Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
COMANDO-GERAL DIRETRIZ PARA PRODUÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA PÚBLICA Nº 3.01.05/2010-CG Dezembro/2010 REGULA A ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS SEGUNDO A FILOSOFIA DOS DIREITOS HUMANOS 2 GOVERNADOR DO ESTADO ANTONIO AUGUSTO JUNHO ANASTASIA SECRETÁRIO DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL MOACYR LOBATO DE CAMPOS FILHO COMANDANTE-GERAL DA PMMG Coronel PM RENATO VIEIRA DE SOUZA CHEFE DO ESTADO-MAIOR Coronel PM MÁRCIO MARTINS SANT’ANA COMANDANTE DA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR Coronel PM FÁBIO MANHÃES XAVIER DIRETOR DE APOIO OPERACIONAL Coronel PM EDUARDO DE OLIVEIRA CHIARI CAMPOLINA SUPERVISÃO TÉCNICA Ten Cel PM ARMANDO LEONARDO L. A. F. DA SILVA Chefe da Seção de Emprego Operacional do EMPM REDAÇÃO Cel PM QOR Jovino César Cardoso Ten Cel PM Marcelo Vladimir Corrêa Cap PM Cleverson Natal de Oliveira Cap PM Sandro Heleno Gomes Ferreira Cap PM Gilmar Luciano Santos Cap PM Carla Cristina Marafeli Cap PM Cláudia Herculana F. Glória Cap PM Cláudio Duani Martins Cap PM QOS Paola Bonanato Lopes Pedagoga Resângela Pinheiro Sousa COLABORAÇÃO Sd PM Edna Márcia Costa Mendonça Assessora Jurídica Maria Amélia Pereira REVISÃO DOUTRINÁRIA Maj PM Alexandre Nocelli Cap PM Edivaldo Onofre Salazar 2º Sgt PM Luiz Henrique de Moraes Firmino REVISÃO FINAL Ten Cel PM Leandro Bettoni Subcomandante da APM Ten Cel PM Armando Leonardo L. A. F. da Silva Chefe da Seção de Emprego Operacional do EMPM 3 Direitos exclusivos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG). Reprodução condicionada à autorização expressa do Comandante-Geral da PMMG. Circulação restrita. Ficha catalográfica: Rita Lúcia de Almeida Costa – CRB – 6ª Reg. n.1730 ADMINISTRAÇÃO Estado-Maior da Polícia Militar Quartel do Comando-Geral da PMMG Cidade Administrativa/Edifício Minas, Rodovia Prefeito Américo Gianetti, s/n – 6º Andar - Bairro Serra Verde – Belo Horizonte – MG – Brasil. CEP 31.630-900 Telefone: (31) 3915-7806. SUPORTE METODOLÓGICO E TÉCNICO Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da PMMG Rua Diabase, 320 – Prado, Belo Horizonte – MG – Brasil. CEP 30410–440 Tel: (0XX31) 2123-9513; Fax: (0XX31) 2123-9512 E-mail:cpp@pmmg.mg.gov.br Seção de Planejamento do Emprego Operacional (EMPM/3) Quartel do Comando-Geral da PMMG Cidade Administrativa/Edifício Minas, Rodovia Prefeito Américo Gianetti, s/n – 6º Andar - Bairro Serra Verde – Belo Horizonte – MG – Brasil. CEP 31.630-900 Telefone: (31) 3915-7799. E-mail: pm3@pmmg.mg.gov.br MINAS GERAIS. Polícia Militar. Comando-Geral. Diretriz para Produção de Serviços de Segurança Pública nº 3.01.05/2010-CG: Regula a Atuação da Polícia Militar de Minas Gerais segundo a filosofia dos Direitos Humanos. Belo Horizonte: PMMG - Comando- Geral, 2010. 74 p.: il. 1. Direitos Humanos – PMMG. 2. Ética policial. I. Título. CDU 342.7 CDD 355.13 mailto:cpp@pmmg.mg.gov.br mailto:pm3@pmmg.mg.gov.br 4 DPSSP Nº 3.01.05/2010 - CG Elaborada a partir: Dos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que tem explícito no Art. 1º que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade; Dos Direitos Individuais e Coletivos contidos no Art. 5º da Constituição Federal, sintetizados no princípio de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”; Do Princípio Normativo da Constituição Federal contido no Art 144: Segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos [...]; Do princípio constitucional da eficiência na Administração Pública, contido no Art. 37, caput, da Constituição Federal e art. 13, caput, da Constituição do Estado de Minas Gerais; Dos Princípios da Segurança Pública Brasileira, segundo diretrizes provenientes do Governo Federal, entendendo que “direitos humanos e eficiência policial são compatíveis entre si e mutuamente necessários” e que “ação social preventiva e ação policial são complementares e devem combinar-se na política de segurança”; Da Missão da PMMG, que é “promover e assegurar a dignidade da pessoa humana, as liberdades e os direitos fundamentais [...]”; Da Visão da PMMG, definida em “sermos excelentes na promoção das liberdades e dos direitos fundamentais [...]”; Dos Valores Definidos para a PMMG, contidos na Diretriz Geral para Emprego Operacional da PMMG, destacando-se o “Respeito aos Direitos Fundamentais e Valorização das Pessoas”; Dos Pressupostos e Orientações Procedimentais Básicos para Emprego da Polícia Militar, contidos na Diretriz Geral para Emprego Operacional da PMMG, dentre os quais se destaca a “Primazia dos Direitos Fundamentais e da Dignidade da Pessoa”. 5 LISTA DE SIGLAS AFAS - Associação Feminina de Assistência Social APM - Academia de Polícia Militar CBMMG - Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais CF - Constituição Federal CFarm CFO - - Centro Farmacêutico da Polícia Militar Curso de Formação de Oficiais CG - Comando-Geral da Polícia Militar Cia - Companhia de Polícia Militar CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha COdont CPE - - Centro Odontológico da Polícia Militar Comando de Policiamento Especializado CPM - Corregedoria de Polícia Militar CRA - Centro de Referência do Alcoolista CTPM DAL - - Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais Diretoria de Apoio Logístico DAOp - Diretoria de Apoio Operacional DEEAS - Diretoria de Educação Escolar e Assistência Social DEPM - Diretrizes de Educação da Polícia Militar DPSSP DRH - - Diretriz para Produção de Serviços de Segurança Pública Diretoria de Recursos Humanos DS DTS - - Diretoria de Saúde Diretoria de Tecnologia e Sistemas EAD - Educação à Distância ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente EMEMG - Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais EMPM - Estado-Maior da Polícia Militar de Minas Gerais FGR - Fundação Guimarães Rosa GRSau - Gerente (ou Gerência) Regional de Saúde HPM - Hospital da Polícia Militar IPSM - Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais LGBTT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais MJ - Ministério da Justiça MP - Ministério Público MTDPV - Método de Tiro Defensivo de Preservação da Vida NAIS - Núcleo de Assistência Integral à Saúde 6 ONG - Organização Não Governamental ONU - Organização das Nações Unidas PIDCP - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos PIDESC - Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais PMMG - Polícia Militar de Minas Gerais PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos PROMORAR - Programa de Apoio Habitacional dos Militares do Estado de Minas Gerais RPM - Regiões de Polícia Militar SAS - Seção de Assistência à Saúde SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENASP - Secretaria Nacional de Segurança Pública SIEA - Sistema de Ensino Assistencial SISAU - Sistema de Assistência à Saúde TPI - Tribunal Penal Internacional UEOp - Unidades de Execução Operacional 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 10 2 OBJETIVOS .......................................................................................................................................... 11 3 DIREITOS HUMANOS .......................................................................................................................11 3.1 Breve histórico ............................................................................................................................. 11 3.2 Conceito .......................................................................................................................................... 13 3.3 Características .............................................................................................................................. 14 3.4 Juridicização e Justicialização ................................................................................................. 15 3.5 Universalismo e Relativismo Cultural ................................................................................... 15 3.6 Proteção Internacional dos Direitos Humanos ................................................................. 16 3.7 Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro ................................................. 17 4 DIREITOS HUMANOS NA PMMG .................................................................................................. 18 4.1 Trajetória histórica ..................................................................................................................... 18 4.2 Filosofia Institucional ................................................................................................................. 19 4.3 Fundamentação Teórico-Metodológica ................................................................................. 21 4.3.1 Para quem são os Direitos Humanos? ............................................................................................ 21 4.3.2 Quem deve proteger os Direitos Humanos? ................................................................................. 22 4.3.3 A validade dos Direitos Humanos no mundo ................................................................................ 22 5 EIXOS TEMÁTICOS EM DIREITOS HUMANOS .......................................................................... 23 5.1 Eixo 1: Educação ........................................................................................................................... 23 5.1.1 Educação em Direitos Humanos: Significado e Princípios ..................................................... 23 5.1.2 Educação de Polícia Militar: Espaços Formativos para uma Cultura de Direitos Humanos ................................................................................................................................................................... 24 5.1.3 Capacitação Docente para a Educação em Direitos Humanos .............................................. 27 5.2 Eixo 2: Procedimento Policial para Proteção dos Direitos Humanos dos Grupos Vulneráveis , Minorias e Vítimas ......................................................................................................... 29 5.2.1 Contextualização ..................................................................................................................................... 29 5.2.2 Grupos Vulneráveis ................................................................................................................................ 30 5.2.3 Minorias ...................................................................................................................................................... 31 5.2.4 Diferença entre grupos vulneráveis e minorias .......................................................................... 32 5.2.5 Vítima da criminalidade e abuso de poder ..................................................................................... 33 8 5.3 Eixo 3: Política Interna de Direitos Humanos .................................................................... 34 5.3.1 Contextualização ..................................................................................................................................... 34 5.3.2 Direitos do policial militar ................................................................................................................... 35 5.3.3 Programas e benefícios existentes na corporação voltados para o policial militar ...... 36 5.3.4 Órgãos Internos e Externos de Promoção dos Direitos Humanos na PMMG .................. 39 5.4 Eixo 4: Integração com Outros Órgãos e Entidades .......................................................... 43 5.4.1 Poder judiciário local.............................................................................................................................. 43 5.4.2 Ministério Público .................................................................................................................................. 43 5.4.3 Ouvidoria de Polícia ................................................................................................................................ 44 5.4.4 Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos ................................................................ 44 5.4.5 Delegacias de Polícia Civil .................................................................................................................... 44 5.4.6 Prefeituras Municipais .......................................................................................................................... 45 5.4.7 Câmara dos vereadores ......................................................................................................................... 45 5.4.8 Ordem dos Advogados do Brasil ......................................................................................................... 45 5.4.9 Órgãos Oficiais de Defesa dos Direitos Humanos ....................................................................... 45 5.4.10 Entidades Religiosas, Assistenciais, Conselhos Comunitários de Segurança Pública e ONGs ............................................................................................................................................. 45 5.4.11 Universidades, Faculdades e Escolas Superiores ..................................................................... 46 5.4.12 Órgãos do sistema municipal e estadual de ensino ............................................................... 46 6 AÇÕES PARA OS COMANDOS NOS DIVERSOS NÍVEIS ............................................................ 46 6.1 Estado-Maior da Polícia Militar ................................................................................................ 46 6. 2 Atribuições dos Elementos Subordinados ............................................................................ 47 6.2.1 Academia de Polícia Militar (APM) ................................................................................................... 47 6.2.2 Diretoria de Apoio Operacional (DAOp) ........................................................................................ 47 6.2.3 Corregedoria de Polícia Militar (CPM)............................................................................................. 47 6.2.4 Regiões de Polícia Militar (RPM) ....................................................................................................... 48 6.2.5 Unidades de Execução Operacional (UEOp) .................................................................................. 48 6.3 Ações de Âmbito Geral ................................................................................................................ 49 7 AÇÕES DE DIREITOS HUMANOS .................................................................................................. 49 7.1 Ações Eixo 1: Educação ............................................................................................................. 49 7.1.1 Conteúdos de Direitos Humanos nos cursos de formação e na educação continuada . 49 7.1.2 Conduta no Ambiente Escolar ............................................................................................................ 50 7.1.3Capacitação Docente .............................................................................................................................. 50 7.1.4 Atividades Extensionistas ..................................................................................................................... 51 7.2 Ações Eixo 2: Estratégias para Sensibilização do Atendimento aos Grupos Socialmente Vulneráveis e às Vítimas da Criminalidade e Abuso de Poder ........................... 51 7.3 Ações Eixo 3: Política Interna de Direitos Humanos ....................................................... 52 7.4 Ações Eixo 4: Integração com Outros Órgãos e Entidades .............................................. 53 9 7.4.1 Poder judiciário e Ministério Público .............................................................................................. 53 7.4.2 Ouvidoria de Polícia ................................................................................................................................ 53 7.4.3 Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos ................................................................ 53 7.4.4 Delegacias de Polícia Civil .................................................................................................................... 53 7.4.5 Prefeituras Municipais e Câmara dos vereadores ...................................................................... 54 7.4.6 Ordem dos Advogados do Brasil ......................................................................................................... 54 7.4.7 Entidades Religiosas, Assistenciais, Conselhos Comunitários de Segurança Pública, ONGs e outros órgãos de Defesa dos Direitos Humanos ........................................................................ 54 7.4.8 Universidades, Faculdades e Escolas Superiores .......................................................................... 54 7.4.9 Órgãos do sistema municipal e estadual de ensino .................................................................... 54 8 PRESCRIÇÕES DIVERSAS ................................................................................................................ 55 ANEXO “A” (ASPECTOS DA LEGISLAÇÃO CORRELATOS AO TEMA) À DPSSP Nº 3.01.05/2010-CG....................................................................................................................................... 56 ANEXO “B” (CONDUTA ÉTICA E LEGAL DO POLICIAL) À DPSSP Nº 3.01.05/2010-CG ....... 60 ANEXO “C” (DEVERES E FUNÇÕES DO POLICIAL) À DPSSP Nº 3.01.05/2010-CG ................ 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 72 10 DPSSP Nº 3.01.05/2010 – CG Regula a Atuação da Polícia Militar de Minas Gerais segundo a filosofia dos Direitos Humanos. 1 INTRODUÇÃO Atualmente, o Brasil está entre os países que mais possuem instrumentos jurídicos de proteção dos Direitos Humanos, como a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, dentre outros. Todavia, apesar de todos esses avanços no campo formal, proporcionados por duas décadas de reconstrução democrática, ainda são notórias as dificuldades que o país enfrenta para assegurar, na prática, esses direitos. Historicamente, o país viveu, nos últimos tempos, grandes transformações políticas e sociais, fruto de anos de fomento à liberdade e igualdade. No cenário instaurado, descortina-se uma nova agenda mundial focada nos direitos individuais e coletivos. Paralelamente, surge também um grande desafio, o de operacionalizar esses direitos, inserindo-os na prática cotidiana dos cidadãos. Compreende-se que o maior dos obstáculos para a promoção e proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana repousa sobre o desconhecimento, pois é por essa via que muitos desses direitos são ignorados e, consequentemente, desrespeitados. Nesse cenário de incertezas sociais, a educação de Direitos Humanos surge como um candeeiro, lançando luzes sobre o mundo e construindo novos modelos de comportamento para os processos de mudança da sociedade contemporânea. É imensurável o potencial da educação, seja ela formal ou informal, na construção de uma sociedade, com base moral e ética, voltada para os princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inserida neste contexto, encontra-se a Polícia Militar de Minas Gerais, que traz, em sua identidade institucional, princípios de respeito aos Diretos Humanos, concretizados em sua missão: “Assegurar a dignidade da pessoa humana, as liberdades e os direitos fundamentais, contribuindo para a paz social e para tornar Minas o melhor Estado para se viver”. (MINAS GERAIS, 2009, p.15) A atualização desta diretriz compõe esta macro política institucional com o propósito de sistematizar a prática de uma segurança cidadã, ampliando e consolidando aspectos teórico-práticos da educação em Direitos Humanos para policiais, levando-os ao exercício da promoção e da prática dos direitos universais junto às diversas comunidades. 11 2 OBJETIVOS 2.1 Definir as conceituações teórico-metodológicas dos princípios de Direitos Humanos adotadas na prática policial, referendada nos principais documentos internacionais de Direitos Humanos e no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2 Determinar procedimentos, deveres e funções policiais-militares segundo a filosofia dos Direitos Humanos, com base na conduta ética e legal e no respeito à diversidade social. 2.3 Divulgar aos integrantes da Instituição as políticas internas de promoção de Direitos Humanos que visam garantir e promover seus direitos. 2.4 Ser referencial teórico na educação em Direitos Humanos, em âmbito institucional. 2.5 Estabelecer uma linha de comunicação entre a Polícia Militar e a população em geral, para discutir assuntos relacionados a filosofia de direitos humanos 3 DIREITOS HUMANOS 3.1 Breve histórico Em breve linha temporal, podemos visualizar o processo construtivo dos Direitos Humanos. Sua historiografia remonta à antiguidade com registros como o Código de Hamurabi (Séc. XVIII A. C.)1 e o Cilindro de Ciro2 (539 A. C.), perpassa pela Idade Média, na Inglaterra, com a Magna Carta3 e segue com outros instrumentos Ingleses relevantes : o Habeas Corpus Act (1698) que garante liberdade por prisão arbitrária e o Bill of Rights (1689) que retirou do monarca o poder absoluto de legislar, transferindo-o a um parlamento, até a modernidade. Segundo Herkenhoff (2002, p.2), o termo Direitos Humanos é “[...] Um projeto histórico a ser realizado”. Esses direitos não são estáticos, eles evoluem à medida em que a ciência e seus avanços, como as pesquisas com células tronco, a clonagem humana, a sustentabilidade ambiental, os avanços cibernéticos, dentre outras tecnologias, também evoluem, ocorrendo uma natural ampliação dos 1 Khammu-rabi, Rei da Babilônia no 18º século A. C., estendeu grandemente o seu império e governou uma confederação de cidades-estado. Erigiu, no final do seu reinado, uma enorme "estela" em diorito, na qual ele é retratado recebendo a insígnia do reinado e da justiça do Rei Marduk. Abaixo mandou escrever 21 colunas, 282 cláusulas que ficaram conhecidas como Código de Hamurábi (embora abrangesse também antigas leis). 2 Primeira Declaração dos Direitos Humanos contêm uma declaração do Rei Persa (antigo Irã) Ciro II depois de sua conquista da Babilônia em 539 A. C. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos os seus idiomas oficiais. 3 Carta Magma das Liberdades (...) foi a declaração solene que o Rei João da Inglaterra, também conhecido como João Sem Terra, assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barões do reino._ Comparato, Fábio Konder– Afirmação histórica dos Direitos Humanos, 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. 12 Direitos Humanos em uma dinâmica que acompanhará os passos da humanidade, garantindo às próximas gerações uma vida digna e próspera. Para efeito desta diretriz, há quatro marcos históricos que merecem destaque: o Iluminismo4, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Francesa e o término da II Guerra Mundial. A independência das treze colônias americanas e as ideias iluministas [razão, espírito crítico e fé na ciência] impulsionaram a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada após a Revolução Francesa (1789), que, por sua vez, gerou os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade. Segundo Comparato (2000,p.99), “A independência das antigas colônias britânicas da América do Norte [...] representou o ato inaugural da democracia moderna, combinando, sob o regime constitucional, a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos Direitos Humanos”. Por fim, após o término da II Grande Guerra, surgiu a necessidade de se erradicar as atrocidades, como as cometidas pelos nazistas, onde o anti- semitismo apregoado pelo chamado Terceiro Reich negou a diversidade, a dignidade e a própria vida a milhões de pessoas, em um dos maiores genocídios da História da humanidade. A dignidade e a igualdade, entre os seres humanos, foram desconsideradas. Após esse período, surgiram as primeiras manifestações de internacionalização dos Direitos Humanos, como o Tribunal de Nuremberg e o de Tóquio (1945 a 1949)5, a criação da Organização das Nações Unidas - ONU (1945) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, em Paris/França. Mais tarde, surgiram outros instrumentos que deram sustentabilidade jurídica aos Direitos Humanos em nível mundial, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1976) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e a Carta Africana dos Direitos dos Povos (1981). Surgiram também outras declarações, que são manifestações de povos e culturas, cujo objetivo é despertar o mundo para a diversidade. São exemplos: a Declaração dos Direitos dos Povos (1976), a Declaração Solene dos Povos Indígenas (1975), a Declaração Islâmica Universal dos Direitos dos Homens 4 O Iluminismo é (...) uma atitude geral de pensamento e de ação. Os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição de tornar este mundo um mundo melhor - mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do engajamento político-social. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo#cite_note-4- acessado em 19nov2009. 5 Os tribunais de Nurenberg e de Tóquio causaram dois grandes impactos relativos ao direito internacional dos Direitos Humanos: possibilitaram a responsabilização de indivíduos e apresentaram novo limite ao conceito de soberania. IKAWA, PIOVESAN, ALMEIDA - Fundamentos e história dos Direitos Humanos – formação de conselheiros em Direitos Humanos - Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. 13 (1991), bem como a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre a Igualdade de Homens e Mulheres, para Remuneração de Trabalho de Igual Valor da Organização Mundial do Trabalho (1953). Atualmente, um número cada vez mais expressivo de países tem referendado as normas e filosofias de Direitos Humanos, adotando garantias, tanto em suas constituições quanto em tratados regionais como: a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos dos Povos (1981). 3.2 Conceito Direitos Humanos correspondem à somatória de valores, de atos e de normas que possibilitam a todos uma vida digna. Durante sua historiografia, esses direitos receberam várias definições. Na Revolução Francesa (1789), surgiu o termo “direitos do homem e do cidadão”, que após ter sido inserido nas Constituições de vários países, passaram a ser chamados de “direitos fundamentais da pessoa humana”, e, finalmente, quando foram previstos em Convenções, Pactos e Tratados, receberam a designação de “Direitos Humanos”. (OLIVEIRA, 2009, p.14) Para Bobbio (1988, p. 30), “os Direitos Humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”. Por sua vez, Herkenhoff (2002, p. 19) afirma que os Direitos Humanos são modernamente compreendidos como direitos fundamentais que o ser humano possui por sua própria natureza humana e pela dignidade que a ela é inerente. Segundo Rover (2005, p. 72), Direitos Humanos são entendidos como: “[...] um título. É uma reivindicação que uma pessoa pode fazer para com outra de maneira que, ao exercitar esse direito, não impeça que outrem possa exercitar o seu. Os Direitos Humanos são títulos legais que toda pessoa possui como ser humano. São universais e pertencem a todos, rico ou pobre, homem ou mulher.” É de se ressaltar que direitos fundamentais, segundo Comparato (2007, p. 58-59), são “os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, [...]; são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais.” (COMPARATO, 2007, p.58-59 apud OLIVEIRA, 2010, p.41) Segundo Ramos, corroborado por Oliveira, Direitos Humanos correspondem a um conjunto mínimo de direitos necessários para assegurar uma vida, baseada na liberdade e na dignidade. (RAMOS, 2001, p.27 apud OLIVEIRA, 2003, p. 13) Constata-se que os Direitos Humanos são próprios da natureza humana, não tem que ser concedidos, pois todo cidadão já nasce com eles. O que deve haver pelo poder político é sua garantia, ou seja, que esses direitos não sejam violados. É por este motivo que os direitos de todos os cidadãos estão prescritos 14 em normas, tanto nacionais como internacionais, com o fim único e exclusivo de serem garantidos e respeitados. Observa-se que os autores apresentados possuem um núcleo único sobre o conceito de Direitos Humanos. Eles concordam que os Direitos Humanos são universais e pertencem a todos pelo simples fato de serem seres humanos, sem nenhuma discriminação. A Conferência Mundial Sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena - 1993, em seu parágrafo 5º, estabelece: “Todos os Direitos Humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os Direitos Humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com mesma ênfase.” Este preceito vem a completar o conceito que será doravante adotado por esta diretriz, servindo como padrão na Educação Policial Militar, o qual pode ser lido a seguir. Direitos Humanos são todos os direitos que possuímos, pelo simples fato de sermos seres humanos, que nos permitem viver com dignidade, assegurando, assim, os nossos direitos fundamentais à vida, à igualdade, à segurança, à liberdade e à propriedade, dentre outros. Eles se positivam através das normas jurídicas nacionais e internacionais, tais como tratados, convenções, acordos ou pactos internacionais, leis e constituições. Estes direitos são universais, interdependentes e indivisíveis. 3.3 Características A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada com a aprovação de 48 Estados membros, presentes à Assembléia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948. Essa declaração consolidou uma visão contemporânea de Direitos Humanos, marcada pela universalidade, pela invisibilidade e pela interdependência.6 A Universalidade é uma característica de Direitos Humanos, a qual confere a todas as pessoas o reconhecimento de“sujeito de direitos” no âmbito internacional, independentemente da nação a que pertence. A indivisibilidade implica que, para a consolidação da dignidade humana, se faz necessária a indissociabilidade dos direitos civis e políticos (direitos à vida, à liberdade e ao voto) dos direitos sociais, econômicos e culturais ( o direito à educação, à alimentação e à moradia, etc.) 6 IKAWA, PIOVESAN, ALMEIDA. Fundamentos e história dos Direitos Humanos, Formação de Conselheiros em Direitos Humanos, Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. 15 A interdependência aponta para o liame existente entre todos esses diretos fundamentais. Um exemplo é o voto (direito político) que mantém dependência com o direito à alimentação (direito social), pois, em um país onde as pessoas sofrem de desnutrição, pressupõe-se a falta de condições físicas e psicológicas para promoverem uma eleição consciente. Assim, para se exercer um direito civil e político, é necessário que os direitos sociais, econômicos e culturais sejam eficazmente satisfeitos. 3.4 Juridicização e Justicialização Segundo Oliveira (2009, p.28), a juridicização “[...] é o mecanismo inerente ao direito por meio do qual, fatos são submetidos ao âmbito jurídico de proteção.” Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, houve a necessidade da criação de instrumentos jurídicos internacionais, sendo criados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), os quais atualmente compõem a “Carta Internacional dos Direitos Humanos” (Internacional Bill of Rights). Através desses instrumentos, houve um processo de juridicização de Direitos Humanos, possibilitando a construção de uma ordem normativa. Outra característica desses documentos é que, se ratificados pelos Estados, estes ficam obrigados a cumpri-los. A justicialização corresponde a: [...] efetivação ou materialização da proteção dos direitos. No sistema global, a justicialização dos Direitos Humanos operou-se na esfera penal, mediante a criação de tribunais ad hoc e, posteriormente, do Tribunal Penal Internacional (TPI). Nessa esfera penal, a responsabilização internacional atinge indivíduos que realizaram crimes internacionais. Nos sistemas regionais, a justicialização operou-se na esfera civil mediante a atuação das cortes européia, interamericana e africana. (OLIVEIRA, 2009, p.28) A garantia de Direitos Humanos no plano internacional só seria implementada quando uma “jurisdição internacional se impusesse concretamente sobre as jurisdições nacionais, deixando de operar dentro dos Estados, mas contra os Estados e em defesa dos cidadãos.” (BOBBIO, 1988, p.30 apud PIOVESAN, 2007). 3.5 Universalismo e Relativismo Cultural A Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) afirmou a universalidade dos Direitos Humanos. Porém, ainda hoje, diversas argumentações são construídas em favor do relativismo cultural dos Direitos Humanos, o qual afirma que Direitos Humanos devem ter a legitimidade das diversas culturas, cedendo a práticas regionais. O relativismo, porém, tem se confrontado com as ideias universalistas, as quais estipulam que Direitos Humanos, sendo universais, têm primazia sobre quaisquer culturas, entre outras formas de manifestações regionais. 16 Segundo KERSTING, (2003, p. 82) “Qualquer que seja o contexto cultural específico que determine a ética de condução devida dos seres humanos [...] deve-se afirmar que pressupostos fundamentais precisam ser cumpridos para que as pessoas possam levar, dentro de tais contextos, uma vida suportável, que lhes proporcione sentido.” Santos (1995) aduz que “[...] temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. Entretanto, inobstante as contraposições ideológicas elencadas, em um mundo globalizado, no qual existem modernos meios de comunicação e transporte, como a rede mundial de computadores, que nos permite navegar por um sem número de culturas, abrindo espaço para uma dialética universal, torna-se cada vez mais complexo o pensamento de se manter culturas intactas, livres de qualquer influência externa à sua realidade. As interações entre padrões culturais diferentes tornaram-se inevitáveis, o que resulta em um intercâmbio de valores culturais cada vez mais significativos. Nesse contexto, deve haver uma maior predisposição à tolerância por parte dos diferentes povos no tocante ao ideal de proteção à dignidade humana em todas as suas facetas, para que, enfim, possa ser estabelecido, definitivamente, um código comum de normas, que conte com a adesão de todas as nações e que venha a proporcionar uma proteção mais eficaz dos direitos inerentes à pessoa humana, independentemente de qualquer fator cultural. 3.6 Proteção Internacional dos Direitos Humanos Existe atualmente um sistema global, presidido pela Organização das Nações Unidas (ONU), de proteção aos Direitos Humanos, composto por vários documentos internacionais, além de outros sistemas regionais, com seus respectivos documentos de proteção aos direitos das pessoas. São eles: o Interamericano (Convenção Americana de Direitos Humanos), o Europeu (Convenção Européia de Direitos Humanos) e o Africano (Carta Africana de Direitos Humanos). Esses sistemas são complementares ao sistema normativo global e apresentam especificidades regionais de cada país. O Brasil faz parte do sistema interamericano desde 13 de dezembro de 1951, porém, só aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992. A inserção do Brasil no sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos se deu após a promulgação de nossa Carta Magna de 1988, que inaugurou os princípios da prevalência da dignidade da pessoa humana, com base no respeito aos Direitos Humanos. Foi a partir desse período que vários documentos foram ratificados pelo governo brasileiro, tais como: a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; o Pacto 17 Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996 e o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996. Em 03 de dezembro 1998, o Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio do Decreto Legislativo nº 89/98. Em 07 de fevereiro de 2000, o Brasil assinou o Estatuto do Tribunal Internacional Criminal Permanente. Segundo Piovesan (2000),“[...]uma média de 50 casos foram impetrados contra o Estado brasileiro, perante a Comissão Interamericana, no período de 1970 a 1998”. Esses casos foram classificados em sete grupos: 1) casos de detenção arbitrária e tortura, cometidos durante o regime autoritário militar; 2) casos de violação dos direitos das populações indígenas; 3) casos de violência rural; 4) casos de violência da Polícia Militar; 5) casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes; 6) casos de violência contra a mulher; e, 7) casos de discriminação racial. 3.7 Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro A Constituição Federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”7, abarca em seu bojo diversos artigos projetivosdos Direitos Humanos. Dentre esses artigos, alguns merecem ser destacados. O inciso III do art. 1º estabelece que a dignidade humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro. No art. 3º, são postulados os objetivos fundamentais da República Brasileira, quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III) e, por fim, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV). No tocante às relações internacionais, o art. 4º estabelece os seguintes princípios: prevalência dos Direitos Humanos (inciso II), autodeterminação dos povos (inciso III), não-intervenção (inciso VI), igualdade entre os Estados (inciso VII), repúdio ao terrorismo e ao racismo (inciso VIII), cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (inciso IX), concessão de asilo político (inciso X). Os direitos e deveres individuais e coletivos, que são objeto do artigo 5º, estabelecem em seu caput que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no 7 Nome dado à Constituição por Ulisses Guimarães, que foi um dos constituintes em 1988. 18 país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”. Esse artigo elenca diversos incisos que abarcam a temática Direitos Humanos. O parágrafo 1º do artigo 5º determina que as normas definidoras dos Direitos Humanos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. O § 2º do mesmo artigo reza que os Direitos Humanos expressos na Constituição “[...] não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Esse parágrafo inclui, entre os direitos já protegidos pela norma interna (CF/88), os direitos gerados nos tratados internacionais assinados pelo Brasil. A Emenda Constitucional 45/2004, incluiu, ainda, o § 3º ao art. 5º da CF/88 que estabelece: “Os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Além de todos os direitos insculpidos em nossa Constituição Federal, existem outros dispositivos infraconstitucionais, de proteção aos grupos socialmente vulneráveis, como: o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, dentre outros. 4 DIREITOS HUMANOS NA PMMG 4.1 Trajetória histórica A temática Direitos Humanos foi inserida nos currículos dos cursos de formação da PMMG, já no final dos anos 80, coincidentemente com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ressalta-se, entretanto, que em 1984, a PMMG, através da Nota de Instrução nº 001/84, já destilava preciosos ensinamentos sobre direitos humanos, onde consta como algumas de suas recomendações aos policiais militares “respeitar a pessoa humana qualquer que seja a sua condição”, além de “[...] assegurar a liberdade individual e promover o bem-estar da coletividade.” Nos anos seguintes, outros documentos foram instituídos, como a Nota Instrutiva nº 029/93, cuja finalidade era chamar a atenção para a necessidade de conferir-se à formação policial-militar um tratamento onde inexistissem influências maléficas de insensatez, de açulos à violência e de desrespeito à dignidade das pessoas, e a Nota Instrutiva nº 37/94 que orientava sobre o cumprimento da legislação estadual referente aos Direitos Humanos. Em 1998, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), em parceria com o Ministério da Justiça e os comandos das Policias Militares, lança, em Brasília, as bases do Projeto Polícia Militar, que tinha como principal objetivo ampliar os conhecimentos teóricos e técnico-procedimentais das polícias, mormente das militares, para a atuação em concordância com as normas internacionais de Direitos Humanos, no seu contexto nacional e internacional, bem como ampliar e consolidar as noções de direito internacional humanitário. João Marcos Realce João Marcos Realce 19 Ainda em 1998, na Polícia Militar de Minas Gerais, foi realizado o primeiro curso de Professores Multiplicadores das Doutrinas de Direitos Humanos, coordenados por oficiais da Instituição e contando com a participação de instrutores internacionais. Em 1999 e 2000, tivemos mais dois cursos, que, com uma dinâmica inovadora, aliavam os conhecimentos teóricos às práticas policiais reflexivas e lançavam as bases para uma profunda mudança na educação em Direitos Humanos na corporação, como adiante será mostrado. No ano de 2004, fruto do amadurecimento da percepção acerca da importância de um direcionamento institucional no que tange aos procedimentos policiais embasados no reconhecimento e respeito aos Direitos Humanos, entrou em vigor a primeira versão da diretriz de Direitos Humanos8. 4.2 Filosofia Institucional A identidade institucional da PMMG estabelece como missão “assegurar a dignidade da pessoa humana, as liberdades e os direitos fundamentais, contribuindo para a paz social e para tornar Minas o melhor Estado para se viver.” Assim, a PMMG procura ajustar-se à nova agenda mundial, que concita ir além do meramente formal, e de fato produzir ações que irão proporcionar à sociedade um atendimento de qualidade, que faça com que cada cidadão se sinta respeitado em seus direitos fundamentais. A filosofia institucional para Direitos Humanos, não somente exorta ao fiel cumprimento às normas internacionais e nacionais relativas a Direitos Humanos, como também estabelece estratégias para atender com qualidade as necessidades do cidadão e da sociedade: [...] desenvolver ações para atender o cidadão, em toda e qualquer circunstância de envolvimento, seja como vítima, agente, testemunha, envolvido e solicitante, pautado no respeito aos direitos fundamentais e na dignidade humana, praticando os valores institucionais em todas as ações desencadeadoras. (MINAS GERAIS, 2009, p.20). Na contemporaneidade, é importante a reflexão sobre as questões concernentes à educação em Direitos Humanos, por todos os policiais militares, em sua concepção mais extensiva, isto é, aquela que contempla o apropriado conhecimento e correlação do profissional de segurança pública com sua formação ética e moral dotada de valores equivalentes à plena vivência coletiva e social. Por ser isto da maior importância é que a Instituição estabeleceu sua Identidade Organizacional, a qual tramita no ensejo da sociedade, incorporando a planificação de preceitos fundamentais, que possam construir estratégias e ações alinhadas a todos os seus procedimentos, atitudes e tomadas de decisão em conformidade com as expectativas de paz, igualdade e fraternidade, essenciais à 8 Diretriz para Produção de Segurança Pública nº 08- Filosofia de Direitos Humanos da Polícia Militar de Minas Gerais, 2004. 20 plenitude e magnitude do princípio que fundamenta a Constituição Federal, a “dignidade da pessoa humana”, nos valores Institucionais da Polícia Militar de Minas Gerais. Os valores institucionais como o Respeito aos Direitos Fundamentais, Valorização das Pessoas, Ética e Transparência, Excelência e Representatividade Institucional; Disciplina e Inovação; Liderança e Participação; Coragem e Justiça devem ser entendidos e exercitados no dia a dia por todos em todos os níveis da organização, tornando-se expoentes centrais do elementar ato de aplicar os Direitos Humanos no exercício de nossas ações. Esses valores devem ser entendidos como paradigmas e referenciais éticos para todos os comportamentose condutas legais do policial militar. Na verdade, ao se alinharem os valores institucionais estabelecidos em nossa Identidade Organizacional com normas de Direitos Humanos que delineiam as liberdades fundamentais, a dignidade da pessoa humana, asseguram-se, sobretudo, os direitos de liberdade e direitos sociais que inspiram a produção normativa interna, a qual os profissionais de segurança pública devem observar, aplicando-a em sua atividade, no que couber. O alinhamento de nossa missão, visão e valores é, neste sentido, de fundamental importância para a adoção de padrões de comportamentos operacionais na solução de problemas e observância dos Direitos Humanos junto ao cidadão. Assim, só serão eficazes as ações e resultados das atitudes do profissional de segurança pública congruentes com as estratégias e objetivos descritos nesta Diretriz e na Identidade Organizacional. Esses objetivos, por sua vez, deverão ser congruentes com a cultura e a missão Institucional, em relação a toda sociedade em sua diversidade. Em outras palavras, a síntese e propósito desta Diretriz será a consecução do alinhamento interno do indivíduo com a visão “Sermos excelentes na promoção das liberdades e dos direitos fundamentais, motivo de orgulho do povo mineiro.” Esta visão ao ser observada por todo integrante da Polícia Militar – nos diversos níveis, direciona-se aos preceitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos – de estrutura Bipartite ou Bifronte – em Direitos de Liberdade (de 1ª Geração) e Direitos Sociais (de 2ª Geração) garantidos em outros Estatutos como a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como em nossa Constituição Federal, alinhando-se aos anseios – de servir e proteger – esperados pela comunidade. Portanto, a instituição busca, por meio de seus Valores, três tipos de alinhamento: 1) alinhamento pessoal, no qual deverá existir uma congruência entre todas as ações individuais com os preceitos de nossa Identidade; 2) alinhamento dos processos voltados aos Direitos Humanos relativos aos objetivos estratégicos e a nossa Visão de futuro; 3) alinhamento operacional, no qual os objetivos e ações (planejamento e comunicação) de todos os policiais ou grupos ajustem-se de maneira congruente com os demais sistemas que alcançam as normas imperativas de Direitos Humanos (ambiente interno da organização e externo na comunidade, grupos vulneráveis, minorias, ONGs, Sociedade Civil Organizada etc.). 21 4.3 Fundamentação Teórico-Metodológica Para sistematização teórico-metodológica da filosofia de Direitos Humanos, será estabelecida, para fins desta diretriz, a metodologia doravante denominada TRIÂNGULO DOS DIREITOS HUMANOS. Tal metodologia estrutura-se em duas perguntas e uma reflexão sobre Direitos Humanos, conforme sugere a figura a seguir: D IR E IT O S H UM A N O S Figura 1: Triângulo dos Direitos Humanos Fonte: DPSSP- 08/04- CG, corroborado por MARTINS, Claudio Duani. Uma análise sobre a aplicabilidade prática do conteúdo trabalhado no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais. Monografia (Especialização em Gestão de Direitos Humanos) Centro Universitário UNIEURO, Belo Horizonte, 2007. 4.3.1 Para quem são os Direitos Humanos? Essa pergunta nos remete a várias respostas, tais como: “para todos, mas só alguns os têm”; “para todos, mas não passam do papel”, “Direitos Humanos para humanos direitos”; “para proteger marginais” ou a uma simples e direta “são para todos os cidadãos.” A partir dessas manifestações, pode-se inferir que parece não haver uma clareza conceitual sobre a temática dos Direitos Humanos, decorrente da falta de sensibilização sobre o que é ter direito. Na verdade, as normas de Direitos Humanos foram criadas para oferecer garantias de direitos a todas as pessoas. Essa constatação nos conduz a outra pergunta: quem realmente acredita que Direitos Humanos foram criados para todas as pessoas? Muitos não acreditam totalmente, ou acreditam em parte, que os Direitos Humanos foram criados para todas as pessoas. O policial, como promotor dos Direitos Humanos, deve ter a convicção de que esses direitos foram criados para todas as pessoas, inclusive para ele próprio. Direitos Humanos não são sinônimos de direito abstrato, pelo contrário, fazem parte do dia a dia de todas as pessoas, pois abarca o direito à vida, o direito à propriedade, o direito de constituir uma família, além de tantos outros. 22 Os direitos das pessoas estão garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil, mais especificamente no art. 5º, os quais elencam direitos e liberdades individuais, fundados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Conclui-se que Direitos Humanos são para todos, integram o cotidiano de todos os cidadãos e, principalmente, do cidadão policial, o qual tem a nobre missão de servir e proteger a sociedade da qual ele faz parte. 4.3.2 Quem deve proteger os Direitos Humanos? Se Direitos Humanos são de todos e para todos, quem deve protegê-los? Sem dúvida, está inserto na nossa Constituição Federal que a segurança pública é responsabilidade de todos e dever do Estado. Logo, todas as pessoas tem a responsabilidade de defendê-los e o Estado tem o dever de tal ação. O policial, como representante do Estado, tem papel fundamental na proteção dos Direitos Humanos, pois ele é a autoridade mais comumente encontrada nas ruas e emblematiza o Estado (BALESTRERI, 2003, p.23). As pessoas identificam o policial como alguém em quem confiam e trazem a perspectiva de que ele solucionará seus problemas. Por isso, o policial tem o dever de estar sempre preparado tecnicamente, para agir com imparcialidade e humanismo, em todos os seus contatos com o público. As entidades de defesa dos Direitos Humanos, governamentais ou não, contribuem para que o papel do Estado se materialize, completando sua ação de proteção. No momento atual, quando se evidencia o recrudescimento da violência no País, principalmente nos grandes centros urbanos, é imprescindível que se faça um esforço sinérgico pela paz, congregando forças e trabalhando junto a essas entidades de Direitos Humanos, por meio de parcerias, abrindo portas para um conhecimento mútuo, trabalhando não apenas com a denúncia de ações policiais incorretas, mas dando ênfase ao anúncio de ações integradas em prol da construção da cidadania e da paz social. 4.3.3 A validade dos Direitos Humanos no mundo Agora que foram respondidas as duas perguntas, será feita uma análise global de Direitos Humanos. Podemos nos perguntar: por que existe então tanta miséria, fome e guerras no mundo? Por que não há uma efetividade das políticas de Direitos Humanos no mundo? Essas respostas podem ser conseguidas estudando-se a diversidade cultural e religiosa dos países, suas diferenças geográficas, seus costumes e normas, suas desigualdades sociais, os governos ditatoriais e as consequências da economia globalizada, entre outros aspectos que interferem diretamente na plenitude da prática de Direitos Humanos por toda a humanidade. Um aspecto fundamental a ser ressaltado é que o policial deve ser um pedagogo da cidadania. Ele deverá, sempre que possível, por meio de orientações ou palestras, informar as pessoas corretamente sobre seus direitos. 23 Dessa forma, elas poderão desenvolver-se, por meio de uma cooperação mútua, rumo à construção de uma sociedade consciente de seus direitos. Atenção: Recomenda-se antes da leitura dos Eixos Temáticos o estudo do texto “Deveres e Funções Policiais” e o Texto “Conduta Ética e Legal do Policial” anexos a esta diretriz. 5 EIXOS TEMÁTICOS EM DIREITOS HUMANOS Esta diretriz foi organizada em eixos estruturantes cada qual com uma temática diferenciada, porém transversal, de forma a facilitar o estudo, global e setorial, dos conteúdos, bem como proporcionar uma articulação com a identidade institucionale com os programas e atividades já existentes na área de Direitos Humanos. Os eixos constituem-se de temáticas afetas ao universo policial-militar, que objetivam explicitar conceitos, correlacionando-os com a atuação policial referendada na promoção e proteção dos Direitos Humanos, seja na Educação Policial, no trato com grupos socialmente vulneráveis, nas políticas internas e no relacionamento com as entidades e órgãos ligados à defesa dos Direitos Humanos. Ao final dos Eixos, serão apresentadas as ações programáticas e estratégias institucionais recomendadas aos comandos, em seus diversos níveis, para efetivação da filosofia contida nesta diretriz. EIXOS TEMÁTICOS EM DIREITOS HUMANOS EIXO 1 EDUCAÇÃO EIXO 2 GRUPOS VULNERÁVEIS, MINORIAS E VÍTIMAS EIXO 3 POLÍTICA INTERNA EIXO 4 INTEGRAÇÃO COM ÓRGÃOS E ENTIDADES 5.1 Eixo 1: Educação Este eixo tem como viés a inserção dos Direitos Humanos na Educação de Polícia Militar em todos os seus níveis e modalidades (formação, treinamento, pesquisa e extensão), mediada por uma abordagem interdisciplinar e transversal, visando à construção de uma cultura humanística que reconheça na diversidade a base para o respeito aos direitos fundamentais. 5.1.1 Educação em Direitos Humanos: Significado e Princípios 24 O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2003), do Governo Federal, evidencia que a educação em Direitos Humanos é um processo de socialização em uma cultura de Direitos Humanos. Socializar em Direitos Humanos implica implantar processos educativos que possam difundir, para o maior número possível de pessoas, concepções e práticas culturais para que elas se percebam e se formem como sujeitos detentores de direitos, já que se constituem em sujeitos de dignidade. A educação em Direitos Humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação policial-militar, permeando o currículo dos cursos de formação, da educação continuada, da pesquisa e extensão. A educação em Direitos Humanos deve ser estruturada na diversidade cultural e ambiental, garantindo assim a cidadania. Ela deve ser promovida em três dimensões: a) Conceitual: compreende a temática dos Direitos Humanos e dos mecanismos existentes para a sua proteção, desencadeando atividades para a promoção, defesa e reparação das violações aos Direitos Humanos; b) Procedimental: abrange a prática dos Direitos Humanos na vida cotidiano-profissional; c) Atitudinal: corresponde à internalização de valores e atitudes de respeito e valorização aos Direitos Humanos. 5.1.2 Educação de Polícia Militar: Espaços Formativos para uma Cultura de Direitos Humanos A idealização de uma política de educação em Direitos Humanos para os policiais militares de Minas Gerais não se restringe apenas à formação em seus ambientes escolares – Academia de Polícia e Companhias de Ensino e Treinamento – devendo se constituir parte integrante de todo o contexto onde haja ação policial militar, seja ela preventiva ou repressiva. A educação em Direitos Humanos na PMMG se constitui de três pressupostos fundamentais: 1 – uma educação de natureza permanente, continuada e global; 2 – uma educação necessariamente voltada para a mudança, objetivando transformações efetivas referendadas nos pressupostos de respeito à dignidade da pessoa humana; 3 – uma introjeção de valores que pretende atingir a prática reflexiva e, não apenas, transmissão de conhecimentos restritos às salas de aula. Para tanto, esta educação deve estar imbuída de uma postura pedagógica, que se insira nas diversas dimensões da ação educativa. Deve ser expressa no ambiente escolar e no trabalho por meio de atitudes, saberes, comportamentos e compromissos. É um exercício que não se inicia e se encerra na formação, mas 25 deve ser uma constante da ação policial em todos os momentos da sua vida pessoal e profissional. As Diretrizes de Educação da Polícia Militar (DEPM) contém em seu arcabouço filosófico-educacional artigos que intencionam propagar e disseminar uma cultura de respeito ao próximo, que promova a paz, repudiando ações e pressupostos que possam, mesmo que subliminarmente, ferir os princípios dos Direitos Humanos e da Cidadania. Em suas atividades diárias, o policial militar lida com a diversidade humana, muitas das vezes em situação de conflito. É sua missão assegurar a dignidade da pessoa humana e promover a paz social no contexto contemporâneo globalizado e de violência crescente. Para isto, ser-lhe-ão exigidos conhecimentos diversos nas áreas jurídicas, humanas, de gestão, técnico-profissionais que devem estar alinhados aos preceitos dos Direitos Humanos. Assim, é necessário proporcionar uma formação e capacitação interdisciplinar e transversal que favoreçam a interlocução entre as diversas disciplinas, consolidando temáticas centrais indispensáveis ao desempenho de suas funções. Adquirir conhecimentos, entretanto, não garante o desenvolvimento de competências procedimentais de respeito à pessoa humana. Como postula Rover (2005), esses conhecimentos deverão fazer parte da rotina deste policial, o simples conhecimento não é o bastante. Os policiais também precisam de certas habilidades técnicas e táticas, para assegurar a aplicação da lei, com respeito aos direitos e liberdades individuais. Neste sentido, depreende-se a importância de que a aprendizagem ocorra no contexto acadêmico-profissional, por meio de estudos de caso e vivências operativas que favoreçam uma aprendizagem significativa. A visão de só reprimir, entretanto, ainda povoa as metodologias de ensino e treinamento de muitas instituições policiais, fruto de uma trajetória histórica, onde as polícias serviram de instrumento de repressão popular. No entanto, após a Constituição de 1988, o cenário transformou-se e um novo paradigma profissional emergiu fundamentado em uma prática que tem como lema “Servir e Proteger”, conforme ensina Rover (1998). Para a consolidação deste paradigma, faz-se necessário investir na Educação de Polícia Militar, em suas atividades e disciplinas curriculares, em seus procedimentos educativos e práticas docentes de maneira a propiciar uma cultura acadêmica que valorize e promova ações de cidadania e de respeito à pessoa humana. O policial, particularmente durante o processo formativo, deve ser conscientizado da importância de sua profissão e estimulado a ser um promotor de Direitos Humanos, pois suas ações, futuramente, terão um caráter pedagógico na sociedade. As atitudes do policial se propagam na sociedade por meio de sua imagem, de suas condutas, de seu exemplo como cidadão. A percepção do profissional cooperador, solucionador de conflitos e defensor dos Direitos Humanos impacta de maneira diferente quando ele é percebido como profissional não confiável, insensível aos problemas sociais. É o que diz Balestreri (1988): “Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir Policial [...]. O Policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legítimo educador.” 26 5.1.2.1 Formação Policial A formação dos policiais militares estrutura-se no arcabouço de conhecimentos jurídicos, técnicos e humanísticos que proporcionam o desenvolvimento das competências necessárias para as funções de operadores da segurança pública com a missão profícua de promoção da paz social. Neste sentido, os cursos da PMMG destinados à formação inicial do policial militar devem se pautar em uma educação comprometida com os ideais e valores da cidadania, da democracia e de direitos humanos, promovendo a humanização, socialização, transparência e valorização do ser humano. Os princípios de Direitos humanos devem se constituir em eixos articuladores de toda a prática policial sendo estruturados nas dimensões ética, técnica e legal que compõem a malha curricular dos cursos e se fazem presentes em todo planejamento escolar. Devem ser encarados como uma pedagogia que nãoquer apenas conscientizar, mas formar profissionais, agentes transformadores, cidadãos empenhados na erradicação das injustiças e na construção de um mundo verdadeiramente humano. Neste sentido, em três princípios fundamentais é que se baseiam a atividade dos policiais sob o aspecto ético e legal: 1) o respeito e a obediência às leis; 2) o respeito pela dignidade humana; e 3) o respeito e a proteção dos Direitos Humanos. (CERQUEIRA, BARBOSA e ÂNGELO, 2001 apud OLIVEIRA, 2010, p. 94) 5.1.2.2 Educação Continuada O objetivo central da educação continuada em Direitos Humanos é a atualização de conhecimentos, quebra de paradigmas, a reflexão acerca da prática profissional e o realinhamento de condutas e procedimentos. No Sistema de Ensino da Polícia Militar, são consideradas como educação continuada os cursos de capacitação, aperfeiçoamento e treinamento policial, sejam na modalidade presencial, semi-presencial ou à distância. A metodologia adequada para a educação em Direitos Humanos considera o educando no centro do processo educativo, vai da prática à teoria, para retomar e melhor qualificar a prática. Parte de casos concretos e utiliza recursos como dramatização, simulação de casos, jogos vivenciais e outra práticas de ensino, em que o processo educativo tem como ponto de partida e chegada a ação do educando na transformação da realidade na qual se insere. Os temas de Ética Policial e Direitos Humanos serão enfatizados em todas as modalidades de educação continuada e devem ser tratados de forma transversal e interdisciplinar9, conscientizando o policial quanto às alternativas de 9 Transversalidade: [...] refere-se a temas sociais que permeiam os conteúdos das diferentes disciplinas,exigindo uma abordagem ampla e diversificada não se esgotando num único campo de conhecimento.Interdisciplinaridade[...] questiona a segmentação dos diferentes campos do conhecimento, possibilitando uma relação epistemológica entre as disciplinas[...] (CORDEIRO e SILVA, 2005, p.31,32) 27 resolução pacífica de conflitos que antecedem o uso efetivo da força e proibição da tortura e do tratamento desumano, cruel ou degradante. 5.1.2.3 Atividades Extensionistas Atividades extensionistas humanísticas são atividades complementares que compõem o currículo da formação e da educação continuada e objetivam ambientar o discente com a prática dos Direitos Humanos junto à comunidade por meio de projetos, seminários, workshops e intercâmbio com universidades e academias do Brasil e do exterior. 5.1.3 Capacitação Docente para a Educação em Direitos Humanos A educação de polícia militar, compromissada com os princípios éticos e de respeito à dignidade da pessoa humana e acreditando na imprescindibilidade do trabalho transversal e interdisciplinar para a consolidação do conhecimento, deverá promover a formação humanística aos seus integrantes para as atividades típicas de polícia militar e de docência. Os cursos deverão ser desenvolvidos com base na matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP/Ministério da Justiça – MJ, nas orientações teórico-metodológicas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, no Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH, no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, e no Plano Estadual de Direitos Humanos – PEDH. O conteúdo programático dos cursos de Direitos Humanos, bem como as condições de funcionamento, avaliação e aprovação, obedecerão ao previsto nas DEPM. 5.1.3.1 Promoção em Direitos Humanos 5.1.3.1.1 Curso de Promotores de Direitos Humanos Finalidade: Potencializar, nos policiais militares, os valores humanísticos para o exercício profissional de proteção e promoção de Direitos Humanos. O policial Promotor de Direitos Humanos, terá habilitação para proferir palestras e auxiliar os professores em aulas nos Cursos de Direitos Humanos e na organização de eventos. Público alvo: Policiais militares formados no Curso de Bacharelado em Ciências Militares – Curso de formação de Oficiais (CFO) e designados pelos respectivos chefes e comandantes.10 10 Conforme a Resolução nº 3.936/2007- CG, os militares formados no Curso de Bacharelado em Ciências Militares, CBCM/CFO, a partir do ano de 2006, são reconhecidos como Promotores de Direitos Humanos, tendo em vista a carga horária da disciplina durante o curso. 28 5.1.3.2 Docência em Direitos Humanos 5.1.3.2.1 Curso de Multiplicador de Direitos Humanos Finalidade: Destinado aos policiais militares que pretendem lecionar a disciplina de Direitos Humanos nos diversos cursos da Educação de Polícia Militar, sendo conferido a eles o título de Professor de Direitos Humanos. O Professor de Direitos Humanos terá habilitação para planejar e coordenar cursos e eventos de Direitos Humanos, além de ministrar aulas para os referidos cursos. Público Alvo: Policiais militares possuidores do curso de Promotor de Direitos Humanos, designados pelos respectivos chefes e comandantes, observando-se os requisitos abaixo. Pré-requisitos: Além dos previstos nas Diretrizes de Educação de Polícia Militar – DEPM, o candidato deverá: a) ser voluntário e ter interesse em multiplicar a doutrina dos Direitos Humanos; b) ter desenvoltura pessoal, fluência verbal e habilidades para apresentações em público; c) ter capacidade de criar, inovar, motivar e liderar os Promotores de Direitos Humanos; d) ter o aval, por escrito, do Comandante ou Chefe de sua Unidade, na ficha de inscrição do curso; e) não estar preso ou à disposição da Justiça e não estar sendo processado por crime doloso previsto: - em lei que comine pena máxima de reclusão superior a dois anos, desconsideradas as situações de aumento ou diminuição de pena; - nos títulos I e II, nos capítulos II e III do Título III e nos Títulos IV, V, VII e VIII do Livro I da Parte Especial do Código Penal Militar; - no Capítulo I do Título I e nos Títulos I, nos Títulos II, VI e XI da Parte especial do Código Penal. 29 5.1.3.2.3 Curso de Atualização em Direitos Humanos Finalidade: atualização em Direitos Humanos através do sistema de Educação à Distância (EAD), ficando a cargo da APM a sua construção e instrumentalização. É obrigatório a todos os professores que tenham concluído o curso de Direitos Humanos há mais de dois anos. Esse curso manterá o professor habilitado para lecionar nos cursos de formação, habilitação e especialização da PMMG. Os professores terão um prazo de 01 (um) ano, após a publicação desta DPSSP, para se adequarem a esta situação. O Curso de Atualização em Direitos Humanos será requisito para docência de Direitos Humanos. Público alvo/Pré-requisitos: destinado aos policiais, possuidores do curso de multiplicadores de Direitos Humanos, e que tenham concluído o curso há mais de dois anos. 5.2 Eixo 2: Procedimento Policial para Proteção dos Direitos Humanos dos Grupos Vulneráveis , Minorias e Vítimas 5.2.1 Contextualização A cultura brasileira é o resultado de um grande sincretismo que uniu costumes de diversos povos. Os caracteres genéticos que compõem as nossas raízes são frutos de uma secular miscigenação de etnias, gerando uma diversidade que nos proporciona uma imensurável riqueza cultural e social. As diferenças relacionadas à etnia, gênero, deficiência, idade, entre outros, também constituem essa diversidade. Porém, quando essas diferenças se convertem em desigualdade, criam um ambiente propício a toda sorte de violações de direitos, tanto no espaço público quanto privado, tornando vulneráveis as pessoas que estão na condição de diferentes. É possível citar como exemplo as pessoas com deficiência, os idosos, as mulheres,as crianças e os adolescentes e a população em situação de rua. Esses grupos são chamados, assim, de grupos vulneráveis. A busca dessas pessoas pelo reconhecimento de seus direitos é hoje um fator democrático preponderante, pois, somente através da igualdade é que se percebe a plena democracia. Foram muitos os movimentos sociais e conquistas, notadamente nos setores mais vitimados pelo preconceito e pela discriminação. A falta de políticas públicas direcionadas a esses grupos e a desinformação da sociedade são fatores que contribuem para a vitimização, por isto, existe atualmente um grande esforço nacional no sentido de se dar mais visibilidade a esses grupos e de proporcionar mais informação à sociedade, estimulando, assim, uma co-responsabilidade na formulação de leis e políticas garantidoras dos direitos dos grupos vulneráveis, como, por exemplo, a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros. A prática da defesa dos Direitos Humanos pelos organismos governamentais e não governamentais proporciona à sociedade e, mormente a esses grupos vulneráveis, reconhecimento e abertura de espaço político, trazendo 30 a realização concreta de seus anseios, e cumprindo efetivamente o que está escrito nas leis e nos estatutos. Dentro desse contexto, o policial, na sua atividade cidadã e de proteção social, deve conhecer a dinâmica dos grupos humanos, ou seja, descobrir seus anseios, dificuldades, necessidades e se engajar, no que for atinente à segurança pública, para a defesa e promoção dos direitos desses grupos. Por vezes, é necessário repensar as atitudes e valores que temos, confrontando-os com a nova ordem social e política de nossa sociedade. Por exemplo, pense: “Como agiria caso uma pessoa que usa cadeira de rodas lhe solicitasse ajuda para descer uma escada ou sair de seu carro? Como agiria se uma pessoa surda e muda tivesse sofrido uma agressão próxima ao seu setor de trabalho? Qual seria sua atitude, caso um cidadão cego lhe solicitasse ajuda, ou se deparasse com uma ocorrência de violência doméstica contra uma mulher ou abuso sexual de crianças e adolescentes?” Com certeza, essas seriam situações embaraçosas, por fugirem da rotina de seu trabalho, pois estamos habituados a lidar com pessoas que podem se locomover normalmente, que podem entender o que lhes é solicitado, enfim, que não possuem características que dificultam suas vidas, em sociedade. Porém, quando nos deparamos com casos como os citados, ocorrem dúvidas de como atuar. Por outro lado, essas pessoas esperam ser tratadas com respeito e dignidade e reconhecidas como cidadãos sujeitos de direitos. 5.2.2 Grupos Vulneráveis 5.2.2.1 Conceito É um conjunto de pessoas que, por questões ligadas a gênero, idade, condição social, deficiência e orientação sexual, tornam-se mais suscetíveis à violação de seus direitos (MARTINS, 2007). Os seis principais grupos são: a) mulheres; b) crianças e adolescentes; c) idosos; d) população LGBTT; e) população em situação de rua; f) pessoas com deficiência física e intelectual, ou sofrimento mental. 31 5.2.3 Minorias O conceito de minoria, não se refere somente a desvantagem numérica, quantitativa de determinada população, mas também diz respeito a sua posição de domínio ou dominado: [...] um grupo de cidadãos de um Estado, constituindo minoria numérica e em posição não-dominante no Estado, dotada de características étnicas, religiosas ou linguísticas que diferem daquelas da maioria da população, tendo um senso de solidariedade um para com o outro, motivado, senão apenas implicitamente, por vontade coletiva de sobreviver e cujo objetivo é conquistar igualdade com a maioria, nos fatos e na lei [...] (DESCHENES apud MAIA, 2001, grifo nosso) Nota-se desta forma que o conceito de minoria não está somente relacionado à questão numérica, mas também inclui a relação dominante e dominado. Por exemplo, na África do Sul, durante a colonização Inglesa, a minoria branca, que exercia o poder político, sobrepunha-se em dominação à maioria da população negra que era obrigada a se submeter às normas sociais, políticas e econômicas, estruturadas no estilo de vida inglês. Estas minorias, conceituadas por Poulter (1986), em seus estudos, são assim identificadas: a) Minorias étnicas; b) minorias religiosas; c) minorias linguísticas. 5.2.3.1 Minorias étnicas A minoria étnica traz importantes traços culturais e históricos que farão sua destinação no tecido social. Vejamos a definição abaixo: [...] são grupos que apresentam fatores distinguíveis em termos de experiências históricas compartilhadas e sua adesão a certas tradições e significantes tratos culturais, que são diferentes dos apresentados pela maioria da população [...] (POULTER, 1986, p.2 apud MAIA) O povo cigano é um exemplo de minorias étnicas. Estudos mostram que, após séculos de perseguições, discriminação e preconceitos, este grupo começa a sair da invisibilidade e a ser reconhecido, apesar de ainda serem grandes suas demandas, como o direito à cidadania brasileira, o acesso ao registro civil de nascimento e de óbito, o direito de frequentar escolas, as condições de saneamento, a assistência médica, dentre outras. 5.2.3.2 Minorias linguísticas As minorias linguísticas são assim definidas: [...] são grupos que usam uma língua, quer entre os membros do grupo, quer em público, que claramente se diferencia daquela utilizada pela maioria, bem como da adotada oficialmente pelo Estado. Não há 32 necessidade de ser uma língua escrita. Entretanto, meros dialetos que se desviam ligeiramente da língua da maioria, não gozam do status de língua de um grupo minoritário. (NOWAK, 1993, p.491 apud MAIA) 5.2.3.3 Minorias religiosas Segundo Maia (2001), vários autores se convergem na definição de minorias religiosas e afirmam que: “[...] São grupos que professam e praticam uma religião (não simplesmente uma outra crença, como o ateísmo, e.g.)” (DINSTEIN, 1992 apud MAIA). No Brasil, são exemplos de minorias religiosas: judeus, budistas, muçulmanos, praticantes de candomblé (religião jeje-nagô ou ioruba), umbandistas. É importante ressaltar que as religiões cristãs formam um grande bloco, inclusas as religiões tais como: espíritas, protestantes, católicos e todas as outras que tenham como base doutrinária o cristianismo. A nossa Constituição, em seu artigo 5º, inciso VI, reza que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Tal preceito legal abarca as religiões de matriz africana, como o Candomblé, Umbanda ou outras de manifestação afro-católica, como o Congado, assim designadas, devido à sua origem, trazida para o Brasil pelos negros vindos do continente Africano, desde o início da colonização portuguesa. O Brasil, constitucionalmente, é um país laico (não tem religião oficial), por isso, todos têm o direito de praticar cultos religiosos e manifestações ideológicas, políticas e culturais, sem intervenções de caráter repressivo, discriminatório ou jocoso. Assim, o Estado tem por obrigação garantir essa efetividade e punir as violações a esse direito. Não há espaço, em um país democrático, para a prática de violência e de discriminações por motivação religiosa, e que, lamentavelmente, ainda ocorrem.11 5.2.4 Diferença entre grupos vulneráveis e minorias Os “Grupos Vulneráveis” são pessoas que podem fazer parte de uma minoria étnica, mas, dentro dessa minoria, têm uma característica que as difere das demais e as torna parte de um outro grupo. Por exemplo, uma pessoa que faz parte de um pequeno grupo islâmico, num país católico, e é também portadora de
Compartilhar