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Barroco e Arcadismo em Portugal

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Barroco e Arcadismo em Portugal 
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO BARROCO
No final da Idade Média, o sistema feudal entrou em colapso devido às novas formas econômicas e de organização social que surgiam de uma nascente cultura burguesa.
O Feudalismo se caracterizava pela predominância de uma cultura teocêntrica, centrada na figura do rei e da Igreja. Em termos políticos e econômicos, havia uma interdependência entre rei, vassalos e servos.
Tratava-se de uma sociedade fechada, baseada na agricultura, em que a mobilidade social era reduzida; portanto, a cultura e as práticas sociais também se abasteciam das referências religiosas.
Portugal se tornou um país autônomo no reinado de D. Afonso Henriques, conhecido como Afonso I de Portugal (1109-1185), no século XII.
As organizações política e econômica do país, entre os séculos XI e XIV, eram tipicamente feudais. As letras portuguesas do período se abasteciam de:
Jograis
Cancioneiros
Trovas
Canções de amigo
Cantigas de amor
Satíricas
Hagiografias (narrações da vida dos santos)
Novelas de cavalaria
As novelas de cavalaria eram muito marcantes e resultavam de variações estéticas oriundas, principalmente, das traduções francesas. Tratava-se de uma literatura cujos valores eram absolutamente dependentes da cultura cristã, com personagens e situações concebidas pela Igreja Católica.
Uma importante modificação na dinastia portuguesa se deu graças à Revolução de Avis (1383-1385), com a consequente ascensão ao trono de monarcas oriundos da Casa de Avis. Como consequência, ao mesmo tempo em que se manteve a autonomia de Portugal, houve uma diminuição do poder monárquico em detrimento dos poderes locais.
Foi a época na qual o país dava início ao processo da expansão naval e aos descobrimentos. D. João I (1357-1433) e seus sucessores eram apoiados pelos mercadores burgueses. Com isso, ocorreu um enfraquecimento do poder da nobreza e, consequentemente, de todas as referências culturais da Igreja, o que levou Portugal a se abrir para o mundo.
Essa abertura marcou o início do que foi chamado de Humanismo, tendo o cronista Fernão Lopes (1385-1460) como uma das referências nas letras, já que, em suas crônicas, havia um substrato que fortalecia a ideia de que a história é resultado do empreendimento humano.
Posteriormente, entre os séculos XV e XVI, eclodiu o Renascimento, que era uma espécie de evolução do humanismo. Suas referências eram a cultura clássica greco-romana, o racionalismo e o antropocentrismo. O questionamento do poder divino e o elogio da razão humana são a marca dele.
O Renascimento pressupunha que o desenvolvimento da arte passava por um viés de racionalização dos costumes, da arte e da própria vida, sendo a consequência de uma sociedade voltada para o comércio e a livre concorrência, o que deixava transparecer a ascensão da burguesia urbana.
Esse movimento foi uma arte marcada pelas visões humanista e clássica. Seu momento histórico de abertura ocorreu graças à aproximação entre Portugal e Espanha.
Portugal, entre 1580 e 1640, esteve sob o domínio espanhol.
Essa proximidade entre os dois países vizinhos foi fundamental para o surgimento do Barroco nas terras lusitanas, pois as trocas culturais entre ambos fizeram com que Portugal iniciasse uma ruptura de seu sistema feudal não aberto às fronteiras.
Devemos compreender o Barroco a partir de seu nascedouro religioso, principalmente como uma reação à Reforma Protestante ocorrida no começo do século XVI. Martinho Lutero (1483-1586) e João Calvino (1509-1564) são peças importantes na história da Reforma. Parte da burguesia comerciante aderiu ao protestantismo, abandonando as crenças católicas.
Padre alemão, Lutero começou a denunciar a Igreja Católica pela venda de perdões aos seus fiéis. Ele pregava que a absolvição divina deveria vir por conta de uma vida religiosa e pela fé, contrariamente ao perdão oferecido em troca de doações, prática no catolicismo do período. Dessa forma, muitos fiéis começaram a seguir suas ideias e aderir ao protestantismo.
Já Calvino defendia que o lucro obtido por meio do trabalho não era pecado, o que fazia coro com as práticas sociais do período, já que, no século XVI, o mundo europeu se expandia comercialmente por meio da abertura de novos mercados, iniciando o que chamamos atualmente de capitalismo.
Como reação à ascensão protestante, a Igreja Católica, no Concílio de Trento (1545 - 1563), construiu ações muito duras para combater a Reforma Protestante. Esse movimento ficou conhecido como Contrarreforma.
Com isso, ressurgiram os tribunais do Santo Ofício (Santa Inquisição). Livros considerados profanos foram proibidos. Vale mencionar a criação da Companhia de Jesus, também conhecida como Ordem dos Jesuítas, antes mesmo do Concílio de Trento.
O Barroco, desse modo, foi a arte que deu suporte e vazão à Contrarreforma com marcas fortemente religiosas. Forma artística originária do conservadorismo da Igreja, ele reagia aos novos tempos e aos novos valores implementados pela burguesia.
As marcas desses valores burgueses eram:
Apelos sensoriais do corpo
Novas concepções de amor
Elogio ao dinheiro, ao luxo, às posições sociais e às descobertas da ciência
PRINCÍPIOS ESTÉTICOS DO BARROCo
CONCEPÇÃO
Nesse contexto tensionado e dúbio entre a Reforma e a Contrarreforma, assim como entre as marcas históricas deixadas pelo Feudalismo e o surgimento da Modernidade, eclodia uma literatura também dúbia, que trabalhava com opostos e era conflitante em suas concepções e formas.
Ao mesmo tempo em que o Barroco dava vazão aos ares de uma reação religiosa conservadora, que recuperava os valores medievais, já não era possível apagar as transformações históricas que o Ocidente experimentou a partir do Renascimento, cujas bases se assentavam sobre a liberdade, o empreendimento individual e o alargamento da visão humana.
Por isso, a estética barroca acabou por conciliar, entre outros, estes opostos:
· Carne X Espírito
· Fé X Razão 
· Medieval X Moderno 
Ela o fez por meio de uma linguagem repleta de antíteses, oscilações, contrapontos, sinestesias, trocadilhos, rebuscamentos, tensões e irregularidades. Essas dicotomias históricas fundamentam os princípios estéticos do Barroco tanto nas artes em geral quanto na literatura.
ORIGEM E ANÁLISE
A origem e a definição do Barroco são controversas: há vários e importantes autores que divergem entre si. Mas vale a pena recuperar alguns pontos, pois o importante é que você, estudioso da literatura, saiba as principais concepções e os princípios das argumentações.
A origem da palavra “barroco”, para muitos teóricos, seria castelhana: o barrueco aludia às pérolas consideradas imperfeitas ou deformadas, tendo como parâmetro de comparação a regularidade da arte clássica renascentista, principalmente em comparação com as obras de Leonardo da Vinci, consideradas um protótipo de bom gosto. Segundo Lopes e Saraiva (2000), inicialmente, essa palavra assumia um tom pejorativo.
Importante estudioso do movimento barroco, o filósofo e escritor suíço Heinrich Wölflin (1864-1945) recuperou o termo em 1888 – só que com um valor positivo. Ele fez isso em sua obra Renascimento e Barroco por meio da observação e da descrição de várias artes aproximadas, criando, para tal, definições esquemáticas que opunham o Barroco ao Clássico.
Para João Adolfo Hansen (2001), muito do que sabemos sobre o Barroco, na verdade, não corresponde exatamente às obras e às manifestações consideradas barrocas, já que tais considerações estão apenas baseadas na visão esquemática de Wölflin (criada no século XIX como tentativa de compreensão do movimento). Portanto, para Hansen, o Barroco nunca existiu, sendo um conceito criado por Wölflin.
OBRAS E MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS
O fato é que aquilo que chamamos Barroco, em um sentido historicamente amplo, designa um grande número de obras ligadas a inovações técnicas e científicas muito diferentes entre si produzidas na Europa a partir do século XVI.
Apontaremos alguns exemplos de obras barrocas em:
ARTES PLÁSTICAS
Foram produzidas obras pictóricas que exploravamgradações intensas de cor. Elas atingiam uma atmosfera de profundidade por meio dos contratastes entre claro e escuro, assim como pela sensação de movimento das linhas.
Exemplo: obras do pintor italiano Caravaggio (1571-1610).
Nessa tela de Caravaggio, de 1601, nota-se o contraste entre claro e escuro e o apelo sensorial às imagens de sofrimento. A personagem caída é clara, contrastando-se com o fundo escuro, o que sugere uma ideia de profundidade. O tema religioso reforça os dogmas da Igreja: há um apelo ao efeito criado no espectador, como se ele devesse ser impactado diante da arte.
MÚSICA
Desenvolveu-se a exploração de elementos polifônicos entre contraponto e fuga, cujas características são a exploração de duas ou mais vozes simultâneas e entrelaçadas.
Exemplo: composições dos alemães Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Georg Friedrich Händel (1685-1759).
ARQUITETURA
Inferindo aspectos de pompa e grandiloquência, notava-se a exploração de:
Reentrâncias
Ornamentos
Saliências
Modulações em curvas
Exemplo: o arquiteto italiano Francesco Borromini (1599-1667) e o escultor brasileiro Aleijadinho (1738-1814).
LITERATURA
Em oposição ao espírito da clareza e da harmonia, houve a recusa de vocábulos populares e a aproximação com uma escrita aristocrática, empolada e, até certo ponto, obscura, com laivos de misticismo e opulência, sendo, muitas vezes, até hermética.
Exemplo: o cultismo ou gongorismo, em referência ao poeta espanhol Luis de Góngora (1561-1627), foi uma vertente que explorava o preciosismo vocabular e uma linguagem ornamental, dando especial atenção aos aspectos formais por intermédio de jogos sonoros e sintáticos. Já no conceptismo ou quevedismo, termo referente ao poeta espanhol Francisco de Quevedo (1580-1645), há uma ênfase na exploração de conceitos e ideias, havendo uma atenção especial aos conteúdos temáticos da linguagem literária.
BARROCO EM PORTUGAL: PANORAMA HISTÓRICO
O Barroco português, como em toda a Europa, deve muito ao desenvolvimento desse estilo na Espanha. Após o desaparecimento de D. Sebastião na batalha no Marrocos (Alcácer-Quibir), em 1578, o Cardeal D. Henrique (1512-1580), tio de D. Sebastião, assumiu o trono.
O reinado de D. Henrique não duraria muito. Sem descendentes, a morte do monarca decretou o fim da chamada dinastia de Avis, que havia consolidado Portugal como nação. Com o fim dessa dinastia, a Espanha passou a dominar seu vizinho.
Esse domínio, que durou 60 anos, é um período de união ibérica conhecido como período filipino. Na era da dinastia filipina, as trocas culturais entre os dois países se intensificaram, fortalecendo as influências barrocas espanholas em Portugal.
No governo de Filipe IV (1605-1665), ocorreu a chamada revolução restauradora. Portugal enfim retomava sua autonomia com D. João (1604-1656), Duque de Bragança e futuro D. João IV, findando a dominação espanhola.
BARROCO EM PORTUGAL: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
O período dessa dominação foi marcante para a produção literária em Portugal, pois a Espanha tinha interesses comerciais com tal união ibérica, fato que atraiu muitos judeus (os chamados cristãos-novos) para o país. Esse grupo possuía aportes monetários altos que ajudaram a financiar os projetos de expansão marítima de Portugal e Espanha unidos.
Nessa junção, havia forças aparentemente antagônicas, mas que, na verdade, ajudaram a formar a atmosfera de produção barroca em Portugal:
De um lado...
Um país com forte estrutura e cultura feudal tardia, que permanecia atrelado ao espírito cristão medieval, estando sob o domínio da contrarreforma jesuítica;
Por outro lado...
A presença dos cristãos-novos emigrados e de uma burguesia comercial crescente, que inspirava os ares mercantis e unia uma rede mundial de comércio.
Do ponto de vista cultural, havia, portanto, um país dividido entre um Renascentismo, que nunca chegou completamente, e uma cultura da Contrarreforma, que trazia da Espanha fortes influências barrocas. Dessa forma, a atmosfera da Contrarreforma e do Barroco é marcada por um período de crise política e social ocorrido entre a chamada Restauração Portuguesa e as reformas do Marquês de Pombal no século XVIII.
A literatura do período filipino foi marcada por um teor sebastianista e anticastelhano, reivindicando, por meio de uma resistência popular espontânea, a autonomia portuguesa em oposição à dominação espanhola.
Destacava-se uma literatura oral e escrita com tons satíricos, sendo composta por romances, cartas, versos soltos, atas e entremezes, além de outros textos curtos e clandestinos. O fim desse período teve como marco uma obra-prima da prosa barroca portuguesa, A arte de furtar, atualmente atribuída ao Padre Manuel da Costa (1601-1667).
Mesmo após o período filipino, a maior parte da produção literária portuguesa ainda possuía um tom da retórica jesuítica, com forte influência espanhola, tendo a maior parte dela origem clerical. Contudo, como vimos, a influência burguesa também se fazia presente, mesclando temas, linguagens e tonalidades de uma aristocracia (nobreza) e uma burguesia letrada.
Isso confirma, aliás, a exploração das contradições e antíteses barrocas. Mesclava-se, nessa literatura, tonalidades profanas e religiosas, satíricas e moralistas, passadistas e artificiais, com textos mais densos sobre a condição humana.
Eis alguns temas tratados nesses escritos:
Finitude da vida
Desejo da eternidade
Contradições do amor
Liberdade do espírito versus moralidade cristã
Apego ao passado aristocrata
Arroubos de uma nova vida citadina burguesa
Sensualidade da carne
Espiritualidade a ser sempre alcançada
Em suma, trata-se de um período contraditório nas letras, embora ele revele, de forma profunda e em um sentido histórico, as contradições de uma sociedade portuguesa decadente: acachapada entre uma aristocracia agônica e uma burguesia incipiente, ainda sem um desenvolvimento próprio e muito dependente do ouro das colônias, bem como de suas atividades comerciais.
Ainda tratando das características do barroco literário em Portugal, vale destacar que a poesia barroca portuguesa foi marcada pelo aparecimento de academias literárias (academia dos Singulares e a dos Generosos, por exemplo). Elas eram geralmente ligadas à aristocracia e com forte influência da lírica espanhola.
Essas poesias são líricas cujos temas refletem o espírito da corte sob o domínio espanhol, estando voltadas para as experiências formais e linguísticas típicas do gongorismo.
As poesias da época estão reunidas em coletâneas como Fênix renascida (1716-1728) e Postilhão de Apolo (1761-1762), cujo conteúdo marca a decadência cultural portuguesa.
Elas eram, portanto, produções que marcavam a atmosfera de transformações e tensões históricas da vida portuguesa por meio do declínio da nobreza frente à burguesia e das críticas à vida religiosa e beata, embora ainda fossem carentes de fortes referências culturais que pudessem fortalecer a criação de estéticas vigorosas e inovadoras. Por isso, tais escritos foram produções marcadas pela pompa, pelos exageros e pelos artificialismos.
BARROCO EM PORTUGAL: AUTORES E OBRAS
O maior autor da literatura barroca portuguesa é o Padre Antônio Vieira (1608-1697), sem dúvida um dos maiores artistas e intelectuais de toda a língua portuguesa – incluindo-se as obras produzidas no Brasil.
SÓROR MARIANA ALCOFORADO (1640-1723)
Freira do convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, Alcoforado foi apaixonada por um oficial francês que serviu em Portugal nas guerras da restauração, mas que foi obrigado a voltar a seu país após as guerras.
Autora de uma prosa rica, ela escreveu as Cartas portuguesas, obra em que descreve seu sentimento pelo oficial francês e revela um espírito tipicamente barroco, preso entre as volúpias de uma paixão ausente e o espírito casto do convento.
Historicamente, segundo Lopes e Saraiva (2000), Alcoforado representa mais um dos inúmeros casos de mulheres sem identificação religiosa que eram enviadas aos conventos por famílias aristocratas que não queriam ver suas filhas em enlace matrimonial comburgueses ou com cristãos-novos (judeus).
Isso revela muito da sociedade conservadora portuguesa, ainda presa a uma aristocracia que ia se findando, mas sem adentrar com profundidade no mundo burguês. A obra de Sóror Mariana, com efeito, é marcada pela descrição de uma paixão violenta e sensual em crise com uma consciência moral.
RODRIGUES LOBO (1580-1622)
Tendo vivido na dinastia filipina, Rodrigues Lobo produziu uma obra com fortes influências da cultura hispânica – inclusive, a maioria de seus textos foi escrita em espanhol.
Escrito em homenagem à coroa portuguesa – mais especificamente a D. Duarte, irmão do Duque de Bragança –, o livro Corte da aldeia constitui uma das primeiras manifestações barrocas em Portugal.
Nessa obra, o autor descreve a vida da corte. Sua temática faz referência ao fim da corte portuguesa diante da dominação espanhola durante a dinastia filipina. Esse livro, portanto, absorve as influências barrocas. Há também a inserção de temas portugueses, incorporando, de certa forma, o Barroco ao espírito da nação.
Rodrigues Lobo também escreveu, entre outras obras, as novelas Primavera e Pastor peregrino.
PADRE MANUEL BERNARDES (1644 - 1710)
Bernardes escreveu Nova floresta, obra elaborada em cinco volumes, retratando o espírito religioso e o culto das virtudes da fé. Seus escritos refletem a condição da clausura inerente à vida religiosa e casta do período.
FRANCISCO MANUEL DE MELO (1608-1666)
Destacou-se em sua escrita o gênero epistolar (mais de 20.000 cartas foram produzidas), mas sua obra é vasta, envolvendo teatro, biografias e poesia, além de outros gêneros.
Em 1651, Melo escreveu Carta de guia de casados, obra que possui uma forte influência aristocrática em oposição a valores puramente nobres e cristãos, o que imprime a ela um tom irônico e bem-humorado.
ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA, “O JUDEU” (1705 - 1739)
Teatrólogo, José da Silva foi um inovador. Ele escreveu suas peças em prosa, o que era novidade no contexto português. Elas tinham uma forte influência da comédia renascentista espanhola e francesa, além de aludirem à mitologia e aos autores da Antiguidade Clássica.
Sua obra foi marcada pelo riso e pela sátira. Inspirada na linguagem e nas práticas populares, ela ironizava os costumes e os valores da sociedade de Lisboa. Nascido no Brasil, o autor foi perseguido e morto pela coroa portuguesa e pela Inquisição, já que era acusado da prática de “judaísmo”.
Silva é considerado o maior autor teatral de seu tempo, compondo o que chamou de “ópera”, uma vez que ela continha música e canto. Em Guerras do alecrim e da manjerona, ele alcançou o ápice de seu estilo.
FREI ANTÔNIO DAS CHAGAS (1631-1682)
Trata-se do nome pelo qual ficou conhecido o autor Antônio da Fonseca Soares. Ele deixou uma obra em prosa e verso repleta de traços barrocos.
Os poemas de circunstância o aproximam da escrita do espanhol Góngora, mas é em Cartas espirituais que ele conseguiu desenvolver todo o seu estilo. Chagas também escreveu Sermões, tendo Sermões genuínos como o exemplo de uma prosa elegante e clara.
Um famoso soneto barroco atribuído ao Frei Antônio das Chagas, Conta e tempo, mostra toda a dualidade de seu estilo, repondo em choque os vícios humanos versus as virtudes divinas. Isso, aliás, dialogava perfeitamente com sua biografia. Suas experiências, afinal, estão divididas entre a guerra e os prazeres terrenos, por um lado, e uma existência voltada à vida religiosa, por outro.
No poema, há um diálogo tenso com o divino: o eu lírico exclama suas dúvidas em relação ao destino diante da fugacidade da vida, o que representa um tópico recorrente da lírica barroca.
PADRE ANTÔNIO VIEIRA
O Padre Antônio Viera nasceu em Portugal, em 1608, e morreu na Bahia, com quase 90 anos, em 1697. Aos 7 anos, foi trazido para o Brasil, onde o pai exerceria funções burocráticas no governo. Ele ingressou na Companhia de Jesus aos 15 anos; desde cedo, já conseguia redigir textos, desenvolvendo uma cadeira de retórica dentro do universo jesuíta.
Vieira foi um ferrenho defensor do Rei D. João IV, a quem dedicou, em parceria política, muitas lutas e dissabores, chegando a tomar, em muitas querelas, partido mais próximo do rei do que da Companhia de Jesus.
Ele desenvolveu uma luta em favor dos cristãos-novos (judeus) em Portugal, pois entendia que o país precisava ter “uma política fundada no poder econômico da burguesia”, explicam Lopes e Saraiva (2000, p. 518).
Por esse motivo, foi perseguido e exilado pelo Santo Ofício, já que os jesuítas se opunham aos cristãos-novos por questões religiosas, políticas e de interesse econômico. Os jesuítas tinham a massa popular a seu favor, além de inúmeros grupos internos que disputavam o poder com os judeus na constante luta da nobreza contra a burguesia do período.
Apesar de pertencer ao clero e à Companhia de Jesus, além de, em princípio, estar a favor da nobreza, Vieira acabou tomando, nessas questões, partido da burguesia mercantil, pois tinha uma visão de futuro mais pragmática, antecipando inclusive alguns elementos pragmáticos do que viria a ser a política na época do Marquês de Pombal (1699-1782), um déspota esclarecido em favor da burguesia e contra os jesuítas.
Vieira tinha consciência de que a máquina mercante era algo definitivo e irreversível; portanto, ele via que lamentar sua intrusão nos portos da colônia seria uma atitude vã. Por conta disso, era necessário dominar essa máquina, “imitando os seus mecanismos e criando, na esfera do poder monárquico luso, uma estrutura similar que pudesse vencê-la na concorrência entre os impérios”, aponta Bosi (1998, p. 120).
A visão e a atuação política dele no Brasil também suscitaram inimigos, principalmente em questões relacionadas aos colonos locais. Afinal, eles eram a favor da escravidão indígena, mas o Padre Antônio Vieira e uma parte dos jesuítas se opunham a ela.
Ele escreveu muitos textos em favor dos ameríndios, acabando por sugerir, em decisão controversa (no seu tempo e ainda nos dias atuais), que Portugal deveria trazer os escravos da África a fim de substituir a mão de obra escrava indígena, embora, segundo Saraiva e Lopes (2000, p. 521), “o próprio Vieira tenha escrito páginas vibrantíssimas sobre os sofrimentos desses mesmos negros”.
Bosi (1998) afirma que Vieira, em seus Sermões, acabou assumindo as próprias contradições, as quais, aliás, eram inerentes ao próprio projeto português, por ele assumido, entre a fé cristã e a benevolência, assim como à necessidade de imprimir no Brasil o projeto de domínio de Portugal.
Com esses dois conflitos intensos (em relação à política portuguesa e à questão dos colonos no Brasil), o Padre Antônio Vieira acabou sendo exilado no Maranhão e, posteriormente, em 1661, expulso da Companhia por ação dos jesuítas.
Ele se tornou uma figura política importante no Brasil durante o reinado de D. João IV. Agindo politicamente, Vieira escreveu textos, cartas e sermões em prol das questões políticas de Portugal, opondo-se, muitas vezes, aos pares da Companhia de Jesus.
D. João IV, o principal sustentáculo político de Vieira, já estava morto havia cinco anos. Após esse acontecimento, o padre foi processado por heresia, embora tenha sido anistiado posteriormente.
Em 1669, ele partiu para Roma, onde continuou seu ofício de pregador e defensor de uma política econômica aberta para Portugal. Vieira regressou definitivamente à Bahia em 1681, onde desempenhou tarefas na coordenação das missões, além do trabalho de compilação de suas obras.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ESCRITA DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA
Vieira é o ourives da palavra. Poucas vezes a língua portuguesa encontrou uma maestria tão eficiente em suas construções sintáticas, lexicais e imagéticas.
Toda a sua obra se funda no trabalho com a palavra e suas variações infinitas. Sua escrita era engenhosa e aguda, trazendo a marca barroca, embora, na época, fosse denominada “retórica da agudeza”, aponta Hansen (2000).
O engenho não submete o pensamento ou o bom senso à lógica. A escrita engenhosa pensa por intermédio das palavras, arrancando delas umaoutra lógica persuasiva, artística e encantadora em oposição a uma retórica clássica racionalista e calcada em silogismos puramente lógicos.
Nos sermões de Vieira, assim como em muitos textos, o tema é desenvolvido a partir de um trecho bíblico comentado e desenvolvido. Para entender sua escrita, é fundamental reconhecer que ele não só comenta moral e doutrinariamente os trechos escolhidos, mas que também “desempenha” esses textos.
Desempenhar o texto consiste em tomar um termo isoladamente. Isso significa, entre outros recursos:
[...] FORJAR UMA PRETENSA ETIMOLOGIA DAS PALAVRAS, EM ATENDER À SUA POSIÇÃO, ÀS REPETIÇÕES, AO NÚMERO DE SÍLABAS E LETRAS DE QUE SE COMPÕEM, AOS SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS, AO JOGO DE SINÔNIMOS E ANTÔNIMOS, À INTERPRETAÇÃO ALEGÓRICA OU ANALÓGICA.
(LOPES; SARAIVA, 2000, p. 552)
Para Vieira, existe uma analogia entre palavra e mundo, a natureza e seus sinais. A palavra, assim, é um sinal da natureza, que esconde mistérios e conceitos. Essa é a essência do pensamento “engenhoso” (ou pensamento alegórico).
A natureza não seria conhecida pela revelação ou pelo desempenho dos conceitos arraigados no interior da palavra. Para esse intento, Vieira apela para a etimologia das palavras, desdobrando-as em conceitos associativos. Para as associações, é válido utilizar não somente os significados, mas também os significantes das palavras, ou seja, o corpo fônico e gráfico delas.
Os efeitos desse tipo de discurso não são apenas lógico-dedutivos: eles também procuram a persuasão pelas qualidades estéticas do texto. A palavra e seus desdobramentos são o centro do trabalho retórico-literário. Os sinais da natureza, neste caso, manifestam-se na palavra e no vislumbre.
Vieira investe na palavra os silogismos progressivos. E investe no vislumbre a tradução dos sinais, de forma que a aparência do rigor do pensamento esconde a manipulação artística da língua e da linguagem na criação de conceitos que se passam por naturais, enquanto são artifícios associativos.
ATENÇÃO
Esse tipo de procedimento recebe nos estudos literários o nome de “jogo de ideias”, porém é preciso ressaltar que tal jogo só acontece diante de um extremo conhecimento das possibilidades da língua.
Confira um exemplo no seguinte trecho dos Sermões escolhidos:
Os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama, e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade: cuidais que amais perfeições Angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue, que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam, e o que se imagina, e não é, não o há no mundo.
(VIEIRA, 1984, p. 144-145)
ANÁLISE
O sentido central do texto é que não devemos amar o ideal, e sim o real. Mas, até chegar a essa ideia, Vieira realiza uma série de comparações positivas:
· Amar X Cuidar
· Vidros X Diamantes 
· Defeitos X Perfeições
· Firmeza X Fragilidade 
· Ser X Imaginar 
· Ideal X Real 
O cultismo e o conceptismo ainda estão presentes em seu texto. No caso do ocultismo, por meio do uso frequente da metáfora e da hipérbole; no caso do conceptismo, por intermédio do uso frequente de um jogo de ideias encadeado por um raciocínio “lógico”.
Existe, porém, uma função específica no discurso de Vieira, a qual, aliás, merecerá especial atenção quando falarmos nos Sermões, já que um texto sempre é escrito na hipótese de um interlocutor. No caso dessa obra, o interlocutor é aquele que precisa ser persuadido para a fé católica presente nas igrejas ou nos espaços de interlocução religiosa do período.
Essa necessidade retórica de persuasão molda o discurso de Vieira, embora absorva grande parte dos procedimentos linguístico-literários do período. Esses procedimentos, aos quais parte considerável da crítica literária chama de Barroco, funcionalizam as atividades específicas de interlocução.
Na França, o poeta Mallarmé (1842-1898), em resposta ao pintor Degas (1834-1917), teria dito que a poesia é feita com palavras, e não com ideias. Fazendo uma analogia, diríamos que Vieira, comparado ao pensamento artístico da atualidade, estaria próximo daquele que considera a escrita literária como arte – e não apenas como filosofia ou pensamento a ser veiculado pelas palavras.
No contexto do que entendemos como Barroco, a elaboração da forma requer o “desempenho”, ou seja, uma geometria de opostos que se tencionam e se desdobram. Com isso, o mistério da palavra é revelado e o divino se acende no encadeamento de conceitos criados.
O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
O Sermão da sexagésima é considerado uma obra exemplar da escrita “barroca”, o que não deixa de ser verdade por conta da nomeação sofrida pelas escritas dos Setecentos. Porém, ainda que sutis, as variações desse sermão, em contraste com os tratados e os autores considerados barrocos, são importantes e merecem ser comentadas.
Observando os poemas de Góngora, principalmente no tocante ao conceptismo, veremos que eles são textos de difícil compreensão, já que sua agudeza exige uma leitura culta, atenta e interpretativa. No caso do Padre Antônio Vieira, os Sermões foram feitos para serem pregados para o povo; portanto, isso exigia deles um grau de comunicabilidade maior e uma clareza de exposição que surtisse o efeito desejado: a catequização de povos que, em sua maioria, eram analfabetos.
Para tanto, Vieira recorreu a algumas práticas de escritas tanto da Igreja quanto do que se considera Barroco. Apesar do rebuscamento de suas ideias, ele escolheu temas ou chaves muito claras.
O Sermão da sexagésima estabelece um diálogo com a parábola do semeador, retirada do Evangelho de São Lucas, na Bíblia. O tema do Sermão é a própria pregação do Evangelho; portanto, trata-se de um tema metalinguístico, já que ele traz reflexões sobre a fé, mas, principalmente, sobre o ato de pregar e o de receber os ensinamentos da pregação.
Sua temática reflete, em última instância, o próprio texto que profere, bem como suas qualidades na eficiência da pregação. Todo o Sermão é elaborado a partir da imagem da semeadura, desdobrando-se em metáforas. Vamos então ao Sermão da Sexagésima (VIEIRA, 1984):
“Começou ele a semear (diz Cristo), mas com pouca ventura. Uma parte do trigo caiu entre espinhos, e afogaram-no os espinhos. Outra parte caiu sobre pedras, e secou-se nas pedras por falta de humidade, outra parte caiu no caminho, e pisaram-no os homens e comeram-no as aves.”
A semeadura é comparada à pregação, pois três partes das sementes são desperdiçadas, só a quarta parte frutificou; assim, metaforicamente, apenas uma parte daqueles que ouvem os sermões e as pregações do Evangelho é tocada pela palavra de Cristo.
Logo adiante, Vieira incrementa a reflexão, afirmando que, para uma conversão, são necessários três elementos: Pregador / Ouvinte / Graça de Deus 
Analogamente, por meio de silogismos, ele estabelece comparações desses três elementos com os olhos, o espelho e a luz:
“Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três cousas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que cousa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para essa vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? ”
Ele conclui observandoque se a evangelização não produz efeito, o problema pode estar no pregador, no ouvinte ou em Deus: o pregador doutrina com a persuasão, o ouvinte assimila com o entendimento e Deus ilumina com a graça.
Comparando, afirma que para um homem ver a si mesmo, isto é, compreender-se, há a necessidade dos olhos, do espelho e da luz, pois o espelho sem olhos, o espelho sem luz, ou a cegueira com olhos e espelhos de nada adiantam. Os ouvintes, pois, são os diferentes tipos de terrenos em que caem os grãos da semeadura
Em seguida, outras instâncias foram fundadas em relação à pregação. Para Vieira, havia cinco circunstâncias necessárias para a evangelização:
1. A PESSOA
Para a pessoa do pregador, o importante não é pregar pelas palavras, e sim por suas ações:
A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia.
Nessa passagem, Vieira critica os pregadores que não dão exemplo pelas ações, fazendo com que as “sementes” não frutifiquem ou que os ouvintes não se vejam no espelho. Trata-se daqueles pregadores mais preocupados consigo do que com a conversão religiosa.
2. A CIÊNCIA
Vieira defende que o pregador deve ensinar aquilo que sabe, não o que os outros sabem:
Muitos pregadores hão que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam. [...] Quando David saiu a campo com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar. Com armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia. Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube gigante.
3. A MATÉRIA
Mais uma vez, ele utiliza recursos metafóricos baseados em imagens: Vieira compara o sermão a uma árvore, cujo tronco é matéria única, enquanto os galhos e as flores são comparados aos diferentes desdobramentos da mesma matéria.
Dessa maneira, ele reivindica, para a eficiência da pregação, que o sermão deve ter uma matéria única para não confundir ou dispensar ouvintes:
Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo.
4. O ESTILO
Com efeito, o estilo precisa ser claro, já que, metaforicamente falando, para Vieira, as sementes devem cair naturalmente. Ele compara o estilo correto com o próprio céu, pois ele seria o mais antigo estilo de onde os homens aprenderam.
O estilo, portanto, é comparado à natureza:
Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear.
5. A VOZ
Vieira afirma a “definição do pregador, cuidava eu que era: voz que arrazoa e não voz que brada” com a intenção de esclarecer que o ouvinte se vê no espelho por meio de uma persuasão arrazoada, não exatamente racional, e sim branda, já que ela toca o coração mais do que o grito, o que corresponderia ao horror ou ao medo.
É o que a estrutura do Sermão nos diz com suas progressivas associações entre formas e ideias.
Todos esses temas são estruturados a partir de fortes influências. Destacaremos duas influências a seguir:
Pregações cristãs mais antigas e praticadas pela Igreja
Vieira resgata uma oratória medieval de construção de alegorias para os comentários bíblicos, pois o interlocutor é um público geral e não culto.
Discurso engenhoso ou agudo muito utilizado no século XVII na Península Ibérica
Ele retoma essa prática sermonária nos termos da agudeza, isto é, próximo dos artifícios verbais típicos da prosa denominada “barroca”.
De acordo com Saraiva (1980, p. 120), prevalecem, no Sermão da sexagésima, “as leis da repetição, da simetria e da oposição” em sua construção. Podemos verificar a repetição de pares antônimos. Eis algumas repetições de Vieira (1984): “boca e mão, ver e ouvir, cair e subir, arte e natureza, semear e ladrilhar, soar e significar, contente e descontente”.
A construção das frases evidencia, para Saraiva (1980, p. 120), os dois membros desses pares, os quais, às vezes, aparecem numa oposição simétrica. Vieira constrói essas oposições tomando a palavra em seu significante e significado, separando-os e desdobrando-os em pares de opostos que dialogam.
Existe uma referência místico-religiosa nesse procedimento, pois o autor retoma a palavra como se ela contivesse, em suas conexões, os mistérios divinos, ou seja, como se ela fosse o invólucro de uma verdade misteriosa. No entanto, há algo muito próximo dos procedimentos da agudeza descritos pelo escritor jesuíta Baltasar Gracián (1601-1658), que trata da escrita produzida pelo engenho e pela agudeza.
O Padre Antônio Vieira, afinal, isola um termo e força de maneira muito pessoal uma etimologia. Diferentemente de Gracián, entretanto, esses procedimentos ou “desempenhos” vão criando conceitos que se dirigem a uma Verdade. Para esse escritor jesuíta, os efeitos deveriam ser estéticos, caminhando rumo ao Belo – e não ao Verdadeiro.
O fato é que, apesar de se dirigir à construção de uma verdade, Vieira constrói tal discurso por meio de associações que aparentam uma engenharia sólida do raciocínio lógico, mas que, no fundo, constituem operações criadas e inventadas exatamente com o intuito de convencer os ouvintes. Trata-se de construções não lógicas, e sim funcionais, que se utilizam de efeitos estéticos em sua composição.
Já Gracián se propunha exatamente a descobrir palavras dentro de outras e, a partir disso, escolher os extremos a serem operados por oposições e analogias. A capacidade de, nessas analogias, distinguir os extremos, segundo esse escritor jesuíta, configurava a agudeza ou o concepto.
NAS PRECEPTIVAS RETÓRICAS DO SÉCULO XVII, A AGUDEZA É DEFINIDA COMO A METÁFORA RESULTANTE DA FACULDADE INTELECTUAL DO ENGENHO, QUE A PRODUZ COMO “BELO EFICAZ” OU EFEITO INESPERADO DE MARAVILHA QUE ESPANTA, AGRADA E PERSUADE.
(HANSEN, 2000)
Existe, na concepção de escrita de Vieira e Gracián, uma distinção entre juízo e engenho. Juízo seria adequado ao discurso clássico, que apela para a lógica e toma as palavras como referentes de significados e ideias. Já Engenho entenderia que elas se abrem e que é por meio delas – e nunca sem as palavras – que um efeito (no caso de Vieira, uma verdade) é construído.
O Padre Antônio Vieira se insurgiu contra os pregadores que procuravam apenas efeitos estéticos, pois um sermão deveria transmitir uma mensagem. Ela nunca deveria ser construída apenas pelo engenho, e sim para revelar a palavra de Deus por meio do engenho e da agudeza.
O ILUMINISMO NA EUROPA
Sempre que estudamos uma manifestação artística, notamos que ela sequer existiria – e nem teria a capacidade de surgir – se não fossem as condições sociais de cada período. Não se trata de falar somente em “contexto social”, listando os eventos históricos do mesmo período.
Na verdade, trata-se de pontuar a origem histórica de tais manifestações, compreendendo a existência de um entrelaçamento inevitável entre:
Condições políticas, econômicas e históricas
Cada escola, autor ou manifestação artístico-literária estudada
Com o Arcadismo, isso não é diferente. Para entendermos esse movimento em Portugal, precisamos compreender o significado do século XVIII – o chamado Séculos das Luzes – para a Europa.
Para isso, a seguir, analisaremos esse fenômeno a partir de dois pontos de vista:
ECONÔMICO
A Inglaterra encabeçava o processo industrial no continente. Sabemos que o desenvolvimento das indústrias requer grande investimento nas ciências, o que leva a um apreço pelarazão. Esse fato gerou muitas ideias e ações contra os conhecimentos dominados pela Igreja e pela religião da época.
Após um período mercantilista, a classe burguesa fica cada vez mais insurgente, pois ela luta contra o poder dos Estados absolutistas comandados pela nobreza, já que a propriedade privada e a não intervenção do Estado se transformam em algo essencial para o desenvolvimento da economia.
CAMPO DAS IDEIAS
Devemos compreender as implicações do Iluminismo relacionadas com o pensamento da burguesia em ascensão no século XVIII, o que foi o resultado das transformações políticas e econômicas do período.
As principais bases do pensamento iluminista são:
· Elogio da razão;
· Revisão do conhecimento até então produzido;
· Mudança de um ensino religioso para um ensino laico;
· Luta pela liberdade individual na economia por meio do elogio da propriedade privada;
· Defesa pela igualdade entre os poderes sociais.
Nesse contexto, surgiram alguns pensadores fundamentais para tal movimento:
PENSADORES FRANCESES (SÉCULO XVII)
Na França, em 1751, é lançada a Enciclopédia das ciências, das artes e dos ofícios (imagem). Seu objetivo era compilar o conhecimento produzido até então como forma de contraposição ao conhecimento clerical.
FRANÇOIS-MARIE AROUET, CONHECIDO COMO VOLTAIRE (1694-1778)
Filósofo e escritor francês, Voltaire (imagem) elaborou sua obra contra o poder da Igreja. Ele não era exatamente a favor de uma revolução social ampla, e sim da ascensão de um “déspota esclarecido”, isto é, de alguém que concentrasse o poder, embora ainda mantivesse ideais iluministas.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778)
Filósofo, político e escritor francês, Rousseau (imagem) defendeu uma liberdade individual e coletiva que só seria possível por meio de um “contrato social”. Tal contrato era o instrumento que garantiria tanto a liberdade quanto a igualdade, pois, a fim de existir o bem comum, seria necessário equilibrar as vontades individuais e a necessidade para o bem-estar da sociedade. Rousseau foi um dos principais influenciadores da Revolução Francesa.
ADAM SMITH (1723-1790)
No contexto britânico, o economista e filósofo Adam Smith, autor da obra A riqueza das nações, defendia um Estado que não interferisse na economia, pois ele seria um entrave para o crescimento do capitalismo, o qual, por sua vez, se equilibraria entre a oferta e a procura de bens e serviços.
CONTEXTO DO SURGIMENTO DO ARCADISMO EM PORTUGAL
Em 1775, D. José assumia o reinado em Portugal. Seu ministro, o Marquês de Pombal, foi um dos grandes responsáveis pela adoção das transformações políticas, educacionais e culturais do país. O projeto de Pombal era antijesuítico em todos os sentidos.
A concepção dos Estados absolutistas comandados pela nobreza submete todos os poderes à mediação da Igreja. A concepção de Pombal, porém, era de que as leis de Deus (e da Igreja) deviam ser mediadas e interpretadas pelo monarca, pois ele seria um “déspota esclarecido”.
Pombal, tanto em Portugal quanto no Brasil, substituiu o ensino religioso pelo ensino burguês, ligado às ciências desenvolvidas até a época. Pouco a pouco, a influência espanhola foi dando lugar à francesa, à italiana, à inglesa e à alemã.
Em 1779, foi fundada a Academia Real das Ciências, importante instituição que conectava o ensino às práticas e às necessidades econômicas. Pombal fortalecia, com isso, o Estado e seu poder em relação às colônias portuguesas, como o Brasil.
Outra atuação importante foi a do Padre Luís Antônio Verney (1713-1792), autor de O verdadeiro método de estudar, obra fundamental que influenciou as ideias do Marquês de Pombal.
Padre Verney foi um discípulo dos jesuítas portugueses, mas boa parte de sua formação se deu em Roma, onde ele, além de membro da Arcádia de Roma e secretário do embaixador, foi feito Cavaleiro da Ordem de Cristo. Verney escreveu muitos manuais didáticos, cujos temas, políticos, econômicos e estéticos, estavam direcionados para um amplo projeto iluminista em Portugal.
Ele defendia:
· Educação laica: proposição de mudanças profundas nos currículos escolares e nas universidades, introduzindo novas concepções no Direito, na Medicina, no estudo das Humanidades e das línguas latinas e europeias.
· Governo assentado na opinião pública.
· Extinção de ações da Inquisição e das delações religiosas direcionadas aos cristãos-novos.
Em relação à literatura, Verney preconizava o fim dos excessos da retórica da agudeza, criticando inclusive a escrita do Padre Vieira, dado à retórica artificial composta por silogismos irreais e forçados.
Esse cenário mudou com a morte do Rei D. José (1714-1777). Pombal teve de sair do poder. Retornam toda a nobreza e o poder da Igreja.
A maçonaria, os burgueses, o ensino laico, as ciências – tudo isso passou a ser reprimido novamente. Livros foram proibidos; escritores foram exilados. Criou-se uma tensão histórica entre Portugal e o resto da Europa, pois, enquanto o continente respirava os ares da revolução burguesa e a ascensão do modo de produção capitalista, Portugal retomava o poder da nobreza.
CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO EM PORTUGAL
Equilibrando-se entre reformas e contrarreformas, vivenciando tensões entre os poderes da nobreza e da burguesia e entremeado pela ascensão capitalista e o modo de economia imperial com as colônias, está o Arcadismo em Portugal.
Ele floresceu sob a inspiração do contexto europeu. As ideias iluministas, afinal, impõem uma troca de referências culturais.
Enquanto o Barroco tinha como pano de fundo as ideias eclesiásticas, com forte influência medieval tanto nos temas e na retórica quanto nas formas, o Arcadismo teve como referência o universo da cultura clássica greco-romana. Autores da Antiguidade Clássica, como Horácio, são prestigiados, operando em contraposição ao conhecimento escolástico ainda presente na educação europeia.
Filósofo e poeta latino, Horácio (65 a.C. – 8 a.C.) foi uma referência para os princípios classicistas do Arcadismo. Em seu livro Arte poética, ele defendia uma poética dominada por técnica, razão, objetividade, bom senso e simplicidade: todos esses predicados deveriam permitir a construção de textos que contivessem unidade e que fossem naturais, como a natureza. Cada gênero literário ou artístico deveria ser respeitado em sua integridade (respeito às convenções); para tanto, os antigos (greco-romanos) deveriam servir como modelos ainda na observação, já que, para eles, a arte deve seguir o Belo, o Bom e o Verdadeiro.
Do ponto de vista literário e artístico, sabemos que a cultura clássica tem como princípios:
· Harmonia das formas;
· Verossimilhança em relação à natureza;
· Ideal da razão que conduz ao belo; e
· Equilíbrio das emoções e dos arroubos da subjetividade (fenômeno chamado de despersonalização lírica).
Nesse sentido, dada a universalidade do mundo clássico, os princípios estéticos que serviam como referência para os poetas árcades portugueses não diferiam dos princípios árcades (ou classicistas) da França, da Itália ou mesmo do Brasil:
· Vida no campo (fugere urbem);
· Contemplação equilibrada e calma da natureza (locus amoenus);
· Uso da simplicidade, do bom senso e do meio-termo na escola dos vocábulos e procedimentos estéticos (aurea mediocritas); e
· Eliminação do supérfluo e do inútil nas composições (inutilia truncat).
Esses temas ou tópicos não eram exatamente correspondentes à vida pessoal de cada poeta, pois eram convenções clássicas, modelos e situações artificiais que revestiam o labor poético.
As mudanças, nesse sentido, foram incrementadas pelo surgimento de várias academias literárias. Como verificamos anteriormente, as academias, no período barroco, eram formadas por aristocratas que atuavam para a manutenção dos poderes existentes. Já na era árcade, tais academias serviam como renovação.
Em 1756, é fundada a Arcádia Lusitana; 34 anos depois, a Academia de Belas-Artes (chamada posteriormente de Nova Arcádia).
A escrita barroca, recheada de oposições, contrapontos obscuros e vernáculos rebuscados, é substituída por uma linguagem clara, simples eobjetiva, fazendo coro com o ideal clássico da simplicidade e de uma vida natural e campestre. Os versos brancos (sem rima) se tornaram mais comuns, embora as métricas continuassem próximas das formas fixas.
Nem tudo, entretanto, foi evolução, até porque as estéticas se sobrepõem conforme as épocas, sem que delas possamos extrair uma análise qualitativa engendrada a partir de valores fixos.
Segundo Lopes e Saraiva (2000), a escrita elocubrante do barroco foi substituída por um excesso de regras e regulamentações estabelecidas a partir de uma leitura interpretativa dos moldes clássicos. Alguns críticos ainda falam que a recorrência à mitologia clássica, misturada ao racionalismo iluminista, acabou por modelar os padrões e gostos, disfarçando as limitações de certas poéticas pessoais.
O certo é que, de todo modo, vários autores surgiram – alguns mais criativos e outros nem tanto, como ocorre, aliás, em toda geração literária.
NOMES E OBRAS DO ARCADISMO EM PORTUGAL
Não há forma melhor de entender a literatura do que o conhecimento de seus autores e obras. Por isso, falaremos a seguir sobre os principais nomes da Arcádia Lusitana e da Nova Arcádia:
ARCÁDIA LUSITANA
Como vimos anteriormente, o Arcadismo em Portugal se fortaleceu com a criação de academias – e a mais importante delas foi a Arcádia Lusitana. Em torno dela, estiveram reunidos diversos nomes.
Listaremos alguns deles a seguir:
ANTÔNIO DINIS DA CRUZ E SILVA
TEOTÔNIO GOMES DE CARVALHO
MANUEL NICOLAU ESTEVES NEGRÃO
VALADARES E SOUZA
MANUEL DE FIGUEIREDO
CORREIA GARÇÃO
PADRE JOSÉ FREIRE (CÂNDIDO LUSITANO)
Cândido Lusitano sistematizou em vários trabalhos os princípios da academia, sendo uma das referências teóricas do grupo. Em sua Arte poética, ele definiu os princípios ou códigos estéticos dos árcades portugueses. Já em seus tratados, Lusitano defendia a proeminência da lógica frente à estética, polemizando com Verney.
Voltado aos preceitos clássicos, ele se baseou em Aristóteles ao falar que a arte precisa se voltar à verossimilhança em sua criatividade. Como todo classicista de origem, Lusitano pensava que a arte deve ser pautada pela proporção equilibrada, pela ordem e pela unidade.
As academias, bem como o Arcadismo, eram o resultado do surgimento da chamada burguesia ilustrada, isto é, não aristocrata (nobre), culta, letrada e, mais especificamente, ciente e cordata em relação aos valores emanados do Iluminismo: ciência, razão e liberdade.
Em sua maioria, esses acadêmicos eram recém-saídos das faculdades de Direito. Bacharéis, eles não encontravam de imediato uma ocupação dada a situação social de Portugal. Tal condição levava a maioria dos jovens poetas a procurar mecenas e postos de trabalho no governo por meio de bajulações, não raras vezes presentes na forma de temas no interior dos poemas árcades.
A Arcádia Lusitana possuía regras rígidas. Para o ingresso, havia provas, juízes, avaliações coletivas e procedimentos voltados para a verificação da adequação de cada obra aos princípios árcades e aos modelos dos antigos.
Os grandes autores latinos da Antiguidade Clássica eram observados com rigores doutrinários e serviam como modelos quase que absolutos.
Entre as regras sociais de convívio e trato, havia a diretiva de que todos deveriam ser iguais independentemente de sua origem (estirpe): nobre, aristocrata, pobre ou rica. Isso levou os poetas a assumirem pseudônimos latinos como forma ou tentativa de apagar suas origens em busca desse ideal de simplicidade – ideal, aliás, da cultura clássica.
Cruz e Silva era Elpino Nonacriense; Correia Garção era Alcino Micênio; e Manuel de Figueiredo era Lícidas Cíntio.
O pseudônimo também era uma forma de adequação aos novos tempos políticos, já que a burguesia em crescimento não possuía, como os nobres, exatamente um sobrenome que pudesse garantir, pela origem, um status social. Isso era um sinal, inclusive, das transformações sociais e políticas de Portugal!
NOVA ARCÁDIA
Posteriormente, desentendimentos esmoreceram a Academia Lusitana. Por isso, em 1790, foi fundada a Nova Arcádia. Ela era composta por diversos autores, como Agostinho de Macedo e Manuel Maria Barbosa du Bocage (do qual falaremos mais adiante de forma detalhada).
Mencionaremos brevemente alguns poetas da Academia Lusitana:
PEDRO ANTÔNIO CORREIA GARÇÃO (CORIDÓN ERIMANTEU) (1724 - 1772)
Muito influente nas discussões, ele escreveu suas “dissertações”, que continham parâmetros para a escrita árcade. Garção cultivou os gêneros clássicos, inclusive canções báquicas, como os ditirambos, que eram típicos dos gregos e estão na origem da tragédia grega.
REIS QUITA (ALCINO MENÉCIO) (1728-1770)
Reis Quita escreveu tragédias, como Hermíone, Mégara, Inês de Castro e Astarto, além do drama pastoril Licore. Ele tinha preferência por estéticas arcaicas com temas bucólicos ou o saudosismo. Suas Obras poéticas foram publicadas postumamente em 1176.
NICOLAU TOLENTINO DE ALMEIDA (1740-1811)
Autor de Obras poéticas e Obras póstumas, Nicolau Tolentino de Almeida escreveu uma obra satírica, embora tenha homenageado mecenas que os sustentavam em muitas odes. Muito rica é a dimensão de sua crítica de costumes dirigida aos poderosos, mas também ao cidadão comum, explorando situações sociais caricaturais daqueles vulneráveis do período português.
Isso fez com que seus escritos tivessem um certo tom de coloquialidade e de formas populares – até de autoironia – em muitos momentos, já que sua condição social nunca foi das melhores.
MANUEL DE FIGUEIREDO (LÍCIDAS CÍNTIO) (1725-1801)
Figueiredo foi o maior dramaturgo português do século XVIII. Representante do teatro neoclássico, ele escreveu mais de 30 obras. Apresentou as peças Viriato e Édipo na Arcádia Lusitana, pelas quais recebeu valorosos elogios.
Bastante autocrítico, Figueiredo considerava-se mais filósofo do que dramaturgo ou poeta, já que suas peças, segundo muitos críticos e o próprio autor, possuíam muitos defeitos, os quais, muitas vezes, as tornavam irrepresentáveis.
Sua obra é marcada por uma discrepância entre a composição e o gosto do público da época. As comédias burguesas João Fernandes feito homem, A mulher que não parece ou O homem que o não quer ser são textos que ironizam os fidalgos e as linhagens nobres, exaltando os valores da burguesia.
BOCAGE
Vamos destacar agora um dos principais expoentes do Arcadismo em Portugal.
VIDA E OBRA
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, em 1765, e viveu em Macau. Na Nova Arcádia, escrevia sob o pseudônimo de Almano Sadino. Os temas satíricos, recheados de erotismo e humor, levaram Bocage à fama, tornando-o talvez o poeta árcade português mais conhecido até os dias atuais.
Sua fase mais lírica abarca elementos gerais do Arcadismo, cujos temas estão voltados para a desilusão amorosa e os dramas existenciais, além de terem uma predileção por tópicos misteriosos e noturnos.
Bocage foi tradutor de poetas latinos e franceses. Por conta de sua inclinação para a autorrepresentação lírica mais confessional e sentimental, foi considerado um precursor do Romantismo em Portugal.
O escritor foi preso pela acusação de proximidade com os ideais da Revolução Francesa e por ter publicado um poema político, Pavorosa ilusão da eternidade, que atacava os poderes vigentes. Entregue à Inquisição, ele posteriormente fez acordos que lhe garantiram a continuidade de sua vida desde que se convertesse às crenças religiosas em voga.
Vejamos um soneto de Bocage:
CONVITE À MARÍLIA
Já se afastou de nós o Inverno agreste,
Envolto nos seus húmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:
Varrendo os ares o subtil nordeste
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E torna o fresco Tejo a cor celeste;
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
(BOCAGE, 1968)
ANÁLISE
O soneto de Bocage apresenta as seguintes marcas do Arcadismo:
· Descrição e valorizaçãodo ambiente bucólico para onde a amada deve fugir com seu amado (fugere urbem).
· Natureza como lugar agradável e de paz (locus amoenus).
· Ideal de simplicidade e alegria (aurea mediocritas).
· Ideias e linguagem caracterizadas pela clareza e simplicidade.
Ainda vemos nesse soneto uma referência ao mundo clássico por meio da citação de elementos mitológicos. Um exemplo é a alusão ao vento do Ocidente usando aquele que personifica mitologicamente esse vento: Zéfiro.

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