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Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 1 O material abaixo é composto por: Cópia de trechos dos textos recomendados pelo professor da disciplina com marcações das partes consideradas importantes para estudo. transcrições das aulas do 6º semestre do curso de psicologia, acrescidas de observações com o entendimento da aluna; pesquisa bibliográfica sobre o tema “psicodiagnóstico” e trechos retirados da internet, sem as respectivas referências; CONTEXTO GERAL DO DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO Marília Ancona-Lopez A palavra diagnóstico origina-se do grego diagnõztikôe e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de. Compreendido dessa forma, o diagnóstico é inevitável, pois, sempre que explicitamos nossa compreensão sobre um fenômeno, realizamos um de seus possíveis diagnósticos, isto é, discernimos nele aspectos, características e relações que compõem um todo, o qual chamamos de conhecimento do fenómeno. Para chegarmos a esse conhecimento, utilizamos processos de observações, de avaliações e de interpretações que se baseiam em nossas percepções, experiências, informações adquiridas e formas de pensamento. É nesse sentido amplo que a compreensão de um fenômeno se confunde com o diagnóstico do mesmo. Em sentido mais restrito, utiliza-se o termo diagnóstico para referir-se à possibilidade de conhecimento que vai além daquela que o senso comum pode dar, ou seja, à Nome do Professor Data 6º semestre PSICODIAGNÓSTICO Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 2 possibilidade de significar a realidade que faz uso de conceitos, noções e teorias científicas. Quando procuramos ler determinado fato a partir de conhecimentos específicos, estamos realizando um diagnóstico no campo da ciência ao qual esses conhecimentos se referem. Uma folha de papel pode ser compreendida através de um estudo do material que a compõe, de seu custo, da sua utilidade social ou de seu surgimento histórico, dependendo dos conhecimentos colocados a serviço da busca de compreensão. Evidentemente, nem todos os conhecimentos podem ser aplicados a todos os fatos. Conhecimentos de Álgebra dificilmente nos serão úteis para a compreensão da História do Brasil e vice-versa, se, porém, o objeto de estudo de diversas ciências for o mesmo, será possível aplicar a esse objeto os conhecimentos de todas essas ciências. Por exemplo, ao estudar um animal utilizando conhecimentos da Zoologia, enriqueceremos esse estudo recorrendo à Biologia. A Psicologia se insere no conjunto das Ciências Humanas. Utilizamos seus conhecimentos para a compreensão de qualquer fenômeno humano. Esse mesmo fenômeno poderá também ser objeto de estudo de outras ciências, o que permitirá integrar conhecimentos, enriquecendo nossa compreensão. Porém, ainda que empreguemos dados de outras ciências, ao tratarmos das funções do psicólogo, estaremos sempre nos referindo ao conjunto de fenómenos possíveis de serem estudados pela Psicologia e ao conjunto de conhecimentos psicológicos que se desenvolveram a partir do estudo desses fenômenos. De fato, o objeto de estudo, os conhecimentos e métodos utilizados caracterizam nosso trabalho, delimitar nosso campo de competência e permitem que se desenvolva nossa identidade profissional. Os conhecimentos dentro do campo da Psicologia, como de qualquer outra ciência, não se agrupam indiscriminadamente. Constituem e estão constituídos em teorias das quais decorrem os procedimentos e em técnicas. Na história da Psicologia encontramos inúmeras teorias que definem de forma diferente seu objeto de estudo e o método a utilizar. Algumas tomaram métodos emprestados das ciências naturais, definindo em função dos mesmos o fenômeno a estudar, e algumas buscaram criar métodos próprios. Mesmo a classificação da Psicologia como ciência humana, ou como ciência natural, e o reconhecimento da Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 3 existência de teorias psicológicas foram e são muitas vezes questionados pelos estudiosos do conhecimento. Porém, estas são as organizações do conhecimento que encontramos no atual estágio do desenvolvimento da Psicologia. São as que estudamos, frente às quais nos posicionamos e com as quais trabalhamos. Neste livro trataremos do diagnóstico psicológico, O diagnóstico psicológico busca uma forma de compreensão situada no âmbito da Psicologia. Em nosso País, é uma das funções exclusivas do psicólogo garantidas por lei (Lei n.° 4119 de 27-8- 1962, que dispõe sobre 2a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo). Outras funções exclusivas são a orientação e seleção profissional, orientação psicopedagógica, solução de problemas de ajustamento, direção de serviços de Psicologia, ensino e supervisão profissional, assessoria e perícias sobre assuntos de Psicologia. Quando nos dispomos a realizar um psicodiagnóstico, presumimos possuir conhecimentos teóricos, dominar procedimentos e técnicas psicológicas. Como são muitas as teorias existentes, e nem sempre convergentes, a atuação do psicólogo em diagnóstico, assim como nas outras funções privativas da profissão, varia consideravelmente. Em outras palavras, é porque a atuação profissional depende de uma forma de conhecimento, método de estudo e procedimentos utilizados — considerando que na Psicologia estes são muitas vezes incipientes —, que se encontram muitas concepções e estruturações diferentes do diagnóstico psicológico. O próprio uso do termo varia, de acordo com essas concepções. Encontra-se, muitas vezes, ao invés de “diagnóstico psicológico”, a utilização dos termos “psicodiagnóstico”, “diagnóstico da personalidade”, “estudo de caso” ou “avaliação psicológica”, Cada um desses termos é utilizado preferencialmente por grupos de profissionais posicionados de formas diferentes diante da Psicologia. Assim, antes de nos propormos a atuar profissionalmente, será interessante explicitarmos sobre que fenômenos pretendemos atuar, quais serão os referenciais teóricos, os métodos e procedimentos a utilizar. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 4 A PSICOLOGIA CLÍNICA E AS ABORDAGENS PSICODIAGNÓSTICAS O termo Psicologia Clínica foi utilizado, pela primeira vez, eu 1896, referindo-se a procedimentos diagnósticos utilizados junto à clínica médica, com crianças deficientes físicas e mentais. O interesse por esse diagnóstico surgiu a partir do momento em que as doenças mentais foram consideradas semelhantes às doenças físicas. Passaram, então, a fazer parte do universo de estudo da ciência, e não mais da religião, como anteriormente, quando eram consideradas castigos divinos ou possessões. Pareadas com as doenças físicas, foi necessário observar as doenças mentais, verificar sua existência como entidades específicas, descrevê-las e classificá-las. Dessa forma, a par da Psiquiatria, atividade médica destinada a combater a doença mental, desenvolveu-se a Psicopatologia, ou seja, o ramo da ciência voltado ao estudo do comportamento anormal, definindo-o, compreendendo seus aspectos subjacentes, sua etiologia, classificação e aspectos sociais. Do mesmo modo, a par do desenvolvimento da Psicologia, isto é, do estudo sintomático da vida psíquica em geral, desenvolveu-se a Psicologia Clínica, como atividade voltada à prevenção e ao alívio do sofrimento psíquico, A BUSCA DE UM CONHECIMENTO OBJETIVO A forma de atuação inicial em psicodiagnóstico refletir a postura predominante, na época, entre os cientistas. Estes consideravam possível chegar-se ao conhecimento objetivo de um fenômeno, utilizando uma metodologia baseada em observação imparcial e experimentação. Esta postura, na qual a confirmação de hipóteses se baseia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo como posturapositivista, predominou principalmente no continente americano, Dentro dessa orientação, desenvolveram-se o modelo médico de psicodiagnóstico, o modelo psicométrico e o modelo behaviorista. O MODELO MÉDICO O trabalho em diagnóstico psicológico junto aos médicos marcou o início da atuação profissional. Houve uma transposição do modelo médico para o modelo Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 5 psicológico. Este adquiriu algumas características: enfatizou os aspectos patológicos do indivíduo, usando como quadros referenciais as nosologias psicopatológicas e enfatizou uso de instrumentos de medidas de determinadas características do indivíduo. No campo da Psicopatologia, multiplicaram-se as tentativas de estabelecer diferenças entre desordens orgânicas, endógenas, e desordens funcionais, exógenas, procurando se estabelecer relações entre as mesmas e os distúrbios de comportamento, estabeleceram-se, também, relações de causalidade entre os distúrbios orgânicos e os distúrbios psicológicos, principalmente nas áreas da Neurologia e da Bioquímica. Na procura do estabelecimento de quadros classificatórios das doenças mentais, precisos e mutuamente exclusivos, buscou-se organizar síndromes sintomáticas que caracterizassem esses quadros e pudessem ser observadas. Os comportamentos considerados patológicos passaram a ser descritos detalhadamente. Elaboraram-se testes para determinar e detectar os processos psíquicos subjacentes, inclusive detectar tendências patológicas. O objetivo desses testes, na prática, era fornecer informações aos médicos que as utilizavam, como subsídios para determinar os diagnósticos psicopatológicos. Procuravam-se também, nos testes, sinais de distúrbios orgânicos que, pareados aos dados sintomáticos, justificassem pesquisas médicas mais aprofundadas. As dificuldades encontradas nessa abordagem ligaram-se ao fato de que os quadros sintomáticos nem sempre se adequam ao quadro apresentado pelo sujeito. Além disto, os mesmos sintomas podiam ter muitas vezes causas diversas e, vice-versa, as mesmas causas podiam provocar diferentes sintomas. Do Ponto de vista do psicólogo, a grande ênfase nos aspectos psicopatológicos deixava em segundo plano características não-patológicas do comportamento das pessoas, limitando o estudo e o conhecimento sobre o indivíduo. Apesar dessas dificuldades, utilizam-se até hoje classificações psicopatológicas, principalmente no que se refere aos grandes grupos nosológicos. Convém lembrar que, dentro da Psicopatologia, há diferentes classificações, e estas obedecem a diferentes critérios. A UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS JUSTIFICA-SE, PORÉM, PELA BUSCA DE UMA LINGUAGEM COMUM. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 6 O MODELO PSICOMÉTRICO O desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um campo de atuação exclusivo para o psicólogo e garantindo sua identidade profissional, embora precária, já que condicionada à autoridade do médico a quem cabia solicitar esses testes e receber os resultados dos mesmos. Na atuação, foi com o uso de testes, principalmente junto a crianças, que os psicólogos ganharam maior autonomia. Nesse trabalho, esforçavam-se por determinar, através dos testes, a capacidade intelectual das crianças, suas aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar. Esses resultados, com o tempo, deixaram de set obrigatoriamente entregues a outros profissionais. Utilizados pelos próprios psicólogos, serviam agora para orientar pais, professores ou os próprios médicos. Na utilização dos resultados dos testes, tornou-se menos importante detectar distúrbios e classificá-los psicopatologicamente, mas sim estabelecer diferenças individuais e orientações específicas. A visão de homem subjacente ao modelo psicométrico implicava a existência de características genéricas do com portamento humano. Essas características, de ordem genética e constitucional, eram consideradas relativamente imutáveis. Os testes visavam a identificá-las, classificá-las e medi-las. Entre as teorias da Psicologia que procuraram explicitar essa visão, encontram-se a Tipologia, a Psicologia da Faculdades e a Psicologia do Traço, cada um a delas definindo um conceito de homem e indicando um a forma de diagnosticá-lo. O desenvolvimento da Psicologia nessas direções foi bastante influenciado por acontecimentos históricos, principalmente nos Estados Unidos. Neste país, durante a Segunda Guerra Mundial atribuiu-se à Psicologia a função de selecionar indivíduos, aptos ou não para o exército, e avaliar os efeitos da guerra sobre os que dela retornavam. Foi destinada maior verba às pesquisas psicológicas e proliferaram os testes. Estes foram amplamente difundidos no Brasil. O MODELO BEHAVIORISTA Enfatizando a postura positivista, desenvolveram-se as teorias behavioristas. Estas, partindo do princípio de que o homem pode ser estudado como qualquer outro fenômeno da natureza, incluíram a Psicologia entre as ciências naturais e transportaram seus métodos para o estudo do homem. A fim de poder aplicar o método das ciências naturais, necessitavam de um objeto de estudo observável e mensurável, e declararam o com portamento observável como o único objeto Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 7 possível de ser estudado pela Psicologia. Consideraram que o comportamento humano não decorre de características inatas e imutáveis, mas é aprendido, podendo ser modificado. Passaram a estudá-lo, preocupando-se em alcançar as leis que o regem e as variáveis que nele influem, a fim de se poder agir sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o. Os behavioristas criaram formas próprias de avaliação do comportamento a ser estudado. Não utilizaram o termo "psicodiagnóstico”, valendo-se dos termos “levantamentos de repertório” ou “análises de com portamento”. 1.2.2. A IMPORTÂNCIA DA SUBJETIVIDADE Paralelamente a essas tendências, desenvolveu-se uma nova forma de conhecimento que repercutiu consideravelmente na Psicologia. Desde o início do século, alguns filósofos insurgiram-se contra a visão de ciência que considerava possível uma total separação entre o sujeito e o objeto de estudo. Para esses filósofos, todo o conhecimento é estabelecido pelo homem, não se podendo negar a participação de sua subjetividade. Dessa forma, não é possível admitir como válida uma psicologia positivista, objetiva e experimental. O homem não pode ser estudado como um mero objeto, fazendo parte do mundo, pois o próprio mundo não passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa. Desse modo, os métodos das ciências naturais não poderiam ser transpostos para as ciências humanas, já que estas possuem características específicas. Esta forma de pensar foi marcante para a Psicopatologia e para a Psicologia. No campo desta última, deu origem à Psicologia Fenomenológico-existencial e à Psicologia Humanista. Todas essas correntes afirmam que a consciência, a vida intencional, determina e é determinada pelo mundo, sendo fonte de significação e valor. Salientam o caráter holístico do homem e sua capacidade de escolha e autodeterminação. Partindo dessa posição frente ao homem e â ciência, inúmeras escolas surgiram e encararam de formas diversas a questão do psicodiagnóstico. Na subjetividade as queixas serão semelhantes, porém o contexto será diferente. Logo, não será padronizado e nem estigmatizado como por exemplo: “se tem problema de aprendizado é porque tem deficiência intelectual” O HUMANISMO As correntes humanistas, evitando posições reducionistas ao lidar com o homem, procuraram manter uma visão global do mesmo e compreender seu mundo e seu Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 8 significado, sem as referências teóricasanteriores. Insurgiram-se contra o diagnóstico psicológico, criticando seu aspecto classificatório e o uso do indivíduo através dos testes. Procuraram restituir ao ser humano sua liberdade e condições de desenvolvimento, repudiando o psicodiagnóstico e considerando-o um verdadeiro leito de Procusto. Para os humanistas, os procedimentos diagnósticos são artificiais. Constituem- se em racionalizações, acompanhadas de julgamentos baseados em constructos teóricos que descaracterizam o ser humano. Esses psicólogos não se utilizam de diagnósticos e de testes, considerando que, através do relacionamento estabelecido com o cliente, durante a psicoterapia ou aconselhamento, alcançam um a compreensão do mesmo. Usou exemplo de cortar as pernas para caber ou esticar para preencher Abraham Maslow e Carl Rogers: os precursores da Psicologia Humanista. Psicólogo americano e considerado até os dias atuais como o pai do movimento humanista A PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Algumas correntes da Psicologia Fenomenológico-existencial reformularam a visão do psicodiagnóstico. Para estes psicólogos, os dados obtidos em entrevistas e /ou em testes podem ser úteis e trazer informações a respeito das pessoas, ajudando- as no caminho do autoconhecimento. Esses dados devem ser discutidos diretamente com os clientes, estabelecendo-se com os mesmos as possíveis conclusões. Apesar de empregarem testes e informações derivadas de diferentes correntes do conhecimento psicológico, utilizam-nas apenas como recursos ou estratégias a serem trabalhadas com os clientes. O psicodiagnóstico é considerado mais do que um estudo e avaliação. Salienta-se o seu aspecto de intervenção, diluindo-se os limites que se param o psicodiagnóstico da intervenção terapêutica. Visão do cliente é de alguém que vai trabalhar junto. Não é só a criança que importa. Os pais também são trabalhados Não tem intenção de mudar ou modelar o comportamento A PSICANÁLISE Decorrente da mesma postura que não considera possível a completa objetividade, assim como não aceita a completa subjetividade e atribui significação particular a Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 9 todo com portamento humano, desenvolveu-se a Psicanálise. Sua influência, sentida inicialmente na Europa, fez-se notar no continente americano, principalmente no período da Segunda Guerra Mundial, quando houve uma grande imigração de psicanalistas europeus. A Psicanálise provê uma revolução na Psicologia, explicitando o conceito de inconsciente e explicando, através de processos intrapsíquicos, os diferentes comportamentos que procura compreender. Através da ótica psicanalítica, rediscutem-se a determinação psíquica, a dinâmica da personalidade, reveem-se os com portamentos psicopatológicos, sua origem e prognóstico. Embora, desde o início, os estudos psicológicos tenham se preocupado em definir e conhecer a personalidade, foi a Psicanálise que propôs o complexo mais completo de formulações sobre sua formação, estrutura e funcionamento. Entre os psicanalistas, desenvolveram-se várias escolas, que se diferenciam pela ênfase colocada em diferentes aspectos da personalidade, e pelas explicações sobre o desenvolvimento das mesmas. Todas concordam quanto aos conceitos psicanalíticos fundamentais. Apesar das diferenças entre as correntes psicanalíticas, sua influência na prática do psicodiagnóstico foi a mesma. Acentuou-se o valor das entrevistas como instrumento de trabalho, o estudo da personalidade através da utilização de observações e técnicas projetivas e se desenvolveu uma maior consideração da relação do psicólogo e do cliente com a instrumentalização dos aspectos transferenciais e contratransferências. Enfim, a Psicanálise desenvolveu instrumentos diagnósticos sutis, que permitem verificar o que se passa com o indivíduo por detrás de seu com portamento aparente. Será aplicada durante o uso da caixa lúdica, quando a comunicação se dá através do brinquedo. Também se utiliza a partir de um relato da mãe, durante a anamnese Ex.: supondo que não tenha sido amamentada e isso lhe tenha causado uma falta, a primeira coisa que a criança vai procurar na caixa lúdica será mamadeira, bonecas, panelinhas e coisas ligadas a isso. Normalmente, quando se foca no telefone, apresentará problemas na comunicação. A PROCURA DE INTEGRAÇÃO Todas as abordagens em Psicologia, que surgiram e foram se desenvolvendo ao longo do tempo, têm seus equivalentes atuais. Isto quer dizer que. hoje, entre os Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 10 psicólogos, encontramos aqueles que atuam a partir de conceitos do homem e da ciência positivistas, fenomenológico-existenciais, humanistas e psicanalíticos. Estas seriam as grandes tendências encontradas em Psicologia. Podemos dizer que, apesar de apresentarem diferenças fundamentais, muitas vezes se interseccionam, não sendo sempre possível detectar as fronteiras entre as mesmas. Apesar dos diferentes marcos referenciais, a conceituação de cada uma dessas tendências é muito ampla e cada um a delas apresenta inúmeros desdobramentos, de tal forma que, na prática da Psicologia e, portanto, na prática do psicodiagnóstico, temos, como já foi dito, várias formas de atuação, muitas das quais não podem ser consideradas decorrentes exclusivamente de um a ou de outra dessas abordagens. Em outras palavras, quando olhamos concretamente para a Psicologia Clínica, verificamos grandes variações de conhecimentos e atuações. Alguns podem ser agrupados em blocos razoavelmente organizados, outros são ainda muito empíricos e com desenvolvimento bastante incipiente. Na transcorrer da história da Psicologia, algumas teorias psicológicas provocaram grande entusiasmo por parte dos profissionais. Parecia que sanariam as dificuldades internas desta ciência e preencheriam as lacunas de conhecimento, além de proverem-na de instrumentos efetivos de atuação. Em alguns momentos, isto aconteceu com mais de uma teoria. Estas teorias, desenvolvendo-se às vezes em direções diferentes, criaram em certos períodos verdadeiras disputas entre profissionais, que procuravam provar a maior ou menor qualidade de suas propostas. O fato é que nenhum a teoria, até agora, mostrou-se suficiente para responder a todas as questões colocadas pela Psicologia. O que se nota hoje, na maioria dos psicólogos, já não é um a acirrada batalha no sentido de fazer prevalecer sua posição, mas sim um a postura crítica diante do conhecimento psicológico, e a procura de uma integração entre as diversas conquistas até agora realizadas em seu campo. Este processo de integração reflete-se também no trabalho de psicodiagnóstico. Atualmente, todas as correntes em Psicologia concordam, embora partindo de pressupostos e métodos diferentes, que, para se compreender o homem, é necessário organizar conhecimentos que digam respeito à sua vida biológica, intrapsíquica e social, não sendo possível excluir nenhum desses horizontes. Em relação aos aspectos biológicos do sujeito, ao realizarem o psicodiagnóstico, os psicólogos se preocupam com os fatores de desenvolvimento e maturação, com especial atenção à organização neurológica refletida no exercício das funções motoras. A avaliação dessas funções ocupa um Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 11 local de importância no psicodiagnóstico infantil (ao lado da avaliação cognitiva) pois está diretamente ligada ao pragmatismo e ao sucesso escolar. Ainda, nesta avaliação, cabe ao psicólogo perguntar-se sobre possíveis causas orgânicas subjacentes à queixa apresentada. Caso suspeite da existência de distúrbios físicos, deve remeter o cliente ao médico. Evitará, deste modo, os riscos da '‘psicologização”, isto é, fornecer explicações psicológicas a distúrbios de outra origem. A avaliaçãodos processos intrapsíquicos, principalmente da estrutura e dinâmica da personalidade, constitui-se no cerne do psicodiagnóstico. É ao redor dela que se organizam os demais dados. A relação do cliente com o psicólogo, assim como os papéis familiares e sociais, valores e expectativas, não deixam de ser considerados. A maior responsabilidade do psicólogo, porém, reside no trabalho de integração desses dados, já que a divisão dos mesmos não passa de um artifício para permitir um trabalho mais sistemático. Apesar da busca de integração, sabemos que um psicodiagnóstico, por mais completo que seja, refere-se a um determinado momento de vida do indivíduo, e constitui sempre uma hipótese diagnostica. Isto porque a Psicologia, como qualquer outra ciência, não pode ser considerada um corpo de conhecimentos acabado, completo e fechado. 1.3. Teoria e prática É muito importante conhecermos a situação na qual se encontra a Psicologia, por dois motivos. Primeiro, porque sabendo dos problemas de conhecimento com os quais nossa profissão se depara, não podemos deixar de lado questões de Filosofia e de Epistemologia, que nos impedirão de cair numa atuação acrílica e alienada, isto é, uma atuação na qual se utilizem, indiscriminadamente, diferentes conceitos, noções e práticas, sem explicitá-los e sem definir nossa posição frente aos mesmos. Em segundo lugar porque conhecendo as dificuldades que a Psicologia encontra, podemos compreender com maior facilidade como estas se refletem na prática, e encontrar formas de atuação, junto aos clientes, que nos permitam agir com segurança e tranquilidade. A relação entre a prática e a teoria em diferentes ciências e, portanto, também em Psicologia, é um a das questões que ocupa os estudiosos. Para alguns, a prática deve decorrer estritamente de uma postura e métodos teóricos. Para outros, o importante é a explicitação do cinturão de conceitos e noções no qual o sujeito se apoia, sem que, obrigatoriamente, esse cinturão esteja organizado anteriormente em um a teoria. O fato é que a prática e a teoria se alimentam mutuamente. Uma não se desenvolve sem a outra, não podendo haver desvinculação e nem subordinação total entre elas. A incompreensão dos aspectos Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 12 implicados nessa relação pode levar a um a desqualificação do trabalho prático do profissional, por parte daqueles que se consideram produtores do conhecimento, ou a uma atuação desvinculada da teoria e que se. descaracterizaria como prática profissional. Por outro lado, a total subordinação da prática à teoria é restritiva e improdutiva para ambas. A PRÁTICA DO PSICODIAGNÓSTICO Na prática da Psicologia Clínica visa-se, basicamente, a aliviar o sofrimento psíquico do cliente. Na prática do psicodiagnóstico, o objetivo é organizar os elementos presentes no estudo psicológico. de forma a obter uma compreensão do cliente a fim de ajudá-lo. Na concretização dessa prática, muitas atuações baseiam-se em soluções pragmáticas, mais do que em soluções decorrentes de uma abordagem teórica. Isto porque, na prática, entram em jogo novas dimensões. Ao atuar em psicodiagnóstico, o psicólogo está atendendo a objetivos definidos teoricamente. Está aplicando conhecimentos teóricos, validando-os ou modificando-os. As observações decorrentes dessa aplicação, se pesquisadas e informadas, trarão subsídios úteis a revisões e reformulações teóricas. Está também cumprindo sua função profissional de ajudar o cliente, desempenhando essa função, afirma o papel do psicólogo, preserva o espaço da profissão e atende à necessidade da mesma. Além desses objetivos, inerentes à profissão, o psicólogo estará servindo a outros desígnios que decorrem das condições sociais e organizacionais onde atua. Estas condições determinam o contexto no qual vai se desenvolver a atuação. Assim, ao realizarmos um psicodiagnóstico, tendo definido para nós mesmos as questões ligadas ao conhecimento psicológico e à prática profissional, devemos considerar o contexto no qual essa atuação está inserida. O CONTEXTO DA ATUAÇÃO O maior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnóstico atuais deu-se em consultórios privados, no atendimento a uma clientela socialmente privilegiada. A valorização do psicólogo como profissional liberal contribuiu para a preferência pela atuação autônoma, em detrimento da atuação em instituições. Nestas, a mera transposição dos modelos de psicodiagnóstico utilizados em consultórios, mostrou- se ineficiente. A situação passou a incluir, além do psicólogo e do cliente, um terceiro elemento, a instituição, que modificou a estruturação do trabalho. Nem sempre a instituição, os psicólogos e os clientes apresentam necessidades e objetivos Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 13 coincidentes. A atuação em psicodiagnóstico prevê o conhecimento das necessidades do cliente. Questões éticas propõem ao psicólogo o conhecimento e a elaboração de suas próprias necessidades e desejos, a fim de que os mesmos não interfiram no trabalho profissional, prejudicando-o. Consideramos necessário que as influências institucionais sejam reconhecidas também. O psicólogo, ao atuar em creches, hospitais, presídios e outras organizações, encontra-se frequentemente sob orientação estranha aos interesses de sua profissão. Apesar da regulamentação prever, como função exclusiva do psicólogo, a direção de serviços de Psicologia, essa regulamentação nem sempre é respeitada. O psicólogo é muitas vezes pressionado a servir primordialmente aos interesses da instituição. Esta, através de regulamentos internos ou de poder burocrático, determina a quantidade de trabalho a produzir, local, tempo e recursos a serem usados. A própria utilização dos resultados do trabalho, por parte da instituição, pode ser contrária aos interesses do psicólogo e do cliente. Pressões de mercado e questões trabalhistas limitam a autonomia do profissional. Além da influência das condições organizacionais, a demanda da atuação profissional é claramente influenciada por condições sociais. Essa demanda pode ser verificada mais facilmente em ser viços institucionais, dado o grande afluxo de pessoas aos mesmos. Ao examinarmos as características gerais da população que procura esses serviços, podemos reconhecer alguns determinantes sociais. A maioria pertence a segmentos populacionais desvalorizados social mente, por não constituírem força produtiva. A procura do serviço psicológico decorre de encaminhamentos de terceiros, verificando-se raramente a busca espontânea. A expectativa, nesses casos, é de adequação rápida às exigências exteriores. O profissional nem sempre encontra a seu dispor as técnicas mais adequadas ao caso em atendimento. A maioria das técnicas à disposição foi desenvolvida em outros países, e o acesso às mesmas depende de sua divulgação e comercialização. A obtenção de certos materiais implica em alto custo financeiro. Nessa situação, com poucos instrumentos disponíveis, o psicodiagnóstico pode transformar-se na repetição estereotipada de um a sequência fixa de testes, que nem sempre seriam os escolhidos pelo profissional, ou os que melhor serviriam ao cliente. O reconhecimento das influências organizacionais e sociais às quais o psicólogo está submetido é importante, na medida em que lhe permite compreender melhor a função social que a profissão está desempenhando e com a qual o profissional está sendo conivente. Permite também que este colabore, efetivam ente, na produção e divulgação de técnicas e formas de trabalho voltadas à nossa realidade Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 14 socioeconômica e cultural. Como vemos, não é fácil trabalhar em psicodiagnóstico. Podemos, porém, utilizar todos os conhecimentos e recursos a nosso dispor, de forma criativae coerente, se lembrarmos que o conheci mento é contingente, as técnicas não são regras imutáveis, e toda sistematização é provisória e passível de reestruturação. DESAFIOS NO PSICODIAGNÓSTICO INFANTIL – CAPÍTULO XII Rosana F. Tchirichian de Moura Silvia Ancona-Lopez Durante os 25 anos de nossa atuação com o psicodiagnóstico interventivo, confrontamo-nos com diversos desafios que colocaram em xeque a nossa prática, obrigando-nos a retomar conceitos, rever técnicas e refletir sobre as contingências e características do mundo moderno, contexto no qual estão inseridas as crianças e as famílias às quais atendemos. Por desempenharmos nossa profissão principalmente em clínicas-escola de Psicologia que oferecem atendimento gratuito, grande parte dos clientes tem dificuldades socioeconômicas, acarretando carências em diversos aspectos, o que induz a atuações que escapam do campo tradicional da psicologia clínica. Como lembra o Conselho Federal de Psicologia (2007, p. 8), frequentemente “o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para criar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade”. Frequentemente, nas clínicas-escola de psicologia as crianças comparecem para atendimento psicológico trazendo como queixa dificuldades na escolarização. Na sua maioria, são encaminhadas por escolas públicas, que esperam obter dos psicólogos clínicos explicações acerca dos motivos que as impedem de se desenvolver pedagogicamente. Atendendo a essa demanda, comumente o profissional, restringindo-se à singularidade da criança, realiza o psicodiagnóstico privilegiando os aspectos da personalidade, “que resultam em uma predisposição para a formação desse sintoma” (Bossa, 2002, p. 13), desconsideram, assim, os aspectos institucionais que contribuem para o chamado fracasso escolar. Embora haja exceções e esforços governamentais e de alguns educadores no Brasil, é fato que a escola tem se tornado cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da herança cultural, dos Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 15 conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que sempre fizeram parte da história do povo brasileiro (Bossa, 2002, p. 19). Embora a situação descrita seja a mais comum, é preciso lembrar que estão sendo feitos esforços governamentais e de alguns educadores visando mudar essa condição. Rafael, 8 anos de idade, faz parte desse contingente injustiçado. Como inúmeras crianças, foi encaminhado pela escola para atendimento psicológico porque apresentava dificuldade de aprendizagem e não estava alfabetizado. A mãe, muito preocupada, temia que seu filho fosse portador de deficiência mental. Durante o processo de psicodiagnóstico interventivo, a mãe relatou que, em um mesmo semestre, o filho enfrentou quatro mudanças de professoras de alfabetização. Essa criança confrontouse, como denuncia Souza (2007, p. 6), com: […] uma escola pública cuja má-fé institucional permite incutir, nos próprios pobres, vítimas de abandono secular, que seu fracasso escolar é culpa da própria vítima. A criança pobre, sem estímulos em casa para apreender, passa a se ver como burra, incompetente e preguiçosa, cumprindo a promessa que a sociedade lhe legou […] Concordamos com Bossa (2002), quando afirma ser comum que as escolas e os psicólogos compreendam o fracasso escolar de uma criança considerando os aspectos intrassubjetivos e relacionais, as primeiras possivelmente por uma dificuldade de se confrontar com suas próprias deficiências e os segundos apoiados na tradição da sua formação profissional que tende a privilegiar o indivíduo. Uma visão ampliada da clínica psicológica permitiria levar em conta esses dois aspectos, de tal forma que a compreensão da dificuldade de aprendizagem se construísse a partir da avaliação do contexto escolar no qual a criança está inserida. Assim, no caso de Rafael, antes de pensarmos em uma possível deficiência cognitiva, deveríamos atentar para a deficiência da instituição escolar, que, além de não oferecer a estabilidade necessária para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, culpabilizou a criança pelo seu insucesso. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 16 No Psicodiagnóstico Interventivo, cientes da limitação do fazer clínico, procuramos engajar a família e a escola num processo que visa não apenas à compreensão das dificuldades da criança, mas também encontrar formas de auxiliá-la no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a visita escolar, que é um procedimento nesse processo e tema deste livro (ver capítulo VII), tem uma importância significativa, principalmente por possibilitar uma reflexão conjunta com as equipes das escolas sobre o seu papel na dificuldade dos alunos. Associado a isso, discriminar para os pais quais são as dificuldades de seus filhos e o que é responsabilidade das instituições escolares pode levá-los a se colocar mais criticamente em relação ao problema e se posicionarem como cidadãos ativos que podem fazer suas reivindicações junto às escolas. A participação no psicodiagnóstico interventivo pode propiciar aos pais uma mudança de atitude em relação aos seus filhos, reconhecendo e favorecendo seus aspectos positivos e ajudando-os a encontrar a melhor maneira de auxiliar a criança a superar os aspectos negativos. Entendemos que ainda temos como desafio no psicodiagnóstico interventivo ampliar nosso olhar, de modo a ir além da criança como foco da investigação e integrar outros aspectos, como os efeitos do mundo moderno sobre ela e sua família. Como é o caso do acesso aos computadores, um avanço tecnológico que já faz parte da vida escolar de muitas crianças da rede pública, e se de um lado propicia a inclusão em um mundo globalizado de informações, de outro não garante aquilo que lhes seria de direito, ou seja, aprender. Um número expressivo de crianças que chegam às clínicas de psicologia está prestes a finalizar o primeiro grau praticamente sem alfabetização. Para essas crianças, qual sentido terá o uso dos computadores e a navegação na internet? O uso dos aparelhos eletrônicos, nesses casos, não é uma forma de adquirir ou armazenar conhecimentos, mas uma ferramenta de consumo que cria para elas a ilusão de fazerem parte da modernidade e do mundo virtual, o que, de algum modo, compensaria o sentimento de exclusão no contexto escolar. Uma visão sociológica nos parece oportuna para caracterizar o mundo atual. De acordo com Baumann (1998, p. 32): O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros de viver. O que também Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 17 é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente uma recém-chegada num mundo de passado moderno) é que ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser abandonado ou inteiramente transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível. Esse mesmo autor aponta que a época em que vivemos tem por característica privilegiar o consumo, o imediatismo e o individualismo competitivo. Como consequência, também os laços afetivos (familiares, amorosos, de amizade etc.)adquirem os atributos de volatilidade e superficialidade, assumindo um caráter que Bauman (2004) chama de “amor líquido”. São relações facilmente substituíveis que se pautam pelo compromisso provisório e, frequentemente, são de curta duração. Na verdade, são vários os fatores que têm contribuído para novos formatos das famílias, o que tem redesenhado a constituição dos laços afetivos que tem no âmbito familiar a principal matriz das formações vinculares. Na nossa prática clínica, esse quadro se reflete em algumas das configurações familiares das crianças que vêm para o psicodiagnóstico. Grande parte é de famílias monoparentais femininas (mães solteiras ou abandonadas por seus parceiros); crianças que têm irmãos de pais diferentes; avós que criam seus netos; casais que trazem filhos de relacionamentos anteriores e que geram outros filhos. Enfim, são novos modos de organização familiar, como se observa a seguir. Marcelo, um menino muito inteligente, de 9 anos, alegre e conversador, começa a relatar como é a composição de sua família: Eu tenho muitos irmãos. Tenho um de 22 anos que trabalha em uma oficina, com o irmão dele de 18. Quer dizer, meu irmão de 18 anos, é que eles têm outra mãe. Não é a minha… mas eu tenho um irmão de 12 que é da minha mãe, e não é do meu pai… é assim… às vezes eu me confundo, sabe? Porque eu tenho uma irmã que… é fácil… é assim… vou começar de novo… (sic) Paulo, de 11 anos, é criado pelos avós desde bebê. Sua mãe engravidou solteira e não assumiu a criança, assim como o pai, que já tinha um filho. Sua mãe teve mais dois relacionamentos, e de cada um deles teve mais dois filhos, sendo que um vive com ela e o outro com o pai, em outro estado. A avó procura ajuda psicológica para o neto, preocupada com os efeitos que essa experiência de vida possa trazer ao garoto. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 18 Ela e a mãe participam do psicodiagnóstico interventivo do menino, que, de modo confuso, se refere a ambas como mãe. A história de Paulo não é única. Segundo Dias, Hora e Aguiar (2003), na última década, aumentou a quantidade de netos e bisnetos criados por avós e bisavós. O número foi de um milhão e setecentos mil, o que significa 55,1% mais do que foi apurado em 1991, correspondente a um milhão e cem mil. Muitos destes casos chegam às clínicas de psicologia, pois, como Silva e Salomão (2003, p. 192) constatam, com frequência há conflitos de papéis entre ser mãe e avó, no caso das avós guardiãs, conflitos estes que, sem dúvida, se refletirão nas crianças a seus cuidados. Dias, Hora e Aguiar (idem) corroboram esta ideia ao afirmar que foram identificadas vantagens, dificuldades e necessidades nos lares em que os avós desempenham o papel de pais para seus netos na ausência (permanente ou de longo prazo) dos genitores. Já no que se refere à situação de corresidência, ainda pouco se sabe sobre as repercussões que tal condição acarreta na vida e nas relações estabelecidas entre avós, pais e netos. Uma nova configuração familiar que está se consolidando, inclusive com o amparo legal, é a das famílias homoparentais. Em alguns anos não se ouvirão mais depoimentos como o de Joaquim (12 anos) durante uma sessão de psicodiagnóstico: Eu gosto muito da Cleuza. Se minha mãe se separar dela eu prefiro morar com ela. Minha mãe é legal, mas a Cleuza me leva no futebol, gosta de assistir luta livre, conta piada… é bom. Só que tem uma coisa… eu não convido ninguém para ir na minha casa. Não convido meus amigos. Minha mãe fala: vamos fazer uma festa de aniversário? Eu não quero, não gosto. Eu acho a Cleuza legal, mas… é que… é que… acho esquisito minha mãe ser casada com uma mulher. Meus amigos vão zoar… (sic) A esse respeito, Passos (2005, p. 6) comenta: […] as condições por meio das quais os homossexuais constroem seus laços afetivos, no Brasil, estão longe de obter uma legitimidade social e jurídica e, enquanto esse quadro não se reverte, teremos famílias e pais envergonhados. Resta explorarmos os sentimentos desta vergonha nas produções de subjetividade que decorrem daí. Os progressos nessa área vêm se desenvolvendo rapidamente do ponto de vista jurídico, como a legalização do casamento entre homossexuais, mas, do ponto de vista pessoal, a aceitação se dá mais lentamente, mantendo ainda a situação descrita pela autora. Cabe ao psicólogo questionar de que forma essas metamorfoses nas famílias repercutem na constituição das crianças, e o psicodiagnóstico interventivo é um momento privilegiado para esse Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 19 questionamento por ter como objetivo conhecer os sentidos e os significados que as crianças e seus pais dão às suas vidas e a seus mundos. Ainda para a mesma autora, as novas formatações familiares, de famílias homoparentais ou não, colocam em xeque os apoios teóricos dos psicólogos. Cabe- nos também o enfrentamento rigoroso das teorias, que são insuficientes para dar conta das profundas transformações processadas nas famílias, sobretudo em seus enredamentos afetivos (ibidem, p. 5). Marcelo, Paulo e Joaquim são crianças que vivem a necessidade de se adaptar a configurações familiares não tradicionais. Assim, também o psicólogo, diante de situações novas e inusitadas para ele, sente-se desamparado sem um balizamento para suas intervenções. Naturalmente escudado pelas teorias psicológicas que conhece, procura, durante o processo diagnóstico, situar-se no mundo do cliente, qualquer que seja ele, para compreendê-lo. Entretanto, na contemporaneidade, é preciso despir-se das amarras teóricas com o objetivo de acolher o cliente e sua família, sem cair na armadilha de considerar que a criança ficará, obrigatoriamente, prejudicada no seu desenvolvimento psicológico. Como lembra Passos (2005, p. 14): “[…] é necessária a criação de abordagens que apontem para as distintas facetas da grupalidade familiar e que permitam a compreensão de diferentes formas de ser família hoje”. O que fazer enquanto essas abordagens não surgem? A inventividade, o bom-senso e, principalmente, a reflexão poderão auxiliar o psicólogo na sua atuação, sempre tendo em mente que, enquanto profissional, deve acompanhar essas transformações e os estudos que sobre elas são realizados. É possível observar, no entanto, que apesar das questões teóricas que o psicólogo venha a enfrentar, o psicodiagnóstico interventivo, ao oferecer a oportunidade de uma reflexão conjunta, permite enfrentar as lacunas teóricas através de uma compreensão co-constituída que se pauta pelo mundo vivido do cliente. Além disso, quando o atendimento a pais e crianças acontece em grupo (modelo usualmente utilizado em clínicas-escola e outras instituições), o psicodiagnóstico interventivo se enriquece ao facilitar a identificação e a troca entre os componentes do grupo, auxiliando na compreensão da própria família, contribuindo, em muitos casos, para diminuir a sensação de isolamento e eliminando a impressão de que seu caso é diferente, único e que talvez não tenha solução. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 20 Não poderíamos deixar de incluir nessa discussão nossas inquietações frente à cruel realidade de crianças que, em circunstâncias mais adversas, são obrigadas a conviver diretamente com a violência social e familiar. A violência doméstica, incluindo o abuso sexual e psicológico, não é fato dos tempos atuais, haja vista ser tema que faz parte dos estudos no campo da Psicologia (Azevedo e Guerra, 2000), ocupando sempre, dada a sua complexidade, lugar importante nas discussões a respeito do trabalho clínico com crianças (Azambuja, 2005; Gay e Costa Júnior, 2005) e impondo dilemas éticos que exigiriam um capítulo especial. O CFP (2010, p. 38) lembra que a violência sexual é um problema complexo e delicado. Suasmúltiplas causas, interfaces e, principalmente, o sofrimento psíquico de todas as pessoas envolvidas, exigem extremo cuidado dos profissionais responsáveis pelo atendimento e de todos os integrantes da rede de proteção. A ocorrência de situações de violência contra crianças e adolescentes não é fenômeno exclusivo da atualidade, como também não pode ser analisada de forma descontextualizada da cultura e das condições impostas pela vulnerabilidade social. Como vemos com frequência em nossa rotina de trabalho, o abuso sexual, em muitos casos, é um episódio intrafamiliar marcado pela existência de vinculação afetiva entre seus integrantes, dependência econômica entre os cuidadores, negligências, conivências e vulnerabilidades. O manejo desse assunto no psicodiagnóstico é bastante difícil, porque nem sempre essa questão é trazida prontamente pelos pais ou responsáveis ou pela própria criança. Temos como compromisso profissional zelar pelo bem-estar da criança ou adolescente, mas com o cuidado de não cometer imprudências, considerando tratar-se de um tema que deve ser “contextualizado e tratado conforme as vicissitudes de cada caso e jamais analisado isoladamente” (CFP, 2007). Julgamos, ainda, oportuno abordar neste espaço de reflexão outra forma de violência, a violência social que, apesar de todos os avanços que vivemos, tem tomado forma e dimensão assustadoras. Segundo Campos (2004, p. 157), a competitividade e desigualdade têm provocado consequências sociais perversas que se traduzem “[…] pelo aumento de: violência; Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 21 uso de drogas; conflitos e rupturas familiares; alienação social e política; xenofobia; conflitos étnicos e religiosos; doenças psicossomáticas”. A convivência com episódios violentos vem, dia a dia, se incorporando à realidade brasileira, especialmente no cotidiano de crianças e famílias que vivem em regiões com alto índice de criminalidade. Na sala de espera de um Centro de Psicologia Aplicada, Luiza, com cerca de 10 anos, está desenhando enquanto aguarda sua mãe. Uma psicóloga se aproxima e vê o desenho de uma casa com uma criança ao lado e no alto um grande coração onde está escrito PAZ. Ao perguntar o que ela queria dizer com aquele desenho, a menina responde que o lugar onde mora é muito violento e que ela queria que houvesse paz. Ana, 5 anos de idade, estava com seu pai quando ele foi assassinado a tiros por um assaltante. Os irmãos de 9 e 7 anos de idade, Otávio e Márcia, presenciaram o pai matar sua mãe a facadas. Pedro, de 11 anos, assistiu a seu irmão mais velho, usuário de drogas, ser espancado por traficantes… Esses são apenas alguns dos casos atendidos no psicodiagnóstico. Do ponto de vista prático, o que fazer diante dos problemas que aqui apresentamos? A proposta do psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não atue apenas como um examinador ou avaliador, mantendo a neutralidade, mas que, durante esse processo, ataque frontalmente esses temas, considerando-os não apenas fontes de desestabilização emocional das crianças, compreendidas através do seu psiquismo, mas também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e, eventualmente, também com as crianças (como nos casos de abuso e violência, ajudando-as a encontrar formas de se defender). Acreditamos que faz parte do papel do psicólogo sugerir, apoiar e incentivar os pais ou responsáveis a atitudes ativas, como a de organizar grupos nas comunidades para enfrentar o problema das drogas de seus filhos, procurar formas de reagir ao banditismo, exigir uma melhor atuação das escolas ou um atendimento adequado no que se refere à saúde. Enfim, auxiliá-los a conhecer, reconhecer e batalhar por seus direitos como cidadãos. Como profissionais da psicologia, cabe-nos, ainda, desenvolver pesquisas sobre esses temas que nos desafiam e criar grupos de discussão e estudos sobre eles. Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 22 Finalmente, embora alguns dos dilemas discutidos neste capítulo pareçam sem solução e em muitos momentos, como profissionais, sejamos tomados por um sentimento de impotência que quase nos leva a um estado de paralisação, podemos dizer que ainda há um espaço para nossa atuação, que é o espaço da crítica, da reflexão, criação e, especialmente, do acolhimento e do respeito. Se as teorias psicológicas parecem ter chegado aos seus limites, possivelmente não encontraremos uma saída para essas questões pelo “saber” único da psicologia, mas pela interlocução com outros saberes, pela ética pessoal, pelo respeito ao outro e suas diferenças. Como “profissionais do encontro” (Figueiredo, 1993), lidar com o outro (indivíduo, grupo ou instituição) na sua alteridade faz parte da nossa atividade cotidiana. Mesmo que cheguemos a este encontro com a relativa e muito precária segurança de nossas teorias e técnicas, o que sempre importa é a nossa disponibilidade para a alteridade nas suas dimensões de algo desconhecido, desafiante e diferente; algo que no outro nos obriga a um trabalho afetivo e intelectual; algo que no outro nos propulsiona e nos alcança; algo que no outro se impõe a nós e nos contesta, fazendo-nos efetivamente outros que nós mesmos. No que se refere ao psicodiagnóstico interventivo, cabe-nos tentar, conforme dissemos, compreender e respeitar o mundo do cliente, o que implica contemplar as questões políticas, sociais e econômicas que estão imbricadas na sua vida e que se não consideradas nos tornarão incapazes de atingir nosso objetivo. Isso significa que o psicólogo não deve ater-se apenas ao espaço clínico, mas conhecer o ambiente escolar da criança, suas condições de moradia e seu meio social. Contudo, entrar nesse mundo implica o confronto com as nossas inquietações e limitações, pois frequentemente nos perguntamos o que é possível fazer. Após todos estes anos de prática, entendemos que o enfrentamento dos desafios aqui apresentados é o caminho que nos levará a manter o psicodiagnóstico interventivo como um procedimento útil para a compreensão dos que vêm em busca de auxílio psicológico e para a criação de um espaço diferenciado que permita àqueles que estão envolvidos no processo compartilhar seu sofrimento e encontrar um novo modo de lidar com sua realidade. Desse modo, por ser uma prática compartilhada e uma construção conjunta, a resposta para a pergunta feita anteriormente só poderá ser encontrada junto com os clientes. O ser humano é o ser do desamparo, da falta e a Psicologia, de alguma forma, pode atender a essa necessidade, não com a ilusão de preencher esse vazio, mas Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 23 comprometendo-se a uma constante atualização de seus conhecimentos, sendo para isso necessário estar atento à realidade que se apresenta e na qual os clientes estão inseridos (Gelernter et al., 2012, p. 19). Acreditamos que o psicodiagnóstico interventivo, pelas suas características de valorização do sujeito como indivíduo e cidadão, vem ao encontro do CFP (2007, p. 20) quando propõe que: Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua identidade. Operar no campo simbólico da expressividade e da interpretação com vistas ao fortalecimento pessoal pode propiciar o desenvolvimento das condições subjetivas de inserção social. Assim, a oferta de apoio psicológico de forma a interferir no movimento dos sujeitos e no desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social é uma possibilidade importante. Em artigo intitulado Pós-evolucionismo, publicado no caderno Aliás de O Estado de S. Paulo (10 fev. 2013), Paul Kendall refere-se a um robô chamado “Rex — sigla de robotic exoskeleton, que foi montado pela companhia de robótica Shadow usando membros e órgão artificiais”.Esse robô, exibido no Museu da Ciência de Londres, mostra que já é possível reconstruir de 60% a 70% do corpo humano e “prenuncia um futuro no qual órgãos artificiais serão melhores do que aqueles com os quais nascemos” (OESP, caderno Aliás, p. 2). O artigo termina com a afirmação de um psicólogo suíço, Bertold Meyer, de que “estamos indo além das fronteiras da evolução”, e de que daqui há alguns anos ter um corpo natural, normal “será considerado maçante” (ibidem). Esse será o novo mundo dos psicólogos que se formarão dentro de alguns anos, os quais, como permite antecipar o exemplo acima, encontrarão desafios ainda inimagináveis para lidar com a humanidade. O PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO FENOMENOLÓGICO- EXISTENCIAL GRUPAL COMO POSSIBILIDADE DE AÇÃO CLÍNICA DO PSICÓLOGO Paulo Evangelista (Revista da Abordagem Gestáltica - Phenomenological Studies - XXII(2): 219-224, jul-dez, 2016) Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 24 1. Psicodiagnóstico tradicional O psicodiagnóstico que aprendi na faculdade, que hoje chamo (à luz da descoberta do psicodiagnóstico interventivo) de “tradicional”, é um processo psicológico voltado para o esclarecimento da demanda que mobilizou o paciente a buscar ajuda psicológica, com o objetivo de propor o encaminhamento mais adequado. Na faculdade, o psicodiagnóstico que realizei era de um homem de 40 e poucos anos. Estava frustrado com o trabalho e com o casamento. Em cinco sessões realizei com ele um levantamento de como a situação chegou a este momento crítico, que mobilizou a busca por ajuda, e fiz o encaminhamento. Lembro que ao longo das sessões eu me segurava para não fazer perguntas que convidassem reflexões sobre seu modo de se relacionar em casa e no trabalho. Fazia isso, pois entendia que o psicodiagnóstico era um processo de avaliação, que podia (frequentemente deveria) recorrer a testes psicológicos para compreender o sentido do sofrimento apresentado. Assim, embora não tenha aplicado nenhum teste nesse paciente, fiz um levantamento que confirmou aquela que era minha expectativa desde o início dos atendimentos: este homem precisava de psicoterapia. Ademais, minha supervisora era uma ótima psicanalista. Às vezes ela recorria à teoria para iluminar algumas situações da sessão, outras, para explicar por que o paciente agia do modo como agia. Assim, na quinta sessão, retomei com ele o que havíamos explicitado ao longo do processo, expliquei a ele por que (as causas!) de seu sofrimento e realizei o encaminhamento para a mesma clínica da PUC, só que para o setor de psicoterapia. Fiz esse encaminhamento mais ou menos no fim de setembro e não acompanhei posteriormente para saber quando ou mesmo se foi chamado. Esse modo como procedi está em conformidade com o modelo “tradicional” de psicodiagnóstico. Parte-se do pressuposto de que essa modalidade de prática psicológica visa esclarecer a demanda no momento de chegada ao serviço de psicologia para, em seguida, fazer o encaminhamento correto. Está de acordo com a etimologia da palavra, que vem do “grego diagnõstikós e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de.” (Ancona-Lopez, 1984, p. 1) Ademais, corresponde a uma das prerrogativas da profissão do psicólogo no Brasil, determinada pela Lei Federal nº 4.119 de 1962, regulamentada pelo Decreto nº 53.464, de 21/01/1964, onde se lê no Art. 4 que “São funções do psicólogo: 1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de: a) diagnóstico psicológico; Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 25 b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento” (Brasil, 1962) Assim, ao explicar o sofrimento psicológico do paciente e encaminhá-lo ao serviço adequado, estou realizando um diagnóstico psicológico. Implicado aqui está que eu, psicólogo, tenho um conhecimento científico que, aplicado às situações apresentadas pelo paciente, possibilita uma explicação das causas desse sofrimento. Conhecendo as causas, é possível uma intervenção adequada. Isso também está de acordo com a proposta da psicologia enquanto ciência técnica. Como afirmam Pompéia & Sapienza (2010), “Neste nosso tempo da técnica, faz muito sentido que, tendo detectado o que a está perturbando, ela [pessoa que sofre] queira saber com objetividade se o terapeuta vai conseguir responder à sua demanda e quanto tempo levará” (p. 129). No processo que realizei, fiz isso. Identifiquei que havia sofrimento psicológico e que a psicoterapia seria a modalidade de prática psicológica mais adequada para essa demanda. Nem me dei conta então, que estava implicada aqui uma hierarquia na relação com o paciente (provavelmente porque, na condição de quarto anista no curso de Psicologia, eu concordaria com essa hierarquia). Ele me relatou sua vida e eu, detentor do saber psicológico, interpretei-a por ele e para ele, entendendo que a psicoterapia seria o encaminhamento mais adequado. Passou-se quase uma década para que eu entendesse que o que eu fiz com ele é o que costumeiramente se faz nos serviços de psicodiagnóstico em clínicas-escola; a vasta maioria dos pacientes é indicada para a psicoterapia. Na UNIP, como supervisor de psicoterapia, chegam semestralmente muitos pacientes indicados pelo psicodiagnóstico. Como lá o psicodiagnóstico é a porta de entrada das crianças à clínica-escola, elas são indicadas para a psicoterapia, assim como seus pais. Num levantamento estatístico bem informal dos pacientes atendidos pelos alunos que supervisiono em psicoterapia na UNIP, metade foi indicada pelo psicodiagnóstico. Todos esses pacientes indicados para psicoterapia também relatam terem passado por uma das consequências do método tradicional de diagnóstico psicológico, por qual o paciente que atendi na PUC também deve ter passado: receberam informações sobre o sofrimento que motivou a busca pelo psicólogo e o encaminhamento e depois tiveram que aguardar meses até serem chamados. Não é à toa que muitos pacientes desistem do atendimento nas clínicas-escola antes de o iniciarem; com o Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 26 longo tempo de demora na fila de espera, ou os sintomas desaparecem, ou buscam atendimento em outros lugares. Esse é, por- tanto, outro aspecto do psicodiagnóstico tradicional que, quando usado em contextos institucionais, exige reformulações. No consultório particular ele funciona. Aliás, é do modelo de consultório particular que provém. Mas em clínicas-escola e outras instituições voltadas para o atendimento de pessoas que não dispõem de recursos para atendimentos particulares, esse modelo não se adéqua. Frequentemente os pacientes precisam se deslocar de longe, gastando o dinheiro contado para condução, para, após dois ou três meses, terem confirmado pelo psicólogo que realmente precisam de um atendimento psicológico. Essas mesmas dificuldades acontecem com as famílias que levam seus filhos para as clínicas-escola. As crianças, frequentemente encaminhadas pela escola por problemas de aprendizagem, vêm com seus pais para terem confirmado que precisam passar por um psicólogo. Feito o encaminhamento, precisam esperar até serem chamados, o que geralmente leva meses. Esse modelo de psicodiagnóstico nasceu nos consultórios particulares, mas não se adéqua à situação de atendimento nessas instituições, onde as pessoas vêm buscando ajuda para lidar com as dificuldades atuais. Ancona-Lopez (1984) lembra que as pessoas nem se preocupam com o nome do serviço psicológico que estão recebendo; o que lhes importa é conseguir lidar com o sofrimento atual. Mas o psicólogo que realiza o psicodiagnóstico no modelo tradicional acaba por desconsiderar o pedido de ajuda, postergando “a intervenção, empobrecendo um encontro rico de possibilidades”(p. 32). 2. Psicodiagnóstico interventivo Assim, o questionamento deste modelo de psicodiagnóstico surge a partir do encontro com a realidade institucional que encontra. O psicodiagnóstico interventivo aparece como uma modalidade de prática psicológica mais adequada para atender a clientela das clínicas-escola. Por um lado, segue o mesmo objetivo do psicodiagnóstico tradicional, a saber, compreender o que ocorre, o comportamento interpretado como problemático, e para responder ao pedido de modificação por meio de intervenção do psicólogo, indicando o encaminhamento mais adequado, caso necessário. Por outro lado, o psicodiagnóstico interventivo rompe com o conceito de diagnóstico enquanto coleta de dados para que o psicólogo formule uma compreensão sobre o cliente, implicando os clientes no Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 27 processo de formulação de uma compreensão sobre si mesmos e utilizando os encontros clínicos de maneira a já intervir na dinâmica apresentada, contribuindo para o esclarecimento e para a superação do sofrimento que motivou a busca por ajuda. Quando em 2008 entrei pela primeira vez para supervisionar um grupo de estagiários de psicodiagnóstico interventivo na UNIP, deparei-me com um modo completa- mente diverso de prática psicológica, cujo objetivo geral é esse apresentado acima. O grupo era composto por doze estagiários, que formavam duplas. Eles me informaram que em poucos minutos receberíamos seis famílias, previamente chamadas pela clínica-escola, para o psicodiagnóstico. Ao longo do processo fui descobrindo e compreendendo o sentido deste psicodiagnóstico. Primeiramente, as sessões eram realizadas em grupo. Isso é muito enriquecedor neste processo, pois possibilita aos pais e responsáveis que ouçam as suas histórias, as compreensões que têm dos comportamentos de seus filhos e os modos como já tentaram lidar com os comportamentos tidos como problemáticos. Dessas discussões surgem muitas possibilidades de ação e compreensão da situação atual vivenciada pela família. Lembro-me de uma sessão em que duas mães começaram a narrar as dificuldades de suas próprias infâncias, refletindo sobre como o medo de que seus filhos passassem por situações semelhantes influenciava a rigidez com que os tratavam. Outra se preocupava que seu filho não gostava de brincar na rua. Em grupo, relatou que passou sua infância cuidando da casa, enquanto via seus amigos brincando na rua, que era o que mais desejava. Essas lembranças as sensibilizaram para o quanto a postura excessivamente firme com os filhos poderia estar contribuindo para os sintomas que motivaram a busca de ajuda, o que convidou todas as mães presentes nessa sessão a experimentarem olhar para seus filhos de outro modo. Descobriram que, com a intenção de cuidar, estavam descuidando de seus filhos. Esta situação revela um dos aspectos do psicodiagnóstico interventivo, que é a implicação dos clientes no seu processo de diagnóstico. Ao considerarem sua participação no sofrimento do filho, estas mães descobrem que os sintomas que motivaram a busca pelo psicólogo não estão isolados na criança. Ao descobrirem- se participantes do sofrimento da criança, descobrem sua condição de possibilidade de superação das dificuldades vivencia- das. Descobrem que o psicólogo não é o único agente de transformação da situação atual, mas os próprios clientes descobrem-se responsáveis pelo que se passa consigo. Descobrem também que no Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 28 psicodiagnóstico são tão participantes quanto o psicólogo na formulação da compreensão da situação vivenciada (Donatelli, 2013). Esse modo de proceder exige que o psicólogo mude sua postura. Ele precisa abandonar o lugar de conhece- dor para convidar os clientes para que participem, para que caminhem junto e se sintam colaborando. Segundo Ancona-Lopez (1996), esta colaboração, no entanto, somente será possível se o psicólogo se abrir para a coparticipação do cliente e acreditar que este último pode compartilhar os conhecimentos que se forem configurando durante o processo. É uma atuação que se caracteriza pelo fato de o psicólogo partilhar suas impressões sobre (e com) o cliente, levando-o a participar do processo e a abandonar a postura passiva de “sujeito” a ser conhecido. A partir daí, o psicólogo manterá sua escuta voltada para as possibilidades de intervenção. (p. 33) Yehia (1996) indica que o lugar do psicólogo é o de compreender a pergunta, mas neste contexto em que os interessados são coautores de seu processo, o conhecimento teórico e técnico do psicólogo passa a ser apenas mais um ponto de vista. Trata-se de um ponto de vista embasado em pesquisas e observações que possibilita a organização dos fenômenos clínicos e o desvelamento de um sentido que articule uma compreensão do sofrimento atual, a ser trançado com o saber proveniente dos clientes. No caso do embasamento fenomenológico existencial, o psicólogo contribui com a perspectiva de que o cliente está, a seu modo, respondendo à indeterminação de sua existência e à tarefa de ser, buscando o sentido desse modo. É responsabilidade do psicólogo criar o contexto de aparição de fenômenos clínicos (setting), ou seja, o campo no qual o que aparecer será usado para compreender o sentido da vivência do cliente articulado ao sofrimento que motivou a procura. Também cabe ao psicólogo, em função de sua maior mobilidade e liberdade, coordenar o processo de busca de ajuda psicológica pela família, indicando avaliações concomitantes para esclarecer o pedido se forem necessárias. Um dos aspectos principais do psicodiagnóstico interventivo é a liberdade para acompanhar o desvelamento do fenômeno que o psicólogo tem diante de si. Por isso, a abordagem psicológica mais pertinente é a fenomenologia existencial. Liberdade não quer dizer falta de delimitações. Quer dizer que se buscam constantemente modos de acesso que facilitem o desvelamento do sentido do sofri- mento apresentado. Isso é um dos fundamentos da fenomenologia: “o sentido específico do logos, só poderá ser estabelecido a partir da ‘própria coisa’ que deve Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 29 ser descrita, ou seja, só poderá ser determinado cientificamente segundo o modo em que os fenômenos vêm ao encontro” (Heidegger, 1998, p. 65). Por isso, não há técnicas previa- mente delineadas. O atendimento aos pais e às crianças (no caso de psicodiagnóstico infantil) é uma ‘ferramenta’ adequada, pois a situação grupal facilita a manifestação dos modos de se relacionar. Assim, no psicodiagnóstico interventivo se alternam sessões dos pais e dos filhos. 3. Desvelando os mundos da criança Os grupos com as crianças possibilitam a observação e a intervenção nas relações com outras crianças no momento em que acontecem. Assim, frequentemente chegam crianças com a queixa de que são isoladas ou agressivas com outras crianças. Em grupo, pode-se observar como essa criança interage com as demais. Por exemplo, será de fato agressiva ou reage agressivamente quando sente que seu espaço foi invadido? Será que se sente à vontade para brincar com crianças mais velhas ou mais novas, embora não com crianças de sua idade? Em grupo pode-se observar tudo isso. E essa observação, diferentemente do modelo tradicional de psicodiagnóstico, que seria de coleta de da- dos para formulação de uma compreensão pelo psicólogo para posterior devolutiva e encaminhamento, possibilita que, imediatamente, intervenha-se na situação, investigando e convidando novos modos de ser e estar com outros. Outras possibilidades de investigação sobre a situação existencial daquele que busca ajuda psicológica são os testes psicológicos (também são prerrogativa do psicólogo) e visitas domiciliar e escolar. Enquanto no modelotradicional de psicodiagnóstico o interessado vem ao consultório do psicólogo, a visita domiciliar propicia ao investigador vários dados de uma só vez: primeiro, pode conhecer o espaço habitado pelos pacientes, podendo compreender como é este ‘mundo’ (sua organização, seus aspectos, seus significados). O mundo habitado é organizado e cuidado por aqueles que o habitam, de modo que a casa é reveladora de seus ocupantes e de como significam sua vida (Corrêa, 2004). Ademais, a visita domiciliar torna-se uma ocasião para conhecer outros membros da família, com quem os interessados habitam e compartilham o cotidiano, e os modos como se relacionam. Também possibilita ao psicólogo alguns dados sobre a implicação da família no processo. Aceitam ou rejeitam a visita? Cuidam para receber? Quem recebe? Essas questões compõem a com- preensão do envolvimento da família com a situação Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 30 vivenciada por aquele que apresenta os comportamentos problemáticos, motivando a busca do psicólogo. A visita escolar também é uma possibilidade nesta modalidade. Frequentemente, as crianças são encaminhadas ao psicodiagnóstico com alguma queixa escolar. Brigam na escola, não conseguem ler ou escrever ou ambos, a professora está preocupada com os comportamentos da criança, etc. Não raro é a escola que aponta que algo não vai bem. Isso é compreensível considerando que o primeiro mundo habitado pela criança é o familiar (Cytrynowicz, 2000a; Cytrynowicz, 2000b). ‘Mundo’ deve ser entendido como conceito fenomenológico-existencial, isto é, como rede de remissões significativas em que os entes veem à luz sob significados articulados e sustentados pelo para quê da compreensão (HEIDEGGER, 1998). Assim, a família enquanto mundo é uma abertura para a significância dos comportamentos cotidianos, abertura esta que previamente indica os comportamentos certos e errados, legítimos e ilegítimos, possíveis e proibidos. Ao chegar à escola, a criança adentra um novo mundo compartilhado, onde a teia significativa é outra, o que pode revelar novos significados para os velhos comportamentos. Daí que o início da vida escolar coincide com o aparecimento dos comportamentos ‘problemáticos’ que exigem ajuda psicológica. Alguns comportamentos que em família são tidos como ‘normais’, no mundo compartilhado escolar não o são. É aquilo que Yehia (1996) chama de “ruptura”, uma falta de “algo que deveria haver” ou “quando a criança começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com algumas expectativas dos pais, professores ou de outros agentes da comunidade” (p. 117). O psicodiagnóstico interventivo considera importante a visita escolar por esta revelar, como a domiciliar, outro mundo habitado pela criança. Ademais, é a oportunidade de conversar com outras pessoas que convivem com a criança – professor, diretor, cuidador, etc. – sobre as compreensões que têm da criança e de seus comportamentos, assim como implicá-los em novos modos de lidar com a criança, sendo esse o caso. Afinal, conhecer alguém é “conhecer a rede de relações da qual esta pessoa faz parte” (Ancona-Lopez, 1996, p. 27), seus contextos. A visita escolar também possibilita uma compreensão dos significados imbricados na organização espacial e física da escola, assim como os valores que sustentam o cotidiano escolar. Há espaço para as crianças brincarem? Como é esse espaço? A escola é limpa, organizada? Como é o barulho? etc. Estes aspectos não têm Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 31 significados ‘em si mesmos’, mas podem contribuir para a compreensão global do ser-no-mundo infantil quando confrontados com outros aspectos advindos das situações de observação lúdica, diálogo com os responsáveis, visita domiciliar, etc (Maichin, 2006). Como psicodiagnóstico, esta modalidade de prática psicológica ainda está focada na compreensão da demanda visando um encaminhamento adequado. Como já visto, entretanto, não se restringe a esse levantamento. O grande diferencial do psicodiagnóstico interventivo é o fato de que, na busca da compreensão da demanda, implicando como participantes dessa busca aqueles que, neste momento, sofrem, esta intervenção favorece o surgimento de novas possibilidades existenciais. Não se trata de uma nova modalidade que surge de uma especulação teórica. Conforme mencionado há pouco, a população que procura os serviços de clínicas- escola investe seus recursos nesse processo. No modelo tradicional do psicodiagnóstico, a família saía do processo com a confirmação de que precisava de um psicólogo, mas que teria que retornar para iniciar o processo interventivo quando fosse chamada. A proposta de que o psicodiagnóstico seja também uma intervenção surge da compreensão da especificidade do público que busca este serviço, sendo, portanto, fenomenológica. Ao mesmo tempo em que oferece uma ajuda, tal como está sendo buscada, possibilita a compreensão sobre a situação atual e a abertura de novas possibilidades. Isso favorece, inclusive, que o encaminhamento proposto seja seguido. No Centro de Psicologia Aplicada (clínica- escola) da UNIP, os vários pacientes que chegam encaminhados pelo psicodiagnóstico referem-se a esse processo como tendo sido caracterizado por importantes mudanças. 4. Psicodiagnóstico interventivo como ação clínica O fato de propiciar modificações nos modos de ser permite que se considere o psicodiagnóstico interventivo uma modalidade de ação clínica. Alguns autores, como Yehia (2009) o aproximam do plantão psicológico. Esta modalidade se propõe a acolher a experiência daquele que busca o psicólogo, favorecendo “uma visão mais clara de si mesmo e de sua perspectiva ante a problemática que vive e que gera um pedido de ajuda” (Mahfoud, 1987, p. 76) a partir das possibilidades do Apostila Psicodiagnóstico 6º semestre - Valdirene Oliveira - Página 32 próprio cliente no momento em que a procura pelo serviço psicológico acontece. Assim, o plantonista contribui para o resgate da autonomia e da condição de ser- possível daquele que busca ajuda. Faz isso através principalmente do esclarecimento da situação existencial em que está imerso. É o que propõem Cautella & Morato (2009) com o serviço de plantão psicológico em instituição psiquiátrica: acolher a demanda de forma a contribuir para “articular-se de maneira mais produtiva em relação a essa situação de crise e às suas consequências na dinâmica familiar.” (p. 154) O psicodiagnóstico interventivo pode ser entendido dessa mesma forma, como um modo de responder à necessidade de rearticulação da malha existencial rompida no momento de crise (busca do serviço psicológico). Além disso, Yehia (2009) aponta que, tanto neste psicodiagnóstico quanto no plantão psicológico, o confronto com as compreensões sedimentadas e a consequente ruptura dessas pré-compreensões possibilita novos modos de agir na situação fáctica. Esse modo de compreender a intervenção em ambas as modalidades está sustentado na fenomenologia-existencial, que concebe a ação clínica como “um espaço aberto, condição de possibilidade para a emergência de uma transformação não produzida, mas emergente em forma de reflexão, aqui entendida com quebra do estabelecido e condição necessária para novo olhar poder surgir” (Barreto & Morato, 2009, p. 50). 5. Coautoria do saber sobre si Essa perspectiva fenomenológica de intervenção, isto é, disponível para acolher a demanda tal como aparece, a partir de sua própria especificidade, exige do psicólogo uma modificação na sua postura tradicional. O psicólogo não tem como fazer isto se estiver apoiado no saber científico sobre o outro, a partir do qual elaborará conhecimentos sobre ele. Esta postura exige participação dos envolvidos, o que coloca o psicólogo na mesma condição do paciente: diante
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