concepção deste objeto, acentuamos seu caráter processual e complexo e que, portanto, envolve necessariamente olhares de várias áreas. Para encará-lo assim, temos de trabalhar com uma noção de aprendizagem bastante mais complexa - que, também ela, tome subsídios de várias áreas - e com uma noção de aprendizagem da escrita - e aí se encontra o que mais importa - que coloque o foco de nossas pesquisas não no produto, não no texto, mas nos seus mecanismos de produção. Por isso, trabalharmos com uma concepção de aprendizagem que, em termos processuais, coloca no centro da construção do conhecimento sobre a escrita a competência, isto é, o desempenho lingüístico da criança na oralidade, tomado não só como ponto de referência para ela, mas também como elemento constitutivo do processo.
	Portanto, a partir destas concepções sobre aprendizagem da escrita, nossas pesquisas consistem em procurar interpretar algo daquilo que se passa com a criança nesta construção do seu conhecimento da escrita. Para sabermos sobre isto, estamos buscando instrumentos que nos permitam situar a criança neste processo de alfabetização. Por exemplo, quando dizemos que se trata de uma hipótese que a criança faz, a partir de seu conhecimento lingüístico, é necessário que vejamos, conscientemente, se se trata realmente de uma hipótese que podemos atribuir à natureza do conhecimento específico ou se faz parte da intervenção do método, da organização do processo, de outras intervenções de outros fatores não estruturais que possamos detectar.
	Com isso pretendemos que, desenvolvendo este tipo de estudo, dentro de algum tempo, possamos partir para um outro tipo de investigação[footnoteRef:18]_ em que, para se estudar o processo de alfabetização, estude-se também as suas condições de produção, ou seja, o que faz com que este processo de alfabetização, numa escola de Minas Gerais, que teve esta história particular, onde certos tipos de pesquisa, ao longo do tempo, influenciaram a montagem deste tipo de processo de alfabetização, seja desta maneira e não de outra. [18: No grupo de Minas Gerais, a Profª Magda Soares já está levando a efeito este tipo de pesquisa.
] 
	Neste sentido, temos também uma série de pesquisas sobre aspectos históricos ligados à alfabetização. Principalmente, um Projeto Integrado com quatro pesquisas, onde, por exemplo, uma delas pretende detectar como a literatura, a partir de 1950 a 1986, tem tratado o problema da dificuldade de aprendizagem. Isto porque a dificuldade de aprendizagem foi um tema recorrente em alfabetização, até os anos 70, e ainda influencia a organização do processo de alfabetização. Ora, partindo-se do pressuposto de que, em termos processuais, a dificuldade de aprendizagem vai descrever muito menos a ação do aprendiz e muito mais aquilo que define esta ação como problema de aprendizagem, é preciso mapear o que se diz sobre dificuldade de aprendizagem para se ver em relação a que quadro de referência isto é determinado; que tipo de teoria (lingüística, ou não lingüística) subjaz a isso.
	Nossa tentativa é justamente, portanto, a de articular os tipos de pesquisa que eu chamaria de mais propriamente lingüísticas, como as que descrevi ao longo do texto, a estes outros tipos de pesquisa - como este mapeamento da noção de dificuldade de aprendizagem ou como outra pesquisa, sobre o papel do IPEAD (um centro de alfabetização dos Estados Unidos) na formação de alfabetizadores em Minas Gerais ou, ainda, com pesquisas sobre a formação do alfabetizador, seus valores, seu imaginário, sua técnica. Tal tentativa decorre, tal como quis demonstrar neste texto, de nossa definição de objeto de estudo, encarado não como alfabetização ou aquisição individual de escrita, mas como processo complexo, enfocado a partir deste quadro de referenciais teóricos que está em construção, em permanente diálogo interdisciplinar entre as diversas áreas que produzem conhecimento sobre alfabetização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [verificar e completar fontes]
Abaurre, M. B. & L. C. Cagliari (1985) Textos espontâneos na 1ª série: Evidência da utilização, pela criança, de sua percepção fonética da fala para representar e segmentar a escrita. Cadernos CEDES, 14: 25-29. SP: Cortez Ed.
 - (1988) The interplay between spontaneous writing and underlying linguistic representations. European Journal of Psychology of Education, 3(4): 415-430.
Cagliari, L. C. (1986) A ortografia na escola e na vida. In Isto se Aprende com o Ciclo Básico, Projeto Ipê, Curso II: 97-108. SP: CENP-SE-SP.
Soares, M. (1989) Alfabetização no Brasil: O estado do conhecimento. SP: EDUC/PUC-SP, 1990.
Souza Lima, E. (1990) Construtivismo e alfabetização. Revista da Faculdade de Educação. BH: UFMG, 1990.
ANEXO I: CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
	O corpus analisado constituía-se, inicialmente, de 51.946 dados. No decorrer da análise, uma vez descartados os "erros" que não se mostraram significativos, este corpus passou a se constituir de 27.298 dados, assim distribuídos:
	CATEGORIA
	PROBLEMA
	N° DE CASOS
	N° DE ERROS
	I - NASALIDADE
	1 - m
2 - n
3 - ão
4 - am
5 - ã
TOTAL
	963
1.246
315
229
18
2.771
	26
58
16
26
02
128
	II - DIGRAFOS
	1 - nh
2 - rr
3 - ch, lh, gu, qu
TOTAL
	581
105
1.065
1.751
	13
11
29
53
	III - TRAÇO DE VOZ
	
TOTAL
	12.602
12.602
	54
54
	IV - SILABAS TRAVADAS
	1 - r
2 - s
3 - l
TOTAL
	1.280
2.567
265
4.112
	59
90
31
180
	V - DITONGOS
	
TOTAL
	2.065
2.065
	44
44
	VI - SILABAS CORONAIS
	1 - S intervocálico
2 - S inicial
3 - Z intervocálico
4 - /S/ pré-vocá
lico
5 - /Z/ diante de
e, i
TOTAL
	616
851
447
269
114
2.297
	57
27
28
17
16
145
	VII - DESINÊNCIA DE GERÚNDIO
	
TOTAL
	204
204
	19
19
	VIII - ALÇAMENTO DE /E/ PRÉ-TÔNICO
	
TOTAL
	1.496
1.496
	13
13
ANEXO II: TIPOS E FONTES DE "ERROS"
	Esta tipologia de "erros" conta com oito classes diferentes, determinadas segundo o aspecto da escrita que esteja sendo violado.
(A) Violação do tipo de escrita:
(A)1 - utiliza-se de algo que não seja o alfabeto oficial;
(A)2 - uma letra não é traçada corretamente.
	As fontes para este tipo de "erro" são as seguintes:
(1) O aprendiz ainda não percebeu quais são as unidades que a escrita alfabética pretende representar e escreve coisas como bblt (=borboleta), bde (=bonde).
(2) O aprendiz desenha uma letra x no lugar de uma letra y por incapacidade de fazer discriminações visuais (m/n, p/q, b/d), por incapacidade de fazer discriminações auditivas (p/b, t/d, s/z), ou por pura distração (qualquer dos exemplos anteriores).
(B) Violação de convenções invariantes do código escrito, no que se refere às relações entre fonemas e grafemas:
(3) Um mesmo grafema representa dois fonemas diferentes, conforme o contexto em que ele ocorra. Ex: 
Grafema r:
- fonema /h/ nos contextos ##______V 'rato'
				 V______V 'honra'
				 V______C 'irmos'
				 C$______V 'bilro'
- fonema /r/ nos contextos V______V 'cara'
				 C______V 'trata'
(4) Um mesmo fonema é representado por dois grafemas diferentes, conforme o contexto em que ele ocorra. Ex:
Fonema /h/
- grafema rr no contexto V_______V 'carro'
- grafema r nos demais ambientes.
(5) A vogal nasalizada é representada por um dígrafo Vn/Vm, no caso de nasalidade primária em interior de palavra, ou por um dígrafo V/Vm, no caso de nasalidade

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