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Autores: Prof. Claudio Ditticio Prof. Maurício Felippe Manzalli Colaboradores: Profa. Angélica L. Carlini Prof. Jefferson Lécio Leal Formação Econômica e Social do Brasil Professores conteudistas: Claudio Ditticio / Maurício Felippe Manzalli Claudio Ditticio Graduado em Economia pela Faculdade de Economia e Administração (USP) e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC–SP). Participou de cursos de especialização em Métodos Quantitativos, Banking, Marketing, Processos Administrativos e Operacionais, Derivativos, Avaliação de Empresas e Tecnologia da Informação. Foi administrador e diretor de instituições financeiras, de varejo e atacado e de empresas comerciais. Atuou também em consultoria de economia e de análise política. Foi professor e pesquisador da Escola de Contas do TCM (Tribunal de Contas do Município de São Paulo). Maurício Felippe Manzalli Economista pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e também é coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma Universidade, tanto na modalidade presencial quanto a distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente aquelas ligadas ao setor de transporte de passageiros, atuando há 29 anos no ramo. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D617f Ditticio, Claudio. Formação Econômica e Social do Brasil. / Claudio Ditticio, Maurício Felippe Manzalli. - São Paulo: Editora Sol, 2021. 140 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Expansão ultramarina portuguesa. 2. Brasil império. 3. República velha. I. Manzalli, Mauricio Felippe. II. Título. CDU 33(81) U511.20 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Marcilia Brito Juliana Mendes Sumário Formação Econômica e Social do Brasil APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 EXPANSÃO ULTRAMARINA PORTUGUESA NO ADVENTO DA ÉPOCA MODERNA .....................9 2 CARACTERIZAÇÃO DA ECONOMIA PRIMÁRIO-EXPORTADORA NOS FLUXOS COMERCIAIS MERCANTILISTAS ..................................................................................................................... 26 2.1 A colonização inglesa de povoamento na América do Norte, à margem do colonialismo mercantilista ................................................................................................................ 28 3 CICLOS DE PRODUÇÃO NA POLÍTICA DA PLANTATION .................................................................... 32 3.1 Ciclos de produção .............................................................................................................................. 33 4 DO CICLO AURÍFERO À ECONOMIA DO CAFÉ....................................................................................... 45 Unidade II 5 O SURGIMENTO DO IMPÉRIO BRASILEIRO ........................................................................................... 67 5.1 As transformações com a chegada da família real portuguesa ........................................ 67 5.1.1 A fuga de Portugal ................................................................................................................................. 68 5.1.2 Razões da fuga para o Brasil .............................................................................................................. 69 5.1.3 O marasmo da Colônia ......................................................................................................................... 70 5.1.4 Um “casamento” perfeito? .................................................................................................................. 70 5.1.5 O que mudou, afinal? ............................................................................................................................ 71 5.2 A abertura dos portos brasileiros às nações amigas .............................................................. 73 5.3 Surto de crescimento da Colônia, com as providências da Corte .................................... 74 5.3.1 A influência do liberalismo ................................................................................................................. 74 5.3.2 A continuação do privilégio aos ingleses ...................................................................................... 75 5.3.3 O retorno da Corte para a Europa .................................................................................................... 75 5.3.4 O início da Revolução Industrial....................................................................................................... 75 5.4 A hora da independência .................................................................................................................. 77 6 O SEGUNDO REINADO (1840-1889) ....................................................................................................... 80 6.1 O início ...................................................................................................................................................... 80 6.2 A experiência parlamentarista no Brasil ..................................................................................... 81 6.2.1 O reinado protegido do café .............................................................................................................. 82 6.3 A odisseia do término do regime servil e sua substituição pelo trabalhador livre .................. 83 6.4 A vinda da mão de obra livre ........................................................................................................... 85 6.5 As primeiras indústrias e os transportes ..................................................................................... 87 6.6 As novidades trazidas pelos bancos e pelas ferrovias ........................................................... 88 6.7 A melhora do balanço externo ....................................................................................................... 89 6.8 Uma guerra penosa com o Paraguai ............................................................................................ 90 Unidade III 7 A TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA ....................................................................... 96 7.1 O nascimento do novo regime ........................................................................................................ 96 7.2 Motivos para a implementação da República .......................................................................... 98 7.3O Positivismo ........................................................................................................................................100 7.4 Os liberais na República ...................................................................................................................101 7.5 As heranças do antigo regime ......................................................................................................101 7.5.1 A vulnerabilidade externa .................................................................................................................102 7.6 A disseminação do trabalho assalariado no campo .............................................................103 7.7 A dissolução da Assembleia ...........................................................................................................103 7.7.1 Um regime diferente? .........................................................................................................................103 8 A REPÚBLICA VELHA ....................................................................................................................................105 8.1 As reações contrárias ao novo regime .......................................................................................105 8.2 O papelismo e o câmbio ..................................................................................................................107 8.2.1 Relacionamento mais amistoso com o exterior ....................................................................... 110 8.3 A política econômica antes da Primeira Grande Guerra Mundial ..................................111 8.3.1 Os impactos trazidos pela Primeira Guerra Mundial .............................................................. 113 8.4 A expansão do café na economia brasileira ............................................................................115 8.5 Os movimentos tenentistas............................................................................................................116 8.6 A odisseia da borracha .....................................................................................................................118 8.7 Havia indústria na República Velha? ..........................................................................................119 8.8 O Crash de Nova York .......................................................................................................................121 8.9 A guinada para o mercado interno .............................................................................................122 8.10 A Revolução de 1930 .....................................................................................................................124 7 APRESENTAÇÃO O livro-texto que ora apresentamos, destina-se aos que estão iniciando seus estudos sobre a economia brasileira. Procurando apresentar a história econômica do Brasil, este material possui pontos importantes do período que vai de 1500 até a década de 1930, oferecendo abordagens sobre fatos históricos e os principais desdobramentos do assunto para que se possa entender a formação econômica do Brasil. É, portanto, material de apoio à disciplina Formação Econômica e Social do Brasil. Como o objetivo é introduzir o conhecimento relacionado à história econômica brasileira, nossa preocupação não é a de aprofundar demasiadamente cada assunto relacionado, mas apresentá-los de forma geral, ficando ao aluno a incumbência do aprofundamento, quando necessário. Note que o livro-texto está dividido em três unidades. Em cada uma delas você encontrará recursos importantes, como: • Textos explicativos que elucidam a matéria. • Resumos do conteúdo estudado. • Saiba mais, destaques visuais nos quais indicamos livros e outras referências que, de alguma forma, complementam os temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões, para que você possa ampliar seu conhecimento sobre os temas apresentados. • Lembretes, anotações pontuais que remetem a alguma informação já conhecida. • Observações, apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto destacado sobre o assunto em desenvolvimento. INTRODUÇÃO Primeiro, abordaremos a expansão ultramarina europeia e a época das grandes navegações, verificando o papel desempenhado tanto por Portugal quanto pela Inglaterra nos processos de colonização, chegando a explicar como se deu tal processo em território brasileiro. As características de uma economia agroexportadora também estarão presentes. Avançaremos nossa discussão falando dos ciclos de produção. O ciclo aurífero e a atividade econômica entre 1775 e 1850 serão temas de nossa atenção, assim como a inserção da economia brasileira nos fluxos comerciais internacionais. Você entenderá como se deram a geração de renda da segunda metade do século XIX e a política econômica da República Velha. Por fim, apresentaremos o Convênio de Taubaté firmado em 1906, passando pela industrialização na Primeira República e pelas teorias explicativas da industrialização nacional da década de 1930. 9 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Unidade I Apresentaremos, a partir de agora, as principais características da expansão ultramarina europeia como forma e prática mercantilista inserida na época das grandes navegações, verificando o papel desempenhado tanto por Portugal quanto pela Inglaterra nos processos de colonização, chegando a explicar como se deu tal processo em território brasileiro. O texto apresenta características tanto da colonização portuguesa no Brasil quanto da colonização inglesa nas Américas, não deixando de considerar o período da escravidão e como tal período foi relevante para a geração de riqueza nacional. As características de uma economia agroexportadora também estão presentes nesta unidade. 1 EXPANSÃO ULTRAMARINA PORTUGUESA NO ADVENTO DA ÉPOCA MODERNA Não se pode pensar em formação econômica do Brasil sem considerar a revolução nas navegações realizada pelos portugueses nos séculos XV e XVI, período este conhecido como o das Grandes Navegações. Figura 1 – As caravelas revolucionaram a navegação na era moderna Entretanto, não há de se pensar em navegações sem se considerar o mercantilismo e suas características. Durante o período em que se desenvolveu a Revolução Comercial e se consolidou o pensamento mercantilista, as teorias explicativas das relações comerciais prescreviam que cada nação deveria exportar o máximo e importar o mínimo para que fosse mantido o saldo positivo em sua balança comercial. Nesse contexto, o comércio longínquo era visto como fonte de riqueza para os países, e a prosperidade de uma economia era medida pelo seu estoque de metais preciosos. Conforme destacam Souza e Pires (2010, p. 3): O comércio internacional, tal como se conhece atualmente, é fruto da expansão do capitalismo europeu que começou a tomar forma ainda no século XI, quando o papa Urbano II exortou os cristãos para a luta contra os muçulmanos, visando libertar o “Santo Sepulcro” das mãos dos infiéis. Esse movimento entrou para a História com a designação de Cruzadas. Até aquela época, a atividade econômica dos europeus restringia-se basicamente 10 Unidade I à produção de subsistência nos marcos do feudalismo, e o comércio e as finanças eram marginais, realizados nas poucas cidades que resistiram àquela tendência ruralizante, como Gênova, Veneza, Florença ou Pisa. Até o período em que se iniciam as Cruzadas, o desenvolvimento cultural da sociedade europeia, notadamente a ocidental, não era o mesmo verificado no lado leste do continente. Basicamente o que se consumia era proveniente de produção local, carente de variedade e de padrões de qualidade. Se pensarmos na necessidade de trocas comerciais entre os europeus e os orientais para suprir demanda não atendida por produção interna, à região menos desenvolvida restavam poucas opções de produtos a serem exportados: alguns artigos agrícolas, como cereais e vinhos, além de utensíliosde ferro, sal e madeiras. O problema claro que se coloca é o de que o preço desses produtos é relativamente baixo em comparação com os de produtos necessários de importação, como especiarias, tecidos e bens de luxo. Pois bem, caro aluno, temos aqui um problema de deterioração dos termos de troca, o que resulta em déficit comercial para aquele que é exportador de bens de baixo valor agregado (em comparação com os preços de suas importações). Em decorrência disso, havia a necessidade de cobrir o déficit comercial, o que era feito por meio de metais preciosos – ouro e da prata, por exemplo. E, como fica evidente, a escassez desses metais se colocava como limitador à expansão do consumo local. Saiba mais Deterioração dos termos de troca é um termo criado na década de 1950 pelo economista argentino Raul Prebisch, membro da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), comissão que tinha como propósito a promoção do desenvolvimento econômico de regiões até então consideradas subdesenvolvidas. O termo procura sintetizar os problemas enfrentados pelas economias subdesenvolvidas em função da industrialização tardia. Conheça mais sobre o assunto em: Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br. Acesso em: 8 mar. 2021. Temos certeza de que as informações ali contidas serão muito importantes para sua formação acadêmica e profissional. Um país pode obter metais preciosos de várias formas, uma delas é a exploração da mineração nos limites do próprio território, desde que haja esse tipo de atividade no local. Outra possibilidade é a balança comercial favorável, em que as exportações devem superar as importações e o acesso aos metais preciosos estaria garantido por superávits comerciais. 11 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL No caso de ambas as alternativas serem inviáveis, o país pode decidir recorrer à pilhagem: Uma das formas de pilhagem, praticada principalmente pelos venezianos, era o tráfico de escravos de origem eslava, que eram negociados com os muçulmanos visando acumular ouro para a compra das valiosas mercadorias de luxo orientais (SOUZA; PIRES, 2010, p. 3). Os metais preciosos se apresentaram como elemento facilitador do comércio internacional, que viria a se desenvolver com maior velocidade durante o século XIII, sendo de fundamental importância para que o lado ocidental da Europa conseguisse superar a estagnação herdada pelas estruturas feudais. Pois bem: podemos aqui destacar o que de positivo o desenvolvimento comercial produziu. Ele possibilitou o avanço das trocas de produtos orientais por artigos provenientes de outras regiões europeias via estabelecimento de rotas mais específicas entre as regiões sul e norte. Como consequência, pode-se dizer que tais rotas auxiliaram o desenvolvimento de feiras em que se podiam comercializar produtos acabados, o que gerou a necessidade de criação de uma política que visasse à segurança de transporte nessas rotas, assim como regras tácitas na resolução de possíveis conflitos entre comerciantes. Para Dowbor (1990) e Singer (1989), a exacerbação do comércio produziu dois efeitos sobre a estrutura econômica europeia. O primeiro corresponde ao fluxo de metais preciosos para a Europa, pois a quantidade de ouro chegou a dobrar em meados do século XVI. Como a produção de bens pouco se alterou, houve uma elevação de preços e redução dos rendimentos dos senhores feudais. Sobre isso, Dowbor (1990, p. 35), ressalta que: [...] nessa época, os senhores feudais recebiam as contribuições anuais dos servos ainda em trabalho e em produtos, mas a forma dominante já era de simples pagamento, em moeda, de uma taxa fixa por pessoa. Ao dobrar a quantidade de ouro, enquanto a produção de bens permanecia pouco alterada, os preços duplicaram [...] reduzindo pela metade os rendimentos dos senhores feudais. O desenvolvimento comercial fez aparecer ainda uma série de pessoas exclusivamente dedicadas à atividade, digamos, “bancária”. Elas intermediavam dinheiro e títulos de crédito, o que favorecia ainda mais as trocas comerciais e também impulsionou atividades industriais na Europa, onde foi permitido produzir alguns bens, ou parte de bens, que até então eram obtidos por meio de importação. Estão nesse rol de atividades industriais aquelas relacionadas ao setor têxtil e ao metalúrgico. A respeito do reforço da produção, Dowbor (1990, p. 36) explica que: [...] a rápida acumulação de capital nas mãos dos comerciantes e a abertura dos mercados internos criam uma situação em que há ao mesmo tempo a procura pela produção e a procura pelos meios para desenvolver esta produção. 12 Unidade I Diante tamanhas transformações, não demorou para que o sistema feudal viesse a sucumbir diante de uma economia que não mais estava fechada em si, e do surgimento de uma nova classe social, a burguesia, desenvolvedora das atividades produtivas e mercantis. Soma-se ao surgimento dessa classe o uso disseminado da moeda como equivalente geral de trocas, impulsionando a divisão do trabalho, o crescimento das trocas e, portanto, da produção e do comércio. O desenvolvimento do comércio corresponderia, por sua vez, ao desenvolvimento das cidades, especialmente na Itália e nos Países Baixos, locais de entroncamento de rotas de mercadores. Verifica-se que, no século XV, a Europa ocidental vivia um processo de desenvolvimento comercial que culminaria na organização das grandes navegações. Delas, o objetivo principal era permitir a expansão territorial e a busca por novos mercados fornecedores de especiarias e de metais preciosos. Esse processo seria acentuado a partir de 1.453, quando os turcos otomanos conquistaram Constantinopla, dificultando o acesso privilegiado das cidades italianas às fontes de abastecimento do Oriente. A Europa se voltaria, então, para a busca de um caminho alternativo, que lhe permitisse obter os produtos orientais, possibilitando, assim, a continuidade do comércio (SOUZA; PIRES, 2010, p. 4). Os autores continuam o raciocínio afirmando que: Essa necessidade levou os europeus a desbravarem o “mar oceano”, possibilitando a primeira internacionalização efetiva do comércio e a difusão da hegemonia política, militar e cultural da Europa sobre o mundo. Tais fatos estão na origem do capitalismo e nos interessam à medida que nos fazem refletir sobre o como e o porquê da supremacia europeia em detrimento de civilizações que até o começo do século XVI apresentavam elevados níveis de desenvolvimento cultural e material em relação à Europa. Nesse sentido, acredita-se que uma questão-chave seria compreender as motivações que levaram ao estabelecimento da estrutura do moderno sistema de comércio internacional como o principal mecanismo de transferência de riquezas para o continente europeu (SOUZA; PIRES, 2010, p. 5). A visão dominante entre os séculos XVI e XVIII foi essencialmente uma postura mercantilista, em que o comércio era admitido como uma fonte de riqueza, mas sob uma ótica bastante peculiar: a de acumulação sem limites de poder de compra, possibilitada por crescentes ganhos derivados de superávits comerciais. Dessa maneira, o comércio internacional, promovido pelo maior relacionamento entre países, passava a ser encarado como uma disputa por uma quantidade limitada de metal precioso e, dessa forma, cada país poderia obter vantagens às custas dos demais, por intermédio da acumulação de metal. 13 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Observação Quanto maior fosse o envolvimento de cada país com as atividades de exportação e busca por metais preciosos, sabendo-se que tais metais são limitados em seus estoques, cada vez mais as expedições tornavam-se fervorosas e violentas. A visão mercantilista, além de ser altamente nacionalista e priorizar o bem-estar do próprio país, implicava uma percepção estática da disponibilidade de recursos. A atividade econômica era, portanto, reduzida a um jogo de soma zero no qual os ganhos de um país têm lugar em detrimento dos resultadosobtidos pelos demais. Isso significa que para um país conseguir elevar sua renda pela via das exportações, deveria fazê-lo à custa do empobrecimento do outro país com o qual mantivesse relação comercial. Como a visão mercantilista aborda os relacionamentos comerciais internacionais, e somente será rico aquele país que conseguir aumentar suas exportações, chegará um momento em que cada país procurará fechar suas fronteiras para importações. Quando isso realmente acontecer, ninguém conseguirá exportar para ninguém. Portanto, no jogo de soma zero, não haverá perdedor, pois não haverá também ganhador. A economia tenderá à paralisia. Sobre isso, vejamos uma passagem de Araújo (1989, p. 22): Os mercantilistas, por seu lado, preocupavam-se, sobretudo, com a política econômica, com saldos favoráveis na balança comercial, com o estoque de metais preciosos e com o poder do Estado. Este seria tão mais forte quanto maior fosse seu estoque de metais preciosos. Para alcançar isto, ele deveria restringir as importações e estimular as exportações. Mas esta é uma política inconsequente. Se todos os países restringirem suas importações, quem conseguirá exportar? As importações de um são as exporta ções do outro. Não podia dar outra coisa. A política mercantilista exacerbou o nacionalismo, estimulou as guerras e promoveu uma maior presença do Estado nos assuntos econômicos. Saiba mais Na história econômica há um debate acerca do mercantilismo: se é uma questão de prática ou uma questão de política. Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, leia: DEYON, P. Mercantilismo. São Paulo: Perspectiva, 2001. Temos certeza de que a leitura será bastante proveitosa. 14 Unidade I Conforme Souza e Pires (2010, p. 5), papel de fundamental importância assumiu o Estado Nacional, ao criar as melhores condições possíveis para o desenvolvimento comercial: a aliança entre o soberano e o mercador. Para tanto, como no caso das navegações portuguesas, o apoio oficial foi decisivo para a criação da chamada “cultura naval”, que foi colocada à prova com a invasão de Ceuta, em 1415, atingindo o ápice com a chegada de Vasco da Gama a Calicute, no ano de 1498. Contudo, para que os objetivos das navegações europeias pudessem ser atingidos, havia a necessidade de empregar técnicas como, inicialmente, as das invenções árabes, chinesas e indianas, das quais são exemplos a caravela, o mapeamento celeste e o conhecimento um pouco mais apurado das correntes marítimas. A própria bússola, criada na China nos idos do século I, foi um instrumento importante nesse contexto, uma vez que oferecia uma boa noção de localização. Observação Para compreender quão relevante a bússola é como instrumento, basta lembrar que ainda hoje ela é utilizada em estudos de cartografia e astronomia. É fato que as bases para o capitalismo industrial foram lançadas pelos europeus, e sua organização comercial claramente voltada aos seus interesses. E como se deu essa organização? Para entender melhor a resposta, antes é necessário compreender melhor o significado da palavra “colonização” pelo olhar de Paulo Sandroni (1999, p. 109) em seu Novíssimo dicionário de economia: Processo de ocupação efetiva e prolongada de determinado território por meio de atividades agrícolas, pastoris, extrativas e comerciais. Um dos primeiros exemplos históricos de expansão colonizadora foi o das cidades-estados gregas, sobretudo Atenas, cujos cidadãos se estabeleceram em outros pontos do mar Egeu, Jônico, Adriático e Mediterrâneo, levando para aqueles locais sua cultura e estrutura social. Modernamente, o conceito de colonização liga-se ao sistema de dominação colonialista imposto pela Europa a vastas regiões da Ásia, África e América Latina, no decorrer da Revolução Comercial (séculos XV e XVI) e da Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX). [...]. O processo de colonização pode ocorrer nos limites do território do próprio país, levando ao povoamento e à incorporação econômica de uma região: isso ocorreu com vastas regiões da União Soviética e do Canadá. Diante do apresentado, podemos dizer que os europeus implantaram seu sistema colonial em regiões até então pouco ocupadas ou mesmo habitadas e com inócuo desenvolvimento produtivo. Nas regiões com maior densidade demográfica e destacado desenvolvimento cultural, o avanço europeu esteve mais limitado às extensões litorâneas durante o período que vai até o século XIX. Porém, a organização de entrepostos por parte dos europeus lhes ofereceu, digamos, um certo monopólio em relação aos seus concorrentes. 15 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Trazendo o tratamento do assunto para as Américas (SOUZA; PIRES, 2010), pode-se considerar que a descoberta da América empreendida por Cristóvão Colombo no ano de 1492 e a conquista realizada por Vasco da Gama em 1498 (descoberta de um caminho marítimo à Índia) impulsionou muitos navegadores europeus à manutenção de contato com novos fornecedores de especiarias e outras mercadorias de grande valor para o comércio. Os espanhóis, depois de descobrirem metais preciosos nas ilhas do Caribe, ocuparam o México, o Peru e a Bolívia, levando a Espanha a uma exuberante acumulação de riqueza: Para se ter uma ideia da magnitude da riqueza extraída da América, somente entre 1591 e 1600, a Espanha recebeu o equivalente a 2.700 toneladas de prata e 20 toneladas de ouro, tornando-se, no século XVI, a principal potência europeia (SOUZA; PIRES, 2010, p. 8). Na visão de Celso Furtado (1985), a expansão comercial da Europa deu-se com o advento da ocupação econômica das terras americanas e não deve ser interpretada simplesmente como deslocamento de população em resposta a qualquer pressão demográfica. Devemos considerar que as condições apresentadas pelo comércio interno europeu haviam alcançado seu ápice de desenvolvimento nos idos do século XV, exatamente quando invasões turcas passaram a criar dificuldades ao abastecimento de manufaturas para o Oriente. Para os portugueses, a princípio, descobrir terras americanas pareceu um objetivo de menor importância, já para os espanhóis, foi uma possibilidade vista com bons olhos. Contudo, além da questão do volume de riquezas, a ocupação da América vai além das relações comerciais, pois questões políticas também estão em jogo. A Espanha – a quem coubera um tesouro como até então não se conhecera no mundo – tratará de transformar os seus domínios numa imensa cidadela. Outros países tentarão estabelecer-se em posições fortes, seja como ponto de partida para descobertas compensatórias, seja como plataforma para atacar aos espanhóis. Não fora a miragem desses tesouros, de que, nos primeiros dois séculos da história americana, somente os espanhóis desfrutaram, e muito provavelmente a exploração e ocupação do continente teriam progredido muito mais lentamente. [...] Os traços de maior relevo do primeiro século da história americana estão ligados a essas lutas em torno de terras de escassa ou nenhuma utilização econômica, como no caso de Cuba. Espanha e Portugal se creem com direito à totalidade das novas terras, direito esse que é contestado pelas nações europeias em mais rápida expansão comercial na época: Holanda, França e Inglaterra. A Espanha recolhe de imediato pingues frutos que lhe permitem financiar a defesa de seu rico quinhão. Contudo, tão grande é este e tão inúteis lhe parecem muitas das novas terras, que decide concentrar seu sistema de defesa em torno ao eixo produtor de metais preciosos, México-Peru. Esse 16 Unidade I sistema de defesa estendia-se da Flórida à embocadura do Rio da Prata. Ainda assim, e não obstante a abundância dos recursos de que dispunha, a Espanha não conseguiu evitar que seus inimigos penetrassem no centro mesmo de suas linhas de defesa, as Antilhas. Essa cunha antilhana foi de início uma operação basicamente militar (FURTADO, 1985, p. 6-7). Não obstante, os portugueses procurarão se utilizar das terras americanas de formaeconômica além das atividades extrativistas de metais preciosos. E qual será o caminho econômico para Portugal obter recursos para poder financiar os gastos necessários para defender as próprias terras? Das possibilidades à época, a exploração agrícola das terras brasileiras foi uma excelente opção. Daí em diante, a América passará a ser parte integrante da economia reprodutiva europeia. Vale destacar que tal exploração econômica durante o século XVI parecia não ser muito viável devido ao fato de que o comércio agrícola para a Europa não ocorria em larga escala. Mas por qual razão? Em primeiro lugar, havia grande quantidade de fornecedores de trigo no continente como um todo. Em segundo, o sistema de transporte de longa distância não apresentava muita segurança. Em terceiro, o custo do frete era consideravelmente elevado. Mesmo com esses entraves, quais foram os motivos que levaram Portugal a empreender suas expedições? Um dos motivos foi a expressiva participação portuguesa no comércio europeu no próprio século XV, como consequência dos elevados investimentos que estes povos efetuaram na tecnologia de navegação, o que proporcionou ao mundo oportunidades de comercialização de mercadorias que até então não eram possíveis. Outro motivo bastante expressivo é que Portugal contava com boa qualidade portuária. Soma-se a esse o estudo náutico realizado pela Escola de Sagres, comandado por D. Henrique, que ofereceu condições para que Portugal desenvolvesse o comércio. Logo, Portugal fica bastante conhecido por se tornar um grande armazém para depósitos de mercadorias. É necessário destacar o interesse dos portugueses em diminuir os custos de aquisição de mercadorias, pois muito do que adquiriam, em especiarias orientais, dava-se via intermediação por parte dos muçulmanos por meio de navegações no Mar Mediterrâneo. Nesse sentido, a busca de novas rotas marítimas lhes proporcionaria mais vantagens no comércio. Observação De uma forma ou de outra, a busca de novas rotas auxiliaria na resolução de um problema ligado também à microeconomia, qual seja, o da redução dos custos de aquisição de materiais. 17 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Foi com a Revolução de Avis que Portugal empreendeu um processo de mudanças estruturais em que, a exemplo da nacionalização dos impostos, de um conjunto de leis e do fortalecimento do Exército, a sociedade burguesa viu crescer suas atividades comerciais, o que favoreceu, via riqueza, os investimentos na esfera mercantil. Conforme Almeida (2000, p. 79): A sociedade burguesa da segunda metade dos Quatrocentos em diante passava por profundas transformações culturais, cujos resultados não tardariam a provocar frutos. Em particular, de finais do século XV em diante, a criação do conhecimento novo transforma-se em síntese inovadora, só possível pelo surgimento histórico de uma nova mentalidade, Moderna, sem dúvida e que só emergiu por força das transformações operadas nas estruturas sociais e pela emersão de grupos que repartem entre si a melhor parte do aparelho produtivo em acelerado crescimento. É importante ressaltar que estamos tratando de um continente em que seus países apresentaram-se ao mundo como o grande berço das mudanças mundiais, tanto produtivas quanto culturais. Nesse período, em Portugal não será diferente. Mesmo com todas as inovações tecnológicas empreendidas até então, e com o interesse por uma revolução em termos de transporte e comércio, as experiências ultramarinas apresentavam-se como um grande desafio, pois os marinheiros lançados ao mar não tinham total certeza do que enfrentariam. Os problemas eram diversos, desde mudanças de temperatura do clima e do mar até alimentação relativamente precária. Exemplo de aplicação Tente colocar-se no lugar de um desses desbravadores, ou mesmo de um desses marinheiros. Procure fazer uma lista de que tipos de problemas poderiam ser enfrentados. Quando defronte de tais problemas, qual a estratégia para solucioná-los? Mas todo esse envolvimento tinha um objetivo, o de os portugueses darem a volta pelo continente africano concretizando suas expedições rumo às Índias. Já no ano de 1415, ocorreu um processo de consolidação das colônias portuguesas em território africano com a Conquista de Ceuta. No ano de 1488, Bartolomeu Dias já havia chegado ao Cabo da Boa Esperança, até então chamado de Cabo das Tormentas. Vasco da Gama chegava às Índias em 1498, e Pedro Álvares Cabral, em 1500, chegava ao continente americano e também anunciava a descoberta de terras brasileiras. Para Furtado (2005, p. 16): O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que 18 Unidade I houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras [...], é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo, tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no Oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil [...] pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas. Sem embargo, os recursos de que dispunha Portugal para colocar improdutivamente no Brasil eram limitados e dificilmente teriam sido suficientes para defender as novas terras por muito tempo. Já no século XVI, o Rei de Portugal admite que seria bastante difícil enfrentar os franceses e fazer valer seus direitos sobre as terras brasileiras. A saída para tal dilema, e que fora adotada por Portugal, foi a ocupação do território pela via do povoamento e da colonização. Porém, as atenções estavam voltadas ao Oriente, onde o comércio estava em seu ápice, por isso havia bastante dificuldade em encontrar pessoas interessadas nas rotas brasileiras (PRADO JR., 2006). Saiba mais Sobre o sentido da colonização, convidamos a efetuar leitura do artigo de Rodrigo Alves Teixeira, no qual você poderá ter contato com uma das diferentes interpretações do período colonial brasileiro como linha de fundo do pensamento de Caio Prado Júnior. Além disso, o texto traz uma interessante análise do materialismo histórico, extremamente bem desenvolvido por Marx. TEIXEIRA, R. A. O capital como sujeito e o sentido da colonização. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3bpNDt5. Acesso em: 20 fev. 2021. A presença de navegações portuguesas e espanholas em costas brasileiras data dos últimos anos do século XV. Inicialmente as viagens tinham fins de exploração de novas terras, com o intuito de descobrir o caminho das Índias. Porém, quando o território brasileiro é descoberto, inicia-se ali um processo de exploração do pau-brasil, que deu origem ao nome do território nacional. O pau-brasil era “uma espécie de vegetal semelhante a outra já conhecida no Oriente, e de que se extraía uma matéria corante empregada na tinturaria” (PRADO JR., 2006, p. 15). A exploração desse tipo de madeira gerou um processo de tráfico de madeira que contava com a ajuda dos índios no transporte até as embarcações, em troca de miçangas, tecidos e algumas peças de 19 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL vestuário, além de facas, canivetes e espelhos. Indiretamente, a exploração do pau-brasil dá indícios do surgimento de alguns estabelecimentos coloniais que, no caso dos portugueses, transformou-se em monopólio real. Porém, ao longo do tempo, a extração fervorosafez reduzir a importância deste tipo de árvore devido à queda da qualidade das novas unidades que eram extraídas. Prado Jr. (2006, p. 18) explica como se deu a ocupação do território brasileiro: O plano, em suas linhas gerais, consistia no seguinte: dividiu-se a costa brasileira (o interior, por enquanto, é para todos os efeitos desconhecido), em doze setores lineares com extensões que variavam entre 30 e 100 léguas. Estes setores chamar-se-ão capitanias, e serão doadas a titulares que gozarão de grandes regalias e poderes soberanos; caber-lhes-á nomear autoridades administrativas e juízes em seus respectivos territórios, receber taxas e impostos, distribuir terras etc. O Rei conservará apenas direitos de suserania semelhantes aos que vigoravam na Europa feudal. Em compensação, os donatários das capitanias arcariam com todas as despesas de transporte e estabelecimento de povoadores. Terras pertencentes a Portugal Terras pertencentes à Espanha Figura 2 – As capitanias hereditárias 20 Unidade I Lembrete Foi da extração da madeira que surgiu o nome para o território: Brasil. Tal ocupação tinha objetivos de produção e exploração daquilo que a região pudesse oferecer. Como a cana-de-açúcar e, principalmente, seu derivado, o açúcar, eram muito valorizados na Europa, e adquiridos tanto da Sicília quanto do Oriente via tráfico dos árabes e dos italianos pelo Mar Mediterrâneo, não demorou para que o cultivo da cana-de-açúcar fosse a principal e inicial atividade no novo local. Esta será uma das características do tipo de exploração agrária adotado no Brasil: a grande propriedade da monocultura. Com a monocultura, a especialização na atividade gera agilidade e maior experiência no setor, o que pode ser traduzido em possibilidades de lucros maiores para aqueles que efetuaram os investimentos. Observação Este tipo de atividade se faz necessário no momento em que não estão estabelecidas as condições técnicas e eficientes para uma diversificação da produção. Portugal não contava com grande quantidade de mão de obra para deslocar para as colônias; além disso, a mão de obra disponível não mostrava interesse em se deslocar para as regiões dos trópicos e trabalhar nos campos. A grande propriedade monocultural contará com um tipo específico de mão de obra: a escrava. Nesse aspecto, ressalta Furtado (2005, p. 49): As dificuldades maiores encontradas na etapa inicial advieram da escassez de mão de obra. O aproveitamento do escravo indígena, em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais, resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar. A escravidão demonstrou ser, desde o primeiro momento, uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra. [...] para subsistir sem trabalho escravo seria necessário que os colonos se organizassem em comunidades dedicadas a produzir para autoconsumo, o que só teria sido possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas. Com relação ao trabalho escravo, há de se considerar que foi de dois tipos: a escravidão indígena, também chamada de escravismo vermelho, e a escravidão negra africana. Essa última foi dividida em negros bantos, aqueles provenientes do sul da África, em que se encontram os angolanos e os congos, acrescidos dos moçambiques, oriundos da costa oriental, e os negros sudaneses, oriundos do noroeste da África, em que se encontram os nagôs, os gegês e os malés. 21 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Quanto à escravidão negra africana, esta foi introduzida no Brasil em meados de 1530, tendo seu ápice no período de 1550, devido ao crescimento da agricultura canavieira nas regiões do Recife, da Bahia e do Rio de Janeiro, como se pode observar no mapa que se segue. Figura 3 – Rotas do tráfico de escravos africanos para o Brasil No início, a relação de trabalho entre o homem branco e o índio era efetuada a partir da troca de algumas quinquilharias que agradavam, até então, a população indígena. Depois, com o cultivo da cana-de-açúcar, a relação não seria tão amistosa. Num primeiro momento, alguns índios ainda trabalharam nas lavouras em troca de alguns objetos que lhes satisfaziam, porém encaravam aquele tipo de trabalho como esporádico, a ser efetuado quando de suas necessidades, ou vontade. À medida que novos colonos foram chegando aos locais em que estavam instaladas as grandes lavouras canavieiras, maior quantidade de trabalho indígena era requerida e, portanto, o trabalho passava a ser comandado, e não mais livre. Assim, os indígenas viam-se forçados ao trabalho, logo os novos colonos precisaram desenvolver novas formas de controle sobre aquele trabalho. Daí a relação de trabalho entre as partes não era mais amistosa. Conforme destaca Prado Jr. (2006, p. 21): Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo [o índio] ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo. Não eram passados ainda 30 anos do início da ocupação efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura, e já a escravidão dos índios se generalizara e [se] instituíra firmemente em toda parte. Vale destacar, ainda, que o contato do homem branco com o índio gerava alguns problemas de ordem não só econômica, mas também biológica e cultural. Do ponto de vista biológico, ocorriam muitas mortes indígenas devido ao trabalho forçado, além de mortes devido a epidemias por causa do 22 Unidade I contato com as doenças trazidas pelo homem branco. Do ponto de vista cultural ocorre a ruptura com a economia de subsistência, à qual os índios estavam acostumados. O confronto entre os indígenas e os colonos perdurou por longo período. Quanto mais os colonos necessitavam da mão de obra escrava indígena, mais os índios se rebelavam em relação àquela situação, pois foram obrigados a sair da condição de homens livres, nômades, para homens comandados. Como tinham vasto conhecimento do território, assim que encontravam alguma oportunidade, procuravam fugir dos espaços que estavam sob os domínios dos colonos, mas logo eram capturados e trazidos de volta ao trabalho em relações cada vez piores. Devido à pressão da Igreja e da Ordem Jesuíta, em 1570 a metrópole entra na discussão editando a Carta Régia, em que se legislava a favor da causa indígena, proibindo sua escravidão. Pela Carta, somente o índio que se rebelasse em relação aos colonos poderia ser escravizado. Como a maioria deles era contrária à causa dos colonos, não tardou para que a escravidão indígena perdurasse por todo o período colonial, chegando a sua abolição somente em meados do século XVIII, pelas intervenções do Marquês de Pombal em 1758. Afora o caso da abolição da escravidão indígena, a mão de obra indígena, apesar de necessária, não era a mais apropriada para o tipo de trabalho que se empreendia. Sua adaptação à rapidez do sistema e aos padrões impostos era bastante lenta, o que gerava perda de produtividade e, consequentemente, de lucros para o setor. Logo, a substituição pela mão de obra escrava negra africana seria mais interessante, pois os portugueses já estavam habituados com esse povo, já que tal prática ocorria desde o século XV, com o tráfico de negros escravos pela costa da África. Acerca do escravismo negro, vale o que destaca Prado Jr. (2006, p. 23): Contra o escravo negro havia um argumento muito forte: seu custo. Não tanto pelo preço pago na África, mas em consequência da grande mortandade a bordo dos navios que faziam o transporte. Mal-alimentados, acumulados de forma a haver um máximo de aproveitamento de espaço, suportando longas semanas de confinamento e as piores condições higiênicas, somente uma parte dos cativos alcançava seu destino. Calcula-se que, em média, apenas 50% chegavam com vida ao Brasil; e destes, muitos estropiados e inutilizados. O valor dos escravos foi assim sempre muito elevado,e somente as regiões mais ricas e florescentes podiam suportá-lo. A própria decisão pelo uso da mão de obra escrava proveniente da África revela um pouco certa versão reflexiva da economia brasileira até então colonial. Mas por qual motivo? Enquanto a repressão sobre os índios posicionava-se como um negócio com relações internas à colônia, o tráfico negreiro oferecia não só novo, mas importantíssimo desenvolvimento das atividades 23 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL comerciais coloniais – resultando, obviamente, em saldo líquido que teria como destino a metrópole. Entretanto, ao utilizar mão de obra escrava negra, a produção interna estava cada vez mais integrada à dinâmica das condições mercantis internacionais. Trazidos à força da África em grandes contingentes, retirados de seu território natural, os escravos negros poderiam ser submetidos ao caráter intensivo de jornadas de trabalho extenuantes, a um custo de reprodução próximo da subsistência. A baixa produtividade do trabalho escravo era compensada por seu baixíssimo custo e pelas próprias condições da colonização (SOUZA; PIRES, 2010, p. 18). Com relação a isso, destaca Sodré (1964, p. 77): A produtividade inequivocamente baixa do modo escravista aqui estabelecido consegue alinhar-se com a de outros modos e competir ou figurar no mercado com o que produz, na realidade, porque é colonial, isto é, porque se exerce numa área complementar, subsidiária, fornecedora daquilo que as áreas adiantadas consumidoras não podiam produzir ou não se interessavam em produzir; numa área em que o valor da terra numa atividade agrícola era inicialmente nulo, não entrava em linha de conta; num gênero monopolizado. Na verdade, os escravos negros eram encarados como mercadoria, além de oferecerem ao sistema colonial até então implantado em solo brasileiro atividade considerada extremamente dinâmica, qual seja: o próprio tráfico, que por muito tempo sustentou e a acumulação de capital de grande parte dos comerciantes das principais cidades das capitanias e províncias. Entre 1531 e 1820, ingressou no Brasil considerável volume de pessoas escravizadas – resistindo, inclusive, às mudanças institucionais, o que pode ser verificado na tabela a seguir: Tabela 1 – Estimativas de desembarque de africanos no Brasil (1531-1820) Período Total Média anual 1531-1575 10.000 222 1576-1600 40.000 1.600 1601-1625 100.000 4.000 1626-1650 100.000 4.000 1651-1670 185.000 7.400 1671-1700 175.000 7.000 1701-1710 153.700 15.370 1711-1720 139.000 13.900 1721-1730 146.300 14.630 24 Unidade I Período Total Média anual 1731-1740 166.100 16.610 1741-1750 185.100 18.510 1751-1760 169.400 16.940 1761-1770 164.600 16.460 1771-1780 161.300 16.130 1781-1785 63.100 16.090 1786-1790 97.800 19.560 1791-1795 125.000 23.370 1796-1800 108.700 21.740 1801-1805 117.900 24.140 1806-1810 123.500 23.580 1811-1815 139.400 32.770 1816-1820 188.300 37.660 Fonte: Souza e Pires (2010, p. 19). Independentemente do tipo de mão de obra escrava que utilizada, o fato é que a colônia conseguia organizar sua produção açucareira em grandes propriedades, reunindo grande quantidade de pessoas que estavam sob o comando de um proprietário ou de um feitor. O elemento central desse tipo de organização era o engenho, que se tornaria, após sua consolidação, fundamental na propriedade canavieira. Conforme destacam Souza e Pires (2010, p. 14) sobre o ciclo produtivo do açúcar, que vai de 1532 a meados do século XVII: O açúcar de cana, em meados do século XVI, obteve preços no mercado europeu que viabilizaram o plantio e a exploração da cultura pelos portugueses no litoral brasileiro. A unidade produtiva era o engenho, composto por uma moenda de tração física, movida por animais de carga ou por força humana. O sistema administrativo da colônia mudaria para um conjunto de capitanias hereditárias, sob as formas produtivas do latifúndio e da monocultura. O eixo econômico da colônia estabeleceu-se no Nordeste. O financiamento da lavoura canavieira nessa primeira fase era dado quase exclusivamente por casas financeiras dos Países Baixos. A pouca eficiência do sistema e o abandono da atividade de parte das autoridades portuguesas, especialmente durante a União Ibérica (1580-1640), levou essas casas financeiras a organizar e a financiar, por meio da Companhia das Índias Ocidentais, a ocupação efetiva de territórios no Brasil para o plantio e a comercialização do açúcar, durante o século XVII. No que observa Furtado (2005), a colonização do século XVI surge fundamentalmente com a atividade açucareira. Na região de São Vicente, a atividade somente foi permitida devido à grande quantidade de mão de obra indígena trabalhando para os colonos. Noutras partes, pequenos agricultores, os chamados 25 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL homens da terra, passam a trabalhar para os colonos. Não fosse a grande quantidade de escravos advindos de outras partes, não haveria mão de obra suficiente para o dinamismo do setor. É nesse ambiente que a mão de obra africana fará diferença. Furtado (2005, p. 51) destaca que: Ao terminar o século XVI, a produção de açúcar muito provavelmente superava os dois milhões de arrobas, sendo umas vinte vezes maior que a quota de produção que o governo português havia estabelecido um século antes para as ilhas do Atlântico. A expansão foi particularmente intensa no último quartel do século. A tabela seguinte destaca a produção de açúcar no Brasil durante o período de 1570 a 1760. Tabela 2 – Brasil: produção de açúcar – dados selecionados (1570-1760) Ano Número de engenhos Arrobas Valor em libras 1570 60 180.000 270.406 1580 118 350.000 528.181 1600 400 4.000.000 n./d. 1630 n./d. 1.500.000 2.454.140 1640 n./d. 1.800.000 3.598.860 1650 n./d. 2.100.000 3.765.620 1670 n./d. 2.000.000 2.247.920 1710 650 600.000 1.726.230 1760 n./d. 2.500.000 2.379.710 Fonte: Souza e Pires (2010, p. 15). É interessante destacar que, nesse período, a economia colonial brasileira apresenta diferenças no que diz respeito à estrutura produtiva comparativamente às colônias inglesas na América do Norte. Nessas últimas, eram encontradas pequenas propriedades rurais, ao passo em que, na agricultura de exportação do Brasil, a predominância era de grandes propriedades com atividades de monocultura. A consequência direta disso seriam diferenças quanto à distribuição da renda, que era muito mais uniforme na América do Norte do que no Brasil. Em nosso país, em consequência da concentração de renda, o comércio interno, do ponto de vista mercadológico, era pequeno, o que impulsionava a estrutura econômica colonial brasileira à estagnação (BAER, 2009). Além do açúcar, outro produto bastante valorizado era a aguardente, que se apresentava como um subproduto de consumo em larga escala na colônia e que também era exportada para as costas da África. Por muito tempo, a maior fonte de renda da economia brasileira adveio do cultivo da cana-de-açúcar e de seus derivados. Porém, não só nesse tipo de atividade a economia do território estará concentrada. 26 Unidade I A produção do tabaco, localizada na Bahia, em Sergipe e em Salvador, também será importante e crescente, principalmente, para ser utilizado como moeda de troca quando do tráfico de escravos pela costa da África, e assim permaneceu até quando foram impostas restrições ao tráfico. Outro destino de boa parte da produção do tabaco era a Europa, mercado cativo para este tipo de produto; porém, com as restrições ao tráfico, a produção entrou em crise. A partir das características que foram apresentadas sobre a economia brasileira até então, nota-se a presença de dois setores: um dos produtos para exportação, de que são exemplos, o açúcar e o tabaco; e outro, o de manutenção desses, ao qual podemos chamar economia de subsistência, que fornece os bens necessários ao primeiro setor. É possível ainda perceber que as características da colonização brasileira são aquelasde base exportadora de bens tropicais para a Europa. Todo o incentivo da organização da produção estava nessa condição, a de exportação daquilo que é permitido. Toda e qualquer atividade que existia, notadamente, a agricultura e a pecuária de subsistência, era considerada como acessória, ou seja, servia como base de sustentação para as atividades primário-exportadoras. Nesse aspecto, passemos a considerar quais são as características da economia primário-exportadora. 2 CARACTERIZAÇÃO DA ECONOMIA PRIMÁRIO‑EXPORTADORA NOS FLUXOS COMERCIAIS MERCANTILISTAS Desde a época colonial a economia brasileira pautou a geração de sua riqueza pelo desempenho de exportações concentradas em produção agrícola, variando o tipo de produção: ora açúcar, ora algodão, café, borracha, tabaco, entre outros. Devido à grande variedade de bens primários produzidos em solo brasileiro com destino à exportação, a economia brasileira passou a ser reconhecida como agroexportadora, ou seja, seu dinamismo era determinado pela exportação de bens agrícolas. Na trajetória de crescimento econômico bastaria, então, olhar para o setor externo, notadamente para aqueles países em que a valorização de preços dos produtos brasileiros fosse crescente, para que as vantagens da exportação fossem conquistadas e mantidas. Observação Cabe destacar a cultura do café, que tinha maior expressão para o período de construção e consolidação da economia agroexportadora, também chamada de primário-exportadora Tratar de uma economia agroexportadora é considerar uma economia que está voltada para fora, em que as exportações são o fator determinante para a renda nacional. Nesse tipo de economia, o bom desenvolvimento do setor exportador depende da natureza do processo produtivo, bem como dos efeitos multiplicadores da renda que o setor gera. O setor agroexportador apresenta dinamismo devido à elevada rentabilidade e, por consequência, maior concentração dos recursos naturais e de capital. Nesse tipo de economia, as taxas de lucro do setor exportador são bastante elevadas. 27 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Saiba mais Leia mais sobre a economia primário-exportadora: COSTA, W. P. Economia primário-exportadora e padrões de construção do Estado na Argentina e no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, n. 14, p. 175-202, jun. 2000. Disponível em: https://bit.ly/3qoLeCZ. Acesso em: 1º out. 2015. A atividade exportadora canaliza todos os esforços da burguesia agrário-mercantil, dando surgimento ao que se costuma chamar de acumulação primitiva. O latifundiário apropria-se de todo o excedente produzido pelo trabalho incorporado nos processos de produção, que obviamente é malremunerado. A expropriação do excedente não se apresenta no mercado via preços, mas na produção que será levada ao mercado. Vale destacar o que é apresentado por Pereira (1977, p. 110): O dualismo intrínseco da economia colonial que prevalece [...] no modelo primário exportador permite manter a população trabalhadora marginalizada dos benefícios do desenvolvimento, ao mesmo tempo que desempenha um papel fundamental no processo de acumulação da oligarquia agrário-mercantil. Podem-se destacar, nesse tipo de economia e com base em Pereira (1977), quatro atividades distintas: • Indústria orientada para exportação: compreende o setor de mineração, a indústria frigorífica de carnes e o açúcar. • Indústria complementar das importações: compreende atividades que montam, complementam ou finalizam o processo de produção de bens de consumo considerados de luxo, utilizando insumos externos ou semiacabados; são exemplos as indústrias plástica, automobilística e farmacêutica. • Indústria que utiliza insumos internos: compreende atividades industriais não residenciárias que podem ser facilmente objeto de comercialização internacional, mas que são destinadas ao mercado interno; por exemplo, a indústria têxtil. • Indústria residenciária que utiliza insumos internos: compreende atividades de difícil comercialização internacional; são exemplos: indústria de materiais de construção, de móveis e de alguns alimentos. 28 Unidade I Como a industrialização por meio da produção do setor secundário é bastante dificultada em países com dedicação agrícola, que estão distantes daqueles países mais desenvolvidos em termos de revolução industrial, a tendência para essa economia é a concentração nas atividades exportadoras de produtos primários de origem agrícola ou extrativa. Deve-se destacar que o modelo agroexportador adotado pelo Brasil também prevalece em países da América Latina. Nesse aspecto, Gremaud, Toneto Jr. e Vasconcellos (2002, p. 343) também destacam as características do modelo na região: • a exportação é a variável quase que exclusiva na determinação da Renda Nacional e sua única fonte de dinamismo; • a pauta de exportações possui base estreita, isto é, ela é fortemente concentrada em poucos produtos primários; • as importações constituem uma fonte flexível de suprimento de base para atender boa parte da demanda interna; • a pauta de importações inclui não apenas produtos e matéria-prima de origem natural não disponíveis no país, como também bens de consumo e de capital; • existe grande diferença entre a base produtiva (produtos para exportação) e a estrutura de demanda que precisa se atendida pelas importações. Até então, em linhas gerais, apresentamos como ocorreram o processo de colonização portuguesa no Brasil e a construção da base agrário-exportadora do país. Agora, vejamos como aconteceu a colonização inglesa na América do Norte. 2.1 A colonização inglesa de povoamento na América do Norte, à margem do colonialismo mercantilista As atividades dos ingleses nos processos colonizadores do continente americano também merecem destaque, pois se apresentam de forma similar à empreendida pelos portugueses e espanhóis, ou seja, monocultura do latifúndio, produção para exportação e trabalho escravo africano. A colonização dos povos da América pode ser analisada, segundo Furtado (2005), de duas formas: uma com objetivos políticos e outra como forma de exploração de mão de obra europeia. De forma contrária a Portugal, que contava com baixa mão de obra, na Inglaterra dos XVII a massa de mão de obra é considerável, o que favorece o processo de colonização. O motivo de a Inglaterra contar com elevado contingente de mão de obra é que, à medida que maior quantidade de terra era destinada ao pasto pecuarista, havia a eliminação do tipo de produção coletiva na agricultura. Diante 29 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL falta de ocupação, a mão de obra, interessada em um regime de servidão por tempo determinado, apresentava-se aos colonos ingleses com a assinatura um contrato em que se estabelecia que ao final do período eles receberiam um pedaço de terra, ou indenização em dinheiro, caso preferissem. Sob comando da rainha Elizabeth I, os ingleses procuraram também enveredar pelas práticas de colonização, assim como fizeram, tempos antes, os portugueses e os espanhóis. Com investimento na construção de embarcações com vistas ao comércio marítimo, a colonização seguiu quando da criação da colônia de Virgínia em 1607 e ganhou força com a política dos cercamentos. Na colônia de Virgínia, a produção predominante foi a do cultivo de tabaco que, tempos depois, seria diversificada quando do surgimento de novas colônias, a exemplo da Carolina do Norte e da Carolina do Sul em 1663 e da Georgia em 1733. Vejamos a observação de Sousa [s.d.] sobre tais expedições: No ano de 1620, o navio Mayflower saiu da Inglaterra com um grupo de artesãos, pequenos burgueses, comerciantes, camponeses e pequenos proprietários interessados em habitar uma terra onde poderiam prosperar e praticar o protestantismo livremente. Chegando à América do Norte naquele mesmo ano, os colonos fundaram a colônia de Plymouth – atual estado de Massachusetts – que logo se transformou em ponto original da chamada Nova Inglaterra. ObservaçãoNa Nova Inglaterra as colônias somente puderam sobreviver devido ao comércio, que, do ponto de vista econômico, apresentava-se com a pequena propriedade policultora, voltada aos interesses dos próprios colonos, utilizando-se do trabalho livre assalariado ou da servidão temporária. O tipo de colonização que se seguiu apresentava diferentes características: nas regiões localizadas ao Sul, semelhantemente à colonização portuguesa e dadas as especificidades geográficas e climáticas, predominava a colonização para exploração, em que os lucros dos colonos eram advindos da exportação de produtos agrícolas, a exemplo de tabaco, arroz, índigo e algodão para a Europa. Nas regiões localizadas ao Norte, a colonização tinha finalidade de povoação com a intenção de fazer, naquelas regiões, locais de moradia em que prevalecessemm pequenas propriedades com uso de mão de obra livre. A figura a seguir apresenta o posicionamento das treze colônias inglesas. 30 Unidade I Colônias de povoamento Colônias de exploração Figura 4 – Colonização inglesa nas Américas Os números apresentados na figura anterior remetem às seguintes colônias: 1 – Massachusetts. 2 – Nova Hampshire. 3 – Rhode Island. 4 – Connecticut. 5 – Nova York. 6 – Nova Jersey. 7 – Pensilvânia. 8 – Delaware. 9 – Maryland. 10 – Virgínia. 11 – Carolina do Norte. 12 – Carolina do Sul. 13 – Geórgia. 31 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL O problema que se colocava para a Inglaterra no que se refere a colonização e exportação da produção não era o mesmo enfrentado por Portugal, pois este último empreendeu esforços na produção e exportação de mercadorias nas quais o mercado externo apresentava interesse, ou seja, o mercado externo apresentava-se cativo. Claro que o clima e as boas condições do solo das regiões colonizadas favoreciam o cultivo. Quanto às novas colônias inglesas, a maior dificuldade residia justamente em encontrar cultivo e produção para exportação em que as condições mercadológicas fossem alvissareiras, bem como que pudessem ser efetuadas em pequenas propriedades. De início, não foi possível encontrar um produto cuja venda para mercado em expansão fosse capaz de cobrir os investimentos com transporte e com a instalação das colônias, pois na Nova Inglaterra se produzia basicamente o mesmo que se produzia na Europa. Para Furtado (2005, p. 31-32): As condições climáticas das Antilhas permitiam a produção de um certo número de artigos – como o algodão, o anil, o café e principalmente o fumo – com promissoras perspectivas nos mercados da Europa. A produção desses artigos era compatível com o regime da pequena propriedade agrícola e permitia que as companhias colonizadoras realizassem lucros substanciais ao mesmo tempo que os governos das potências expansionistas – França e Inglaterra – viam crescer as suas milícias. Diante do exposto, é possível perceber que a produção das novas colônias são também dedicadas à agricultura tropical. Os efeitos disso eram: • Concorrência entre diferentes colônias portuguesas e inglesas, por mão de obra escrava advinda da África. • Desenvolvimento de grandes unidades agrícolas em detrimento das pequenas propriedades de produção, concentrando renda dos setores. • Baixa nos preços internacionais devido à elevação da oferta. • Demonstração da fragilidade do sistema de colonização em áreas tropicais. • Incerteza quanto a novos investimentos de exploração. Tais efeitos foram ruins para o Brasil, pois em momento algum se previu que as novas colônias inglesas no território Americano enveredariam esforços intensivos na produção do açúcar. No momento inicial da colonização inglesa era sabido que tal produção era delegada ao Brasil e que às colônias das Antilhas eram delegados os demais produtos tropicais, como os já tratados. Porém, fatores econômicos fizeram a estratégia ser alterada. 32 Unidade I Lembrete Essas novas colônias dedicavam-se à pequena propriedade, que não era compatível com a produção açucareira. Furtado (2005, p. 35) destaca um dos efeitos negativos para a economia brasileira da época: Esse fator foi a expulsão definitiva dos holandeses do Nordeste brasileiro. Senhores da técnica de produção e muito provavelmente aparelhados para a fabricação de equipamentos para a indústria açucareira, os holandeses se empenharam firmemente em criar fora do Brasil um importante núcleo produtor de açúcar. É tão favorável a situação que encontram nas Antilhas francesas e inglesas que preferem colaborar com os colonos dessas regiões a ocupar novas terras e instalar por conta própria a indústria. Não tardou para que a produção açucareira na região tomasse força, sendo impulsionada pela utilização de equipamentos novos. Porém, tal atividade também causou efeitos negativos para as novas colônias, logo para a Inglaterra e para a França. Os principais efeitos foram: • Diminuição da participação da população europeia nas Antilhas, tanto francesas quanto inglesas. • Crescimento da participação da mão de obra escrava africana. • Mudança de estratégia de colonização: de povoamento para exploração e exportação. • Necessidade de introdução de atividades manufatureiras nas ilhas. Podem-se também destacar efeitos positivos, pois: • Tornou as colônias economicamente viáveis. • Possibilitou a tentativa de criação de uma colônia autossuficiente. • Ocasionou redução marginal das importações. • Proporcionou melhores perspectivas de crescimento e de desenvolvimento. 3 CICLOS DE PRODUÇÃO NA POLÍTICA DA PLANTATION A partir de agora, apresentaremos as principais características dos ciclos de produção brasileira no período da economia colonial, compreendendo o período 1500-1800, passando pela economia escravista, pelo ciclo do açúcar, pelo complexo canavieiro, além da pecuária e do ciclo da mineração. Abordaremos o ciclo aurífero e os movimentos bandeirantes. As características das atividades econômicas do período 1775-1850 também serão alvo de nossa atenção, bem como a inserção da economia brasileira nos fluxos internacionais de comércio com a economia do café. 33 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL Na colonização brasileira pela metrópole portuguesa prevaleceu a política da plantation, entendida como um sistema de exploração colonial com a presença de grandes latifúndios, da monocultura, do trabalho escravo e da produção de bens que seriam exportados para a metrópole. Como a monocultura do latifúndio requer produção em larga escala, tal política no Brasil inicia-se com a cana-de-açúcar e seus derivados e avança, tempos depois, para outros tipos de culturas características dos trópicos, a exemplo do algodão, do fumo e do café. Tais produtos, além de serem favorecidos por clima e solo propícios oferecidos pelo território brasileiro, apresentavam excelente aceitação no mercado externo, em que a produção nacional abastecia o consumo da metrópole. Com um mercado cativo, a rede de comércio oferecia boas oportunidades lucrativas para os empresários que se dedicavam a tais atividades. Outro fator que favorecia os lucros no setor era o tipo de mão de obra utilizada, majoritariamente escrava, tanto indígena quanto negra africana, esta última com maior representatividade. Parte da produção deveria atender à demanda interna, ainda bastante incipiente. A produção oferecida pela política da plantation proporcionava à colônia brasileira o comércio com a Europa, no qual se exportavam aqueles produtos que a região tropical permitia produzir e, em troca, recebiam-se tecidos, armas e demais produtos que seriam utilizados para pagamento do tráfico de escravos negros africanos, reforçando a mão de obra em território nacional. Tal sistema criava uma estrutura social em que a figura do proprietário do latifúndio se destacava, pois para ele ficava a incumbência de controlar a vida das pessoas que estavam ao seu redor. Falamos aqui da relação entre a casa grande, em que estava instalado o senhor, e a senzala, com seus escravos. Saiba mais Sobre o assunto,convidamos à leitura do livro: FREYRE, G. Casa grande e senzala. São Paulo: Global, 2006. Assim, a plantation se apresenta como uma forma de organização econômica nos primeiros tempos de colonização portuguesa. Sua implantação fez do Brasil um território de geração de riqueza para a metrópole, condição esta que desfavorecia o desenvolvimento de um mercado interno. Porém, através do que se convenciona chamar de brecha camponesa, uma parcela do que era produzido pelos escravos pertencia ao latifúndio, e isso possibilitava condições para um pequeno comércio, que garantia algum vínculo com a terra. Daí que o incentivo a avançar para demais tipos de cultivo, tanto para abastecimento da metrópole quanto para tentativa de desenvolvimento de mercado interno, será importante. 3.1 Ciclos de produção Produto que era objeto de exploração por portugueses em terras brasileiras, o pau-brasil representou a primeira forma de geração de riqueza para a metrópole. 34 Unidade I Lembrete Desde o período pré-colonial, em que franceses já haviam explorado tal produto, era crescente o interesse da Coroa portuguesa na produção nacional. A madeira explorada em território brasileiro tinha como destino a exportação para comércio na Europa. A região litorânea servia de apoio para o armazenamento e a exportação da madeira. A atividade era considerada relativamente fácil, pois a área de extrativismo localizava-se em florestas próximas às áreas litorâneas e contava com a mão de obra indígena que, em troca de algumas mercadorias, ajudava na exploração e no transporte. A madeira era bastante conhecida por sua coloração, que oferecia condições para tingir tecidos, e já era comercializada por árabes desde o século IX, que a chamavam de pau de tinta. No entanto, somente com a chegada dos portugueses sua exploração e seu uso ocorreriam com maior concentração. A partir de 1502, a extração do produto passou a ser arrendada a negociantes de Lisboa que detinham o direito de explorar a madeira, enquanto a Coroa portuguesa passava a receber recursos monetários pelos direitos de exploração cedido a esses negociantes portugueses. Devido à facilidade de transporte e de armazenamento, a exploração madeireira avançava por todos os anos 1500 desde a Mata Atlântica; em Cabo Frio, na região do Rio de Janeiro; até Pernambuco e Baía de Todos os Santos. Esse ciclo se encerrou por volta dos 1660, quando os lucros já não eram tão convincentes como em períodos anteriores. Após a exploração do pau-brasil, outra cultura que mostrou importância foi a da cana-de-açúcar, alicerce econômico da colonização portuguesa no Brasil no período entre os séculos XVI e XVII. Conforme destaca o documento Análise da Expansão do Complexo Agroindustrial Canavieiro no Brasil: A cana-de-açúcar é uma gramínea originária da Índia, trazida para o ocidente pelos portugueses que, em primeiro lugar, a aclimataram no arquipélago português dos Açores, na costa africana. Também nos Açores, os portugueses desenvolveram a tecnologia de extração do caldo e produção de açúcar em engenhos. Somente em 1533 se dá o início do seu plantio na chamada “Costa do Pau-Brasil”, na Capitania de São Vicente, mais precisamente no Engenho do Senhor Governador. Posteriormente a cana é levada para outras regiões do país, ocupando os vales férteis do Rio de Janeiro e do Nordeste, especialmente o Recôncavo Baiano e posteriormente os famosos solos de massapé da Zona da Mata Nordestina, especialmente de Pernambuco (FONSECA; KRUGLIANSKAS, 2008, p. 2). A partir de 1530, em razão da queda do comércio dos produtos das Índias e atendendo à necessidade de defender sua colônia americana, o governo luso decidiu efetivar a colonização do Brasil. A base econômica do empreendimento seria a produção de gêneros tropicais, visando à demanda externa. 35 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL O produto escolhido foi o açúcar, que era de grande aceitação na Europa e que os portugueses já vinham produzindo nas ilhas do Atlântico (Açores, Madeira e Cabo Verde). Conforme destaca Celso Furtado (1985, p. 41), O rápido desenvolvimento da indústria açucareira, malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico, da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes, indica claramente que o esforço do governo português se concentrava nesse setor. O privilégio, outorgado ao donatário, de só ele fabricar moenda e engenho de água, denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha especialmente em mira introduzir. Favores especiais foram concedidos subsequentemente àqueles que instalassem engenhos: isenções de tributos, garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos etc. As dificuldades maiores encontradas na etapa inicial advieram da escassez de mão de obra. O aproveitamento do escravo indígena, em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais, resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar. Alguns aspectos devem ser considerados quanto ao cultivo da cana-de-açúcar: • Clima quente e úmido da costa. • Mão de obra abundante. • Qualidade do solo. Do ponto de vista econômico, a produção de açúcar só era proveitosa se efetuada em larga escala. A necessidade de abrir cada vez mais campos para o cultivo de cana-de-açúcar gerava custos crescentes, além da necessidade de ampliação da mão de obra. Observação No Brasil, as condições climáticas e o tipo de solo favoreceram a lavoura canavieira. De grande importância foi a participação flamenga no financiamento, transporte, refino e principalmente na comercialização do açúcar. O cultivo da cana-de-açúcar será favorecido pelo clima quente e úmido de toda a costa litorânea, bem como pelas propriedades do solo e pelo uso de mão de obra abundante, notadamente a escrava. 36 Unidade I Lembrete A introdução da cultura da cana-de-açúcar em território brasileiro tinha como objetivo a produção do açúcar, que se apresentava como um produto em franca expansão de consumo europeu, além de ser uma forma de ocupar o território brasileiro por intermédio de uma atividade extremamente rentável. Até o século XVII, o Brasil será considerado como um dos maiores produtores mundiais de açúcar, notadamente nas regiões do Nordeste, compreendendo o espaço que vai do Recôncavo Baiano ao Rio Grande do Norte, estando predominantemente na Bahia e em Pernambuco, e com menor escala no Rio de Janeiro e Espírito Santo (PRADO JR., 2006). A ilustração que se segue apresenta a distribuição dos engenhos de açúcar no Brasil. As áreas destacadas em verde apresentam o cultivo de cana-de-açúcar. Figura 5 – Distribuição dos engenhos de açúcar no Brasil Contando com latifúndio, monocultura e trabalho escravo, a economia açucareira se estrutura na cultura da plantation, em que o engenho surge como grande empreendimento e necessita de vasta extensão territorial para avançar. Nesse aspecto, vale ressaltar que as terras eram concedidas aos que tinham algum tipo de relação com a Coroa portuguesa, principal interessada no bom desenvolvimento do setor. Sobre o assunto, Furtado (2000, p. 22) destaca que: 37 FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL [...] a terra que o donatário recebia para transferir aos que a requeressem era concedida em sesmarias que correspondiam à área de 10 e 30 hectares cada uma, e estendiam-se do litoral para o interior, em uma faixa de 30 a 60 quilômetros, do Rio Grande do Norte a São Vicente (SP), onde a colônia acabava, ao sul. A ilustração a seguir mostra um engenho da capitania de Pernambuco no século XVII, em que se destacam a moenda, a casa-grande e a capela. Figura 6 – Engenho no século XVII Lembrete O engenho, unidade de produção do mundo açucareiro, constituiu a peça principal do mecanismo de plantation que Portugal desenvolveu na colonização brasileira. Reforçando suas características de um Estado centralizador e burocrata, a metrópole portuguesa procurava criar regras de controle
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