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1 FILOSOFIA DO DIREITO PROF. DOUGLAS AZEVEDO 2 FILOSOFIA DO DIREITO PROF. DOUGLAS AZEVEDO SUMÁRIO 01. Importância da filosofia, Grécia Antiga, Idade Média, Estado Moderno, Contratualismo e outros ................................................................................................................................. 2 02. Positivismo jurídico, outros temas e autores ......................................................................... 18 03. Autores e temas ainda não cobrados ......................................................................................... 30 01. Importância da filosofia, Grécia Antiga, Idade Média, Estado Moderno, Contratualismo e outros 1. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA DO DIREITO E GRÉCIA ANTIGA 1.1 A importância da filosofia do direito Antes de adentramos nos temas cobrados na prova da OAB, é importante entendermos o que é a filosofia do direito. Antes, contudo, devemos entender o que é a própria filosofia. De modo sucinto, filosofia é uma espécie de sistematização do pensamento, tendo como base a razão humana. É, também, uma forma de enfrentamento direto da realidade em que vivemos. Ora, sempre que “filosofamos” acerca de alguma coisa, estamos, de certa forma, a questionando. A filosofia, por sua vez, possui objetos, ou temas gerais, sobre os quais se debruça. A política, a ética, a estética, as questões teológicas e, claro, o direito. Portanto, temos a filosofia do direito como uma das áreas de análise da filosofia, e não como um método independente e autônomo. Vários dos autores que trabalharemos a seguir possuem uma base de pensamento filosófico (um método) e, entre os diversos objetos estudados, temos o direito. Quer dizer, os gregos possuem um entendimento do direito dentro de sua filosofia, ao passo que autores contemporâneos têm a sua compreensão sobre o tema. 3 Imprescindível, para prosseguirmos, compreender a distinção entre filosofia do direito, teoria geral do direito e pensamento jurídico. A filosofia do direito vai se preocupar com os grandes temas da experiência jurídica, por exemplo, aquelas perguntas que parecem simples, mas são extremamente complexas de se responder e bem mais abstratas, como O que é o direito? O que é a justiça, ou melhor, esta sentença, ou ainda esta lei, é justa? Percebam que as respostas vão variar conforme o autor abordado e seu método filosófico. Alguns vão aproximar o direito da moral; outros, da política, econômica etc. Seu objeto, portanto, é histórico, pois muda conforme as concepções de determinada época. Com a modernidade e o surgimento dos ordenamentos jurídicos estruturados e codificados, teremos o surgimento da teoria geral do direito – a qual vai se debruçar não sobre casos concretos da aplicação jurídica do cotidiano, mas sobre questões de ordem um pouco mais geral, como técnicas jurídicas (qual norma aplicar quando há uma colisão entre regras, por exemplo). Em alguns pontos, a teoria geral do direito muito se aproxima da filosofia, sendo difícil estabelecer uma distinção, mas notem que a primeira é ainda muito mais geral e abstrata, preocupando-se com a fundamentação do direito como um todo, e não com questões referentes a sua aplicação. Já o pensamento jurídico, este ensinado nas graduações, aborda aspectos bem menos gerais, preocupando com questões de ordem prática – a aplicação de leis no caso concreto, por exemplo. Como aplicadores do direito, imperioso que nossa análise não fique restrita tão somente às leis que aplicamos diariamente, mas que sejamos capazes de compreender o fenômeno jurídico dentro de sua complexidade e de suas relações com outras áreas do saber. A construção desta base crítica e questionadora demanda que o jurista conheça a tradição filosófica já desenvolvida por grandes nomes, pois esta etapa mostra-se fundamental para a consolidação das bases por meio das quais poderemos elaborar nossa crítica. O que apresentaremos neste capítulo, portanto, não é um ensaio sobre filosofia do 4 direito, mas sim um ensaio sobre a história da filosofia do direito, abordando nomes fundamentais para a consolidação do fenômeno jurídico atual. 1.2 Grécia Antiga 1.2.1 OS SOCRÁTICOS Este conjunto de autores leva este nome em razão do alinhamento de sua filosofia com a de Sócrates, responsável por uma completa mudança nos temas debatidos até então ou, como se diz, Sócrates tirou a filosofia dos céus e a trouxe para dentro da casa das pessoas. Antes de Sócrates, a principal questão debatida pelos filósofos era cosmológica e metafísica – como surgiu o mundo, as leis da natureza etc., e, em seguida, passou a se debater a humanidade e suas relações sociais, trazendo temas como justiça, política e ética para o debate. Elemento essencial para se compreender este período reside na relação sujeito – pólis (cidade), isto é, o indivíduo do período era parte de uma coletividade, e é neste meio em que vai residir a tônica da filosofia do direito deste período. 1.2.2 SÓCRATES Para entendermos o direito em Sócrates, devemos compreender o ser humano dentro do seu caráter político, quer dizer, do humano como membro de uma sociedade. Há, portanto, um grande respeito às instituições jurídicas e à própria pólis. Não obstante, a grande crítica de Sócrates advém do fato de as decisões políticas e jurídicas serem deliberadas e estabelecidas por meio da retórica e do convencimento, e não da busca da verdade. Condenado à morte pelas instituições da época, Sócrates aceita sua pena e, em contraste, toda a pólis percebe a injustiça da sentença. Com isso, o filósofo afirma seu ponto: a existência de uma noção de justiça pautada na razão muito maior do que aquela estabelecida pela retórica e o convencimento, sem a preocupação com uma busca pela essência das coisas. 5 1.2.2 PLATÃO Platão, em sua obra A República, trabalha a ideia de justiça, direito e política na pólis (cidade) grega; contudo, a concepção do justo do filósofo é muito diferente das atuais, o que pode gerar um estranhamento. Em primeiro lugar, há uma grande aproximação da noção de justiça com a de direito (ao passo que hoje em dia separamos as leis por vigentes ou não vigentes), assim, estamos ampliando o conceito, associando-o às noções de política e virtude. Aqui, contudo, Platão critica a democracia, a mesma que condenou seu mestre, Sócrates, à morte. Os fundamentos são justamente no sentido de que não são os mais sábios que elaboram as leis e tomam as decisões políticas, mas sim a maioria – ocorrendo aqui um afastamento do justo. Ora, quem deveria, então, governar? Platão responderá: que os filósofos sejam os reis, ou que os reis sejam filósofos. Retornando à questão da justiça, Platão entende que esta deve ser algo interno. Assim, traça uma interessante analogia: o indivíduo é justo quando as partes que o compõem (razão, espírito e apetite) estão em harmonia, obedecendo à razão. Somente assim o sujeito age com justiça. Do mesmo modo, uma cidade só é justa quando as partes que a compõem atuam de forma harmoniosa: os filósofos governando, os mais fortes atuando como guardiões e os demais atuando como produtores. O pleno funcionamento ordenado, no qual cada um exerce sua função conforme sua aptidão resulta na cidade justa. Há, portanto um deslocamento interessante: a justiça não está só nos indivíduos, mas deve ser entendida dentro da lógica da pólis, adquirindo uma aresta social. Se há injustiça na sociedade, os indivíduos não estão dela alheios. Hoje associamos a justiça ao sujeito – “tal pessoa é justa” ou “tal pessoa praticou um ato justo”. Em nosso âmago pessoal, todos somos justos, e a sociedade que é injusta. Tal ideia é totalmente contrária aos escritos de Platão. 6 1.2.3 ARISTÓTELES Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles complementa sua teoria política(na qual política é a arte de bem governar a pólis) com sua teoria ética, a qual apresenta um caminho para o pleno desenvolvimento e a boa vida em sociedade. Isto porque concebe o homem como animal político, ou seja, afirma que a espécie humana só difere dos animais no momento em que se encontra em relação com seus semelhantes. Inclusive vale aqui ressaltar que o surgimento da cidade grega (a pólis) é um dos principais fatores que possibilitou o nascimento da filosofia ocidental, vez que o homem poderia acumular riquezas e viver de forma ociosa, tendo assim tempo para pensar e refletir sobre as questões da vida. Para Aristóteles, todas as ações humanas possuem uma finalidade (logo, teleológica), isto é, a eudaimonia, traduzida como a felicidade ou o sumo bem. Para se chegar até essa felicidade, é preciso seguir o caminho racional das virtudes, entendidas como o meio-termo ou a mediana entre dois vícios (de excesso e de insuficiência. Ex.: coragem é equilíbrio, covardia é insuficiência e temeridade é excesso). Fala o autor, ainda, do hábito virtuoso e do exercício da razão, ou seja, as virtudes são aprendidas por meio do hábito, da repetição. Ser moderado com minhas paixões = ser virtuoso e ser moderado nas minhas ações com o outro = justiça. Entre as virtudes, a justiça é a mais elevada, pois se estende ao próximo – é a própria excelência moral, estando presente em todas as outras virtudes – é universal. Justiça, por sua vez, é dividida pelo autor em duas categorias: 1) A justiça lato sensu seria o princípio geral que possibilita a convivência social. É a ideia de seguir a lei. Aqui, temos de fazer uma ressalva importante: Aristóteles entendia a lei dentro de uma construção ética no seio da pólis; logo, a lei seria justa. Uma lei ruim não pode sequer ser considerada uma lei. 2) Já a justiça stricto sensu refere-se apenas a determinadas ações previstas pela lei. Esta se divide também em duas: a) Justiça distributiva: se dá no âmbito da distribuição de honrarias ou bens públicos (benefícios). Por exemplo: quem exerce uma atividade mais complexa 7 deve receber mais. As pessoas consideradas iguais recebem quantidades iguais das coisas a serem repartidas. As pessoas consideradas desiguais recebem porções desiguais das mesmas coisas. Assim, constitui ato justo tratar igualmente as pessoas iguais e, também, justo tratar desigualmente pessoas desiguais (ex.: é justo um filho receber mais mesada do que outro caso tenha feito tarefas). Igualdades de razões – razões proporcionais ao mérito. b) Justiça corretiva: as pessoas são tratadas conforme o princípio da igualdade no sentido absoluto da palavra. Na busca da correção da perda em relação ao ganho, a justiça corretiva (ou comutativa) não se preocupa com a qualidade das pessoas em questão, mas sim com o dano causado. Ideia de um para um. Ex.: se furtou alguém, devolver na igual medida. Lógica de igualdade absoluta: 1 por 1. A ideia é reparar o prejuízo ou garantir a obrigação, podendo ser ela voluntária (contrato) ou involuntária (um furto). Alguns cuidados acerca dos conceitos de justo: quando abordamos as justiças em sentido estrito de Aristóteles, temos de considerar que o justo só se aplica àqueles que estão em situações semelhantes. Como o próprio autor diz, pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais: assim, não se fala em justiça quando, competindo por uma vaga, temos um adulto e uma criança de 10 anos, por exemplo. A justiça na lógica proporcional ocorre no âmbito dos semelhantes. Ou seja, entre os cidadãos da pólis – os homens, maiores de 21 anos e nascidos em Atenas, excluindo mulheres, crianças e escravos. O justo acaba sendo uma medida da elite política da época. Outro ponto relevante é entender a justiça como uma virtude tanto em potencial como na prática. Sobre este último aspecto, vale lembrar a ideia do meio-termo: a análise de cada caso revelará o meio-termo adequado para a ação justa. Vale destacar ainda outros dois conceitos de justo para Aristóteles: 1) Justiça politica: melhor forma de organizar uma cidade / fazê-la funcionar bem → todos serem felizes. 8 2) Equidade: perceber a necessidade de se buscar uma solução adequada ao caso concreto que não está na lei, que é limitada ao seu conteúdo – uma ideia de direito natural, ou seja, compreender a natureza das coisas dentro de um caso concreto (as partes, circunstâncias etc.). Em poucas palavras: regular e preencher lacunas; melhorar o justo na aplicação do caso concreto. Platão: conceito de justiça tanto no âmbito individual como social está associado a uma ideia de harmonia; as partes que compõem o indivíduo e a cidade funcionando em perfeita sintonia. Aristóteles: associar a virtude ao conceito de meio termo, de equilíbrio, sendo a justiça a mais elevada de todas as virtudes. Ainda sobre a justiça, lembrar que Aristóteles a divide em: 1) justiça em sentido amplo (seguir as leis da cidade); 2) justiça em sentido estrito (justiça corretiva e distributiva). 2. IDADE MÉDIA E ESTADO MODERNO 2.1 Idade Média Período marcado pela forte presença de Deus e da Igreja em todas as esferas da vida pública (ética, moral, explicações metafísicas etc.). Num primeiro momento, a filosofia seguia os ditames da chamada patrística (os pais da igreja), sobretudo os ensinamentos de Santo Agostinho. Só muitos séculos depois, com a escolástica, o pensamento filosófico medieval abre mais espaço para uma base filosófica mais racional, inspirada em Aristóteles, tendo como principal referência São Tomás de Aquino. No período, há de se destacar o jusnaturalismo teológico, quer dizer, o homem até pode criar leis, mas estas estão sempre fundadas na figura de Deus. 9 2.1.1 SANTO AGOSTINHO Santo Agostinho faz uma leitura cristã da filosofia de Platão, quer dizer, na existência de um mundo ideal e um mundo sensível. Agostinho fala, assim, em uma Cidade de Deus, a qual é perfeita; e a Cidade dos Homens, sendo esta imperfeita e marcada pelo pecado (dicotomia Ser x Dever Ser). De igual sorte, a lei dos homens também é falha, devendo tentar se aproximar da lei de Deus, que é perfeita. E é justamente nesta última que se encontra a justiça. Em outras palavras, os homens e suas ações terrenas são incapazes de compreender e atingir a justiça; o justo se dá somente pela graça divina. Tal lei divina é imutável e se aplica a todos na terra. Temos, aqui, uma nova etapa do direito natural: se antes, para os gregos, ele se referia à análise da natureza das coisas, flexibilizando o direito diante do caso concreto e do momento, com Agostinho fala-se em um direito natural teológico que não advém da “natureza”, mas sim de Deus, sendo inflexível e imutável. Todavia, mesmo sendo as leis humanas injustas por natureza, a elas todos devem se submeter. Isto porque Agostinho entende que a autoridade existe por um desígnio divino. Mesmo injustas, as leis terrenas devem ser aplicadas e seguidas, no intuito de se manter a ordem. 2.2.2 SÃO TOMÁS DE AQUINO Santo Tomás, por sua vez, faz uma leitura cristã da filosofia de Aristóteles: há uma justiça universal estabelecida por Deus (em Aristóteles, era a justiça natural) e também utiliza do racionalismo aristotélico, quer dizer, busca explicar a existência de Deus com base em deduções lógicas. Há, assim, uma aproximação entre razão e fé – a razão melhora a fé, diferentemente de Agostinho, para quem a razão possuía pouca importância. Há espaço, portanto, para uma racionalidade da justiça – que, é claro, deriva de Deus. Em sua Suma teológica, Aquino nos apresenta um tratado sobre as leis – sempre voltadas para a ideia de bem comum: 10 1) Lei eterna: lei de Deus, perfeita; a lei que tudo rege – o homem não a alcança. 2) Lei divina: intervenções de Deus na história para orientar os homens (ex.: os mandamentos)– o homem a alcança por meio da fé. 3) Lei natural: obra de Deus disposta na natureza, mas o ser humano é capaz de captá-la; alcançada pela razão humana. 4. Lei humana: lei natural que, depois de compreendida pela razão humana, é positivada (escrita). No tocante à justiça, Tomás de Aquino utiliza as mesmas concepções de justiça aristotélicas (justiça distributiva e corretiva). Pode-se reduzir a ideia do “dar a cada um o que é seu”. Esta questão, inclusive, já foi cobrada no exame da ordem. Tem-se, assim, a justiça geral ou em sentido amplo, a qual é dotada de princípios absolutos e estabelecida por Deus, e a justiça particular, que deriva da justiça geral e, tal qual em Aristóteles, se divide em justiça distributiva e comutativa. A justiça distributiva também se dá na lógica meritória (igualdade proporcional), sendo aquela na qual o Estado daria bens aos indivíduos em uma relação vertical. A justiça comutativa, por sua vez, trataria das relações entre particulares sem uma relação de subordinação, logo, horizontal e equilibrada (igualdade absoluta). Santo Agostinho aproxima seu pensamento de Platão (mundano x ideal) e São Tomas de Aquino se aproxima de Aristóteles (razão e fé). Ambos, contudo, podem ser vistos como autores ligados ao jusnaturalismo de cunho teológico (Deus é a principal fonte do direito). No âmbito da justiça, Aquino se aproxima muito das categorias elaboradas por Aristóteles (corretiva e distributiva), aproximando o conceito a uma ideia de “dar a cada um o que é seu”. 11 2.2 MODERNIDADE Após a Idade Média, com a queda de Constantinopla, em 1453, o pensamento filosófico transforma-se de maneira drástica, com o surgimento de novas bases epistemológicas e a ampliação dos debates. Num primeiro momento, contudo, temos o absolutismo monárquico em seu ápice: rei e estado se confundiam em uma só figura. Com o passar do tempo, o absolutismo sofre duros ataques e inicia-se uma nova forma de pensar, muito influenciada pelo iluminismo. Nunca antes ética, política e justiça (temas que flertam diretamente com o direito) foram tão debatidas e exploradas. 2.2.1 NICOLAU MAQUIAVEL Maquiavel escreve O príncipe para “ensinar” ao monarca como governar e como permanecer no poder. Trata-se, portanto, de um guia sobre como um governante deve agir para se manter no poder. Interessante sempre ter em mente o contexto no qual o autor estava inserido, isto é, na península itálica do século XVI, que era dividida entre diversas cidades-estados muito ricas, porém sem unificação política. Maquiavel exercia um alto cargo em uma dessas cidades até que o monarca acabou sendo destituído em virtude de um golpe de Estado – fato que, como mencionado, motiva o autor a escrever sua obra acerca de como se manter no poder, tendo como base as experiências do próprio Maquiavel e de suas observações do cenário político. É um livro que “rompe” com o modelo teocrático até então vigente, pois separa a política da moral (“Os fins justificam os meios.”). Trata-se, portanto, do primeiro ensaio sobre realismo político, isto é, é um livro que se baseia em dados empíricos coletados pelo autor, não em questões metafísicas (como A República, de Platão). O governante precisa possuir duas características para se manter no poder de forma adequada: virtú (inteligência, sagacidade) e fortuna (oportunismo, saber converter situações ao seu favor). 12 2.2.2 ILUMINISMO O Iluminismo, por sua vez, afasta as ideias cristãs e deterministas do pensamento filosófico, proporcionando, igualmente, grandes avanços em termos de racionalidade. 2.2.3 MONTESQUIEU O autor aponta, em seus estudos, os tipos de governo e em qual princípio se baseiam: despotismo (medo)/República (virtude)/Monarquia (honra). Quanto a este último, trata-se, contudo, de uma monarquia regida por leis. Esse modelo defendido por ele introduz a ideia de tripartição de poderes, sendo inspirado no inglês. As leis decorrem da realidade social e histórica de um povo: não há justo ou injusto, mas sim uma situação de adequado naquele contexto. Dentro do contexto da monarquia inglesa: liberdade é fazer tudo o que as leis permitem. Em O espírito das leis, Montesquieu não parte do pressuposto da existência de um Direito natural, inato ao ser humano, captado pela razão. Rejeita esse argumento porque as leis de fato não se fundamentam na razão humana; pelo contrário, elas derivam de circunstâncias naturais sob a influência de determinados fatores físicos e morais. Por fim, Montesquieu trabalha com a ideia da separação de poderes, que persiste até o modelo atual. Para o pensador, executivo, legislativo e judiciário precisam ser órgãos independentes e autônomos, cada um limitando a esfera de atuação do outro. Com isso, evitar-se-iam a centralização do poder e os eventuais abusos. A modernidade é marcada, num primeiro momento, pelo absolutismo monárquico, fundamentado, essencialmente, na religião: o rei tudo pode pois é o desígnio divino. Com o tempo, contudo, tais bases mostram-se insuficientes e novas respostas começam a ser buscadas. Gradualmente, os ideais iluministas ganham volume, formando uma nova forma de se pensar a relação entre sujeito e estado, inaugurando-se, assim, uma nova ordem. 13 3. CONTRATUALISMO Os autores a seguir analisados (Hobbes, Locke e Rousseau) buscam explicar o surgimento da entidade estatal ou, mais precisamente, o motivo de os homens abrirem mão de parte de sua liberdade, conferindo poderes a um grupo seleto de indivíduos – quer dizer, analisam o surgimento dos Estados e as relações de poder. Para tanto, todos partem de um mesmo ponto: um Estado de Natureza no qual o homem se encontrava antes do surgimento do Estado. 3.1 THOMAS HOBBES O ponto de partida para Hobbes é o Estado de natureza, quer dizer, um momento anterior ao surgimento do Estado e da sociedade. Nesse momento, o autor entende que os homens, imbuídos de um forte senso de autopreservação, viviam num estado de guerra de todos contra todos, no qual imperava a insegurança e o medo, razão pela qual afirmou ser o homem o lobo do próprio homem. Para romper esse estado de insegurança, os homens se juntam e, por um ato de vontade, celebram o contrato social (que, como contrato celebrado, deve ser cumprido), pelo qual transferem seus direitos e liberdades a outro homem, que passará a governar todos, criando mecanismos para proteger o direito à vida. O Estado, portanto, deveria ser forte e com o poder centralizado; logo, o autor defende a ideia de um estado absolutista, pois seria o mais apto a impedir o retorno ao Estado de Natureza. Nota-se, pois, que o direito passa a efetivamente surgir após a estrutura estatal estar consolidada. 3.2 JOHN LOCKE O Estado de natureza também é o ponto de partida, mas, diferentemente do modelo hobbesiano, para Locke o homem tende a ser bom e viver bem. Existem alguns direitos no Estado de natureza (direitos naturais), a saber: a vida, a propriedade privada, a liberdade. Tem-se, pois, a adoção de uma visão jusnaturalista, na qual já existiam direitos na natureza derivados da razão humana, mesmo antes do surgimento do Estado. 14 O trabalho era o critério para a propriedade de terras. Eventualmente poderia haver disputas, configurando um estado de guerra temporário. Seria, portanto, interessante haver uma instituição para julgar as disputas, prevenir abusos, punir os que descumprem as leis naturais etc. Surge, assim, o contrato social e, com o consentimento das partes, há a cessão de direitos ao Estado com o intuito de se poder criar as próprias leis, um sistema coercitivo e instituir juízes imparciais. A ideia, portanto, é a de melhorar algo que já era bom. Assim, modelo de governo = democracia representativa; papel do Estado = garantia das liberdades individuais. Por fim, vale destacaro direito de defesa proposto por Locke. Para o autor, se o governo representante não garante à população os direitos de liberdade e a propriedade privada, o povo pode contra ele se insurgir. 3.3 ROUSSEAU No Estado natural de Rousseau, o homem é bom; ele era solitário (grupo familiar, no máximo) e os indivíduos respeitavam a liberdade uns dos outros. O eventual crescimento populacional acaba por instituir o chamado Estado de sociedade, no qual alguns homens tomam para si propriedade, dando início a uma sociedade desigual e corrompida. As leis protegem os ricos etc. Há, portanto, a corrupção do homem pela sociedade. Não há liberdade, pois só alguns fazem as leis. O contrato social seria celebrado para se sair desse Estado de sociedade para um novo modelo. Para isso, seria necessário romper a alienação inicial dos oprimidos e instaurar um modelo de democracia participativa pautada na ideia de vontade geral – entendida como o substrato das vontades coletivas; o interesse comum “norteando” a sociedade; o que cada homem quer em comum com seus semelhantes. 15 Os autores trabalhados neste modulo levam o título de contratualistas pois sugerem que o surgimento do estado se dá mediante a celebração de um contrato: um ato de vontade entre as partes. Cada autor, contudo, apresenta propostas diferentes: Hobbes, apostando que o senso de autopreservação do ser humano resultaria em um estado de natureza violento; Locke apostando que um estado mínimo seria necessário para garantir as liberdades; Rousseau entendendo que a sociedade corrompe o homem, e que uma nova convenção dever ser iniciada, baseada, também, em um contrato social e na ideia da vontade geral. 4. KANTISMO E UTILITARISMO 4.1 IMMANUEL KANT Kant era Iluminista, ou seja, buscava romper com a moralidade anterior que tolhia a liberdade dos indivíduos. Para tanto, Kant vai tentar elaborar uma teoria da moralidade fundada na razão – caráter universal (vale para todo o mundo). Em sua obra, Kant aborda a questão da ética da moral, bem como aspectos jurídicos e políticos, sobretudo sob a lógica de como orientar nossa ação. Nesse contexto é que o autor apresenta os imperativos. Estes (que são os princípios) podem ser hipotéticos (inclinações – sede, fome, desejo, etc) como categóricos (baseados na razão). Nesses últimos, a ação passa a ser um fim em si mesma – é o certo a ser feito, é o puro dever. Transcrevendo os imperativos categóricos de Kant temos: “Age de modo que a tua ação possa se tornar uma lei universal.” “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio.” As coisas possuem preço, as pessoas possuem dignidade. 16 Ex.: Por que não mentir? Segundo o imperativo hipotético, alguém pode contar uma mentira buscando evitar sofrimento, ou para se livrar de uma situação negativa. Pela lógica do imperativo categórico, o indivíduo não deve mentir pois não é o correto; é inviável para uma ordem social que as pessoas mintam quando acharem que podem o fazer. Logo, o caráter universal – por meio da razão, o ser humano já consegue chegar a esta conclusão, não importa em qual cultura ele esteja inserido. Outrossim, a ação só estará conforme a moralidade, para Kant, caso eu não minta por não querer mentir; se eu não o faço em virtude de minha boa vontade, e não apenas por medo de uma punição. Logo, a boa vontade é elemento fundamental na ação moral – o indivíduo deve agir daquela forma pois ela é correta, independentemente dos fins. Em outras palavras, o agente, ao agir, precisa querer o resultado bom, e não agir apenas por interesse pessoal. A ação é boa independente dos fins que se alcança com ela. Essa boa vontade, portanto, não deve ser afetada pelas inclinações, mas sim pela vontade de agir por dever. Exemplo de boa vontade: O comerciante que pratica preços justos por receio de que, caso cobre valores elevados, acabe perdendo clientes para os concorrentes. Embora o resultado seja a prática dos preços justos e em conformidade com os demais vendedores, a intenção do comerciante está moralmente maculada, pois não o faz pensando ser o certo, seu dever e obrigação, mas tão somente para evitar seu prejuízo. Caso esse comerciante exerça preços justos motivado por uma noção de dever e obrigação moral, estará, portanto, imbuído de boa vontade. Isso não quer dizer que o homem não deva se preocupar com sua felicidade (os imperativos hipotéticos), a questão é que esta não pode ser considerada quando a questão permeia a esfera do seu dever moral. É esse agir que nos tornaria, portanto, dignos da felicidade. A lei, por sua vez, é algo cumprido pelo medo da coação, logo, é externa ao indivíduo. A boa vontade, por sua vez, é interna – a vontade de agir de forma ética está dentro do próprio sujeito. 17 Por fim, temos que, para Kant, a justiça consiste em agir conforme o imperativo categórico, pois ao assim fazê-lo, estamos adequando nossa conduta a uma máxima universal benéfica para todos. 4.2 UTILITARISMO O utilitarismo foi uma corrente filosófica pragmática e consequencialista, isto é, estava preocupada com o resultado das ações, e não com os meios. Em outras palavras, o que importa são os fins obtidos, e não os meios utilizados para se chegar até eles. 4.2.1 JEREMY BENTHAM Para Bentham, as ações são boas quando promovem a felicidade (ação moralmente correta) e más quando geram infelicidade (moralmente incorreta). Para melhor representar a teoria do autor, vale citar o seu princípio da utilidade: toda ação deve ser aprovada/rejeitada conforme tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar (seu e geral). Deve-se, portanto, agir de forma a produzir uma maior quantidade de bem-estar. Ex.: cinco pessoas estão amarradas em um trilho de trem e uma pessoa em outro. Um indivíduo, puxando uma alavanca, pode escolher matar um ou cinco. Pela lógica utilitarista, deveríamos sempre escolher poupar cinco vidas, independentemente de quem fosse essa uma pessoa a ser sacrificada. Bentham trabalha a ideia, portanto, de quantidade de bem-estar/felicidade como critério para a justiça. 4.2.2 JOHN STUART MILL Trabalha também com a qualidade do prazer, não só a quantidade. Em outras palavras, entende que alguns prazeres têm mais valor do que outros, como os prazeres do pensamento, do sentimento e da imaginação, que resultam da experiência de apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a criação artística. Assim, por exemplo, se uma grande mansão e 18 uma pequena biblioteca estivessem pegando fogo, deve-se salvar primeiro a biblioteca por ser mais importante, mesmo que menor. Mill também é um crítico da chamada “ditadura das maiorias” – mostra que, num modelo democrático, muitas vezes é possível que o interesse de grupos majoritários seja prejudicial a grupos minoritários, os quais devem, portanto, ter seus direitos resguardados pelo direito (ideia de caráter contramajoritário do âmbito de proteção). Ou seja, mesmo dentro do cálculo utilitarista, Mill entende que violar direitos de uma minoria é pior para o todo. Utilitarismo: lembrem de associar a ideia de quantidade de felicidade/bem estar como critério de validade da ação (individual ou coletiva). Estamos preocupados com os fins, não com os meios empregados. Em Kant, temos o contrário: os meios são mais importantes que os fins – não posso mentir, por exemplo, mesmo que isso seja mais benéfico no final. 02. Positivismo jurídico, outros temas e autores 1. POSITIVISMO Sobre positivismo, vale a pena destacar a escola da exegese, por ser uma das pioneiras e por já ter sido diretamente cobrada no exame e também por existirem muitos tipos de positivismo, de modo a restar prejudicada aqui uma análise de todas as suas particularidades.Vale pontuar, contudo, a ideia central das principais correntes: a ideia de direito como ciência, o qual recebe validade quando posto pela autoridade competente; logo, direito é aquilo posto pela autoridade competente, não o que parece ser mais justo. Positivismo exegético é a tentativa de prever todas as condutas humanas nos códigos; simples aplicação da subsunção; “juiz boca de lei”, pois apenas identificava o fato e aplicava a lei sem qualquer interpretação. Logo, percebeu-se que o modelo era insuficiente. 19 1.1 RUDOLF VON IHERING Para Rudolf von Ihering, Direito e força se confundiam, porquanto o Direito se tornaria vazio, na medida em que desprovido de força. Em outras palavras, o autor afirma que o direito precisa possuir mecanismos de coação para ser efetivo; é necessário que existam sanções e todo um aparato que possibilite a implementação do direito. Outro ponto explorado pelo jurista é a ideia de luta pelo Direito e de o direito ser uma força viva (sofre modificações). A paz é o fim que o direito almeja, a luta é o meio. Luta dos povos, Estado, classes, indivíduos etc. Assim, os direitos não surgem espontaneamente na cabeça dos legisladores, mas precisam sempre ser reivindicados pela população. Ex.: os movimentos de mulheres que foram às ruas para conquistar o direito ao voto no início do século XX. O movimento LGBT, que vem conquistando bastante espaço, com a regulamentação da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 1.2 HANS KELSEN Kelsen abordou o direito como ciência: se existem leis que explicam a natureza e são válidas em todo o mundo, o direito também deveria ter validade objetiva e uma base universal (notamos aqui uma certa influência kantiana). Este aspecto é fundamental na compreensão da obra do autor: a separação do direito entre o que ele é na prática jurídica (ser) do que ele é como ciência (dever ser). Kelsen não se preocupa em trabalhar o conteúdo do direito, pois este é relativo (cada país tem leis diferentes, logo, impossível de se conceber bases universalmente validas). Logo, direito não é aquilo que é justo, mas sim o que é posto por uma autoridade competente. O que Kelsen verifica ser universal é a estrutura do direito; sua manifestação normativa (dever ser); a relação de imputação que busca tornar válida/inválida uma conduta, entre outros aspectos. A seguir, alguns pontos importantes de sua teoria que aparecem na prova. 20 1.2.1 Modelo escalonado e norma fundamental O ordenamento jurídico, para Kelsen, obedece a uma ordem escalonada de validade. Quer dizer, as normas inferiores (sentenças, por exemplo) obedecem às normas (leis) e delas adquirem sua validade, recebendo, por sua vez, validade da norma superior (a Constituição). Assim, o que dá “validade” a um sistema jurídico? Sua Constituição. O que dá validade e objetividade a uma Constituição? A constituição anterior. Mas como proceder ante esse retorno infinito? Por meio da norma fundamental. A norma fundamental é fictícia; pressuposta (pelo intelecto, não pela vontade) – sem ela, o retorno infinito só seria explicado por questões alheias ao direito. A Constituição, por sua vez, dá objetividade e validade às normas gerais, que, por sua vez, darão objetividade e validade às normas individuais. A norma fundamental poderia, por exemplo, ser entendida como o comando de que “devemos seguir a Constituição Federal”, muito embora isto não esteja positivado em nenhum lugar – logo, pressuposta. 1.2.2 Moldura e interpretação Kelsen aponta existirem duas espécies de indeterminação da lei: 1) intencional (lei das alternativas a serem escolhidas. Ex.: trabalho comunitário ou prestação pecuniária); 2) não intencional (plurissignificância das palavras). Para enfrentar os limites da interpretação, Kelsen imagina a figura de uma moldura de quadro, que representa o limite dentro do qual uma interpretação é válida, limite este estabelecido pelas próprias normas hierarquicamente superiores. A norma superior = moldura (esfera de ação da norma inferior). Há, assim, dois momentos: 1) determinação objetiva da moldura colocada pela norma superior, por meio de um ato cognoscitivo; 21 2) escolha subjetiva, por meio de um ato de vontade, de uma das possíveis opções apresentadas pela norma superior para transformação em Direito positivo. Em outras palavras, primeiro o intérprete verificará os limites de aplicação impostos pelas próprias normas e, assim, decidirá, e qualquer coisa que decidir dentro desses limites configurará uma decisão válida. Todavia, caso o magistrado realize uma interpretação fora da moldura, esta também será direito, pois se trata de intérprete autêntico. O próprio Kelsen deixa claro em sua obra que, pela via da interpretação autêntica (quer dizer, pelo órgão jurídico que a tem de aplicar), também é possível se produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a ser aplicada representa. Por meio dessa interpretação, poder-se-ia, então, criar direito não só no caso em que a interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação autêntica no sentido usual da palavra, mas também no caso em que é produzida uma norma jurídica individual por meio de um órgão aplicador do Direito, desde que o ato deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado (KELSEN, 2009). É notório que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado Direito novo, especialmente pelos tribunais de última instância. 1.2.3 Kelsen versus Schmitt – quem deve ser o guardião da Constituição? Temática que ainda não foi cobrada, mas que se mostra pertinente, sobretudo em virtude de sua popularidade acadêmica, é o debate travado entre Hans Kelsen e Carl Schmitt a respeito de quem deveria ser o guardião da Constituição. Para Schmitt, a Constituição possui uma conotação política (sendo a soma dos poderes reais), de modo que este caráter político sobreporia ao caráter jurídico. Assim, seu guardião deveria ser um órgão apto a manter esse seu caráter, portanto, o Presidente, vez que eleito democraticamente. 22 Já Kelsen entendia que o guardião da Constituição deveria ser um órgão autônomo, com a tarefa exclusiva de efetuar o controle de constitucionalidade concentrado, ou seja, um Tribunal Constitucional. Tal Tribunal não possuiria nenhum vínculo com qualquer outro poder e seria derivado da própria Constituição, portanto, independente, e teria o poder de anular normas dissonantes do sistema constitucional. Num primeiro momento, a visão de Carl Schmitt foi dominante, sendo, inclusive, adotada pelo regime nazista alemão. Todavia, após a Segunda Guerra Mundial praticamente todos os países passaram a adotar o modelo kelseniano de Tribunais Constitucionais, cada um, é claro, com suas particularidades tanto no funcionamento como no próprio sistema jurídico, como o brasileiro, que permite também o controle difuso de constitucionalidade realizado por juízes de qualquer instância. 1.3 HERBERT HART O que interessa da teoria de Hart para se enfrentar a prova de filosofia do direito reside na distinção apontada pelo autor sobre as normas e na questão da indeterminação legislativa. Inicialmente, o autor, um dos mais importantes positivistas, entende que um ordenamento jurídico é composto por um sistema de normas primárias e secundárias: 1) normas primárias são regras de obrigação que impõem condutas ou abstenções; 2) normas secundárias surgem para corrigir defeitos das normas primárias. Elas se dividem em: a) de modificação (disciplinam mecanismos para modificação, revogação ou introdução de uma norma primária); b) julgamento (que outorgam a determinadas pessoas poder de julgar violações das normas primárias); c) reconhecimento → legitima o sistema às normas primárias → aceitaçãosocial da norma, logo, questão fática, não normativa. Atenção especial a esta 23 última informação, pois já foi cobrada: no momento em que se fala de aceitação social da norma, abre-se espaço para juízos valorativos no universo do direito, razão pela qual o positivismo de Hart é chamado de soft (brando). Outro ponto relevante para a prova abordado por Hart é a questão da textura aberta do direito que ocorrem por dois motivos: 1) imprecisão linguística na descrição de uma norma prejudicando o método da subsunção e do silogismo; 2) impossibilidade de prever todas as condutas possíveis. Para o primeiro caso, Hart utiliza como exemplo uma norma que proíbe o ingresso de veículos automotores em determinado local, mas, conforme novas tecnologias se desenvolvem, exsurge a questão acerca de se novos inventos de locomoção enquadram-se na categoria de veículos automotores. Muito embora exista tal indeterminação, ainda há grande margem de segurança na maioria dos casos, quer dizer, as normas apresentam noção de sentido. Essa noção de sentido é um núcleo de sentido fixo, o que, segundo Hart, afasta a ideia de que o direito é o que os juízes dizem. Assim, a discricionariedade estaria em um plano intermediário entre arbitrariedade e aplicação literal da lei. 1.4 NORBERTO BOBBIO Norberto Bobbio, em sua obra Teoria do ordenamento jurídico, destaca que um ordenamento precisa, para sua devida manutenção, de três elementos: 1) unidade (norma fundamental que funda e sustenta o sistema normativo); 2) coerência (ordenamento sistemático – ideia de relação entre as normas); e 3) completude (possibilidade de que todo caso seja resolvido pelo ordenamento). É nesse último ponto que a Fundação Getulio Vargas (FGV) tem insistido na prova: nas lacunas e nas antinomias. Lacunas podem ser: 1) próprias: espaço vazio no sistema; 24 2) impróprias: originam-se da comparação do sistema real versus ideal (Ex.: a lei sobre aborto brasileiro é injusta se comparada com a legislação alemã sobre o tema). As lacunas próprias podem ser resolvidas por meio da: 1) Heterointegração: busca-se alternativa em ordenamento diverso – direito natural, internacionais, costume, doutrina etc.; 2) Autointegração: busca-se alternativa dentro do ordenamento (analogia, princípios gerais do direito, interpretação extensiva). A analogia é utilizada naquelas situações não reguladas de forma expressa pelo legislador, momento no qual se devem buscar regras previstas para casos semelhantes, estendendo-se o alcance. Princípios gerais de direito são aqueles postulados genéricos que, muitas vezes, dão fundamento às regras inferiores de um ordenamento jurídico. Importante lembrar que eles fazem parte do ordenamento, muito embora nem sempre estejam positivados em um texto. Interpretação extensiva é aquela na qual se parte de uma norma e se procura estabelecer seu significado e sua abrangência, quer dizer, nos casos em que o legislador disse, no texto, menos do que tinha a intenção de dizer. A ideia, portanto, é a de se buscar a real intenção do legislador na hora da aplicação. As lacunas impróprias só podem ser solucionadas pelo próprio Poder Legislativo, já as antinomias são duas normas válidas e vigentes incompatíveis entre si. Elas podem ser:. 1) aparentes/solúveis: critérios de solução: a) critério cronológico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior; b) critério hierárquico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior; c) critério da especialidade: havendo duas normas incompatíveis, uma geral e outra especial (ou excepcional), prevalece a segunda. 25 2) reais/insolúveis: incompatibilidade, “impossível” de resolver. Lembrem sempre que o positivismo está colocando o direito como uma ciência, logo, afastando ao máximo juízos morais. Assim, a norma, quando posta por uma autoridade competente, é valida, pois não há espaço, na análise científica, para questões tão subjetivas como o conceito de justo ou de bom/ruim. Ademais, importante lembrar que com o positivismo começa a se falar de teoria geral do direito, disciplina na qual se buscam respostas para questões práticas do direito – como a questão das lacunas de Bobbio, por exemplo. 2. DEMAIS AUTORES ABORDADOS 2.1 MIGUEL REALE Sobre Reale, interessa-nos conhecer sua teoria tridimensional do direito, que une os principais aspectos de três correntes jurídicas: 1) normativistas: leis deveriam ser compreendidas pelo seu valor intrínseco, afastando aspectos alheios na hora da interpretação. Direito, portanto, é norma. 2) sociologismo: leis como um produto de seu tempo e espaço (eficácia e necessidade de uma lei, por exemplo). Direito, assim, é fato. 3) moralistas: verificar se a lei é justa ou não e se é socialmente aceita. Para essa corrente, direito é valor. Para Reale, todas estão corretas. Cria, assim, a teoria tridimensional do direito, na qual os elementos (norma, valor e fato) se implicam e se exigem de forma recíproca, resultando na interação dinâmica e dialética dos três elementos. Dialética de complementaridade – norma, fato e o valor se correlacionam (interagem um sobre o outro), de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro e distinto, mas se exigindo mutuamente, o que resulta na origem da estrutura normativa como momento de realização do direito. 26 Ex.: art. 121 do CP. O artigo determina que matar alguém resulta em uma pena corporal – há, assim, uma imputação. O valor perseguido é o valor vida, que se entende como bem tutelado por aquela sociedade naquele momento. 2.2 RONALD DWORKIN Dworkin traz a ideia de direito como integridade, ou seja: legitimar uma decisão judicial que considere todos os aspectos fáticos, normativos e morais relevantes para a solução do caso. Com isso, cria as condições para impedir a discricionariedade do intérprete, pois a magnitude da tarefa não deixa margem a escolhas arbitrárias. Defende, assim, a ideia de uma única e melhor decisão possível para cada caso. Como a tarefa de encontrar a decisão mais adequada para cada caso é muito árdua, Dworkin cria um juiz imaginário, inspirado na mitologia de Hércules, como uma espécie de modelo a ser seguido pelos juízes na tarefa de decidir questões jurídicas. Contudo, o ponto mais explorado de Dworkin em provas é a diferença entre regras e princípios. Há que se lembrar, primeiramente, que nos modelos positivistas clássicos, como o de Hart, existia tão somente a figura da regra, sendo o direito, assim, um sistema fechado. Com o novo constitucionalismo pós-guerra, abriu-se espaço para questões morais por meio dos princípios. Norma jurídica, portanto, é gênero, e regra e princípios, espécie. Princípios são mandados de otimização: ordens para que algo seja realizado ao máximo possível de acordo com as circunstancias fáticas e possíveis – cumprimento gradual conforme as possibilidades (Ex.: direito à saúde, previsto na Constituição em seu art. 196, → diz que tem que fazer ao seu máximo, mas são as regras que vão estabelecer as peculiaridades). É, contudo, possível aplicar os princípios diretamente. Estão sempre em rota de colisão → prevalência sempre se dá ante o caso concreto por juízo de ponderação – o que sucumbiu não deixa de existir. A tabela a seguir apresenta algumas outras diferenças entre princípios e regras: 27 * Para todos verem: quadro comparativo REGRAS PRINCÍPIOS Mandado de determinação (menos abstrato). Mandado de otimização (aplicar ao máximo possível). Aplicadas ao modelo tudo ou nada (aplica ou não aplica – subsunção). Aplicados na dimensão do peso/importância – prevalecem em detrimento a outro em alguns casos – logo, não são mais importantes só naquele caso. É possível numerar todas as exceções de uma regra (que já vem previstas na própriaregra – ex.: legítima defesa). Aplicam-se por ponderação. Uma regra exclui a outra. Um princípio não é exceção a outro. Exemplo da ponderação de princípios encontra-se na própria ementa da ADPF nº 130. Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada. Precedência do primeiro bloco. Incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo da liberdade de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção a interesses privados que, mesmo incidindo a posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabilidade civil por danos morais e materiais a terceiros (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Relator: Carlos Britto, julgado em 30/04/2009. 28 No julgado, percebe-se como o STF entendeu que o bloco dos direitos da liberdade de imprensa possui precedência sobre o bloco dos direitos da personalidade. Contudo, estes últimos ainda permanecem na relação, protegendo as partes de eventuais abusos. 2.3 JOHN RAWLS Rawls foi um autor liberal, quer dizer, utilizou em sua teoria a ideia de que, se cada um seguisse seu interesse, a sociedade poderia ser mais justa. A teoria de Rawls possui influência contratualista – imagina que em determinado momento na formação de uma sociedade as pessoas se juntam para decidir os princípios básicos que irão reger a sociedade. Para que os mais fortes/inteligentes não imponham sua vontade sobre os mais fracos, todos devem estar “vestindo” um “véu da ignorância”, quer dizer, ninguém sabe se é ou não forte; se é ou não inteligente. Como ninguém sabe se é forte/fraco, por exemplo, todos, na busca de seus interesses, decidirão de maneira que todos se beneficiem ao máximo. Assim, os dois princípios básicos de uma sociedade serão: 1) Princípio da liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras. 2) Princípio da igualdade: as desigualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados, de uma forma que seja compatível com o princípio da poupança justa; e b) sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades. A ideia do autor consiste em impedir que pessoas sejam beneficiadas/prejudicadas pela loteria natural – quer dizer, fatores dos quais não temos culpa; fatores independentes da nossa vontade. 29 Ex.: ninguém escolheu nascer cego, surdo, com alguma deficiência etc. Essas pessoas estão em uma situação de desvantagem social. Para isso, Rawls defende a adoção de políticas afirmativas, para que todos tenham o mesmo ponto de partida na busca de seus interesses pessoais, como no caso das cotas raciais. O autor reconhece que existem desigualdades, mas estas, portanto, precisam ser compensadas. 2.4 HANNAH ARENDT Sobre a autora, trabalharemos aqui dois aspectos de sua obra: 1) A questão dos apátridas em contextos de totalitarismo: tanto a Primeira como a Segunda Guerra resultaram, entre outros aspectos, em fluxos muito grandes de pessoas de uma região para outra. Essas pessoas, fugindo dos conflitos ou de perseguição de cunho ideológica, estavam em países estranhos, na qualidade de apátridas, não sendo titulares, portanto, de direitos (direitos humanos em especial). A autora destaca, portanto, a importância do direito a se ter direitos, o que muitos vezes implica pertencer a uma determinada comunidade que o aceite (o apátrida) e garanta seus direitos. 2) A banalidade do mal: obra na qual a filósofa analisa o julgamento de um dos burocratas alemães responsáveis pelo extermínio de milhões de judeus. Em sua análise, conclui que o oficial não era uma pessoa má no sentido clássico da palavra, mas sim um burocrata que seguia ordens e buscava ascender em sua carreira – o tipo de pessoa que jamais praticaria uma ação má diretamente, tampouco apresentava qualquer sinal de doença mental. O oficial era alguém que cumpria ordens sem questioná-las, quer dizer, ignorava o aspecto moral, sem qualquer análise crítica acerca de ela promover o “bem” ou o “mal” alheio. Aponta, assim, que o mal não é algo presente na natureza, mas sim algo político e verificável em um contexto histórico, sendo produzido por homens e reproduzido em ambientes institucionais. Para tanto, fundamental existirem 30 pessoas, como o burocrata alemão anteriormente analisado, incapazes de pensamento crítico e que apenas cumpram ordens. 2.5 GUSTAV RADBRUCH O autor tece críticas à obediência cega das leis positivas – direito passava a ser equivalente à força – quer dizer, algo que não se questiona, se obedece sem questionar e não deixa espaço para o seu não cumprimento. Assim, o jurista propõe uma espécie de “retorno” aos modelos anteriores ao positivismo, a saber, o jusnaturalismo, ressaltando a existência de princípios maiores que a lei (supralegais) e que, portanto, transcenderiam o direito positivo. 03. Autores e temas ainda não cobrados 3.1 ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO Savigny – compreender o presente envolve conhecer o passado. aSSIM, o Direito seguiria uma linha contínua de progresso, portanto, não seria absoluto e sempre válido (como defendia o pessoal do direito natural). Direito representaria, portanto, o “espírito” de cada povo (espírito objetivo), sempre em transformação junto da sociedade. Sua origem, portanto, estaria nos costumes (consuetudinário) e, logo após, na jurisprudência (ciência da lei) As ordens jurídicas seriam produtos culturais resultantes de estruturas sociais. Escolas do positivismo – jurisprudência deve ser lido como “ciência” Jurisprudência dos conceitos: direito seria a produção de conceitos jurídicos; sistema jurídico lógico-dedutivo (do geral ao singular) Jurisprudência dos interesses: Buscar a vontade do legislador; interesses da manutenção da vida em sociedade Jurisprudência dos valores: identificação dos valores contidos no direito na hora da aplicação jurisdicional – fundamentação da decisão final – orientar segundo valores do convívio social – Karl Larenz – abertura no sistema do direito 31 3.2 KARL MARX Estado – “aliado” da classe dominante na exploração de uma classe por outra – todas as instituições coletivas são também mediadas pelo estado Em suas críticas ao capitalismo ad época, Marx aponta que o Direito não é mais associado ao conceito de justo; não é mais um produto histórico de uma racionalidade crescente, mas é constituído pela necessidade dos meios de produção capitalistas se reproduzirem (única forma de produção na história que depende de um aparato jurídico – outras se baseavam na violência, dominação, etc). Justiça nesse modelo seria algo como o correto funcionamento de um sistema de exploração. Marx, então, apresenta uma ideia próxima de justiça: “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo sua necessidades” 3.3 ESCOLA DE FRANKFURT – ADORNO E HORKHEIMER Razão instrumental – razão como instrumento de alguma coisa (diferente de outros pensadores, como Aristóteles, que viam a razão como um fim – realização do homem); Origem: iluminismo, revolução industrial, ceticismo A finalidade é metafísica; não existe um fim natural (ou uma ação melhor que a outra), mas somente um fim atrelado à aspectos subjetivos. O que se discute, contudo, são os meios para se chegar ao fim. O mesmo vale para o direito. Se discutemos meios (validade, eficácia, o que é um contrato, etc), mas não há uma preocupação com justiça, por ex. Hoje em dia: formalismo X aplicação de princípios – que invadem, de forma “arbitrária”, o direito – qualquer coisa pode ser fundamentada pelos princípios (como dignidade humana). 32 3.4 HABERMAS 3.4.1 Modelos de democracia 1) Liberal – a busca da perspectiva de felicidade individual, conquistada pelo mercado; direitos individuais ante o estado; política criada para servir ao mercado 2) Republicana – atrelada ao coletivo – política no sentido da construção de projetos coletivos (pleno emprego, saúde universal, etc). Poder público como expressão da comunidade 3) Deliberativa – há espaço para o individualismo como para questões de moralidade (universais) – neste ambiente de troca de informação (discurso) há uma relação entre os argumentos anteriores, na construção de consensos 3.4.2 Razão além da instrumental – o agir comunicativo Teoria do agir comunicativo – indivíduos se comunicam, tendo como plano de fundo um mundo da vida (estruturas e relações culturais compartilhadas), e nessa comunicação é que são construídas as bases da sociabilidade. A verdade é construída em um processo comunicacional -> indivíduos, interagindo em sociedade, podem produzir consensos – estes permanecem estáveis historicamente e são o a própria razão – ela é, portanto, cultural, variável, histórica. Assim, Habermas se afasta das teorias pós-modernas que negam a possibilidade de uma racionalidade universal; para Habermas a razão é possível, no horizonte dos consensos das interações sociais. Em sua obra, Habermas estuda as possibilidades das interações entre os indivíduos em uma sociedade. A racionalidade, portanto, não é imposta, mas construída. Uma ditadura defende uma visão rígida; uma sociedade altamente individualista, por sua vez, não possui consensos, o que ocasiona uma fragmentação social. Habermas busca, assim, uma síntese entre estes extremos – entre a rigidez e o individualismo exacerbado. Nesta construção, o direito adquire um importante papel. 33 3.4.3 Direito em Habermas – juspositivismo ético Direito – instância fundamental para a introdução da ação comunicativa nas instituições – no âmbito jurídico e político. A construção e utilização do direito se dá em um âmbito do discurso – assim, não é a norma que é ética, mas sim o procedimento geral de interação da sociedade com o direito que permite uma eticização da vida social Direito e moral – relação direta, mas o direito não é moral (positivismo x jusnaturalismo); contudo, ambos se complementam sem haver a fundamentação de um pelo outro (cooriginariedade). Aqui entra a teoria do discurso: Só pode ser válida uma norma que for aceita por todos os participantes de um discurso público racional. Participação livre e igualitária entre todos os afetados pela norma. Devem prevalecer os melhores argumentos – os consensos. 3.5 MICHEL FOUCAULT 3.5.1 A questão da loucura – segregação e dominação por meio de técnicas jurídicas. Microfísica do poder – rompe com a ideia de um poder uno e centralizado (homogêneo), defendendo que o poder encontra-se nas relações horizontais – nas extremidades; implantado nas estruturas sociais e operando de forma recíproca. Ex: o direito penal não seria os códigos e os entendimentos. O direito penal é a vida no cárcere, a periferia – os extremos onde ocorrem as maiores violações (que vão contra o próprio direito penal). Assim, Foucault rompe com uma análise jurídica do escopo institucionalizado. Nos últimos anos, o meu projeto geral consistiu, no fundo, em inverter a direção da análise do discurso do direito a partir da Idade Média. Procurei fazer o inverso: fazer sobressair o fato da dominação no seu intimo e em sua brutalidade e a partir daí mostrar não só como o direito é, de modo 34 geral, o instrumento dessa dominação − o que é consenso − mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (e quando digo direito não penso simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que não são relações de soberania e sim de dominação. Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade. Portanto, não o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas: não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo social (FOUCAULT, 1976). 3.5.2 Vigiar e punir Poder disciplinar – não é a pena em si, mas uma espécie de poder que atinge os corpos dos sujeitos -> construção de corpos dóceis é um Instrumento da disciplina: Distribuição: os corpos são distribuídos em certos espaços – celas, carteiras (escolas), etc. – ideia de hierarquia. Controle da atividade: horário para cada atividade; marchar no mesmo ritmo. Organização das gêneses: tarefas distintas para recrutas e veteranos; calouros e egressos... Outros recursos para o adestramento: 1) Vigilância hierárquica: o olhar constante (e a própria arquitetura de alguns espaços que facilitam este olhar) 2) Sanção Normalizadora – pequeno mecanismo penal, mas não uma infração à lei – punição por atrasos, desobediência, desatenção, insolência...). 3) Exame: Controle baseado na vigilância para qualificar, classificar e punir – existem arquivos, registros, antecedentes etc., todas estas informações nas mãos de alguém. E o direito? Pode ser o veículo da “normalização”. Não é só um instrumento neutro, tampouco é a única forma de poder que incide sobre os sujeitos. 35 3.5.3 Sujeito e as estruturas Os sujeitos são formados pelo poder. Como diz Foucault, “o indivíduo é o átomo fictício de uma representação ‘ideológica’ da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama ‘disciplina’ “. Assim, existem, para Foucault, estruturas sociais que antecedem o sujeito e o constitui, possuindo o direito participação neste processo. Como dito, Foucault vê o direito nas extremidades, não na relação institucional tradicional. “Enquanto o poder soberano ostenta o direito de matar, os poderes da era disciplinar deixam viver para investirem sobre a vida”. 3.6 Hegel Contexto: burguesia já está no poder – deixam de apoiar o jusnaturalismo e apoiam o juspositivismo. O Estado é a instância da realização da liberdade do cidadão. Portanto, caberia a ele assegurar a proteção dos direitos e liberdades fundamentais, tanto individuais quanto sociais. Em fazendo isso garantirá a justiça. No § 270 Hegel é categórico ao mostrar que a função do Estado é “proteger e assegurar a vida, a propriedade e o arbítrio de cada um” (Rph § 270). É nos três níveis da eticidade – família, sociedade civil e Estado – que o indivíduo tem sua individualidade assegurada, isso porque mediada e universalizada. “O sujeito individual está incluído no ‘Estado’ quando for capaz de formar racionalmente suas ‘habilidades’, suas disposições e talentos de modo que estes possam ser empregados para o bem universal.” (WEBER, Thadeu, 2014).1 1 https://www.redalyc.org/pdf/3215/321531779003.pdf 36 3.7 Gadamer – hermenêutica O homem, na condição hermenêutica, é finito e histórico – está inserido em um contexto histórico que lhe é apresentado através da linguagem dada pela tradição. A construção do sentido das coisas não é fruto somente da subjetividade, mas origina-se justamente do fato do homem pertencer a uma tradição a qual está vinculado e que define suas experiências no mundo – um todo de sentido, no qual já existem determinações prévias, pressuposto do qual parte a compreensão. A consciência é,portanto, determinada pela história. Os pré-conceitos gerados na história fazem parte da compreensão – há um ponto de partida. A compreensão é, portanto, não a transposição para o mundo interior do autor e uma recriação de suas vivências (subjetivismos), mas um entender a respeito do objeto. E este objeto é conhecido por meio da linguagem. exemplo: O leitor interage com um texto fruto de uma tradição histórica, contudo, não há uma relação entre o autor e o leitor, de modo que o sentido do texto já está posto, independente do leitor ter conhecimento ou não de quem o escreveu ou do contexto histórico em que ele foi criado. O texto, portanto, é acessível a todos que compartilham a mesma tradição linguística – a escrita, então, não é “a repetição de algo passado, mas participação num sentido presente”. Ademais, “compreender um texto significa sempre: aplica-lo a nós e saber que um texto, mesmo que deva ser compreendido de maneira diferente, é contudo o mesmo texto que se nos apresenta sempre de outro modo”. Estrutura circular: compreensão se dá em um movimento de ir e vir – pré- compreensão e compreensão – necessidade do que já é abordado para entendermos o que será abordado 37 No que toca ao direito, temos que o ato de interpretar está diretamente interligado com sua aplicação, pois há um caso concreto de fundo – compreensão, interpretação e aplicação são interdependentes. O intérprete do direito também possui pré-concepções que “o compõem” (e são condições de possibilidade de sua compreensão). Ao afirmar isso, Gadamer se afasta das teorias positivistas que pregam um rigor metodológico e formalista. Ainda, cada caso é diferente do outro – portanto, a correta aplicação do direito, que parte de um ato interpretativo, também muda. O aplicador, portanto, está vinculado a algo que o antecede (suas concepções e as próprias noções de justiça que derivam da lei), mas interpretará o direito ante um caso concreto, não encontrando-se adstrito à literalidade da lei. 38
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