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A INTRODUÇÃO DO TRABALHO LIVRE NAS FAZENDAS DE CAF~ DE SÃO PAULO* Verena Stolcke e Michael M. HaII (Universidad de Barcelona/ Departamento de História da UNICAMP) Introdução País de terras abundantes e população relativamente escassa, o Bra- sil confrontou-se com problemas específicos quando da constituição de uma for_ça de trabalho. Até a década de 1850 os escravos formavam o grosso do cont.ingente de trabalhadores necessários a uma agricultura de expor- tação em larga· escala. Contudo, em meados do século dezenove, à me- dida que cresciam os ataques à escravidão, alguns fazendeiros de café de São Paulo começaram a fazer experiências com o trabalho livre. Além dis, so, a abolição do tráfico de escravos em 1850 coincidiu com a penetra- ção e rápida expansão do café no Oeste paulista, em decorrência do de- clínio da outra principal região cafeicultora - o Vale do Paraíba - e em resposta à crescente demanda internacional de café. A introdução do trabalho livre na agricultura de São Paulo constituiu-se num exemplo de criação da força de trabalho livre em uma situação de desenvolvimento agrícola extensivo. sob condições de escassez potencial da oferta de mão- 0e-obra. "Nosso solo oferece-nos riquezas ilimitadas, mas nos faltam bra- • Este texto é uma versão revísta e corrigida de um ·1rrtigo publicado no /ournal of Peasant Studin (Londres), vol. 10, n.08 2 e 3, jooeiro/abrll de t983. Agradecemos a Célia Maria Marlnho de Azevedo pela Indução, bem como Evelina Dagnino e ltalo Tronca pela r.evisão. 80 Revista Brasileira de História Daniel Realce ços~', assim expressou-se um, observador da época .ª respeito do obstáculo mai~ importantê para o desenvolvimento agrícola, a ser enfrentado pelos fazendeiros paulistas na segunda metade do século dezenoze .(1). Ap6s 1850 os cafeicultores mais previdentes percebiam nitidamente que um meio de substituir o trabalho escravo, ou ao menos complementá-lo, deveria ser encontrado num futuro razoavehnen:te próximo, a fim de proporcionar o volume de trabaU;iadores exigido por esta cultura de trabalho tão intensivo. Embora a escravidão tenha se prolongado até 1888, foi precisamente o crescente debate em tomo da questão do trabalho, bem como as e,cperiên- cias de fazendeiros paulistas nas décadas segUintes, que tornaram possível uma transição relativamenté não violenta para o trábalho livre. A criação de uma foiça de trabalho nunca é exclusivamente uma que.s- tão demográfica; Na ausência de umi;l reserva de mão-de-obra local dis- ponível, os fazendeiros paulistas recorreram ao uso de trabalhadores imi- grantes. Entretanto, a sua experiência com escravos os tinha tornado pro- fundamente cientes da necessidade de fomias efetivas de controle do tra- balho. Por isso, a questão enfrentada pelos fazendeiros durante a segunda metade do século dezenove não era apen~s encontJ'ar uma no:va fonte de mã.o-de-obra, mas também, cada vez mais, como organizar e controlar com eficiência o trabalho Uvre. O desenvolvimento e organização da força de trabalho livre destinada às fazendas de café de São Paulo foi um proces- so ao mesmo tempo ecohõmico e político. A dinâmica da situação decot- reu tanto das razões econômicas dos fazendeiros, como do poder de bar- ganh~ utilizado pelos kabalhadores ao resistir às suas imposições. O objetivo deste artigo é compreender como os fazendeiros paulistas conseguiram finalmente solucionar seus problemas com a força de traba- lho. A oferta efetiva de mão-de-obra em qualquer momento d.ado é sem- pre afetada pelas sanções e incentivos existentes em mãos dos emprega- dores_, de modo que eles possam exercer setl poder sobre a produção a fim de extrair lucros. No .caso de São Paulo, a ausência de um mercado de trabalho já estabelecido determinou decididamente as opções feit~ pelos fazendeiros em relação aos sistemas de trabalho e sua evolução. As difi- culdades iniciais com o trabalho livre têm sido repetidamente atribuídas à menor rentabilidade relativa dos traba1hadores imigrantes em compara- 1 .. "Bericht des schweiz . GeneralkonsaJs in Río-Ja11.eiro ao den schweiz. Bun- desrath über die Auswanderung oach Brasilien", Schwéitzerisch~ Bundesblatt, X, Ja.hrgang 11, n.º 34, 24 de julho de 1858, .pp. 183-188, citando os discursos de um agente de imigração chamado Mota em favor da emigração para o Brasil. Revista Brasü~ira de Histgria 81 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce ção com os escravos (2). Porém, Q que primeiro impulsionou os fazen- deiros a introduzir o trabaJho livre foi a sua crescente pércepção de que a escravidão estava condenãda. Portanto, a questão inicial mais interessante é por que os fazendeiros escolheram primeiro a parceria como o sistema de trabalho sob , o qual se daria a introdução do trabalho livre, ao invés de optarem por um si.stema direto de salários ou algum outto arranjo. A ausência de um mercado de trabalho consolidado detetminou deci, sivamente não apenas a . escolha dos fazen:deitos em -t-ertnos. de sistemas de produção, mas também a sua própria sorte. O sucesso dos sistemas inJro- duzidos não foi determinado ~oment,e po:r fatores de custo (no ·sentido estrito do custo de obtenção do braço imigrante), e nem mesmo por di- f ere.ntes ideologias dos fa-zendeiros (o seu suposto atraso ou, por 0utro lado, o seu espírito empteend.edor exemplar), ip.as sobretudo pela luta en- tre a atuação dos fa2lend~iros e as reações dos trabalhadores~ moldadas ~mas e outras ,pelas oircunstâucias econômicas e políficas 'fivenciadas por eles. Como nós tentaremos mostrar, é este inter-relacionamento entre sis- temas de exploração de trabalho e modos de resistência dos trabalhadores que explica as transformações sucessiv1;1s das formas -de contrato de tta- balbo adotadas. O contrato de parceria Em 1847, o senador Vergueiro, dono de uma gránde fazenda perto de Limeira, tornõu-se o primeiro grande proprietário a introduzir braços b:nigrantes na produção cafeefra (3). Vergueiro, como explicóu seu filho 2. "E. Viotti da Costa, ''Colônia~ de pa~ceria na lavoura de çafé: primeiras experiências", in Da Monarquia à República: momentos des;isivos, São Paulo, 1977; W. Dean, Rio Claro: a Brazilian Plantatkm System, 182<J..1920, Stanfotd, 1976; J. $. Witter, "Um estabelecimento agrícola no estado de São· P_aulo nos i;n,eados do sé. culo XIX". Revista de História, n.º 98, 1974; S. Buarque de Holanda, prefácio e notas de T. Dávatz, Memórias de um c.olono no Brasil, São Paulo, 1941. J. A transformaçãà da fazenda 1bicaba, de· Vergueiro, na primeira metade do século dezenove1 é um bom exemplo da. evolução da agricultura paulista. Vetgueil'o come_çara a substituir a cana-de-açúcar pelo café em 1828~ mas tais atividades- foram limltadas devi d.o ao pequeno número de esc;.ravos de sua proprle<lS"de. Em 1840 ele fez uma primeira tental:iva de reorganizar a fazenda, intxodüzíndo gradual- mente ~O fa:mí!ias portuguçs!ls ·em substituição aos seus escravos. Esta experiência fracassau devido aos distúrbios políticos de 1842. Sem desanimar, ·potém, por volta dê 1847 ele- fundou uma com_panhia de imigração e com a ajuda de um empréstimo de três anos do gove;no provin~ial contratou um grupo de 64 famílias alemãs J. S. Wltter, op. cit.; W. De1m, -op . cit. , p. 88. .82 :Revista Brasiteira de História Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce mais tarde,. encarava o término da escravidão como apenas uma questão de ten'lpo (4). . Ao que parece; de início ofereceu-se aos i.J:n.igtantes dois tipos de con- trato: a parceria ou a 'locação de serviços, mas eles 9ptaram pelo primei- ro (5). De ac~rdo com o oontrato de parceria, o fazendeír.o fjnanciava o transporte dos imigrantes do seu país de opgem ao porto de Santas, adian- tava o custo do percurso de Santos à fazenda, assim como os mantimen- tos e in~trurnentos n.ecessitados pelos imigrant.es até que eles pudessem reembolsá-lo com os, ganhos de suas primeiras colheitas. O f azendeito designavaaos trabalhadores o número de pés de café que eles poderiam cuidar, oolher e beneficiar e atribuía-lhes um pedaço de terra para o culti- va de seus· próprios gêneros alimentícios. Além disso, os imigrantes rece- biam uma casa, aparentemente grátis. Sua :l'emunetação consistia em me- tade dos · ganhos líquidos com o café e com as colheitas de gêneros ali- mentícios. Os trabalhadores ficavam obrigados a repor os gastos feitos pelos faz-efideir0s em seu favor com pelo menos metade dos seus ganhos anuais com o café. O contrato inicial não especificava sua duração, mas declarava o volume do débito acumulado pelo imigrante por coritã. de suas despesas de transporte e outros adiantamentos. O trahall1ad01: incorria em juros sobre essa dívida depois ele dois anos, o que oconeria também de- pois de um ano, com outros adiantamentos. Por fim, o~ imigrantes não podiam legalmente deixar a fazenda a·té que tivess.em pago suas dívidas. Se o .fizessem, eles inc(:)rreriam em pesadas multas. O trabalho era orga- ttlzado e supervi$ionado pelo fazendeiro 011 seu administrador. Os empre~ gados eram explicitamente convidados a comportar-se pacificamente (6). 4. J. Vergueiro, Memorial acerca de eolonização e cultiiro de café; Campinas, 1874, p. 4 . Cf. S. CY Ketst, Uber brastlianische Zustêinde der Gegehwar.t, mit Hezug auf die deutsche Auswa,u.tenuig nach Brasilieh und das SyS:tem der brasilia- nischen Pffon.ter1 defl Mangel an afrikanis.chen Sklaven durch deutsche Pro(etaríer zu ersetzcn, Berlin. 185.3. 5. J. P . Catvãlho de Morâes, Relatório apresentado ao Minístério da Agricul- tura ... , Rio de faneiro, 1870, p. 5. Em vista dos termos entusiásticos com que a agricultura pau1ista er!l apresentada aos imigrantes, supõe,se que eles preferissem o contrato que lhes oferecia 50% de participação dos ganhos líquidos, ao invés do qu.e Thes pagasse uma taxa fixa por unidlade de café produzido, 6 . August van der St.raten°Ponthoz, Le budget du Brésil, Ilruxelles, 1854. Ili, pp. 1,02-H)4. Um contrato muito parecido foi assinado emre o senador F. A. de Souza Queiroz e um gtupo de imigtanti,s em 1852. As únicas diferenças eram que neste caso os juros sobre dividas pendentes seriam cob:rados apenas após quatro anos, o contrato era• de cinco anos, e o fazendeiro concordou ern arrendar terras pará os tràbalhadores em uma de suas fazendas após.,,o término do contrato. E. Viotli da Costa, op . cit .. pp. 175-177. O número de cafeeiro~ designados para cada familia imigr-an1e depe11dia ·basicamente do numero, sexo e idáde de seus membros. J. P. Carvalho de Moraes, op. dt ., p. 7 . Revista Brasilei,:t;i de H"f6rlf! 83 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Assim, os fazendeiros transferiam todos os gastbs com a obtenção de trabalho imigrante para os próprios trabalhadores que, em conseqüência, começavam já sobreQarregados por dívidas significativas. A e~pectativa, em geral, era de que um trabalhador diligente Jeyaria uma média de qua• tro anos para ressarcir sua dívida (7). No início da década de 1850, muitos fazendeiros, impressionados com o aparente sucesso do experimento Vergueiro e preoc\.1pados com os efei• tos d.o recente término do tráfico de escravos, recorreram a Vergueiro e Cia. a fim de também obter trabalhadores imigrantes. A partir daí os contratos tornaram-se mais desfavoráveis para os imigrantes. A Vergueiro e Cia. começou a cobrar não apenas uma volumos1;1 comissão a incluir-se no débito dos trabalhadores, como também os juros sobre as dívidas pas- saram a vigorar a partir da data da chegada, e algumas vezes a uma taxa de 12%, ao invés dos 6% anteriores (8)'. Além disso, do início da década de. 1850 em diante. toda a familia imigrante era responsável pela dívida, meio encontrado pelos proprietários para se protegerem contra perdas em caso de morte do chefe da família (9). Por fim, enquanto no início os trabalhadores livres deviam peneficiar o café colhido por eles, por volta de 1856 eles foram gradualmente liberados desta tarefa pela qual passa~ ram a pagar uma taxa fixa por unidade de café colhido (10). Por volta de 1855, havia cerca de 3.500 imigrantes trabalhando em 30 fazendas da ,:Província de São PaulQ (11). Na maioria das vezes· o 7 . Alguns observadores asseguram que, sob o primeiro êont.rato, um número significativo de imigrantes conseguiu saldar seus débitos nos anos ir)icia'is e retirar-se para se estubelecer por conta própria, J. P. Carvalho de Moraes, op. cit., p. 7; Allg?meine Awwanderungs Zeitung, Rudólstadt; 25 de setembro de 1857, n." 39; f. J. von Tscbudi, V iagem às prov.tncias do Rio de Janeiro e São Paulo, São PaulQ, 1953, pp. 135, 159. O presidente da província, Saraiva, informou em 1855 que do6 900 imigrantes que tinham se estabelecido na propriedade d'e Vetgueiro em 1847, cerca de 670 ainda permaneciam por volta de 1855. O restante havia cumprido seus contratos ou indenizado o fazendeiro pelos gasto~. São Paulo, Relatório do pre- sidente da pro11fncia . . . , 15 de fe:vereiro de 1855. Já em 1867, porém, um emissário do gov:erno prussiano, H. Haupt, observou que apenas em circunstâpcias muito favof'áveis - tais ,como lotes férteis, famílias grandes, ausência de doenças - uma família imigrante conseguiria sâldal' sua dívida nwn tempo razoável. H . Haupt, in Socie~de lnternaciõnal de I migração, Relatório, 1, 1867, p. 39. 8 . J. J. von Tschudi, op. cit .• p_p. 135, 166 . 9 . lbid., p . 135; J. P. Carvalho ·de Moraes, op. cit., pp. 55-36 . 10. J. P . Carvalho de Moraes, op. cit., p . 5; aleg~va•ae que isto permitiria aos trabalhadores cuidar de um maior número de cafeeiros, ibid ., p. 59. 11. "Refação das colônias existentes na província de São Paulo no ano de 1855", manuscrito anônimo datado de 8 de março de 1856, encontrado no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, lata 71/7. Havia 117. 731 escravos na província em 1854 . Não ê fácil dizer "'quantos estavam engajados no cultivo de café~ mas certamente constitu{am a maiorJa. J. F . Camargo, Crescimento d'l população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos, São Paulo, 1952. II, p . 12 . 84 Revista Brasileira de História Daniel Realce Daniel Realce trabalho livre coexistia com a escravidão, embora os fazendeiros tenham estabelecido desde o início uma certa divisão técnica do trabalho. Todas as atividades além do cultivo e colheita do café que supostamente reque- riam constante ·supervisão ou eram inapropriadas para a parceria. conti- nuaram a ser realizadas por escravos. Tais tarefas incluíam o preparo do solo para a plantação de novos pés de café e de a1imentos para o consu- mo da ,fazenda e, de modo ctescente, o ;processamento do café (12),. Quase na mesma época, foi introduz.ida uma ótittá medida, direta- mente relacionada com o sistema de trabalho. Em l850 decretou-se uma Lei de Terras que consolidou os direitos da propriedade privada e pro- curou evitar que os imigr~ntes se tornassem proprietários · ao instalar-se pura e simplesmente em áreas pú,blicas (13). A existência de vastas fai- xªs de território não ocupado. constituía-se de fato num dos sérios obstá- culos ao apr0veitame.nto da dispersa população nacional de trabalhado- res livres, que nunca representou uma parte significativa da força de tra- balho das fazendas no século derenove (14). · Como o recrutamento de trabalho imigrante requeria dos f azendei• ros. um investamento ihicial, uma daS suas constantes preocupações era garantir este capital investido (15). Contudo, para os imigrantes a dívida inicial pesava cada y,ez mais em seus rendimentos. Na prática, os seus ganhos com o cultivo de café representavam bem menos que os 50% de lucro líquido estipulados. As conseqü,encias disso sedam profundas. 12 . J. P. Ctu-valho d.e Moraes, op. ·cit., p. 10. ,1J. B. Viottí da Costa, "·Política de teHas no Brasil e nos Estados Unido!i", em Da Mánarquia à República, op . oit. Conforme ela assinala, os de(ensores da lei.,a maioria grandes proprietáríos de terra, preocupavam-se essencialm(;µte com os efeitos desta lei no tocante ao fornecimento de tra'balbo livre em substituição aos escravos . Aqueles liberais contrários aos interesses cfa grande pro_griedade rejeita- vam-na, defendendo por sua vez a doação de terras aos imigrantes como um inceQ- tivo para ãtrair colonos estrangeiros que civfüzariam o país . Cf. J. de Souza Mar- tins, A imígração e a crise do B,-;t1sil agrário, São Paulo, 1973, pp. 51-54; W. Dean, "Latifundfa and Land Policy in Ninctcenth-Century .Brazíl", Hfspanic American H~- torieal Review, LI, n." 4, 1971 . 14. Aqueles que se ligavam às fazendas constituíiJm um grupo de agregado!:! sem grandç importíincia eco~ômica, um tipo de dependente a qUClll se permitia o uso de terras marginais da propriedade em troca de trabalho ocasional e outros ser- viços. M. S. de Carvalho Franco, Ilomrms livrei$ na ordem e~eravocrata, São Paulo~ 1969. Cf. Peter Eisenberg, "O homem esquecido: o trabalhador livre nacional no século XIX. Sugestões para uma pesquisa", Amú~ do Museu Ptudista, XXVIIl, 1977-78. 15 . J. J. von Tschu.di; op. cit. , p . 136. Tschudi ·era um emissário da Fe- deração Suíça, enviado ao Brasil em 1860 para inspecionar as condições dos par- ceiros i,uíÇO!J. Ele mesrno era proprietário de terr-as em-seu pa(s natal e, núJn tom ·solidário, relatou ·que os :fazendeiros estavam bastante satisfeitos "'Com as modifica- ções' do contrato. pois estas lhes ptoporcionavam tuna sólida garantia para o capital investido. Re11ista Brasileira de História 85 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce O primeiro sinal. do c.rescente descontentamento entre os imigran- tes oco,rreu em meados· de 1856 quando um grupo de trabalhadores suíços insurgiu-se na fazenda Nova · Olinda; perto de Ubáttiba. o . problema a_pa~ rentemente co~eçou quando o gado invadiu ·seus lotes de cultivo de sub- sistência e os desacord.os a respeito da indenízação levaram à interven- ção da polícia. Posteriormente, durante a . visita do cônsul suíço à fazenJ da, o tema central pássou a ser as condições getais de vida dos imlgran- tes: quaij.dade qas tei:ras de cufüvo de subsistência, ,cumptimehto dos con- tratos, moradia etc. Os fazendeiros, como era de costume, atribuíam os eventos ao incítamento por elementos subversivos. Após o cônsul prome- ter aos imigrantes a sua transferê:ncitl _para wna colônia do governo, sen- d~ gue parte de suas dividas seria. esquecida e nenhum. juro precisar.ia ser p,ago, o confl.ito foi afinal resolvido (16). Esta luta já revelava quais ser.iam alguns dos pontos fundamentai$ dos conflitos entre fazendeiros e trabalhador~s. Entretanto, a revolta mais importante comc:;çou em dezem.bro de 1856 com os trabalhadore~ suíços e alemães da fazenda-modelo Ibicaba, do se- na.dor Vergueir.o. A presença de um. .tnesfre-escola suíço, Thmµas Davatz, contribui1.,t para tornar o ressentimento latente dos imigrantes •em· um mo- vimento organizado de protesto contra o que eles consideravam graves irregularidades no cumprimento de seus contratos. Eles· não quesfionavam os termos do contrato em si, mas pro-testavam contra os cálculos dcrs ga, nhõs com o café produzido, a cobrança da comissão, a taxa de câmbio desfavorável usada na conversão óe suas dívidas em moeda cor.tente, a cobrança de transporte de Santos até as fazendas e a estranha divisão dos lucros decorrentes d'à venda do café (17). O motivo imediato para a revol- 16. Allgemeine A uswánderungs-Zeitung, Rudolstadt, 23 de outubro de 1~57. n.• 43, pp. 188-189. O cônsul geral stúço; David, foi. uma exceção em sua defesa dos imigrantes. Em ge1·al, os cônsules negligenciavam os inter.esses daqueles ou até faziam pior. Um dqs seus pre.deaessores foi Charle.s Perret-Gentil, ag~e d'e imigra- ção, além' de cunhado do senador Vergueito e seu sócio nos negócios. . O antecessor imediato de Perret-Gentil havia sido demitido depois d~ ter .se apropriado ihdebi- tamente dos f1;1ndo~ da Sehweizer Hilisverein no Rio de Jan~iro. R. A . ' NatS"Ch, Die· -Hallung e"idgenossíscher urni kantot:wl.er Behi>rden ir: der Auswanderung$f,age, 1803-1874, Zürich, 1966, pp . . 171-72. , 17. T. Tiavat.z, Óp. cit., a:presenta um detalhado telato dos eventos. Ver também a coleção de ,documentos que reproduzem os informes ele vários observadores em Sc'hweizeríiches Bundesblatt, X : Tabrgang II, n.º 34, 24 de Julbo de 185~, e XII. Jabxgang 111, n.• 6·1, -28 _de novembro '1e 1860 . .O &escontentamentó ·dos imigrantes agravou-se devido ao fato de que, para um número significativo deles, os seus governos locais haviam adiantado os oustos. de transporte, fivm de juros e. aomissies, os quais estavam senà0' cobrados deles por Ver_gueiro. 86 Revistà Brasileira de História Daniel Realce (a. parece ter ,sido . a desilt1são_ com os- resultados da colheita de 1855 _que - contrariando suas esperanças - não petmitiu aos tràballiadores redu- zir suas dívidas. Conforme Dava.tz escreveu mais tarde, ele e se:us com- patriotas reivindicavam nada mais .que um tratamento justo (18). A re- volta termin.ou quando Davatz foi expulso e alguns outros líderes deixa- ram a fazenda. A revolta suscitou apreensão entre os fazendeiros devido à acusação de que Davat:z estaria não ªoment~ aliado a elementos estra- nhos, como também alimentaria conspirações comunistas- e outras igual- mente terríveis (19). Ao que parece,, muitos fazendeiros ficarám real- mente · atemorizados de que a revolta não apenas se espalhasse entre os trabalhadores livres de outras fazendas (uma ligação com o conflito an- terior de Ubatvba foi repetidamente sugedda) (20), rnas, pior ainda, pu- desse insuflar os escravos. Muito se tem discutido esta revolta e as fraudes cometidas pelos fa- zendeiros que. supostamente, teriam-na provooado. Estas s.ão geralmente usadas para ex,plicar •o. fracasso do sistema de parceria sob o qual os pri- meiros imigrantes foram contratados, bem como a suposta perda. de inte-- resse dos fazendeiros no· emprego do trabalho livre (21). Aparentemente, no entanto, estas irregulàridades (tnedidas fraudulentas, cálculos desones- tos dos lucros etc.1) apenas se somaram à crescente frustração dos imi- grantes em relação às suas condições de vida e trabalho. Os fazendei- 18. 'F. Davatz, op. cit. , pp. 1.05-106. 19. Dêu,sche Auswanderer-Zeitung, Bremen, 22 de outubro de 1857, n.º 83, citando um informe da agênqia brasileira de coionizí!ç,ão a re:spe:ito da revolta de Il;>icab~. J . J. von 1'schudi, "Bericht des schweiz. attsserorde'nlichen Gesand.ten in BrasiUen, Herrn v. Tschudi, an den Bundesrath über •die dortigen Verha:ltnisse d~r Kolonisten, vom 6. Oktober 1860", Schweizerisches Bu11desblqtt, ~Il. J ahrgapg IU, n:º 61, 28 de novembro. de 1860. Em seus comentári~ à Federação Suíça, envia- dos por Tschudl juntamente com seu relatório, ele assinala q_ue, .de tato, parte da ,culpa pêlas dificuldades cabia aos agentes de imigração que não haviam selecionado c11.idadosamente os .. trabalhadores, contratando muita gente incapaz sipiplesmeate pa.ra ganhar a comissão. Ele re&p.onsnbilizava pa.rticulatmehte aos própriôs imigrantes que 1iem serhpré demo.nsttavain o necessário interesse por seu trabalho. Tsthudi onútiu estes aspectos em seu infonne ao governo imperial, "de modo a enfatiuu: aquel~s pontps der~vados das condições do Brasil';, Schwei.zerisches Bttndesblatt; XII, J ahtgang IH, n.º 61, ·28 de ncvembro de 1860, p. 269. T. Davatz, op. cit., p. 100~ M. j. Valdetaro, "Colônias de S. Paulo" in Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas apre.se~tado en.1 J1 de mar_ço de 1858, p . 91. 20. Allgentàitie Auswanderun.gscZeitung, Rudolstadt, n.º 43, 23 de outubro de 1857, p . 18-9 . . 21. O tema é recorrente, por exernplo, nos traf:!alhos ant~rio.rmentl} citados de T. S. Willer e S. Buarque de Holanda, assim como em Rio· Claro d.e W. Dean. Revistá Brasileira de História 87 Daniel Realce Daniel Realce ros, por sua vez.agiam movidos por um sério enganó. Eles não conta• vam com os meios empregados 1pelos imigrantes para resistir contra o que consideravam irrlposições e condições contratuais injustas. A introdu- ção de trabalho livre im.pficava um investimento de capital cl1ja amorti- ·zação exigia ·um nível de e:,i;ploração que os fazendeiros não tinham con- dições de impor. O obstáculo p1111cipal não era a ameaça de possíveis repre~álias por parte dos governos dos países dos imigrantes, cuja prote- ção era relutante e limitada (22), rnas, antes, o contrafo de parceria que não r~pondia adequadamente ao 'problema de cmição de uma força de trabalho confiável. Por que então os fazendeiros de São Paulo adotaram o sistema de parceria? Há muito se argumenta que a parceria é menos eficiente que, o trabalho assalariado, sendo que o raciocínio usual é de como os parceí- ,ros recebem apenas uma parte do produto, eles param de trabalhar· mais cedo do que um assalariado o faria (2J). Mais recentemente ô predomínio da parceria foi atribuído à sua maior eficiência na dispersão de riscos {24). A opção dos fazendeiros paulistas pela par.cena foi i,nterpretada em termos sinn1ares. Holloway sugeriu que a imprevisibilidade da produção e dos preços do café induziram os fazendeiros a ceder parte das rendas po- tenciais, que eram exclusivamente suas sob o regime escravista, porque isto evitaria, a alarmante possibilidade de que os salários pudessem absorver mais do que os rendimentos da colheita (25). Este- argumento obscurece a essência da parcer:ia que é exatamente o .seu acentuado caráter de explo- ração. Como Reid de.rnonstrou em relação ao Sul dos Estados Unidos após a Guerra Civil, ao contrário dos rendlmentos incertos, o que de fato ex- plica a adoção da parceria são os elementos de incentivo que ela. oferece em co.ntraste com o trabalho assalariadb (26). A iparceri~, numa situação 22. R. A. Natsch, op. cit., esclarece bem este ponto . 23 . A . Marsbnll, Princip1es of E«onomics, Londres, várias edições. 24. S . N. S. Chueng, The Theory of Share Tenançy, Chicago, 1969 . 25 . T. HoUoway, "The Coffee colono of São Pa1.1ló, Brazil: Mlgration and Mobility, 1880-1930", io K. Duncan and 1. Rutledge (orgs.) Lwid an,d Labour in Latin America, Cambridge, 1977. t improvável que os fazendeiros· paulistas nõo co- nhecessem a méd.ia da p.rodução do café . Eles contavam com a experiência do Vaie do Paufba para ter uma iaéia a respe11o. De qualquer modo~ nenhum empresário pode prever exatamente mercados e pteços futuros. 26. J'. D . Reid, "Sharecrópping a.nd Agricultural Uncettainty", Econotnic De- vel(Jpntént aftd Cultural Clumge, 2~. 1976. Cf. J. D. Rei d! "Sharecropprng as an Undersràndable ,Market Response: the. Post0Bellum South", Journal of Economic Hi$fory, 33, 1973, que apresetita vários contratos de parceria bastante parecidos com aqueles u,sado$ em. Siio Paulo. 88 Revista 'Brasileira de HtstóritJ Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce de mão-de-obra escass~. é de lato mais eficiente que o trabalho assalatla- d.o. ~ uma forma de utilização do trabalho semelhante a um sistema de· trabalho por peça. cuidadosamente negociado. Ambas são formas de as- salariamento bas~adas no i.11-centivo. um meio de conseguir um esforço adicional de trabalho, de fazer com qtte os trabal_hadores trabalhem mais e melhor por uma remuneração apenas um pouco maior do que a dos assalariados. A remuneração na forma de uma proporção do produto cons- titui um incentivo para o -trabalhador intensificar o seu esforço, uma vez que seus ganhos dependem do montante produzido. Ele cultivará com maior cuidijdo porque :parte dos resultados virá em seu próprio benefício. Além disso, a supervisão necessária será insignificante, pois o controle do trabalho é exercido pelo próprio trabalhador (27). No caso de São Paulo, devido à ausência de uma oferta local de tra- balhadores, os custos do trabalho for1:1m altos, pelo menos no início. Além disso, a cultura do café requer emprego jntensivo de mão-de-obra. Devido ao elemento de facentívo característico da parceria, pôder-se--ia esperar que os parc.eiros cuidassem de mais ,pés de café por trabalhador do que o fariam os assalariados. Em ·conseqüência, menos trabalhadores seriam necessários e o investimento inicial seria mais baixo. Geralmente parceiros são contratados enqua,nt0 unidades familiares .. Assim, a patireria também permite que o proprietário se beneficie do uso .do trabalho da família dos parceirol:) (28). Os faz~ndeiros sempre se -Opuseram ao recrutamento de homens solteiros, argumentando que as famílias de imigrantes mostravam- se men0s propensas a abandonar as fazendas. Isto pode ser verdade, mas certamente era de igual in;lportânoia o fato de que as fatnílias de imi- grantes constituíam uma reserva de trabalho barato. Um :parceiro geral- mente aceitará uma divisão do produto que não cobrirá inteiramente o, preço potencial do trabalho da família no mercado. a qual, de outra ma- neira, pertnaneceria sub ou não empregada. De fato, os fazendeiros proi~ biram algumas vezes os imigrantes e su~s famílias de trabalhar fora da fazenda. (29). O fazemdeiro obtinha assim este trabalho adicional a um custo m~s baixo do que aquele que ele teria pago caso o tivesse buscado 27. Juan Martínez-Miet, "Peãs.ants and L:abourers in Soutbern Spain, Cuba, and Highland Peim''. /oumal o/ Peasant Studies, I, n.º 2, 1974. 28. Conforme J<?Bê Vergueii:o, op . cit., p. 5, obs~ou em 1&74~ "Entendo que a coJonização só pode progrecUr s.endo feila por f atnílias. Calcula-se cada .família constituída de, tenno médio, cinco pessoas." 29. J. P. Carvalho de Moraes, op. cit. , apêndice 5, p. 2. Revista Brasi1eira de História 89 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce no mercado. Como as necessidades de trabalho no momento da colheita eram maiores em cerca de um quinto em relação ao cultivo (30), as mu~ 1heres. e ·filhos dos trabalhadores poderiám cobrir satisfatoriamente esta den1anda adicional. Os trabalhadores também recebiam um lote pata o cultivo de subsis• tênda', o que era para ós fazendeiros um outro meio de reduzir os custos do trabalho. Estes lotes eram geralmente concedidos em terrenos mar- ginJôs impróprios para o café, ou em tertas virgens que seriam ma:is tarde destlnadas ao cultivo de café. Os trabalhadores nãQ ·tinham a ,posse efetivá da tetta. Teoricamente esperava-se que eles ptoduzis.sem estritamente o ne- cessário para a sua própria sobrevivência, reduzindo-se assim o custo de ~a própria reprodução (31)_. 'Por reduzir os custos do trabalho por unidade em cotnparáção com Q trabalho assalariado, a parceria deve ter se apresentado iniciahnente par-a os fazendeiros como a alternativa mais apropriada ao trabalho es- cravo. O elemento de incentivo deve ter aparecido como um substituto satl.sfatório para a coerção, indispensável para .o trabalho escravo. A ques- tão nao era meramente a de resolver probtemas potenciais na ofer'ta de mão-cle-0bra, mas fiizê-lo de um modo lucrativo. Os imigrantes, entretantq, eram ttabalhadores livres. Como parcei- ros, eles eram em pdncípio livres par-a decidir quanto à intensidade do t~ªbal,ho e a sua alocação. A sua aplicação e produtividade em relação ao café dependiam assim da sua pr6p_ria avaliaçi,io dos ganhos. Os fazendeiros e os agentes de imigtaçãô procuraram criar a ilusão d~ que os imigrantes poderiam rapidamente ressarcir as dívidas e adqui- rir a sua p·tópri~ terra. Na prâtica, porém, os imigrantes tinham que es- perar em geral pelo menos dois anos: antes de receber retornos sigr4fica- tivos por seus esforços. A parte que lhes cabia a partir da primeira co- lheita levava quase outro fl.no para ser :paga, devido aos atrasos na co- mercialização do café. No entanto, cói:no os . contratos estipulavam que metade dos .ganhos anuais dos trnbalha:dores com o café .devia ser reti- da para cobrir suas dívidas, e nesteínterim eles • acumulavam novos dé- bitos de adiantamentos, apenas no teréeiro ano eles poderiam esperar 30 . A . RfilllOs,' O café no BrqsU e no estrangeiro, Rio de Janeiro, 1923., p. 358. 31. A cláusula ·consta~te dos con_tratos ifiiciaÍl/ de que metade de qualquer excedente da colheita de -gêneros perte~.cta ao fa~zçrfdeiro (procur~do-se cóm isso desencorajar os trabalhadores de cultivar alimentos ·além das suas nec,essidades bá, sfoas e em detrimento do cultivo do café), foi lógo abandonada como bastante inefi, ca1J. J. P. Carva lho de Moráes, op. cit. , p. 57. 90 Revista Brasileira de Histórid Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce t:.e.ceber ~lgum dinheiro. (32). Não é ll&da surpreendente que os imigran• tes tenharn se tomado cada vez mais. in.satisfeitos; A revolta de . -1856 permaneceu · como um evento isolado (33). A maioria dos imlgr.a,ntes reagia dé uma maneira menos dramática, mas ao mesmo tempo mais insidiosa,. ao re·stringir sistematica:o:iente seu traba- lho no cultivo de café. Logo os fazendeiros começaram a ficar preocupa- dos com, a baixa ptodu.tiv:idade do café em mãos de imigrantes. Em 1860, um inspetor do Governo Imperial, depois de vísitar 20 ,colônias, concluiu: "Na minha opinião, os · lugares que visitei' não estavam., e netn· se acham ainda em condiçõel! favoráveis para receber colonos com vantagem., mes- mo pelo s'istema de parceria, principalmente quando eles têm de começar on,erados com uma dívida, ·em razão do 'pouco interesse que o café deixa, tendo de consumir-se metade do seu valor, e ~s vezes mais, em gastos de transporte e outras despesas necessárias para pô-la no lugar do mer- cado . .. Além diSto, só oito meses, pelo menos, depóis de colhido o café, é que o colono pode re"ceber o .~eu produto. . . Deste estado de coisas, 32. C. Heusser, Die Schweizer auf' den Col-o,iien in St. Paulo in Brasilien, Zürich, 1&57, p_p . 28-29. Entre outros, Kerst, op. cit., p . 70, considerou utna séria desvantagem o fato dos fazendéitos teretn ,se encarregado da comercialização da colheità. Em Y:ista das "deduções exorbitantes" feitas pelôs fazéndeiros, ele acre- dit;.wa que flS ' ' trabâlhadores se :iairiam melhor se e-les recebessem ~ sua parte in natura e a vendessem eles mesmos. ao invés de ter o fazendeiro . . . como seu inter- mediáriõ . . . Os eon:iprádores recolhed.am eat~o ó seu produto, · póUpando~lhes de q_ualqucr obriga~ão pQsterior. E. claro, ·poderia ent;io acontecer dos trabalhadore-s· compefüem com o Jaze11deiro". O tempo real levado pelos imigrantes para amortizar suas dívidas é uma questão controversa. Alguns autores .estim:am que a média ·era de nove anos·. Ver E. Viotti da Costa, "Colônias de párc.el'ia", p. 174. W. Dean, Rio Claro, pp. 105-107, pelo contrário, sustenta que mna fÍllllília média podia saldar sua divida. ém cinco anos' óu menós, e além disso acumulai algumas economlas. Dean calcula que uma fam(lia média de cinco membros cultlaria de cerca de 3. 000 cafeeiros, porém gr-ande parte dos tela tos indica que isto é um exagero. V,er a nota 37 abaixo. 3J. 1-fá evidências de outras pa_ralisa_ções de trabalho. Tschudí, Viagem às províncias, pp . 164-5, relata um caso deste tipo na fazenda Boa Vista em Amparo, em 1858 . Os trabalhiidores estavam aparentemente colhendo grãos :verdes junto com - os maduros para acelerar o trabalho. Repreendidos pelo fazendeiro que os ameaçou com descontos no pagamento, eles pararam a colheita. Outro caso ê o. de imigrantes portugueses em uma fazenda da região de Rio Claro, relatado em S. Ma- chado Nunes, "Colônias na província de S. Paulo", Ministé1fo d'o Império, Rela- tório ... 1860, p. 15. M. J. Valdetaro, op. cit., p. 94, informa que nas fazencf'as Ueey e Cauvatinga grande parte dos trabalhadores suíços e .alemães era preguiçosa e -descuidada quanto ao cumpmn.ento de suas 0brigações a ponto de abandonar inteiramente o 'trabalho . 'Cf. H . Haupt, op. cit., p . 39: "O obreiro colono por par(,-eria será no mais. como um péssimo trabalhador, porque ele perde necessaria• mente o amor ao trabalho que não lhe dá resultado, -nem ilidependência. Em tal caso, ele procurará esquivar-iie aos seus deveres e iludir ao. fazendeiro . Em pouco tempo um sentimento de inimizade nascerá entre eles, e em muítos éasos resultárão cenas deploráveis." Revista Brasileira de História 91 resulta que os colonos em geral tratam de pequeno número de pés de café, preferindo cultivar os gêneros alimentícios, com os quais abastecem as suas casas em víveres, e satisfazem outras necessidades, tirando deles um proveito imediato, mas não amortizam as dívidas. B porém manifesto que este sistema não pode convir aos fazendeiros, cujo interesse consiste só na cultura do café" (34). A dívida inicial, mesmo sem diftculdades adicionais arbHraríamente criadas pelos fazendeiros, desencorajava qualquer esfo.rço dos trabalhado- res no cultivo de café além do. estritamente necessário. Como um outro observador assinalou, os trabalhadores "deixam de beneficiar os cafeeiros que são entregues ao seu cuidado, os quais, assim abandonados, nada pro- duzem e estragam-se, ficando o proprietário defraudado tanto da ,parte do produto da colheita a que tem direito, como da do colono, único meio com que conta para seu pagamento [da dívida], e além disto prejqdicado com a deterioração das plantas" (35). O contrato deixava em aberto o número de cafeeiros a ser cuida- do pela família e o tamanho de seu lote de subsistência, elementos sobre os quais os próprios trabalhadores inicialmente poderiam decidir. Isto tor- nou possível que, à medida que os imigrantes desinteressavam-se pelo pa• gamento de suas dívidas, eles tenham desviado cada vez mais seu traba- lho para a cultura de alimentos, cujos retornos os beneficiavam direta e imediatamente. Embora muitos observadores tenham chamado a atenção para a suposta preguiça e falta éle interesse dos imigrantes (36), na ver- dade o que ocorria era a alocação do trabalho para o cultivo ae gêneros alimentícios, ao inves de uma subutilização absoluta da capacidade de trabalho (37). 34. s .. Machado Nunes, op. cit. , pp. 2-3. Tscb.udi, Viagem às províncias, p . 183, n.• 69, informou que na fazenda São Lourenço algumas famílías cuidavam de não mais que 500 a 700 cafeeiros. Quando indagadas a respeito, elas .respondiam qu~ estavam sobrecarregadas de dividas e po.r isso não se interessavam em cultivar café. Os seus lotes de cultivo alimentar produziam o suficiente para a sobrevivência e não viam por que matar-se de trabalhar. 35 . M. J. Valdetaro,op. cit. ,. p. 91. 36. lbid. ; T. J. von Tschudi, Schweizerisches Bundesblatt, XII, lahrgang IH, n.º 61, 28 de novembro de 1860. 37. Dados quantitativos a respeito do número de cafeeiros cuidados pelos imi-grantes, tanto em bases i11dividuais como familiares, sõo escassos . De acordo co~ Carvalho de Moraes, op. cit., pp. 70-71, esperava-se inicialmente que um trabalha-dor pudesse cuidar de até 3. 000 cafeeiros no caso de culturas maduras, entre cinco e doze anos de idade, desde que ele os carpisse quatro a cinco vezes ao ano e não tivesse outras obrigações. Neste caso seriam necess€rios braços adicionais para a colheita. Se o trabalhador porém cultivasse simultaneamente gêneros de subsistência, ele não poderia cuidar de mais de l.000 a 1.200. Na verdade, um trabalhador cui-dav:a somente de 800 a t . 000 arbustos, enquanto as mulheres ficavam com 500 a 92 Revista Brasileira de História Daniel Realce A maioria dos imigrantes no início da década de 1850 era com- posta de pobres~ tanto do campo quanto da cidade, levados a abandonar seu país natal muitas vezes por uma questão de pura sobrevivência, de- vido à severa crise e.conpmicll da Europa Ceritral. 1! proyável que no iro- 600 arbustos de cinco a doze anos de idaâe, uma vez que "em geral os oolonos não pagam suas dívidas senão com o produto do café e por isso procuram tratar do menor !lúmero de cafeeiros possível,a fim de dísporem de mais· tempo para as su!lS plantações e para outros lucros que tiram de sua indústria. ~. esta uma dificuldade com que lutam os proprietários. Esta é uma das razões poi: que nesta província a lTabalho de um trabalhador livre é considerado menos eficiente que o do escravo". lbid. , p . 86. Outras ~vidência~ dispersas apóiam o ponto de vista de que a produ- tividade dos trabalhadores 110 café era de fato baixa. Ver E. Viotti da Costa., "Colônias de parcerja'', pp. 173-174, e Tschudií, Vi.agem às propincias, 'PP· 46-50, n.º i83 . J. P . Ca,rvalho de Moraes, pp. ci:t., ,;M~pa de São Jerônimo", ·a,pr~enta dados de uma fazenda operada sob o sistema de parceria, classilic.ando tod,as as famílias que se e~tabelcceram na propriedade entre 1852 e 1869 de acordo com seu ta~a- nho., composição (núm~rq de trabalhadores e consumidores), ganhos naquele período, e data da chegada e .partida. Do total de 141 famílias, 40~·ô, haviam pago suas dívidas e obtido lucro por volta de 1869, 4% haviam meramente saldado :seus dé- bHos, e 56% contíntiavam endividadas. Com base nestes dados é pqss(vel calculfil', se não o número de ~s cuidado!! por trl¾l:>alhador, ao menos os ganho~ dos traba- lhadores por mês para aquelas famílias que haviam pago seus débitos . O montante da dívida pendente daqu~les qtfe continuavam endividados naquela época nã'o é fornecido. Podemos também calculru: a p:ropru·çao const.1midor/trabalhadoí" a fim de determinar a capacidade produtiva compa-rativa das fam,ilias. Como quanto maior o número de trabalhadores: em relação aos consumidores em uma familia, maior seria a sua capacidade produtiva, isto deyeria se ·refletir nos· ganhos mensais dos seus trabalhadores, desde ,que eles, trabalhassem com a sua total capacidáde. GANHOS MENSAIS POR TRABALHADOR COM O CULTIVO DE CAF'.e DE ACORDO COM A RBLACÃO CONSUMJDOR-TRÁBALHADOR DA FAM1LIA: FAZENDA SÃO rERôNIMO~ 1852-1869 Relação C/T Mil-réis Número de famílias 1.0-1.4 6.508 25 1. 5-1. 9 7.714 20 2.0 e acima 8 . 111 16 (Excluímos três famílias do total de 64 com resultados favoráveis: uma era umB viúva que c11soa,.se com outro imigrante e juntou suas contas às dele; os outros dois eTam indivíduo~ solteiros.) Os ganhos apresentados referem-se ao rendimento com o cultivo âe café, uma vez que era cqm este que as dívidas ·e.ram pagas . ~ colheitas variavam de ano a ano, ma~ ,pode-se supor que ao longo dos anos os ganhos expressa~scm aproxima- damente ,o número de pés cuidad()s. Como indica a tabela, a capacidade produtiva das .famflii!s relaciona-se invers!'clme~te com o núm~ro de cafeeiro$ cuidados por cada um de seus ti;abalhad0res. conforme expresso nos ganhos mensais. Este ·é m.ajs um indíeio de que os imigrantes não respondiam aos incentivos econômicos constantes do contrato de parceria . De aco;rdo com o que foi assinalado, estes núme- tos referem-se àquelàs familias que em algum momento consegui,ra.tn pagar suas dívidas e àquelas· que, além disso, puder;am economizar . .. Assim, eles não nos dizem nada a .respeito do comportamento daquelas que ainda estavam, em:lividadas, embora se possa presumir que mesmo as famOfas livtes de débitos tenham estad0 endividadas por um periddo considerável de sua petm.anência. R.e.vtsta Brasileira ·de História 93 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce cio eles tenham esperado construir uma vida segura com razoável confor- to (38). Mas como as condições encontradas • por eles em São Paulo tor- navam quase impo~sível alcançar algum ganho mediante o trabalho nas culturas de café, eles preferiram dedicar uma parte significativa de seus esforços ao cultivo de alimentos. Em conseqüência, a produtividade no café era baixa. Cotno Carvalho de Moraes muito bem observou, "estava, pois, o proprietário à mercê dos colonos" (39). O poder dos fazendeiros de controlar o trabalho e impor um nível satisfatório de produtividade ao cultivo de café era limitado pelas circuns- tâncias sob as quais o trabalho livre fora introduzido, isto é, na ausência de uma reserva local de mão-de-obra e a partir de esquemas que obriga- vam os imigrantes a reembolsar os empregadores pelas despesas com pas- sagens e estabelecimento inicial. Provavelmente os fazendeiros imaginavam que o fator de incentivo existente na parceria substituiria eficazmente as forças do mercado na redução dos custos salariais. Contudo, a dívida ini- cial anulou o elemento de incentivo, faltando aos fazendeiros meios efe- tivos de obrigar seus trabalhadores a produzir em café. A ameaça de de- mjssão - forma usual de persuasão utilizada pelos empregadores para impor o cumprimento dos contratos de trabalho - não era muito efi- ciente, pois isto significaria a perda parcial ou total do investimento dos fazendeiros. Embora fosse verdade que os imigrantes não podiam legal- mente a~andon.ar a fazenda até que tivessem saldado suas dívidas. tam- bém não podiam os fazendeiros fazê-los trabalhar além do que deseja- vam. os _próprios trabalhadores. Mesmo o emprego do poder do Estado, como no caso da revolta de lbicaba, era de pouca serventia. Os líderes da revoJta foram ex-pulsos, mas os que permaneceram não trabalharam com mais afinco. Os meios extracontratuais utilizados pelos fazendeiros para recuperar seus investimentos tinham saído pela culatra: "é incontestável que os proprietários, quando os colonos não queriam trabalhar, não po- diam coagi-los ao cumprimento de 6eus deveres e por isso sofriam prejuí- zos com o maltrato de seus cafezais, diminuição das colheitas e perda to- tal ou parcial dos seus adiantamentos,, (40). 38. Allgemeine Auswanderungs-Zeitung, Rudolstadt, 2 de outubro de 1857, n.º 40. 39 . J. P . Carvalho de Morais, op . cit.. p . 21. 40. Ibid., p. 21. A dívida inicial o que ficavam_ sujeitos os imigrantes tem sido às vezes lomade como um sinal da existência de esforços de fixação dos tro• balhadores pela dívida. W . Dean, Rio Claro, pp. 97-98, e E . Viotti da Costa, ' 'Colônias de pat'ceria", p. 169 . Se definirmos " debt"'Peonage" em seu sentido estrito como a sujeição intencional dos trabalhadores mediante umlJ dívida para futá-los à propriedade, esta interpretação é inapropriada para o casç de São Paulo. O obje- tivo principal a lmejado pelos fazendeiros ao cobrar dos imigrantes sua11 despesas 94 Revista Brasileira de Hist6ria Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce O contrato de locação de serviçes Ao final ~ -década de 1850 os fazendei1"06 enfrentavam um dilema. Os incentivos econômicos não tinham produzido os resultados es.peraqos: um nível razoável de produtivitlade e amortização da divida no tempo previsto. Após 1857 o sistema de parceria foi sendo gradualml;lnte ,aban- donado em São l'aulo. Porém o trabalho livre não desapareceu de todo. Embora o número de imigrantes empregados no crultivo de café não te- nha aumentado ao longo das duas décadas seguintes, ele declinou muito v~garosamente. Notícias chegadas à Europa a respeito das más condições de trabalho dos imigrantes fizeram com que finalmente os governos suíçe e prussiano tomassem enérgicas medidas, -praticamente interrompende> a emigração dos dois países para São Paule (41). Entretanto_. em 1870 es- tjmou-se que aproximadamente 3.000 trabalhadores livres - alguns deles brasileir.os - ainda trabalhavam nas fazendas, 500 a menos do que em 1860. O debate a respeito das possíveis soluções para o problema de mão- de-obra não arrefeceu (42). Muitos fazendeiros continuaram a experimen- tar sistemas -alternativos de trabalho e a formular garantias institucionais que, a seu ver, pernµtiriam um cumprimento mais efetivo cios. contratos. Pa.ra lidar com os problemas correlatos de controle da produtividade e amortização das dívidas, os fazendeiros recorreram de início a mudanças contratuais. A parceria foi substituída aos poucos por um contrato de lo- cação de serviços. Em lugar de uma parcela dovalor da produção, os tra- balhadores passara,m daí em diante a ser pagos mediante· preços p1·eesca- belecidos por cada medida de cafe produzido. Alegava-se que. reduzindo assim a incei:teza dos ganhos -e eliminando as longas demoras do paga- de transporte e adfantamentõs de mantimentos era repor seu investimento inicial. A estabiJidade do trabalho na fazenda era algo como um subproduto bem-vindo. :E: significativo que em 18.52 um contrato fixasse tanto a sua duração como o mon- tante da divida. E. Viotti da Costa, "Colônias de parceria", p . 177. Além disso, de acordo com o que relataram alguns observadores~ não era incomum que os úni- g1·antes mud,assem de uma Jazenda para outra, levando seu débito junto. C. Heusser, op. cit., p. 1 . Por último, o c0ntrato de Vetgueíro incluía uma cláusula permitindo a transfel'ência dos 'inrigrantes. f. ve.rdade que os fazendeiros. foram acusados às vezes de tratar os imigrantes como escravos brancQS, como em H. Haupt, op. cit., p. 4-0. Contudo, Tschudi, que era bastante critico dos fazendeiros paulistas~ prova• velmente estava certo ao assinalar: "Tal lendên~ia, aliás, não observei em nenhuma das fazendas por mim •,-isitadas; todo~ os fazenc,leiros me declararam que o maior iqterl}sse deles era vel'em seus colonos livres de dívidas" - o que signilicaria tam- bém, é clara, um maior empenho dos trabalhadores no ~ultivo de café. Viagem às provindas, p . 186. 41. Tschudi, Viagem às pr-0vincias, p . 143. 42 . f. P. C~valho. de Moraes, op. cit., pp. 1-9-20. Rei•ista Brasileira dé 1:J.istpria 95 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce menta, os trabalhadores s~ sentiriam encorajados a cultivar o café com maior empenho ( 43). Além disso, a cláusula de que o excedente da pro- dução alimentar deveria ser dlvidido com o fazendeiro foi em geral dei- xada de lado. Cada vez mais o tamanho do lote de cultivo de alimentos passou a seri especificado e/ ou estipulado seu aluguel em troca de uma renda, numa tentativa de desestimular o envio do trabalho dos imi- grantes para as culturas de subsistência (44:). A1ém disso, os trabalhado- res livres não participavam ,n,:ais, no beneficiamento do café, fosse de for- ma direta ou mediante pagamento. Esta a:t.ivldade foi reassumida por es- cravos até a década de 1880, época em que foi transferida para o traba- lho assalariado. E significativo que esta parte da produção do café, assim como o transporte, tenham sido rapidamente mecanizados no início da d~cada de t 870, à medida que o trabalho escrâvo tomava-se cada vez mais pwblemático. Inovações poupadoras de mão-de-obra não foram porém introdt1zi- das no cultivo de café. A mecanização da colheita não era tecnicamente praticável e o uso de máquinas para a carpinagem teria transtorn~do profundamente a demanda de trabalho ao longo do ano agrícola. A car- pinagem mecânica ,resultaria em mão-de-obra oeiosa durante o período de cultivo ou em falta de braços quando da colheita, em Utnl:\- situação de escassez geral de trabalho livre (45). O contrato de locação de serviços prosseguiu com o sistema de in- centivo salarial, mas este ainda não foi capaz de assegurar um nível ade- q uado de produtividade. porque não resolvia o problema básico da dívi- da como um desestimulo ao aumento da produção de café. De fato, os fazendeiros sentiam que necessitavam de poderes legais adicionais para proteger-se do não-cumprimento dos contratos e especificamente do oão- pag~ento das dívidas ( 46). Algumas tentativas haviam sido feitas anteriormente para process!'l r imigrantes que não pagavam suas dívidas. Contudo, a lei que regulamen- tava a parceria era bastante ineficaz. Ela permitia aos fazendeiros apenas .rescindir o contrato ou tecla.mar indenização por danos; a primeira itnpli· cava perda da dívida dos imigrantes, a última apenas a elevava sem 43 . lbid . , pp. 18·20. 44 . lbid. , p . . 12 e apêndice 2 para um contrato de locação de serviços de 1868; M. J . Yalde'taro, op . clt. , e S. Machado ~unes, op. cit., p.ara descrições de mudanças contratuais. 45. P. Denis, Brazil, Londres, 1911, pp . 216-17. 46. J. P . Carvalho de Moraes, op. cit .• pp . 20-21. 96 Revista Brasileira de História Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce contudo oferecer meios que obrigassem os trabalhadores a trabalhar para pagá-la ( 4 7). Por algumas vezes os fazendeiros também tentaram aplicar à parce• ria a lei de 1837 que regulamentava os contratos de locação de serviços. De acordo com ,esta lei, qualquer trabalhador que tendo sido demitido e não pagasse sua dívida poderia ser prei:;o e condenado a trabalhos for- çados até ,o seu pagamento. Em caso de abandono da fazenda, ele seria preso imediatamente e não seria liberado até que suas dívidas tivessem sido pagas ( 48). Contudo, a aplicabilidade desta lei à parcería nem sem- pre era legalmente reconhecida ( 49). Assim, uma razão a mais para a preferência dos fazendeiros em relação ao contrato de lQCação de serviços era certamente a sua intenção de aproveitlU"-se das sanções penais mais severas oferecidas pela lei de locação de serviços de 1837. Entretanto, há ,poucas evidências de que mesmo a lei de 1837 tenha sido largamente aplicada. Geralmente os contratos não estipulavam um período fixo para a amortização da dívida e. de qualquer modo, o empre- go da lei pai:a p.ressio_nar pelo seu pãgamento nãô atendia ao principal objetivo dos fazendeiros. isto é. alcançar uma maior produtiYidade do trabalho .no café. Enquanto os imigrantes quisessem pennanecer na fazen~ da, pouco podiam os fazendeiros fazer para obrigá-los a trabalhar, além 47. Ord. Libro 4.º, Titl. 45, Ordenações e Leis do Império de Port4gal, várias e-dições. 48. Lei de locação d.e serviços de li: de outubro. de 18J7, in Coleção de Leis do Império do Brasil, 1837, VIII. 4-9 _ Machado 1',lunes, op . cif., p . 10, conta o caso de dois trabalhadores soíços e um ale.mão da fozenda Laranjal na região de Campinas, presos em São Paulo e condenados de acorâo com a lei de 1837 a pagar o dobro de sua dívida por terem-se recusado a cumprir seus contratos de parceria. Contudo, ele lembra que em outro caso uma sentença similar foi rejeitada sob a .ilegação de · que a lei de 1837 não se aplicava à parceria . Ele concluiu que com tal decisão o fazendeiro terá de perder todos os seus adiantamentos aos trabalhadores, uma vez que ,o processo contra eles na corte civil deverâ resultar 1ústo. Em conseqüência, se "a colonização por par.- cepa tiver qe ser aumentada em S. Paulo . . . será indispensável estabelecer-se uma legislação especial que regule o contrato de parceria e melherar--se a administração da justiça, pro-porcionando-se meios fácets de serem prontamente decididas as questões que se suscitarem entte o colono e o _proprietário". Ibid ., p. 20. Cf. Ts:chudi, Sch- weizerisclies Bunãesblatt, XII. Jahrgru:J,g LII. n.º 61, 28 de novembro de 1860, p. 260, para outro caso. Tschudi· era muito crítico em relação à prática de se aplicar a lei de 1837 aos contratos de parceria, indicando que esta opinüio era compartilhada por vários juristas de São Paulo. Tschudi, "Denkschrift an Seine Exzellenz den Senàtor João Vieira Cansans.ão de Sinimbu. Mlnister der Auswartigen Angelegenhei- ten'', .ibid. , p . 297 . Fin.almente, o chefe de polícia, Tavares Bastos, designado _para investigar os eventos na fazenda '[bicaba em 1857, sugeriu diversas reformas legais, particularmente aquela referente à adaptação da lei de 1837 ao contrato de pSiceria. "Relat6rio de Tavares Basto_s sobte colonização e1l) S . Paulo", in T. De.vatz, op. cit., pp . 231-40. Re~•ista Brasfteira de História 97° ,.. d;i coerçã.o ·.aberta, o que eles bem sabiam poderia ter resultados incon- venientes. A produtividade no setor cafeeiro continuou_ baixa (50). Um estudo a respeito qe familias. tesidentes na fazenda Martyrios em 1869, de pro- priedade do &enador Francisco Antonio de Souza Queiroz, foi realizado na época por Carvalho deMoraes. Os trabalhadores eram contratados pelo sistema de locação de serviços. O estudo apresenta dados referentes ao tamanho e composição das famífüts e número de pés de café cuidados por cada uma delas. Com estes dados é possível calcular o nümero de ca- feeiros cultivados por família e por trabalhador, segundo a -proporção de consumidores/produtores da família. Nú~[ERO DE CAFEEIROS CUIDAbOS POR FAMlUA E POR TRABACHADOR TNDTVJDUAL, SEGUNDO A PROPORÇÃO DE CONSUMIDORES/PRODUTORES DA FAM!LTA: FAZENDA MÀRTYRIOS, 1869 relação c/p 1.0-1.4 1.5-1.9 2 .0 c acima por por por por por por familia traba- família traba- família traba- lhador lhodoc lhador cafeeiro~ cuidados 2.109 566 2.071 709 1 . 940 813 número de famílias t 1 7 5 FDrite: Carvalho de Moraes, :op. cit., apêndice 17. O fa to •de q1.1e com as proporções constmtidores/p.rodutores o:0-1.4) crescentemente mais fovoráveis o número de ca- feeiros cuidados por família aumente um pouco, deve-se à circunstânciá de que aque- las famílias possuíam em geral um número maior d·c trabalhadores em termos abso-lutos. O número médio de cafeeiros cultivados por um trabalhador variava de 56°6 a 813 pés. Além disso, quanto maior fosse a capacidade produtiva da famíJia (fanu1ias com uma proporção c/ p entre 1.0 e 1 .4), menor se- 50. Conforme observou José Verguciro, op . cit., p. 6, "Mas, este mesmo con- trato, positivo como -é, não satisfaz ao colono, repugna estar a ele sujeito; e como se entrega constrangido a seus trabalhos diários, só procura desfrutar as terras, por que não tem esperanças de poder algum dia chamá-las suas". Tschudi sugeriu ainda outro motivo para o fato dos imigrantes não respondeTem ao novo contrato como era esperado. Devido à elevação dos preços do café em 1860, era interesse dos fazendeiros pagar por preço fixo ao invés de repartir os crescentes lucros líquidos. Para, os trabalhadores era o inverso: em uma época de alta dos preços, eles se bene- ficiarJam mais com a parceria do que com um contrato b8$eado em preços fixos. Tschudi, Viagem às províncias, p . 157 . ~ preciso t~ em mente que a tabela de preços cru estabelecida anualmente, enquanto a _participação cw lucro liquido era definida por contra.to e não podia ser alterada enquanto o contrato estivesse em vigoT. em geral até que a dívida tivesse sido saldada. 98 R~ista Brasileira de História ria o número ,de cafee-iros cuidados por cada· produtor dela. ~ produtivi- dade no café por 'trabalhador era baixa, ·especialmente quando comparada com a média usual de 2;000 ;:i. 2.500 pés alcançada pelos ttaball?adores• a partir de 1890, que produziam simultaneamente gênerqi:. alime:Q.tícios. De acordo com a estatística de ,1869, aquelas famílias que tinha,m em teirmos comparativos uma capacidade produtiva mªior, empenhavam-se menos no cultívo de café'. Além disso, a qualidade do trabalho parece ter-se deteriorado sob o sistema de contrato de locação de serviços. Este sistema de remuneração afeta não apenas a intensidade do trabalho, mas pode também ter conse- qüências em termos do cuidado com o qual as tarefas são realizadas. Em geral o trabalho por peça não é empregado em vállias atividades agdco- las devido ao reba,ixamento qa qualidade do trabalho. Há evidências .de que s.ob o contrato de locação de serviços, embora os imigrantes se es- forçassém. pôr colher quanto café fosse possível, eles tendiam a negligen- ciar a carpinagém ou atê abandonavam CQm_pletamente uma parte dos cafeeiros urna. vez concluída a colheita (51). De fato, nem a& mudanças de contrato, neJD. -o u~o de leis de, trnba- Iho mais se:vetas puderam gerar uma força de trabalho satisfatória, uma vez que as medidas falharam quanto à solução do problema básfoo: o in- vestimento inicial q-u~ os fazendeiros tinham que fazer para introduzir o trabalho livre. Já bastante sobrecarregados pelas suas dívidas iniciais, os imigrantes continua~am a trflha111ar pouco no cultivo de café e se torna- ram cada -vez mais incômod0s. O culonato Ao final da dé.cada de 1860, os fazendeiros que ainda operavam com trabalhadores livres introd.uziràm -gradativamente outros ajustes no contra~ ,51. Tschudj, Viagem às províncias, pp. 176, l83. Tanto a produtividade a longo prazo qua1:1to a duração de vida dos cafeeiros ,dependiam em mµito do número e qualidade das carpinagens-. Na éµoca, a média ,de carpinagens era de cinco· a seis por ano, incluindo a coroa.ção antes da colheita e a esparramação do cisco depois dela. Embora os contratos na década de ~O em geral estipulassem o número de carpiijagens, era possí-vel realizá-las com maior ou menor cuidado. Se o car:pinagem f asse fe_ita cavando-se apenas µm pouco -a ter:ra, o s"lo tenderia a en~ur.ecer e a fiear itp.permcável à chuva, além de não permitir uma ventila~o adequada. São Paulo, Secretaria de. Agtj:oultura, .Inquérito agrícola sobre o estado ,da lavoura cafeeira 110 e:itacfo de S. Paulo, São Paulo? 1904, pp. 56-7. Revista Qrasileira de História 99 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce to de trabalho (52). Enquanto no início os contratos previam multas por abandono da fazenda antes da quitação da dívida pelo trabalhador, agora, cada vez mais, eles estipulavam multas pela não execução da carpinagem. Como um fazendeiro observou, "para nós a única vantagem dos escravos está na disciplina, e uma vez que o fazendeiro quer abdicar um pouco do mando, para suportar com paciência as faltas dos colonos, conseguirá pouco a pouco, por tneio das multas que rezam os contratos, fazer com que todos os colonos se submetam ao trabalho regular" (53). Os lotes de cultivo alimentar eram agora regularmente distribuídos de acordo com o número de cafeeiros aos cuidados da família. Por fim, alguns fazendei- ro5 começaram a implantar uma nova forma: um sistema misto de remu- neração por tarefas e por peça, o colonato, uma fórmula que prevaleceria nas fazendas de café da década de 1880 até meados do século vinte. Nes- te sistema a carpa do café era paga segundo uma taxa fixa anual pot milhar de cafeeiros cuidados e a colheita por alqueire de café colhido. Pagando-se um preço estipulado e separado pela carpa - uma espé- cie de sa1ário mínimo fixo (54) - o que garantiria aos trabalhadores uma reoda estável e independente do café produzido, podia-se esperar que eles não descuidassem dos cafezais fora da época da colheita. Além disso, nes- te novo contrato, parte da remuneração dos trabalhadores dependia dire- tamente do número de cafeeiros cuidados e não mais da sua produção e, por isso, acreditava-se que eles se sentiriam estimulados a cultívar um maior número de arbustos. Ao manter, potém, o sistema de preços por unidade para a colheita, os custos de trabalho podiam aínda ser aéÍapta- dos às flutuações anuais da produção. E, por último, os custos de trabalho por unidade poderiam ser reduzidos mediante a intensificação das ativi• dades pela familia <los imigrantes nos momentos de maior demanda de braços (55). A singular combinação de elementos contida no contrato do colo- nato chamou a atenção de vários observadores. O agrônomo prussiano 52. T. P . Carvalho de Moraes, op . cit., -p. 100, observa que diversos fazen- deiros importantes fatroduziram o trabalho imigrante na década de 1860. Ver ibid., p . 77-86 para uma descrição dos diferentes tipos de contrato usados nas fazendas operad11s com trabalho livre em 1869 . O pagamento separado do cultivo e da colheita pode ter sido empregado inicialmente para fazer frente às queixas dos trabalhadores acerca dos baixos g~nhos com os cafezais oovos sob o sl.slema de parceria . Joaquim Bonifácio do Amaral, VlscOJ1de de lndaia1uba, "Introdução do trabalho livre em Campinas". in Monografia histórica do munic:í pio de Campinas, Rio de Janeiro, 1952 . 53 . Domingos Jagoaribc Filho, Algumas palavras sobre a emigração, São Paulo, 1877, pp . J4-5 . 54 . P. Denis, op . cit., p . 202. 55. Ver A. Ramos, op . cit., p . 104, a respeito do desequilíbrio da demandado trubalho entre o ·cultivo e a colheita e suas conseqUêncil:ts. 100 Revista Brasileira de Históri4 Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce Karl Kaerger ficou especialmente entusiasmado com o sistêma que, se- gundo ele, "educa os colonos para o trabalho intensivo". Kaerger notou com muita perspicácia que "na prática, o efeito extraordinário deste siste- ma consiste sobretudo no fato de que exatamente as tarefas pagas segun- do uma ta:J.a fixa, ou seja, o cultivo dos cafe•eiros antes da colheita, afe- tam a produtividade, justificando assim um preço variável para o paga- mento da colheita. Isso serve com.o um incentivo para que os trabalhado- res executem especialmente bem aquelas tarefas para as quais recebem um salário fixo. Em conseqüência, se elimina inteiramente_ a única desvanta~ gem inerente ao pagamento' por peça, isto é, a má qualidade do. serviço. Na verdade, estamos na presença de um caso tão especialmente interes- sante d.e sistema de remuneração que merece plenamente a atenção de par- te da ciência ,econômica'' (56). No entanto, ao final da década de 1860 os fazendeiros conscientiza- vam-se cada vez mais de que as alteraç,ões contratuais e as leis de traba- lho existentes eram, por si sós, insuficientes para garantir uma força de trabalho disciplinada e rentável. A década de 1870 começou em meio a prognósticos de uma iminente crise, tanto em termos de oferta futura de mão-de-obra como de controle dos trabalha.dores. Os fazen.deiros tentaram tratar do problema de diversos modos. Muitos continuaram a introduzir o trabalho livre em uma escala limitada, etnhora: os planos patrocinados por particulares tivessem perdido muito do seu apelo inicial (57). Além 56. Kad Kaerger; Brasilianische WirtschafJsbilder~ Berlin, 1892, pp , 334.335 . Kaerger cont inua: " Esta discus~~o não é uma dedução tl priori, mas ~epende .intei• rame:nte das explicaçõl}s que ouvi dos próprios colonos , Não é dWcil para ele.s des- cobi,irem até que ponto a ' produç?,o dos cafeeirG>s depende da qualidade do cultivo. Falei com colonos que me asseguraram que, -embora seus contratos não o exijam, eles eliminam os ,gaJhos secos dos ar.bustos ,por que pereeberam o efeito excelente deste pJoeedimento p-ara a colheita. De fato, alguns eolonos na área de Campinas até espalqam estrume nas cafeeiros sob seus cuidados, se tiverem tem_po e material nata islio. Certamente não se poderia imaginar melhores conseqilências deste sistema de remuneração." 57. Para duas posições contrárias a respeito -dos sistemas de imigração, ver o extenso debate entre JoaquJm Bonifácio do Amaral e José Vergue-iro, publicado na 'Gazeta ck· Campinas entre ia:neiro ·e julho de 1870. V:ergueiro estava tafülmente desUudido com a imigração promovida por particulares. Além da r~volta d~ Ibicaha, na década de 1860 a Federação Suíça acionou a Vergueiro e Cia. par:a a restituição do di<npeiro da p assagem adiantado pelos cantões aos . imigrantes e a companhia -finalmente. foi à falêncfa. R. . A . Natsch, op, cit. pp . 207-208. No início da década de 70, a fazendit Angélica, também pertencente a Vergueiro, foi vendida para cre- dores, The London and B~azilian Bank. Os. ,gerentes ingleses, porém, aparentemente não alcançaram maior suces.so. lúirma-se que eles eram "bêbados' ' e "incompetentes" que maltra'tavam os traJ:>ulhadores, tendo conduzido .. a propriedade a úma nova falência. Conta,se que em 1876 o administrador da Angélica 'foi assassinado por alguns dos seus empregados. G . 1J . Marchesini, Il Brasile e le sua colonie agricole, Jloma, 1877 . Por outro lado, Joaquim Bonifácio do Amaral viàjoo à Eütopa em Revista 8ras#eira de História 101 Daniel Realce disso, a crença dos fazendeiros no sistema de imigração foi ain~ mais . aba- lada por uma nova onda de conflitos em algumas fazendas que opera- vam com trabalho livre (58). Ao mesmo tempo, a agitação abolicionista crescia, sobretudo após o manifesto do Partido Liberal em 1868 defen- dendo o fim da escravidão. Pressionava-se, pois, cada vez mais por uma soluç.ão global da questão do trabalho. Ainda assim a produção de café durante a década de 1870 ex_pan- diu-se em quase o dobro do seu · montante na década anterior (59). De fato, os fazendeiros ainda puderam adiar até 1888 o fim efetivo da escra- vidão. Eles solucionaram temporariamente a já esperada escassez de b.taços com uma ampla racionalização da produção de café.. Os abolicionistas foram desarmados com uma concessão muito limitada: a Lei Rio Branco de 187 J, que declarava livres as crianças nascidas daí por diante de mães escravas (60). Ao mesmo tempo os fazendeiros continuavam a adquirir , numerosos escravos da região do Rio de Janeiro e do norte do Brasil (61). A grande expansão de ferrovias na década de 1870, quase todas localizadas nas áreas cafeeiras, também concorreu para adiar uma grande falta de mão~de-obra. O transporte ferroviário permitiu aos fazendeiros destinar a outras atividades aqueles escravos anteriormente encarregados do t rans- porte dos produtos ao mercado (62). Além disso, devido à redução dos custos de transporte e diminuição dos danos que os produtos sofriam du- rante o percurso, a ferrovia ajudou os fazendeiros a compensaT em alguma medida as possíveis altas no custo do trabalho escravo. 1870 para pessoalmente recrutar braços. Mesmo ele, porém, queixava-se do apoio limitado recebido de outros fazendeiros nesta missão. Gazeta de Campinas, 24 de julho de 1870. Cf. também J . B. do Amaral, op. ci t. 58 . P. de Turenne, "L'imttligratioo et la co1ooisation a:u Brésil", Revue Bri- tannique, fevereiro de 1879, p . 453. T. B. do Amaral, op. cit. 59. A . Lalierec, Le café dans l'Etat de Saint Paul, Brésil, Paris, 1909, apêndice. 60. A lei incluía a importante determinação de que até 21 anos de idade estes filhos poderiam ser usados pelo proprietário de suas mães. Embora tecnicamente livres, a condição dos ingênuos n a prática era quase tndi5tinguivel da do escravo. Assim, a Lei Rio Branco teria pouco significado prático até 1892, quando os nas- cidos sob a sua vigência completassem 21 anos . 61. O estudo maiii completo é de Roberto W. Slene.s, "The Demography a.nd Economics of Brazllian Slavery: 1850-1888", dissertação de l'h .D ., Stanford Uni- versity, 1975, pp. 120-78 . 62. Como as tropas de mulas, substituídas pelas ferrovias, algumas vezes re- queriam até 20% da força de trabalho da fazenda, o n(lmero de. escravos disponíveis para o trabalho do campo era bastantê significativo. E. Viotti da Costa, Da senzala à colônia, São Paulo, 1966, pp. 154-77. 102 Revista Brasileira de História Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce A introdução de maquinaria destinada a poupar trabalho na indústria cafeeira foi outro importante elemento de prevenção da crise (63). J'osé Vergtr.eiro tenha sido talvez quem exempllficou D1elhor o espírito demons- trado pelos fazendeiros mais astutos. ao declarar em 1874 que é a ' 1econo- mia de braços, -objeto ,principal que devemos ter sempre em vista; poi,s, se o tempo é dinheiro, a economia de braçps dinheiro é também" (64). A produção de éaf é nas fazendas oper_adas po.r trabalho esoravó, ainda a grande mai:oria, tornou-se em geral mais r~cional. Segµ.ndo uma autori- dade de São Paulo, "a direção do tt.abalhador tornou-se mais inteligente, aplicou-se a divisão e aproveitaram-se, na preparação e ,,enefício dQs pro• dutos, agentes mecânicos, que em grande parte substituíram vantajosa- mente os braços" (65). Embora os fazendeiros J?8Ulistas tenham conseguido enfrentar suas .necessidades de, mã~de-obra com bastante sucesso durante este período, de modo algum eles abandonaram a questão de eomo organizar a oferta de trabalho livre (66). O problema de negociar a transição da escravidão para o trabalho livre tomou~se ·cada vez mais urgente.. Era o problema de sempre: o Brasil "póssui o melhor clima do mundo, quase todos os mine- rais preciosos, e um solo de prodigiosa fecundidade,mas não tem popu- lação e por isso é pobre''. (67) • : '. 1 63. O pcesiden.te de São Paulo observou em 1871 que "o fazendeiro de São Paulo, geralmente falando, não é mais o e;mpenado rotineiro de alguns ano~ pas- sados; ele hoje emprega na sua lavoura não só os in.s.trumentos que a indústria estrangeira introduz uo pàís; como procura inventar outros mais apropria.dos aó nosso solo e à nos·s.a cultura, pois sabe que esse é- ó mero de poupar o trabalho dos braços:, o qual além de escasso e., portanto, dispendfoso1 é igual:trrente mais imper- feito''. São Paulo, Relatório apres,mtado . . . pelo presjdente da provincia . . . 5 de fevereito de 1871, p. 42. Cf. A. de Queiróz Teles, 1'La culture du caféier à. São Paulo, Brésíl", L'Econ.omiste Français, VI, n.º 49, 7 de dezembro de 1878, pp. 718-720, para uma descrição detalhada do p_rocesso de produção na época. 64. J. Vergueiro, pp. cit., p . 22- Snfase iio. original. 65. ln formações sobre o es·tado dá lavoura, Rio de Janeiro, 187 4, p. 149. O viajante holandês Van Delden Lãerne comentou em 18'83 que du~ante a década anterior os fazendeiros tinham consegpido elevnr significativamente a produtiyidade de seus escravos qu~ era:m agora "melhor tratados, mellior rtutridós e cuidadõs", mas que "devem trabalhar mais''. C. Van Deld.en Uierne, Brazil and fava: Report on Coffee Culture, Lóndres, 1885, p . 91. 66 , Em 1870, Caryalho de MQraes sugeriu qµe o Governo Imperial ao menos cencedcsse aos fazendeiros que intioduzissc:m colonos, utna súbvençiio de 30$000 a 40$000 réis pór cada um dos menores de 14 anós que ve11ha· em companhia de seus pais., op. cit . , p . 103. 67. O Layrador, Ga,zeta de Campinas, 20 de fevereiro de 1870. Revi~ta Bra.sileira de IJist6ri~ 103 Daniel Realce Durante o Congresso Agrícola de 1878, convocado pelo Governo para avaliar o estado geral da agricultura, um grupo de fazendeiros opôs-se à imigração eni ,larga escala como uma solução para o problema de mão-de- obra, devido aos custos que ela representaria para eles mesmos ou para o país. Ao invés disso, reivindicavam uma legislação para combater a su- posta aversão da população local ao trabalho. Eles buscavam meios para disciplinar os agregados e obrigar os ingênuos ao trabalho, assim como medidas para reforçar a lei de 1837 que regulava os contratos de locação de serviços (68). Ao final esta posição seria rejeitada por aqueles fazen- deiros que consideravam altamente problemático ter que depender de ex-es- cravos após a Abolição, ou da população local disponível, e viam a única solução possível em um grande programa de imigração subvencionada. Mas antes que este último grupo conseguisse fazer com que o Estado assumisse inteira responsabilida~e pela imigração em massa, o Governo tentou pela última vez relegar esta tarefa aos próprios fazendeiros, concedendo-lhes alguns poderes legais adicionais para o controle do trabalho. Em resposta à pressão por leis de trabalho mais rigorosas, foram decretadas novas me- didas legais, a fim de controlar trabalhadores livres cada vez mais indis- ciplinados. Em 1879, a lei de locação de serviços de 1837 foi substituída por uma nova medida que abrangeria os contratos de locação de serviços e de parceria e que estabelecia penas de prisão, não apenas por abandono da fazenda sem justa causa, como também por greves e incitamento de outros à greve, mediante ameaças ou uso de violência (69). Esta lei estava c,rtamente relacionada a novas ondas de agitação em algumas fazendas. Na mesma época do Co11&resso Agrícola, os trabalhado- res tiroleses d~ fazenda Salto Grande, em Amparo - propriedade de Joaquim Bonifácio do Amaral - declararam uma greve que obteve grande repercussão (70). Os trabalhadores começaram o seu movimento no início da colheita do café em protesto contra vários abusos e omissões dos quais 68 . Congresso Agrí:ola, Coleção de doc11me11tos, Rio de Janeiro. 1878, pp. 47-48. A respeito do congresso, ver Peter L. Eisenberg, ,~ A mentalidade dos fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878", in J. R. Amaral Lapa (org.), Modos de produção - realidade brasileira. Petrópolis, 1980. 69. Decreto n.• 2 .827, de IS de março de 1879, in Coleção de lei$ do Império do 8ra$il, 1879. 70 . A greve come,çou em 9 de junho. A Tribuna Liberal de ti e 13 de se- tembro de 1878 pubUcw relatórios detalhados da greve, de autoria do chefo de Po lfc1a enviado para investigar os eventos, assim como informações de. uma comissão esp.ec,al de investigação. 104 Revista Brasileira de História Daniel Realce Daniel Realce Daniel Realce ,,. eles se serltiam vítimas (71). Temia-se que a greve se espalhasse para outras áreas. Embora Amaral tivesse feito um .certo número de concessões, como elevar os pi,eços de 500 rêis por alqueire cfo café colhido p.ara 600 réis e cobrar juros sobre as dívidas pendentes somente depois de dois a110s, os trabalhadores não recuaram. O proprietário en.tão parou de fornecer man• timentos - um meio muito conhecido de forçar a volta ao trabalho - e, ao mesmo tempo, conseguiu que os líderes fossem processados e condena• dos à prisão pór não cumprimento do contrato de acordo com a lei de 1837 (72). ,Estes eventos parecem ter convencido até mesmo um ardoroso defensor da imigração patrocinada por particulares como Amaral da ur• génte necessidade de um programa de itnígração em grande escala, embora ele ainda insistisse que leis mais severas par_a garantir os contratos eram igµalmente necessárias (73). Por outro lado, vários fazendeiros paulistas tomaram~se cada vez mais categóricos quanto à necessídade de liberalização dos cont1·atos de trabalho e de refor-mas jurídicas como pré-requisitos indispensáveis pa:ra o sucesso de lUll progtama de imigração subvencionada pelo Governo, considerada pot eles como a única solução para o problema. Os preços relativamente baixos do café no início da década de 1880 e as dificuldades énfrentadás pelos fazendeiros para obtenção de crédito .representaram obstáculos adi• cionais à imigra~ão patrocinada por patticul'âres, uma vez que, tornaram muitos fazendeiros impossibilitados ou pouco propensos a adiantar o dí• nheiro das passagens aos imigrantes (74). Por outro lado, a lei de 1879 revelou-se, em geral, muito ineficaz e mesmo contraproducente. Conforme observou Antonio Prado, os imigrantes ptesos não pagavam os emp,réstimos devidos aos fazendeiros e nem colhiam o seu café e, na verdade, a lei servia, apenas para desacreditar à colonização brasileira na Europa. Prado assinalou também que em breve a lei seria desnecessária, pelo menos em 71. Eles formularam uma lista de nove reivindicações: que o fazendeiro cum- prisse sua promessa de. fornecer. novas casas den.tro de seis meses;. que os manti- mentos fossem cobrados aos ,preços correntes; que eles recebessem o montante total da farinha obtida da culrura de milho no :moinho do fazendeiro; que .eles não fossem obrigados, a abandonar seus lotes de cultivo alimentar por tenas novas não culti- vadas; que eles fossem pagos para replantar os cafeeiros; qué as despesas médicas fossem dividídàs. com o fazendeiro; que õs panos pâra a colheita fossem fornecidos gratuitanwnte-, assim ,como uma esçala e professor. Tribuna Liberal, 11 de setembro de 1878 .. 72. J. ,B. do Amaral, op. cif.; Tribuna Liberal'.' ,U e 13. de seteinbro de 1878. No ano anterior um grupo de tràba1hado.res ale-mães, recrutados por Amaral na província de Santa Catarina, havia entrado em grevé e alguns dos líderes foram condenados à prisão. 73. J. B. db Amaral, op. cit, , pp. 248, 252. 74. C. F . Van Delden Lãerne, pp. 2131 217 . A questão foi também 'discutida 1çngamente no Congresso Agrícola, op. cit. R,evista Brasileira de História 105 Daniel Realce São Paulo, uma vez que a Assembléia daquela .província havia aprovado em 1884 uma medida concedendo passagens gratuitas aos imigrantes que se destinassem à agricultura (75). Neste momento, os fazendeiros já estavam em geral
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