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Autores: Carlos Alberto Medrano Evelise Vieira Melo Rodrigues TEORIA E PRÁTICA DA PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Gisele Brandelero Camargo Pires Revisão Gramatical: Profa. Marli Helena Faust Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.15 M492t Medrano, Carlos Alberto. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional/ Carlos Alberto Medrano [e] Evelise Vieira Melo Rodrigues. Centro Universitário Leonardo da Vinci. – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 98 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-170-5 1. Psicopedagogia 2. Rodrigues, Evelise Vieira Melo I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Impresso por: Carlos Alberto Medrano Psicólogo formado na Universidad J.F Kennedy, Buenos Aires ,Argentina. Psicanalista especializado na clínica com crianças e adolescentes. Realizou trabalhos de Supervisão e coordenação em saúde mental e educação. Consultor de instituições educativas na Argentina e no Brasil. Mestrado em Saúde Pública (UFSC), Mestrado em Enfermagem: História da Saúde (UFSC). Professor Universitário com atuação nos cursos de: Psicologia e Pedagogia. Pós-Graduação: Cursos de Psicopedagogia Clínica e Institucional em diversas Instituições de Nível Superior. Publicou: Saúde pública, psicanálise e infância. Os espaços para o brincar no território da saúde; Do Silêncio ao Brincar; Do brincar pestilento ao brinquedo esterilizado: uma análise foucaultiana. Evelise Vieira Melo Rodrigues Pedagoga com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais. Especialista em Psicopedagogia e Mestre em Psicopedagogia Institucional com Linha de Pesquisa em Gestão Escolar. Coordenadora Pedagógica de Instituição Particular de ensino, conveniada à rede Objetivo. Professora Universitária com atuação docente em cursos de Especialização em Psicopedagogia, Supervisão e Orientação Escolar. Publicou: Tempo e Espaço para as Atividades Lúdicas; A ética nos discursos e nas práticas pedagógicas; Educação Infantil: Novas Escutas, Novos Olhares.análise foucaultiana. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Cada Caso é um Caso ........................................................... 11 CAPÍTULO 2 A Psicopedagogia Institucional .......................................... 23 CAPÍTULO 3 Passeios Conceituais ........................................................... 37 CAPÍTULO 4 As Instituições ...................................................................... 53 CAPÍTULO 5 Recursos Técnicos .............................................................. 71 CAPÍTULO 6 Relatório Psicopedagógico Institucional ........................ 87 7 APRESENTAÇÃO Mais do que uma introdução a esta disciplina: Teoria e prática da psicopedagogia institucional, este é um convite que fazemos a você. Um convite para fazer uma viagem. Veremos como, aos poucos, esta palavra “viagem” não é uma metáfora nem um deslize poético inserido arbitrariamente em um texto acadêmico. Está intimamente ligado à prática psicopedagógica. Uma prática que requer visitar, mas, fundamentalmente, vivenciar certos espaços que inicialmente pertencem ao nosso íntimo, o espaço da interioridade, para depois se lançar ao encontro psicopedagógico com o outro. A prática psicopedagógica, e de propósito estou dando ênfase à prática para depois reconhecer os fundamentos teóricos que a sustentam, não pode ser identifi cada com um daqueles “pacotes turísticos” que qualquer um pode contratar. Aqui se trata de resgatar o valor da singularidade. Iniciamos, pois, esta caminhada, entre nós autores e você, que é única e irrepetível, assim como serão únicas e irrepetíveis para você também em cada intervenção psicopedagógica. Vejamos algumas características e diferenciais entre viajar e percorrer um circuito turístico. Uma viagem é imprevisível e, mesmo que tenhamos uma ideia do que queremos fazer, a qualquer momento podemos alterar essa ideia original e transitar por outros lugares, ou decidir fi car num deles até a experiência e a vivência chegarem ao ponto de satisfação. Num circuito turístico não nos é permitido alterar o contrato, nem somos livres para adaptá-lo às novas necessidades ou interesses que possam surgir no decorrer dos dias. De uma viagem, poderíamos dizer que nunca retornamos. Depois de uma viagem não somos os mesmos. O local de saída já não é o mesmo, é outro. A metamorfose acontecida transforma também o entorno. É provável que você possa estar pensando o que tem a ver tudo isso com o nosso objetivo e interesse acadêmico. Vou pedir um pouco de paciência para entender e poder ressignifi car essas ideias um pouco mais adiante. Mas este pedido é muito mais do que isso. A paciência, a capacidade de saber esperar é o primeiro elemento, a primeira ferramenta técnica com a qual você vai trabalhar e sem a qual não terá como fazer suas intervenções. Dessa forma, a impaciência e a ansiedade são dois elementos que ofuscam o olhar e o escutar psicopedagógico. A paciência, a capacidade de saber esperar é o primeiro elemento, a primeira ferramenta técnica com a qual você vai trabalhar e sem a qual não terá como fazer suas intervenções. 8 E Isso não pode ser ensinado, faz parte de uma construção individual. Cada um de nós necessitará de um tempo que sempre será singular. Então, temos de aprender a suportar não entender por enquanto. Esse “por enquanto” é que é difícil, às vezes angustiante, outras, insuportável, mas sempre desafiador. Concluindo, por enquanto, uma viagem, esta viagem, será um desafio. Aprender a lidar com as próprias angústias e ansiedades e com isso desenvolver a capacidade de ser paciente é uma das condições para o exercício desta profissão. Outra condição é a necessidade de tomar distância da formação de graduação. Quando exercemos a função de psicopedagogo deixamos de ser professores, psicólogos, pedagogos, etc., para assumir outra posição perante a problemática a ser analisada e abordada. Sugiro aqui um questionamento ao aluno, para que ele possa interagir com o texto. Exemplo: Em sua opinião, que posição o Psicopedagogo deve assumir diante dessa problemática (definir a problemática)? Refletir sobre a postura do Psicopedagogo supõe um trabalho de desconstrução das identidades formadas a partir dos diferentes discursos que deram origem às diferentes profissões para construir com esses e outros elementos uma nova identidade. Os obstáculos são aqueles saberes, aqueles conhecimentos que resistem a ser modificados. Muitas vezes temos medo de conhecer o novo, e esse medo produz resistências, porque nos sentimos seguros naquilo que sabemos e imaginariamente dominamos. As rupturas são as formas com que conseguimos ultrapassar esses obstáculos e conquistamos novos conhecimentos, novos saberes e novos fazeres a partir dos quais reconstruímos novas identidades. Por conseguinte, acrescentamos à paciência, a capacidade de aceitar o desconhecido, não como ameaça, mas sim como desafio. Todo conhecimento se constrói sobre ou em contraposição a um conhecimento anterior. Mas então quais seriam esses saberes e conhecimentos com os quais construira prática psicopedagógica? Eles estão organizados em capítulos nos quais iremos desdobrando e aprofundando alguns conceitos já trabalhados em outras disciplinas, somados a outros novos e, também, construindo e descobrindo técnicas necessárias para poder intervir psicopedagogicamente. No primeiro capitulo, vamos transitar por duas experiências psicopedagógicas, dando ênfase à singularidade das intervenções, tentando perceber em cada um Psicopedagogo supõe um trabalho de desconstrução das identidades formadas a partir dos diferentes discursos que deram origem às diferentes profissões para construir com esses e outros elementos uma nova identidade. 9 de nós o que ainda não sabemos para sair a buscar, com a força do desejo, a força do meu “ensinar-aprender” e o seu. No segundo capítulo vamos definir a psicopedagogia institucional, analisar os elementos que compõem a prática e discutir as relações entre teoria e prática psicopedagógica. No terceiro vamos aprofundar os aportes da psicanálise para a psicopedagogia. Esses aportes ajudaram a compreender o pensamento e as concepções teórico-práticas presentes nas práticas psicopedagógicas tanto clínicas quanto institucionais. Com algumas dessas ideias você já teve contato no material da disciplina Introdução à psicopedagogia. Agora é o momento de entrar em cada um desses conceitos para poder interpretar a realidade psicopedagógica em cada um dos campos e situações nos quais você seja chamado a atuar. No quarto vamos conhecer, problematizar, questionar e debater ideias que estão presentes nas instituições nas quais trabalhamos e que necessitam deixar de ser tomadas como “naturais” quando na realidade são concepções histórica, social e ideologicamente construídas. Dessa forma estaremos em condições de entrar na etapa de conhecer e aprender a aplicar diferentes técnicas de aproximação diagnóstica e intervenção. Esses temas serão trabalhados no capitulo quinto. Finalmente, veremos como registrar, elaborar e interpretar relatórios psicopedagógicos. Não é a ideia de que este seja o capítulo final. Pelo contrário, é o capítulo que abre outros encontros, a partir dos quais estabeleceremos novos vínculos e, desta forma, faremos outras viagens. CAPÍTULO 1 Cada Caso é um Caso A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car, a partir de dois exemplos de intervenção em psicopedagogia institucional, os conceitos e princípios que regulam esta prática. Analisar situações-problema que competem ao campo de trabalho da psicopedagogia institucional. 13 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 ConteXtualiZaçÃo Nesta disciplina você utilizará conceitos, saberes e fazeres que foram desenvolvidos durante o curso. É uma disciplina em que você deverá integrar conteúdos e colocá-los a funcionar na prática psicopedagógica institucional. Colocaremos à sua disposição algumas técnicas de diagnóstico e intervenção pertinentes ao campo da psicopedagogia institucional. Se bem que em muitas ocasiões faremos referências às escolas, não devemos esquecer que o campo da psicopedagogia institucional é muito mais amplo e está em constante revisão. É importante que consigamos abrir espaços para pensar psicopedagogicamente os hospitais, os centros de saúde, as organizações empresariais, etc. Onde o aprender e o ensinar aconteçam deverá existir um psicopedagogo institucional capaz de ajudar a pensar e resolver as situações-problema para as quais é convocado e para as quais desenvolverá um exercício de aproximação diagnóstica institucional e, posteriormente, as ações e intervenções necessárias para a resolução dessas problemáticas. Cada Caso é um Caso Vamos começar a partir de duas situações que nos acompanharão ao longo deste texto: reconhecer os conceitos e os elementos (tanto teóricos quanto práticos) que serão necessários para desenvolver nosso trabalho. De propósito utilizo a palavra situação e não exemplo, ressaltando novamente o caráter de singularidade de cada situação- problema. Isto costuma ser fonte de angústia e ansiedade na construção da identidade profi ssional do psicopedagogo, assim como de qualquer outra profi ssão: aceitar que não existem receitas prontas ou modelos a serem imitados e reproduzidos. Cada intervenção (aproximação diagnóstica e tratamento) requer a criatividade e a capacidade de estar aberto ao novo e ao imprevisível. Cada caso é um caso. A primeira situação corresponde a um extrato de uma apresentação da psicopedagoga Nilce Azevedo Cardoso, intitulada “Inibição cognitiva: ato falho de conhecimento? Fragmento de um tratamento psicopedagógico” publicado na revista do Espaço Psicopedagógico Brasileiro Argentino (EPSIBA), dirigido por Alicia Fernandez, num número dedicado à escrita, aprendizagem e subjetivação. (s/d) A segunda corresponde a um trabalho realizado em uma escola na cidade de Buenos Aires (Argentina) há alguns anos e que é inédito, sendo publicado aqui Cada intervenção (aproximação diagnóstica e tratamento) requer a criatividade e a capacidade de estar aberto ao novo e ao imprevisível. Cada caso é um caso. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 14 pela primeira vez. Trata-se de um pedido de intervenção para resolver o problema de “mau comportamento” e desajustes e falta de observância no regulamento da instituição, por parte de uma turma do último ano do ensino fundamental. Já podemos estabelecer um elo entre a proposta inicial de fazer uma viagem e essa outra necessidade de abrir entre nós um espaço de brincar, um espaço de aprender para, a partir dessa abertura, cada um poder constituir-se em autor do próprio pensamento e com isso caminhar, como diz Marcia Andrade (2002), para o prazer da autoria. O prazer de viajar, de brincar, de aprender, de ensinar. a) O caso de Maria Vou me permitir a reformulação e a fragmentação necessária para o desenvolvimento sequencial dos objetivos traçados e da organização neste material de estudo. O jogo dramático, como um sonho, é uma manifestação plena de sentido e, como nos diz Winnicott, na área de jogo tudo é permitido. A função do jogo é elaborar as situações traumáticas, fazendo ativo o que foi sofrido passivamente, pois a criança expressa com os brinquedos os seus confl itos. Para Sara Pain, importante é descobrir como a criança joga e, por último, em que condições pode fazê-lo. Segundo Alicia Fernandez, o “espaço de jogo e espaço de aprendizagem coincidem”. Então, abrindo a possibilidade de jogar se abrirá a possibilidade de pensar (AZEVEDO, 1997, p. 62). Atividade de Estudos: 1) Procure e registre na sequência informações sobre o pediatra e psicanalista Donald Winnicott. Principais aportes teóricos. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Resgate e registre as brincadeiras signifi cativas na própria 15 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 infância, tentando relacionar com situações signifi cativas na sua história (em particular relacionadas com o aprender). ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________ Maria é uma menina de cinco anos e meio que foi encaminhada para tratamento psicopedagógico pela escola por apresentar o que, segundo a professora, se considerava um comportamento inadequado para sua idade e também para o processo de preparação à alfabetização: “Ela se comportava como bebê, querendo fi car só no colo, chorando. Brincava, às vezes, mas se negava a fazer tarefas propostas” (AZEVEDO, 1997 p. 62). A modalidade de intervenção utilizada foi a de entrevistas individuais com a criança, envolvendo a utilização do psicodrama analítico, jogos, desenhos, trabalhos com argila e matérias de arte, sessões individuais com a mãe e entrevistas vinculares mãe-criança. A teoria e a técnica de entrevista serão trabalhadas em capítulos posteriores. Aparece aqui uma série de conceitos, instrumentos e técnicas que serão descritas em capítulos posteriores. Mas é importante ir estabelecendo aos poucos certa intimidade com eles. Apelo mais uma vez à paciência, a suportar não saber ou entender por enquanto. Continuemos com o relato de nossa companheira de caminhada, a psicopedagoga Azevedo Cardoso: Durante algumas sessões a criança (que vou chamar de Maria) contou histórias e armou as cenas dessas histórias. Sempre queria dramatizar uma criança abandonada com sua irmã numa fl oresta, com pais muito pobres. Exatamente como a escola tinha dito de Maria, eu, como psicopedagoga, ‘não Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 16 entendia o que era dito’, não estava vendo o que ela queria mostrar, sentia-me embaralhada, inibida, na minha capacidade de compreender o que estava sendo dito (AZEVEDO, 1997, p. 62-63). Analisemos algumas das colocações do texto. Primeiramente vou resgatar e identifi car alguns elementos que considero chaves para abrir a possibilidade de problematizar a prática psicopedagógica: a) algumas sessões; b) contou histórias e armou as cenas dessas histórias; c) eu, como psicopedagoga, não entendia o que era dito. Vejamos, então, algumas particularidades nestes fragmentos de discurso: “Algumas sessões” supõe uma forma de viver o tempo, o tempo do tratamento que pouco tem a ver com as exigências e ansiedades institucionais, familiares e do próprio profi ssional. Esse é um ponto que o psicopedagogo tem de trabalhar consigo mesmo: a sua própria vivência do tempo, para saber esperar, para saber que as coisas têm um tempo particular e singular para se desenvolverem. Um diagnóstico e processos de intervenções levam seu tempo, nunca podem ser para ontem, tal como a contemporaneidade exige de cada um de nós. Recomendável a leitura de um curto romance de Milan Kundera chamado A lentidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 158 p. Dar-se o tempo para a trama da problemática desabrochar é a melhor forma de preservar-se da tendência a emitir juízos e fazer conclusões antecipadas sem contar com elementos sufi cientes. “Contou histórias e armou as cenas dessas histórias”: aqui podemos perceber o valor e a ênfase da palavra, da fala (nas suas diferentes vertentes), do brincar, da dramatização como condição para compreender o mundo subjetivo da criança. Abre-se nesse contar histórias a dimensão mais puramente humana, sua historicidade. Historicidade que é necessário resgatar para descobrir junto com a criança (neste caso) o sentido e a função de um sintoma. “Eu, como psicopedagoga, não entendia o que era dito” revela a capacidade 17 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 de poder aceitar não saber. É justamente a partir do não saber que aparece o desejo. O desejo que surge de uma falta. Só a partir do desejo de saber é que podemos aprender. Muitas vezes esse desejo entra em confl ito com outras forças psicológicas, do ambiente social, familiar e cultural. As outras somos nós mesmos que temos difi culdade para assumir a própria ignorância. Mas, neste caso, resgatamos a autoridade moral, a dimensão de uma honestidade intelectual para poder dizer e se dizer que não se entende. E é assim mesmo que funciona a prática psicopedagógica. Começa por não se entender, e é muito bom que assim seja para não cair em falsos diagnósticos e consequentemente em modelos ou planos de intervenção elaborados a partir de falsas premissas. Mas continuemos com o relato de Azevedo: Maria, fi lha única, vivia com a mãe desde que nascera. Seu nascimento fora perturbado por lágrimas da mãe: o pai negou-se mesmo a ver o bebê recém- nascido e pediu separação. Quando mãe e fi lha saíram do hospital, foram morar com os avós maternos. Alguns meses depois, os pais de Maria tentaram uma reconciliação e voltaram a morar juntos. Numa noite, a mãe da Maria, chegando a casa, encontrou o marido deitado no berço com a fi lha (sic). Eles discutiram e, numa cena violenta, o pai apertou o pescoço da mãe, quase ao ponto de sufocá-la... A mãe atirou algo nele e saiu com Maria para a casa dos avós. E nada foi dito para eles. Esta história foi contada numa sessão individual com a mãe, logo após uma sessão conjunta mãe e fi lha. Nesta, no meio de uma cena, Maria veio com uma ambulância, para o médico observar o pescoço da boneca que até aquele momento usava sempre um cachecol. A mãe pôs-se chorar e a fi lha abraçou-a dizendo que a amava muito e que “sairiam desta” (AZEVEDO, 1997, p. 63). Neste ponto a psicopedagoga percebeu que Maria queria mostrar alguma coisa. Em toda queixa, seja individual ou institucional, sempre há alguma coisa que se mostra, embora não consigamos saber o signifi cado, e algumas outras que se escondem. Nesse sentido, poderíamos dizer que a queixa não é a queixa. É importante dar um tempo para a verdade do sujeito aparecer. Chamam a atenção dela as queixas da escola: “ela não joga, “não apresenta freio inibitório”. É importante aqui estabelecer que entre as queixas institucionais estão presentes determinadas concepções teóricas e ideológicas sobre as quais é necessário estar atento. O que signifi ca, para “essa” escola, jogar? Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 18 Atividade de Estudos: 1) O que é, para você, jogar? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) O que é, para você, brincar? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) Brincar e jogar são a mesma atividade? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Em outro capítulo voltaremos a abordar a importância do brincar e suas especifi cidades no trabalho psicopedagógico, mas adiantamos em parte o que é nossa concepção de brincar. As crianças são seres falantes. Isso que poderia ser tomado como uma afi rmação simples e uma obviedade não é tão simples assim, quando se leva em conta as formas como são consideradas as crianças. As crianças têm coisas a dizer – e não são poucas coisas – em relação aos seus sofrimentos, às suas descobertas, às suas angústias, aos seus medos, à incompreensibilidade e deciframento de um mundo que às vezes é hostil e às vezes aconchegante, mas, sobretudo, é confl itivo e contraditório. Elaborar este mundo – o impacto sobre a sua subjetividade – só é possível por meio da palavra nas suas diferentes formas: jogar, brincar. (MEDRANO, 2004, p. 29). Se na escola diziam que Maria representava tão bem o desejo de ser um bebê, não estaria ela jogando e a instituição não conseguiu “ler” nessa representação o brincare o dizer de alguma coisa por parte de Maria? Azevedo (1997) entende que era preciso que alguém soubesse “ler” e 19 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 “escutar” Maria. Desta vez Maria convidou sua mãe para participarem juntas de um jogo em uma sessão: Maria distribuiu os papéis. As duas seriam irmãs abandonadas na fl oresta. Arrumariam a casa, fariam a comida e viria o lobo. Virando-se para mim, disse: “Você, Nilse, vai ser o lobo. “O que, então, deverei fazer?” “Quando chegar a hora, você virá, tentará nos pegar e nós te mataremos”. Disse à mãe o que ela deveria fazer e imediatamente entrou no jogo. Maria arrumou toda a casa. Foi buscar frutas com a cestinha e, com a sua ‘irmã’, preparou a comida. Veio o lobo, invadiu a casa. Conseguiu entrar na casa mas foi morto pelas irmãs e caiu no chão. As duas comentaram que o lobo estava morto e seguiram com as lidas da casa. Tanto uma como a outra pulavam sobre mim para passar de um lugar para outro. E seguiram vivendo na casa como se nada tivesse acontecido. Participando da cena, eu não tinha percebido ainda o que tinha sido revelado. Olho para Maria e ela não responde ao meu olhar, ou melhor, responde fi ngindo não me ver. (AZEVEDO, 1997, p. 63-64). Atividade de Estudos: Com os dados oferecidos pela autora: 1) Elabore, a partir dos dados apresentados até aqui, algumas hipóteses sobre as causas e origem da inibição cognitiva. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Consigne e faça uma lista de prováveis motivos e signifi cados da cena que Maria dramatizou junto com a mãe e a psicopedagoga. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 20 Retomaremos em capítulos subsequentes o desenlace do caso. Para isso será necessário fazer alguns passeios conceituais que trabalharemos no capítulo 3. b) Caso Morgan Day School O Morgan Day School (MDS) é uma escola bilíngue (espanhol-inglês) situada num bairro nobre da grande Buenos Aires. No momento da Consulta Psicopedagógica Institucional contava com quatro anos de existência e se perfi lava para ser uma das instituições educativas de referência na região. Durante esses quatro anos aumentara a matricula de alunos conforme um plano empresarial estratégico, mas um fato acontecido durante uma saída pedagógica dos alunos do último ano do primeiro grau preocupou as autoridades e motivou o pedido de consulta. O grupo de alunos, acompanhado por alguns pais e docentes da escola, saíram para visitar um museu. Quando chegaram, desceram do ônibus e começaram a gritar palavrões para as pessoas que transitavam pela rua, jogando bolachas e outros objetos. Vale a pena assinalar que não se tratava de um ato perpetrado por um pequeno grupo, e sim pela turma toda. A visita ao museu foi suspensa e voltaram para a escola. Quando a diretora tomou conhecimento do acontecido, reuniu os alunos, perguntou o porquê desses atos “selvagens” e convocou uma reunião de pais. Nessa reunião, os pais se mostraram muito preocupados e atribuíram à escola a responsabilidade desses acontecimentos, colocando em questão a capacidade da instituição para controlar o comportamento e a educação dos seus fi lhos. Nesse momento é que são convocados os profi ssionais chamados a intervir para tentar compreender o porquê dessa situação e procurar soluções para essa problemática. Atividade de Estudos: 1) Descreva se viveu alguma vez, na sua vida de estudante ou profi ssional, situações de violência verbal ou física. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 21 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Consigne e faça uma lista de prováveis motivos, causas e signifi cados da situação descrita. O que você faria? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Tal como fi zemos com o caso anterior, suspendemos, “por enquanto”, a continuidade do relato para retomá-lo quando contarmos com elementos de análise e de intervenção sufi cientes para elaborar estratégias de diagnóstico e tratamento. Algumas Considerações Chegamos ao fi nal do primeiro momento da nossa viagem. Em cada um de nós começam a surgir perguntas, nem sempre as mesmas. Pretendíamos com essas duas situações - são assim que chegam à consulta - conseguir perceber a complexidade e o mistério que se esconde por trás de uma simples queixa. Retomaremos quando necessário as duas situações-problema, e iremos introduzindo outros dados para compreender como cada elemento novo pode gerar novas e impensadas hipóteses de trabalho. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 22 Quero que neste ponto resgatemos novamente o valor da paciência, do saber esperar, do desafi o que signifi ca abandonar saberes constituídos para sair à procura de novos conhecimentos e novas formas de intervenção, a renúncia ao conforto de modelos prontos de atendimento ou intervenção que matam a singularidade e subjetividade do aprendente-ensinante. Inaugurar juntos um espaço de saber-fazer. Saber que fazer não é um fazer qualquer, que saber fazer requer criatividade, espírito crítico, livre. Um saber fazer a partir do qual nos autorizamos a pensar, a ser autores e atores de ações que ajudarão outros “ensinantes-aprendentes” a sentir o desejo e viver o prazer da sensação de insatisfação por saber mais. Então, peço que me acompanhem nos próximos passeios conceituais, instrumentais, com os quais você construirá sua identidade profi ssional. ReFerÊncias ANDRADE, Márcia. O prazer da autoria. Coleção Temas de Psicopedagogia. Livro 3, São Paulo, 2002. AZEVEDO, N. “Inibição cognitiva: ato falho de conhecimento? Fragmento de um tratamento psicopedagógico”, Buenos Aires: EPSIBA,1997. MEDRANO, C Do silêncio ao brincar São Paulo Vetor Editora, 2004. CAPÍTULO 2 A Psicopedagogia Institucional A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Defi nir os princípios fundamentais da teoria a prática da psicopedagogia institucional. Apresentar os fundamentos epistemológicos que norteiam a teoria ea prática da psicopedagogia institucional. Debater sobre os princípios e fundamentos epistemológicos da teoria e da prática da psicopedagogia institucional. 25 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 ConteXtualiZaçÃo Quem é o psicopedagogo institucional? Onde e como atua? Qual sua prática? Em quais fundamentos e princípios tal atuação se sustenta? Vivenciamos transformações, possibilidades de ressignifi car acerca da aprendizagem. Há urgência na necessidade da refl exão sobre nossas ações buscando responder ao que gera movimentos de prática e teoria na psicopedagogia institucional. Nasce o conceito de instituição aprendente, e este compreende a instituição como sistema vivo, pulsante e produtor de aprendizagens individuais e coletivas. Os estudos a seguir serão permeados dessa importante conceituação que sustentará discussões e refl exões sobre a parceria Psicopedagogia e Instituição. PrincÍpios Gerais e sua Singularidade Cada integrante de uma organização tem suas concepções, e essas são construídas e reconstruídas conforme suas necessidades, experiências e interações. Nesse contexto, pode-se perguntar: como aprendemos? Podemos aprender coletivamente? Uma instituição aprende? E assim, apontamos respostas possíveis: Aprendemos fazendo conexões, aprendemos errando, aprendemos fazendo, aprendemos imitando, aprendemos uns com os outros. Enfi m, aprendemos e aprendemos! Aprendemos coletivamente, o que não signifi ca homogeneamente. Na verdade reconhecemos hoje que aprendemos muito mais nos confl itos, divergências, debates. Sim, nós aprendemos, e muito, nas diferenças. Mas que tal embate seja sempre realizado com diplomacia. Podemos e devemos reivindicar, opinar, divergir, sem esquecer a ética, o cuidado e o respeito com o outro. E, fi nalmente, uma instituição aprende. Uma instituição é o que é, positiva ou negativamente, em razão das aprendizagens. Em nossos dias você deve considerar que a necessidade de atualização é constante. Deparamo-nos com um grande número de informações e precisamos selecionar o que poderá contribuir para sermos melhores na vida profi ssional, acadêmica e pessoal. Para isso, contamos com o auxílio da tecnologia, que é o grande avanço e nos pode levar à conclusão de que a mera habilidade pode ser substituída pela máquina. Precisamos então ser competentes, mas também estar conscientes de que para sermos competentes necessitamos de conhecimento, habilidade, atitude e comunicação. Como adquirir tal competência? Através do aprender. Sendo o Aprendemos fazendo conexões, aprendemos errando, aprendemos fazendo, aprendemos imitando, aprendemos uns com os outros. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 26 aprender objeto de estudo da Psicopedagogia, identifi camos a Psicopedagogia necessária como instrumento mediador de aprendizagem por sondar, analisar, refl etir e favorecer os processos de aprendizagem humana. Podemos estabelecer alguns princípios fundamentais da teoria e prática da Psicopedagogia Institucional parafraseando Barone (1987, p. 19 - 20), na relação entre psicopedagogo e aprendente: • o direito de todos à aprendizagem, ao saber e à cultura; • a leitura e escrita como ferramentas fundamentais ao aprender; • respeito à liberdade; • parceria com a família no diagnóstico e intervenção; • escola como espaço privilegiado de aprendizagem, considerando, também, as demais instituições. Podemos ressaltar a ética e a criticidade como próprias aos princípios citados. Optamos pelo termo aprendente por compreendê-lo como o mais adequado, substituindo paciente ou cliente, considerando, também, que pode se tratar tanto de um indivíduo quanto de uma instituição. Atividade de Estudos: Leia, no site da Associação Brasileira de Psicopedagogia, o artigo Psicopedagogia: ação e parceria, de Marlei Adriana Beyer: http:// www.abpp.com.br/artigos/19.htm. Neste artigo, a autora faz a seguinte afi rmação: “A Psicopedagogia dentro da organização pode orientar ações avaliando a aprendizagem profi ssional, propondo e coordenando cursos de atualização que atendam as necessidades específi cas desse espaço, além de estabelecer princípios técnicos e metodológicos que permitam o tratamento didático dos diferentes programas da Andragogia.” 27 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 1) Pesquise e conceitue ANDRAGOGIA: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ A ConstruçÃo Transdisciplinar do FaZer Psicopedagógico Bossa (2007, p 20) relata a inevitável atuação da Psicopedagogia vista como intersecção dos campos da Psicologia e da Pedagogia. Encontramos em Andrade esclarecimentos e em seguida citamos Paín, defi nindo assim os fundamentos epistemológicos da Psicopedagogia: Psicopedagogia não se coloca no lugar da Pedagogia no sentido de que irá trabalhar com o sujeito cognoscente, o sujeito do conhecimento. Nem no lugar da Psicologia/ Psicanálise ao trabalhar com o sujeito do inconsciente, o sujeito desejante. Por outro lado, não trabalhará com a soma destas duas instâncias, mas na articulação de ambas, no espaço de transformação que surge da fecundação entre sujeito cognoscente e sujeito desejante e que possibilita o nascimento do sujeito aprendente. A Psicopedagogia busca compreender a subjetividade constituída pelo desejo de saber e pela demanda de conhecimento. (ANDRADE, 2006, p. 14). Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente (PAIN,1985, p.15). Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Epistemologia é Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 28 o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas. Trata-se de uma teoria do conhecimento. Dessa forma, podemos apontar que a epistemologia, ou seja, as teorias do conhecimento que fundamentam a Psicopedagogia encontram-se principalmente na Psicologia, Psicanálise e Pedagogia em autores como Piaget, Vygotsky - Leontiev e Lúria - e Freud. Porém, como área inter/multidisciplinar, “recorre-se a outras áreas como a fi losofi a, a neurologia, a sociologia, a lingüística”. (BOSSA, 2007, p. 27). Esse espectro de conhecimentos pode ser ampliado, pois o psicopedagogo institucional necessita ter um profundo e amplo conhecimento do funcionamento dos grupos, da história e da cultura organizacional, bem como do funcionamento administrativo para favorecer a aprendizagem institucional em favor da ética e do progresso da empresa concomitante ao bem-estar de todos os sujeitos pertencentes à instituição. E especifi camente a Psicopedagogia Institucional foca tais estudos no campo das organizações, no campo profi ssional, espaço no qual as mudanças são explícitas como exigência de mercado. É importante perceber que a Psicopedagogia busca o equilíbrio entre os resultados e os processos de aprendizagem;preocupa-se, além da produção e das metas, com aspectos de aprendizagem social referentes às relações, bem como com o aspecto procedimental, pois também podemos aprendemos a fazer. Um trabalho em equipe que ocorra de forma cooperativa é fundamental. E para isso as empresas precisam capacitar os colaboradores, acolher sugestões e críticas e valorizar o trabalho de equipe. O ambiente hostil, demasiadamente competitivo, pode difi cultar a aprendizagem conceitual, procedimental e atitudinal, impedindo habilidades, aptidões e talentos que poderiam atuar efetivamente em benefício da instituição como um todo. O olhar psicopedagógico institucional pode prevenir, detectar e, inclusive, intervir nessas questões específi cas da aprendizagem que alinhem teoria e prática da instituição com os objetivos da organização e a qualidade de vida de seus colaboradores. Ressaltamos que a Psicopedagogia Institucional atua em outros espaços além da escola, como hospitais, empresas e também organizações não governamentais. Encontramos o meio acadêmico e profi ssional em constante mudança, o que gera angústias, incertezas, confl itos certamente, refl exões e transformações. Adequar-se aos As teorias do conhecimento que fundamentam a Psicopedagogia encontram-se principalmente na Psicologia, Psicanálise e Pedagogia O olhar psicopedagógico institucional pode prevenir, detectar e, inclusive, intervir nessas questões específi cas da aprendizagem que alinhem teoria e prática da instituição com os objetivos da organização e a qualidade de vida de seus colaboradores. 29 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 novos tempos e exigências da sociedade é algo produtivo, porém a resistência à mudança é bastante comum nas organizações. O psicopedagogo é o profi ssional adequado para mediar tais processos, impulsionando a aprendizagem. A psicopedagogia acredita que o aprender garantirá o espaço do sujeito, pois favorecerá a adequação de conceitos, procedimentos e atitudes conforme os interesses e necessidades atuais. Objetivamos aprofundar nossos conhecimentos sobre a psicopedagogia institucional e nos apropriar de práticas de atuação no campo organizacional. A psicopedagogia foca seus estudos nos processos de aprendizagem, prevenindo e tratando as difi culdades referentes a esta, atuando na instituição escolar e demais instituições, tendo por objetivo a aprendizagem grupal, em favor da cooperação mútua e do crescimento da instituição. Atividade de Estudos: 1) Classifi que princípios e fundamentos epistemológicos e discorra sobre a relevância de ambos na teoria e prática da Psicopedagogia Institucional. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Da Prática À Teoria e da Teoria À Prática Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 30 Como aproximar tais fundamentos à psicopedagogia nas instituições? A Psicopedagogia Institucional e a Psicopedagogia Clínica têm o mesmo objeto de estudo: o aprender. A Psicopedagogia é única, é uma só, segue concepções diferentes, conforme necessidades e afi nidades dos psicopedagogos, mas tem os mesmos pressupostos de investigação, sondagem, avaliação, diagnóstico para, a partir daí, apontar caminhos que favoreçam o aprender em prol de avanços e melhorias nos processos e nos resultados, sejam eles individuais ou grupais. Assmann (1998, p. 19) explica que: com a expressão sociedade aprendente pretende-se inculcar que a sociedade inteira deve entrar em estado de aprendizagem e transformar-se [...]. Supera-se a era de produção dos bens materiais e estas mudanças paradigmáticas ocorrem na sociedade como um todo, inclusive e principalmente nas instituições de ensino. Porém, reconhecemos a dicotomia entre os discursos, o que se fala e o que realmente ocorre nas instituições, sejam elas escolares ou não. Teoria e prática nem sempre estão afi nadas. As intervenções que ocorrem tanto fora quanto dentro da instituição escolar são imprescindíveis para favorecer o tipo de aprendizagem que poderá ou não impulsionar o desenvolvimento. No entanto, muitas vezes nos deparamos com a instituição escolar propondo uma educação interativa, onde a paisagem que se observa, por exemplo, é de um ambiente totalmente padronizado, ou seja, de carteiras enfi leiradas que imobilizam o corpo da criança e de silêncio total e, no entanto reconhecemos que a criança pode aprender mesmo sem permanecer imobilizada e em silêncio. E será que só o fato da mudança de arquitetura espacial garante a aprendizagem? Ou por vezes, em instituições com propostas similares, se ouve professores justifi cando que “fulano não aprende porque não está maduro”. Mas, afi nal, acreditamos que é a aprendizagem que promove e impulsiona o desenvolvimento, então não precisamos esperar e sim agir. Obviamente, há que se considerar o respeito à criança e evitar intervenções além e aquém de suas possibilidades e necessidades. São estes tipos de discursos que ocorrem nas práticas pedagógicas que nos confundem, fazendo com que deixemos de exercitar efetivamente a educação em que acreditamos e que nos propusemos a fazer. (RODRIGUES, 2006). É difícil atuar com base naquilo em que não acreditamos, mas, na maioria das vezes, são as infl uências externas que acabam nos forçando a assumir um discurso de verdade que não é o nosso. Isso acontece porque o saber tem sempre relação com o poder e vice-versa. Então, dependendo dos acontecimentos, essas relações de poder acabam predominando no tipo de saber que é utilizado, produzindo um tipo de subjetividade que se deseja. 31 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Neide de Aquino Noff s (1995) aponta tarefas do Psicopedagogo Institucional, tais como: administrar confl itos; trabalhar com grupos; propor refl exões; identifi car sintomas de difi culdades nos processos de aprendizagem; organizar atividades de prevenção; auxiliar na defi nição de cargos, papéis e funções; desenvolver estratégias para a prática e compreensão da autonomia (conceito Piagetiano), fazer mediações (conceito Vygotskyano); criar espaços de escuta; levantar hipóteses; observar, entrevistar e fazer devolutivas; fazer sondagens, encaminhamentos e orientações, utilizando-se de metodologia psicopedagógica em favor da aprendizagem. A concepção interacionista compreende que a aprendizagem acontece na troca, nas relações estabelecidas. Dessa forma entendemos que aprendemos uns com os outros. Paulo Freire, o grande educador brasileiro, trata a educação sob o olhar da ética e da estética, ou seja, da decência e da “boniteza”. Entendemos que também devemos defi nir os processos de aprendizagem como processos interativos e cooperativos. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Última publicação, em vida, do grande educador brasileiro Paulo Freire. A aprendizagem é o objeto de estudo da psicopedagogia. Aprender é essencial em nossa vida para melhorarmos, refl etirmose trabalharmos com as diferenças. Aprendemos sempre, cotidianamente. Aprendemos em situações de prazer e de sofrimento, pois aprender é próprio do ser humano, que deve servir à coletividade. O aprender deve ser socializado e assim nos tornamos melhores e sentimos o melhor dos outros. Quando ignoramos, desconhecemos, pouco podemos fazer, mas o fato de conhecer nos exige novas atitudes. Quando aprendemos, assumimos compromisso com esse saber, com aquilo que faremos dele. Na psicopedagogia precisamos nos instrumentalizar para enfrentar desafi os, como a resistência de um grupo ou de parte dele frente às propostas de aprendizagem. Essas situações, que nos devem impulsionar e não bloquear nosso trabalho, é que necessitam de uma intervenção psicopedagógica. Quando tudo está bem em relação ao aprender de um indivíduo, podemos ter um objeto de estudo, mas não um objeto de intervenção, de atuação, como: compreender a dinâmica desse grupo, favorecer novas aprendizagens, ampliar e socializar os saberes e facilitar a interação. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 32 Os estudos empresariais e administrativos, como os estudos em tantas outras áreas, trilharam diversas mudanças no século passado. Com o surgimento das máquinas, novas concepções se formaram em torno do trabalho humano, resultando em mudanças sociais, políticas e econômicas. “O termo administração [...] signifi ca aquele que realiza uma função comandado por outrem, prestando um serviço a outro”. (CHIAVENATO, 1993, p. 7). Nós precisamos reconhecer que cada vez mais essa hierarquia tem seu papel minimizado, privilegiando a autonomia, a participação, a parceria e a cooperação. Mas, a necessidade administrativa persiste. A administração é um campo abrangente. Segundo Chiavenato (2000, p.1), administração nada mais é do que a condução racional das atividades de uma organização, seja ela lucrativa ou não lucrativa. A administração trata do planejamento, da organização (estruturação), da direção e do controle de todas as atividades diferenciadas pela divisão do trabalho que ocorram dentro de uma organização. Maximiano (1997, p. 26) afi rma que “Administração é o processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de recursos.” Algumas etapas norteiam o processo administrativo: planejamento, organização, direção e controle. A Teoria da Administração evolui constantemente, aprimora-se e se atualiza. E hoje seu principal elemento é a pessoa e sua aprendizagem integrada e interativa. Percebemos a evidência de uma competição acirrada, da pressão de mercado, da concorrência etc. Situações tendiam à desqualifi cação profi ssional, à defasagem dos saberes, ao detrimento das habilidades humanas em relação ao trabalho mecânico que aos olhos da Teoria Comportamental são analisados, interpretados e criticados, pois, o reconhecimento e a valorização do capital humano em uma organização é tendência efetiva. A inteligência emocional, a qualifi cação, a formação continuada são pilares dessa nova forma de estruturar as organizações. Realizar tais mudanças e transformações vai além da sobrevivência e se fi rma, principalmente, na qualidade de vida. Vivemos cada vez mais, trabalhamos cada vez mais, portanto, estar bem é essencial e resulta na qualidade do trabalho, da atuação profi ssional. O papel do psicopedagogo na empresa, juntamente com o profi ssional de Recursos Humanos, contribuirá para a manutenção dos talentos, o aprimoramento das habilidades e a ampliação dos conhecimentos de acordo com as necessidades e as propostas da instituição. O reconhecimento e a valorização do capital humano em uma organização é tendência efetiva.. 33 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Acesse o site: www.chiavenato.com Você irá encontrar materiais muito interessantes sobre assuntos como: Gestão de Pessoas, O Capital Humano das Organizações, Comportamento Organizacional, entre tantos outros. Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu nem desconfi ava que existissem lugares muito diferentes... Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano. Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito (ROCHA, 2003, p.19). Rocha, em sua literatura infantil, faz um relato institucional, no qual é possível perceber sua análise e crítica a um modelo de instituição escolar. Atividade de Estudos: 1) Relate, brevemente, com um olhar psicopedagógico, sobre as instituições escolares que temos e as instituições escolares que queremos. Descreva percepções pessoais sobre as instituições reais com seus acertos e erros e a instituição ideal. Lembre-se de que, quando falamos da psicopedagogia, nosso objeto de estudo é a aprendizagem. Você pode, se preferir, optar por outra instituição que não a escolar, mas é fundamental ter um olhar crítico focado no aprender: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 34 ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ A Psicopedagogia Institucional aborda possibilidades do aprender conceitual, procedimental e atitudinal nas instituições. A Psicopedagogia Institucional é um campo multidisciplinar e, portanto, pode fundamentar-se em teóricos como Piaget, Vygotsky, Freud, bem como em Wallon, Gardner, Foucault – autor fundamental na área institucional; em autores das áreas empresariais e administrativas como Peter Senge, Chiavenato e em autores essencialmente da Psicopedagogia, como Alícia Fernandez, Sara Pain, Jorge Visca e Eulália Bassedas. Partindo do pressuposto de que o aprender é subjetivo e sistêmico, surge o conceito de “instituição aprendente”. Para compreender a ideia de instituição aprendente, confi ra o que nos dizem Carlos Ramos Mota, Najla Veloso e Sampaio Barbosa (Salto para o Futuro, 2004): Uma escola à altura do seu tempo traz para si a responsabilidade de investigar as questões postas pelos seus constituintes. Para isso, reorganiza-se como espaço social do diálogo, com base na equidade dos saberes, nas diferentes contribuições científi cas, nas percepções do cotidiano humano, nas manifestações da cultura, enfi m, numa permanente busca de alternativas para as demandas de seu público. A escola se transforma em uma instituição aprendente e seus integrantes, sujeitos sociais interferentes, capazes de denunciar e anunciar as reais necessidades do mundo em que vivem. (MOTA, VELOSO; BARBOSA, 2004). Pode haver contribuição da Psicopedagogia em toda e qualquer instituição, seja ela escolar, empresarial, hospitalar, pois nessas organizaçõeshá necessidade de transformação, de crescimento e adequação aos novos tempos e necessidades. Acreditamos que tal transformação se dá somente através do aprender, do aprender em grupo, da integração e cooperação. A Psicopedagogia Institucional aborda possibilidades do aprender conceitual, procedimental e atitudinal nas instituições. 35 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Muitas mudanças estão acontecendo no desenvolvimento das organizações, determinadas ora pelas imposições do mercado, ora pela necessidade de reorganização do ambiente interno organizacional. O conhecimento humano surge como principal fonte de vantagem competitiva para as organizações. Como você compreende a Instituição Aprendente? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Escolas que Aprendem, de Peter Senge. Também há uma adaptação do livro disponibilizado no site: • http://www.aprendente.com.br/materiais/artigo_escolasqueaprend em.pdf Algumas Considerações Retomamos as primeiras questões ao contextualizarmos a disciplina: Quem é o psicopedagogo institucional? Onde e como atua? Qual sua prática? Em quais fundamentos e princípios tal atuação se sustenta? No decorrer do estudo, procuramos favorecer a refl exão sobre a psicopedagogia, seu enfoque institucional, e a relevância do psicopedagogo junto às instituições. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 36 Conhecemos seus princípios gerais dos quais destacamos o primeiro deles: “o direito de todos à aprendizagem”, os principais fundamentos, dos estudos de Freud, Vygotsky e Piaget, ressaltando ainda o caráter transdisciplinar da psicopedagogia. Nas instituições, especifi camente, há necessidade dos saberes organizacionais, empresariais e administrativos. Enfi m, compreender o espaço institucional como um espaço privilegiado do aprender coletivo e cooperativo é entender a instituição como aprendente, organização viva, complexa, que se forma e transforma e assim permanece e evolui. ReFerÊncias ANDRADE, Márcia Siqueira de. Ensinante e aprendente: a construção da autoria de pensamento. Construção Psicopedagógica, São Paulo, v. 14, n. 1, p.00-00, dez. 2006. Anual. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci_issuetoc&pid=1415-695420060001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 ago. 2009. BARONE, Leda Maria Codeço. Considerações a respeito do estabelecimento da ética do psicopedagogo. In SCOZ, Beatriz Judith Lima (et al.) Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profi ssional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artemed, 2007. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000. MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Atlas, 1997. MOTA, Carlos Ramos. VELOSO, Najla. BARBOSA, Sampaio. Salto para o Futuro. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2004/cp/ tetxt1.htm>. 10 ago. 2009. NOFFS, Neide de Aquino. Entrevista: Palavra de Presidente. Revista Psicopedagogia. 5 set. 1995. PAÍN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artemed, 1985. ROCHA, Ruth. (Este) Admirável Mundo Louco. São Paulo: Salamandra, 2003. CAPÍTULO 3 Passeios Conceituais A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer os conceitos que fundamentam o trabalho Psicopedagógico nas instituições. Valorizar o uso e a importância dos marcos conceituais para poder interpretar a realidade Psicopedagógica numa instituição. 39 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 ConteXtualiZaçÃo Neste capítulo vamos mergulhar nos conceitos necessários para que você consiga construir sua identidade e prática profi ssional, tal como fi zemos referência no fi nal do capítulo 1. Para isso retomaremos, cada vez que necessários, os dois casos (Maria e Morgan Day School). No capítulo I apresentamos as queixas e os motivos de consulta para, a partir deles, poder perceber quais são os elementos e conceitos de que necessitamos para compreender e elaborar as estratégias para a resolução das problemáticas com as quais o psicopedagogo tem de trabalhar e pelas quais é demandado. Um dos conceitos já introduzidos em disciplinas anteriores é o de sujeito. Termo que foi aparecendo sutilmente, mas sobre o qual estamos obrigados a nos debruçar para podermos entender como se articula com as noções de, por exemplo, “aprendente” e “ensinante”. Seremos obrigados a adentrar ainda mais na teoria psicanalítica, na teoria dos grupos, na psicologia social, por serem algumas das bases nas quais se sustentam a prática psicopedagógica clínica e a institucional. Práticas que, como você já sabe, não se pode separar de forma absoluta, por funcionarem de forma entrelaçada e interdependente. Os conceitos e as teorias de onde surgem servem para fundamentar a prática psicopedagógica, assim como acontece com outras práticas profi ssionais. Servem para compreender as problemáticas para as quais somos convocados a atuar. Orientam na escolha dos caminhos a trilhar. Com eles fazemos da nossa prática uma prática científi ca, preservando dessa forma os sujeitos com os quais trabalhamos do saber vulgar baseado na tradição ou na ingenuidade. Para você poder orientar, organizar e intervir psicopedagogicamente, necessitará de ferramentas. Essas ferramentas surgiram e se sustentam em referenciais teóricos específi cos. Nossa viagem continua através deles. Psicanálise: Teoria do SuJeito e da SuBJetiVidade Vamos trabalhar as noções de sujeito e de subjetividade a partir da teoria psicanalítica. Quando falamos de “ensinante”, de “aprendente”, estamos fazendo referências a um sujeito que ensina e aprende, mas não desde qualquer lugar, senão desde e com a sua subjetividade. É a minha subjetividade, é a sua subjetividade que está em jogo aqui, enquanto eu escrevo para você, enquanto Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 40 você lê, interpreta e pensa sobre essas ideias. Eu sou autor enquanto escrevo, você é autor enquanto pensa. Estamos no plano da intersubjetividade. Que signifi ca isto? Primeiramente que não há sujeito a não ser em relação a um outro. Essa relação é a condição da constituição da subjetividade. É por isso que o sujeito sempre está sujeitado a outro. Este outro funciona como igual, mas ambos por sua vez estão sujeitados a um Outro (lugar da terceiridade, da cultura, da Ley). Ensinar e aprender são o resultado dessa dupla sujeição, ao outro e ao Outro. Essas sujeições, e aqui começaremos a nos debruçar sobre alguns conceitos psicanalíticos, não pertencem ao nosso domínio. Na realidade somos dominados por saberes dos quais nada sabemos, dos quais não temos conseguido nos apropriar. A esses saberes é que damos o nome de inconscientes. Inconsciente é a palavra que inaugura e a partir do qual se constrói o pensamento psicanalítico. a) Mas, o que é psicanálise? O mentor da teoria psicanalíticafoi Sigmund Freud, no fi nal do século XIX e começo do século XX. Foi ele que atribuiu o nome de Psicanálise à teoria na qual, segundo Laplanche e Pontalis (2001), é possível distinguir três tipos de enfoques: a) Um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o signifi cado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito. Este método baseia-se principalmente nas associações livres do sujeito que são a garantia da validade da interpretação. A interpretação psicanalítica pode estender- se a produções humanas para as quais não se dispõe de associações livres. b) Um método psicoterápico baseado nesta investigação e especifi cado pela interpretação controlada da resistência, da transferência, e do desejo. O emprego da psicanálise como sinônimo de tratamento psicanalítico está ligado a este sentido; exemplo: começar uma psicanálise (ou uma análise). c) Um conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas em que são sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de investigação e de tratamento (p. 384-385). A seguir, apresentamos alguns conceitos que são essenciais na compreensão da teoria psicanalítica. Acompanhe!!! Associação livre: método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento 41 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 39). Interpretação: a) destaque, pela investigação analítica, do sentido latente nas palavras e nos comportamentos de um sujeito. A interpretação traz à luz as modalidades do confl ito defensivo e, em última análise, tem em vista o desejo que se formula em qualquer produção do inconsciente. b) No tratamento, comunicação feita ao sujeito, visando a dar acesso a esse sentido latente, segundo as regras determinadas pela direção e evolução do tratamento. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 245). Transferência: designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É a transferência no tratamento que os psicanalistas chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualifi cativo. A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este tratamento. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 514). Desejo: Jaques Lacan procurou recentrar a descoberta freudiana na noção de desejo e recolocar essa noção no primeiro plano da teoria analítica. Nessa perspectiva, foi levado a distingui-la de noções com as quais muitas vezes é confundida, como as de necessidade e demanda. A necessidade visa um objeto específi co e satisfaz-se com ele. A demanda é formada e dirige-se a outrem. Embora incida ainda sobre um objeto, este não é essencial para ela, pois a demanda articulada é, no fundo, demanda de amor. O desejo nasce da defasagem entre a necessidade e a demanda; é irredutível à necessidade, porque não é no seu fundamento relação com um objeto real, independente do sujeito, mas com a fantasia; é irredutível à demanda na medida em que procura impor-se sem levar em conta a linguagem e o inconsciente do outro, e exige absolutamente ser reconhecido por ele. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 114). Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 42 Atividade de Estudos: 1) Procure dados biográfi cos e principais aportes à teoria psicanalítica dos seguintes autores: a) Sigmund Freud: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) Jaques Lacan: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ c) Maud Mannoni: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O surgimento da teoria psicanalítica signifi cou uma ruptura epistemológica em relação ao modo de pensar o Homem. Segundo Freud, a humanidade passou por três grandes desilusões, que ele chamou de feridas narcísicas (fazendo alusão ao Mito grego de Narciso). O conhecimento desse mito será importante para 43 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 poder entender alguns processos psíquicos que fazem parte da constituição da subjetividade e de certos movimentos nos grupos e nas instituições. Movimentos fundamentalmente relacionados com os diferentes tipos de identifi cações entre os membros e nas relações intersubjetivas. A primeira grande desilusão foi a chamada revolução copernicana. Momento em que cai a ideia de a Terra ser o centro do universo e não mais do que um simples planeta que orbita ao redor de uma estrela. O homem passou do centro à periferia. A segunda ferida se refere à teoria da evolução das espécies elaborada por Charles Darwin no século XIX, na qual demonstra a origem do Homem a partir do reino animal. A terceira é a infl igida pelo próprio Freud, quando declara que não somos donos de nós mesmos e que estamos sujeitados a forças desconhecidas que controlam nosso comportamento e das quais nada sabemos. A teoria psicanalítica é parte do acervo cultural desde o início do século XX e hoje convive no nosso cotidiano como um saber com o qual convivemos, embora não tenhamos conhecimento das especifi cidades que cada conceito encerra. A tradicional expressão “Freud explica”, arraigada no dizer popular, é prova disso. O pensamento psicanalítico, a lógica psicanalítica convive diariamente com cada um de nós, comigo, com você. Temos aprendido a desconfi ar da inocência de um simples erro. Reconhecemos nele uma intencionalidade, um sentido do qual o sujeito nada quer saber. Entramos desse modo no conceito nodal da teoria psicanalítica que é o conceito de inconsciente. Vale a pena lembrar que a teoria psicanalítica tem mais de cem anos e que os conceitos foram mudando e evoluindo. Também o conceito de inconsciente mudou ao longo da história: nas diferentes correntes em que está dividido o pensamento psicanalítico, este conceito foi adquirindo diferentes sentidos e signifi cados. Dentre todos eles, vamos escolher aquele que vem ao encontro do pensamento psicopedagógico, tal como é trabalhado por Alicia Fernandez. No ano de 1900, Freud publica o livro “A interpretação dos sonhos”. Nesse texto resgata o valor dos sonhos para compreender a vida psíquica das pessoas. No capitulo VII, elabora oque é conhecido como Primeira teoria do aparelho psíquico ou Primeira tópica freudiana. Reconhece a existência de três instâncias: Consciente, Pré-consciente Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 44 e Inconsciente. Entre esses sistemas circulam o que Freud chama de representações. Atualmente, e a partir do ensino de Lacan (1983), que incorporou os conhecimentos da linguística e da antropologia estrutural, chamamos a esses elementos de signifi cantes. Os signifi cantes formam correntes e é a partir dessas correntes que podemos entender o sentido e o signifi cado dos sintomas e das produções do inconsciente. Freud utilizou três modelos para tentar compreender como essas representações, esses signifi cantes produzem efeitos sobre a vida psíquica de um sujeito. A esses modelos Freud chamou-os de Econômico, Tópico e Dinâmico, que atuam entrelaçadamente. Já em 1923, Freud publica um trabalho titulado “O ego e o Id”, no qual elabora a Segunda teoria do Aparelho Psíquico. Essa nova forma de explicar o funcionamento mental não invalida a anterior, ela a complementa. Surgem assim as noções de Ego (ou Eu), Super-ego (ou super-eu) e Id (ou isso). A teoria freudiana trabalha a partir da ideia de que a vida psíquica acontece numa luta contínua entre elementos que entram em confl ito e de cujo conhecimento só conseguimos saber a partir das formações resultantes dessa luta (sonhos, atos falhos, sintomas). Como você pode perceber, introduzimos outras palavras caras ao pensamento e fazer psicopedagógico: sentido, signifi cado e sintoma. Vamos retomar neste ponto os dois casos que apresentamos no capítulo 1 para tentar ler à luz desses conceitos algumas das singularidades. Agora pode começar a fi car mais clara aquela afi rmação: “A queixa não é a queixa”. Aquilo que é colocado como motivo de consulta é um sintoma, é dizer, uma formação produzida por representações ou signifi cantes inconscientes em confl ito. b) As “queixas” no Caso Maria e no caso Morgan Day School Embora a princípio as queixas em relação à Maria possam ser pensadas a partir, tal como a autora do texto de referência o fez, da Psicopedagogia Clínica, é importante poder reconhecer nessa problemática singular o quê, da instituição escolar, está em jogo. Neste caso fazemos também uma análise institucional sobre o papel da escola e/ou da professora sobre o que é falado em relação à Maria. Preferimos, seguindo uma longa tradição dentro da psicologia e da psicopedagogia, diferenciar o Motivo de Consulta do que é chamado de Queixa. 45 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 Sem essa diferenciação, limitamos a possibilidade de pensar a motivação que leva alguém a consultar, da presença ou não da vivência subjetiva que provoca o mal-estar de uma difi culdade ou problemática. Assim é que pode ir surgindo uma série de perguntas, como: Quem consulta? O que o motiva a fazer essa consulta? Sobre quem recai o pedido de consulta? Qual o problema sobre o que se consulta? A palavra queixa deixa pouca margem para desdobrar uma problemática que, como você sabe, é complexa. A Queixa é parte do motivo de consulta. É a parte das reclamações, do sofrimento, da sensação de impotência perante uma problemática para a qual não se tem a solução. É o lamento, fala da angústia. Vejamos como tem funcionado nos casos que apresentamos. • Caso Maria - comportamento inadequado para sua idade e também para o processo de preparação à alfabetização; - ela se comportava como bebê, querendo fi car só no colo, chorando. Brincava, às vezes, mas se negava a fazer tarefas propostas. Qual a leitura que podemos fazer dessas queixas? Embora Maria tenha sido encaminhada para tratamento psicopedagógico individual, não podemos ignorar nem omitir a dimensão institucional presente nessas queixas. Embora a indicação de tratamento psicopedagógico clínico para Maria esteja plenamente justifi cada, é importante resgatar e pesquisar a dimensão institucional, ou seja, como o sintoma de um sujeito se entrelaça com os sintomas institucionais. Quando falo de plenamente justifi cado, quero dizer: só a partir do resultado das aproximações diagnósticas realizadas pela psicopedagoga clínica e não pelas queixas apresentadas pela escola ou professora. A expressão “comportamento inadequado para a sua idade” remete a uma concepção da pedagogia que se sustenta em parâmetros de normalidade / anormalidade que resultam difíceis de sustentar na atualidade. Comportar-se como bebê, negar-se a fazer tarefas propostas, brincar às vezes, não signifi cam nada em si mesmas. Poderia tratar-se de apreciações subjetivas da professora ou da escola a partir de certos preconceitos ou modelos em que estão implicados Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 46 pressupostos nos quais se ressignifi cam certas expressões que circulam no imaginário escolar com um peso específi co muitas vezes alienante. O trabalho do psicopedagogo institucional é o de entrar nesse particular mundo da instituição (no caso escolar) para resgatar os sentidos ocultos das práticas e dos discursos que regulam a relação entre os membros da comunidade institucional. No caso que nos ocupa, saber como é vivido pela escola ou pela professora o ato de alguém negar-se a fazer alguma coisa, o fato de alguém estar a fi m ou não de brincar (sem esquecer que o brincar é uma das poucas atividades humanas impossível de ser realizada por obrigação) ou o signifi cado e repercussão do comportamento inadequado. • Caso Morgan Day School O interesse por compreender a conduta dos alunos e o interesse por preservar o nome e prestígio da instituição acabam se confundindo no pedido de intervenção. Aqui fi ca em evidência a diferença que estabeleci entre Queixa e Motivo de Consulta. A queixa (reclamação) está relacionada com o comportamento dos alunos, o motivo da consulta denuncia o temor de desabar o projeto institucional da escola. O pedido da escola foi o de programar algum tipo de dispositivo para poder acalmar os pais que fi caram revoltados com a conduta dos fi lhos, mas responsabilizando a escola. Também para disciplinar os alunos dessa turma para que esses fatos não voltem a se repetir e de fazer um trabalho de prevenção com outras turmas para detectar possíveis e/ou futuros atos de vandalismo. O motivo de consulta diz muito mais do que a queixa em relação ao mal-estar e sobre as fantasias e ansiedades depositadas por parte da instituição sobre o psicopedagogo. A esse processo de projeção de fantasias, angústias, ansiedades é que a psicanálise dá o nome de transferência. Você pode voltar à defi nição de transferência que aparece em páginas anteriores para perceber como esse conceito técnico e teórico começa a funcionar na prática psicopedagógica. 47 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 Nesse primeiro momento, que chamamos de aproximação diagnóstica, limitamos o trabalho à função da escuta. É um momento privilegiado que exige do psicopedagogo um dos maiores esforços, que é a “não intervenção”. “Não intervenção” que é uma forma de intervir, deixando que sejam os próprios sintomas institucionais os que falem e façam-se escutar. Dar respostas precipitadas pode contaminar todo o trabalho a ser desenvolvido. Neste momento queremos saber sobre o desejo da instituição, aquele escondido por trás das palavras com as quais a instituição se apresenta, por trás das queixas (próprias ou alheias), sobre o poder de reconhecer-se como sendo parte das problemáticas que coloca. Vamos fazer mais uma parada nesta viagem para conhecer outros conceitos necessários para as próximas etapas. Mais uma vez apelo para a sua capacidade de manter o “por enquanto”, a capacidade de não se debruçar perante a necessidade
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