Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LEONIDAS RAMOS PANDAGGIS UMA LEITURA DA ÁRVORE DE CAUSAS NO ATENDIMENTO DE DEMANDA DO PODER JUDICIÁRIO: UM FLUXOGRAMA DE ANTECEDENTES Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Engenharia São Paulo 2003 LEONIDAS RAMOS PANDAGGIS UMA LEITURA DA ÁRVORE DE CAUSAS NO ATENDIMENTO DE DEMANDA DO PODER JUDICIÁRIO: UM FLUXOGRAMA DE ANTECEDENTES Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Engenharia Área de Concentração: Engenharia Mineral Orientador: Prof. Titular Sérgio Médici de Eston São Paulo 2003 Este exemplar foi revisado e alterado em relação à versão original, sob responsabilidade única do autor e com a anuência de seu orientador. São Paulo, de de 2003. Assinatura do autor ____________________________ Assinatura do orientador _______________________ FICHA CATALOGRÁFICA Pandaggis, Leonidas Ramos Uma leitura da árvore de causas no atendimento de demanda do Poder Judiciário: um fluxograma de antecedentes / L.R. Pandaggis. – ed.rev. -- São Paulo, 2003. 151p. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo. 1.Acidentes de trabalho (Investigação; Análise; Métodos de avaliação) 2.Morte do empregado 3.Fluxograma de antecedentes 4.Jurisprudência trabalhista I.Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo II.t. Ao seu Péricles, meu pai. À dona Marina, minha mãe. Ao Márcio e à Ivone, meus tios, pela acolhida. AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundacentro, por incentivar seus recursos humanos na busca do conhecimento e por representar, mais que meu local de trabalho, uma possibilidade de realização profissional. Ao Prof. Titular Sérgio Médici de Eston, orientador da presente dissertação, pelo crédito, compreensão e apoio que me deu durante sua realização. Ao Dr. Dorival Barreiros, por ter atuado como co-orientador de forma continuada, contribuindo com suas críticas bem elaboradas para o aprendizado que a feitura deste trabalho me rendeu. Ao Prof. Dr. Homero Delboni Jr. agradeço pelo senso de justiça na providencial intervenção que me salvou das conseqüências de um erro humano. Ao Dr. Wilson Siguemasa Iramina, pela postura amiga e pelas importantes contribuições dadas no Exame de Qualificação. Aos colegas de trabalho Gerrit Gruenzner, Itamar de Almeida Leandro, Rogério Galvão da Silva e José Damásio de Aquino pelo importante companheirismo que me acompanhou nessa jornada, ao Lourenil Aparecido Ferreira, pela dedicação e competência na elaboração de algumas figuras que ilustram este trabalho e aos demais colegas que, de uma forma ou de outra, colaboraram comigo. À Maria Cristina Martinez Bonésio, pela contribuição na apresentação das referências bibliográficas. À minha esposa Fátima pelo carinho e apoio em todas as horas e aos meus filhos Marina e Yvan Thales, pela compreensão nos muitos momentos que o estudo me subtraiu de sua companhia. RESUMO O acidente de trabalho fatal é evento que, por conta da magnitude do impacto que impõe aos envolvidos, direta ou indiretamente, mobiliza diversas instituições do Estado e da sociedade civil organizada. Uma dessas instituições representa a Justiça, mesmo porque toda morte violenta enseja a abertura de um inquérito policial. A presente dissertação apresenta um estudo de caso que consiste na investigação e análise de um acidente de trabalho fatal encaminhado à FUNDACENTRO pelo Ministério Público do Trabalho, bem como os desdobramentos dessa investigação. O estudo de caso realizado buscou avaliar a possibilidade de aplicar o método da árvore de causas em contexto alheio àquele recomendado por seus propositores. Discutiram-se algumas concepções causais para o acidente de trabalho; apresentou-se o método da árvore de causas, uma aplicação prática de alguns de seus fundamentos conceituais e o produto obtido na forma de um fluxograma de antecedentes. Também são apresentados alguns elementos importantes da legislação pertinente ao tema, tanto no âmbito trabalhista como na esfera civil e criminal. Os resultados da análise promovida com suporte do método da árvore de causas serviram de base para o Ministério Público Federal formular e firmar com a empresa local do acidente investigado um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Isso fez com que a Justiça, além de bem cumprir seu papel, repercutisse sua ação em benefício da prevenção de acidentes do trabalho. ABSTRACT Fatal accidents in the workplace is an event which has a broad impact over those involved and because of that its call the attention of different government entities as well as other organized stakeholders. The Judiciary represents one of these government entities which is mobilized because each fatal accidents requires a police inquiry which later on turn out to be the base for a due process. This dissertation presents a case study of a fatal workplace accident investigation undertake by FUNDACENTRO under the request of the Federal Prosecutors/Ministério Público do Trabalho as well as the decision making afterwards. An attempt was made to apply the causal tree method to investigate the fatal accidents studied under conditions not recommend by its authors. Different causal workplace accidents conceptions were discussed; the causal tree method and its practical purpose and conceptual assumption were presented as well as the causal factors chart showing the events that lead to the fatal accident studied. The incrimination connection of the health and safety due of care under the Brazilian civil and criminal law framework was presented as well. The results of the accident investigation obtained by applying the causal tree method were used by the Federal Prosecutors/Ministério Público Federal to formulate and to establish a formal and legal agreement with the company where the accidents took place in order to promote and improve occupational health and safety and health in place. As a result of this agreement, the judiciary not only acted to prevail its role but also contributes to promote health and safety prevention at the workplace. SUMÁRIO Lista de abreviaturas e siglas Lista de figuras Lista de fotos Lista de quadros Lista de tabelas 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 1 1.1 Estrutura do texto...................................................................................... 5 2 OBJETIVOS.......................................................................................................... 7 2.1 Objetivo geral ............................................................................................ 7 2.2 Objetivos específicos.................................................................................. 7 3 JUSTIFICATIVA.................................................................................................. 8 4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS À INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO E O MÉTODO DA ÁRVORE DE CAUSAS................................................................................................................. 25 4.1 A teoria dos sistemas e as árvores............................................................ 32 4.2 A árvore de causas.....................................................................................44 4.2.1 Os fundamentos do método .......................................................... 46 4.2.2 A atividade como unidade de análise ........................................... 52 4.2.3 A variação dos componentes......................................................... 53 4.2.4 Coleta e organização dos dados.................................................... 54 4.2.5 As relações entre as variações dos componentes......................... 56 4.2.6 O diagrama..................................................................................... 59 4.2.7 Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas .......... 60 FUNDACENTRO1 Rectangle 4.3 A causalidade dos acidentes de trabalho................................................. 63 5 A LEGISLAÇÃO .................................................................................................. 91 5.1 A legislação trabalhista............................................................................. 99 5.2 A responsabilidade civil e criminal pelo acidente de trabalho .............. 101 6. METODOLOGIA ....................................................................................................... 109 6.1 Estudo de caso............................................................................................ 110 6.2 A coleta de dados ....................................................................................... 112 6.2.1 O contexto....................................................................................... 113 6.2.2 As fontes.......................................................................................... 117 6.3 Descrição dos antecedentes....................................................................... 118 7 RESULTADOS...................................................................................................... 119 7.1 A investigação ............................................................................................ 119 7.2 Inventário de antecedentes ....................................................................... 120 7.3 Fluxograma de antecedentes .................................................................... 122 7.4 Descrição dos elementos constantes no fluxograma de antecedentes e de seu encadeamento lógico............................................. 124 7.5 O termo de compromisso de ajustamento de conduta ........................... 135 8 DISCUSSÃO.......................................................................................................... 136 9 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 141 LISTA DE REFERÊNCIAS................................................................................. 144 Lista de abreviaturas e siglas AAF Análise de árvore de Falhas ABIQUIM Associação Brasileira da Indústria Química AFT Auditor Fiscal do Trabalho AMFE Análise de Modos de Falhas e Efeitos BSI British Standards Institution CAT Comunicação de Acidente de Trabalho CCOHS Canadian Centre for Occupational Health and Safety CIPAMIN Comissão Interna de Prevenção de Acidentes na Mineração EUA Estados Unidos da América HSE Health and Safety Executive IMD International Institute for Management Development INRS Institut National de Recherche et de Sécurité INSS Instituto Nacional do Seguro Social NR Norma Regulamentadora OIT Organização Internacional do Trabalho PIB Produto Interno Bruto UNESP Universidade Estadual Paulista Lista de Figuras Figura 1. Relação entre competitividade e padrão de segurança no trabalho. ..........18 Figura 2. A causalidade dos acidentes segundo o CCOHS.......................................27 Figura 3. Árvore de Falhas para sistema de alarme de fogo domiciliar....................39 Figura 4. Árvore de causas de um acidente com caminhão fora-de-estrada.............42 Figura 5. Os cinco fatores de Heinrich da seqüência do acidente.............................66 Figura 6. Elemento chave de Heinrich para a prática da prevenção. ........................67 Figura 7. Estágios no desenvolvimento e investigação de um acidente organizacional. ........................................................................................69 Figura 8. Modelo de acidente organizacional de Reason..........................................70 Figura 9. Anexo II da Norma Regulamentadora 5 vigente até 1999. .......................74 Figura 10. Classificação das causas no estudo de Heinrich (1941). .........................79 Figura 11. O Ciclo da Culpa. ....................................................................................82 Figura 12. Algoritmo de Reason - Algoritmo que permite diferenciar os tipos de comportamentos quanto à intencionalidade. ...........................................87 Figura 13. Fluxograma de Antecedentes...................................................................123 Figura 14. Croqui do local do acidente .....................................................................130 Lista de fotos Foto 1. Um incidente com veículos leve e pesado em mina a céu-aberto. ..................29 Foto 2. Posição assumida pela empilhadeira após a queda .......................................124 Foto 3. Caixa de papelão sobre um pallet junto ao pilar ...........................................126 Foto 4. Marca deixada na plataforma pela empilhadeira...........................................127 Lista de Quadros Quadro 1. Distinções no custo de acidentes e doenças relativas ao trabalho propostas por Dorman (2000) .................................................................16 Quadro 2. Quadro de registro de variações...............................................................55 Quadro 3. Representação dos tipos de ligações entre antecedentes no diagrama.....59 Lista de Tabelas Tabela 1. Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados segundo sua classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000..........................9 Tabela 2. Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados segundo conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000...............................10 Tabela 3. Distribuição das “causas apuradas” para os 125 acidentes de trabalho investigados .............................................................................................75 Tabela 4. Distribuição das “medidas propostas” para os 125 acidentes de trabalho investigados ...............................................................................76 Tabela 5. Distribuição dos 125 acidentes investigados segundo a conclusão da empresa quanto às causas ........................................................................77 Tabela 6. Distribuição das responsabilidades pela ocorrência nos 125 acidentes de trabalho investigados ..........................................................................78 0 1 INTRODUÇÃO O trabalho é a principal atividade humana. A vida em sociedade é estruturada em função do trabalho, de maneira que a relação estabelecida entre o indivíduo e sua ocupação é um determinante na forma como se dá a sua inserção no meio social. A organização da sociedade é marcantemente definida por relações de trabalho, sendo os valores sociais do trabalho um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme enuncia o Artigo 1º do Título I (Dos Princípios Fundamentais) da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 (Brasil, 1988). Entre os diversos aspectos das relações sociais de trabalho, a área da segurança e saúde no trabalho é a mais importante porque sem ela nenhuma outra faz sentido. Quando, na sociedade capitalista, o indivíduovende sua força de trabalho a outro, está transacionando apenas sua capacidade de trabalho; a saúde do ser humano não pode ser considerada como simples material de consumo ou passível de ser valorada1. Entre os fenômenos de caráter técnico e/ou social que assinalam a presença humana no mundo do trabalho, as doenças e os acidentes incapacitantes e fatais ocupam papel de destaque pela forma que repercutem na sociedade. A ocorrência de um desses eventos impacta negativamente o trabalhador, vítima da doença ou do acidente, sua família, sua equipe de trabalho, seu grupo social, a empresa e, por fim, a sociedade como um todo. Ao trabalhador vitimado cabe suportar o primeiro e principal encargo gerado pelo acidente, que se materializa na incapacitação temporária ou permanente para o trabalho, quando não lhe provoca a morte. Nos casos de acidentes fatais, esse impacto estende-se imediatamente para a esfera familiar do trabalhador. 1 Na legislação trabalhista vigente no Brasil, a exposição a agentes ambientais nocivos à saúde implica ao trabalhador percepção de adicional pecuniário variável com a gravidade da exposição. 1 Muitas vezes as famílias se desestruturam ao se verem, subitamente, subtraídas em seus arrimos, que podem estar ou não cobertos pelo sistema de seguridade social. Mesmo que o Estado, ao cumprir a legislação previdenciária com a massa de trabalhadores segurada, procure suprir o aspecto financeiro das carências impostas à família da vítima, as perdas, vistas de uma forma abrangente, têm caráter permanente e de impossível valoração. Onde essa valoração é possível, como no poder aquisitivo, estudos comprovam o empobrecimento das famílias que vivenciam um acidente de trabalho com um de seus membros (International Labour Organization, 2003). Para as empresas, o acidente significa perdas que se iniciam com os custos imediatos do acidente e se propagam de múltiplas maneiras pelos diversos aspectos da administração. Entre os prejuízos provocados pelos acidentes de trabalho, os aspectos econômicos envolvidos impõem a temática entre as prioridades da administração empresarial com a força de fator que pode por em jogo a sobrevivência da organização, ao expor ao risco os recursos humanos e materiais que são imprescindíveis a sua operação. A mensuração do impacto do acidente nos múltiplos elementos mobilizados pelo sistema de gestão da empresa pode ser complexa, gerando resultados de representatividade limitada, inexatos. Efeitos de impossível quantificação atingem as equipes de trabalho que sofrem uma perda da magnitude daquela representada por um acidente fatal. Da mesma maneira, é impossível quantificar o grau de comprometimento da imagem da empresa perante o publico interno e externo quando da ocorrência de um evento dessa natureza. A impossibilidade de uma exata valoração se configura na difícil delimitação dos prejuízos relacionados ao acidente de trabalho que podem, em função da abordagem adotada, contemplar facetas da problemática não passíveis de quantificação; seriam os impactos de mérito subjetivo, como aqueles de cunho psicológico e/ou social, presentes em outro ambiente que não o meio ambiente de trabalho. Não dá para transformar a perda de um ente querido em números; esse sentimento não gera estatísticas, embora seja o mais importante para a condição humana. 2 Os prejuízos mais importantes relacionados aos acidentes de trabalho, segundo Dorman (2000) incluem o dano físico imposto à vítima, o custo emocional para a família da vítima e sua comunidade e o comprometimento de valores sociais como a justiça e a solidariedade. Enquanto fenômeno social, o acidente de trabalho expõe múltiplas dimensões; não se restringe ao ambiente de trabalho; é mais que uma disfunção ou não conformidade2 do sistema produtivo. Quando a essa dimensão técnica do acidente acopla-se a existência de uma vítima fatal ou gravemente lesionada, a questão extrapola os muros da empresa e adquire os contornos de uma questão social. São essas características que implicam à problemática social do acidente de trabalho a intervenção das Instituições do Estado que operam na defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade. A inserção do indivíduo na sociedade guarda várias dimensões. Ele é o arrimo de família, o trabalhador, o empregado, o associado, o segurado, o contribuinte etc. Dessa forma, o que ocorre em cada dimensão da vida do indivíduo em sociedade tem reflexos no campo de atuação das instituições do Estado, como aquelas pertencentes à Justiça, ao sistema de seguridade social e aquelas dedicadas às questões específicas das relações de trabalho, como as Delegacias Regionais do Trabalho3, que fiscalizam, entre outros aspectos, as condições nas quais o trabalho é realizado. 2 Não conformidade é qualquer desvio dos padrões de trabalho estabelecidos, das práticas, dos procedimentos, das normas, do desempenho do sistema etc. que podem levar direta ou indiretamente a danos ou prejuízos à propriedade, ao meio ambiente de trabalho ou a combinação destes (British Standards Institution, 1999). 3 A atribuição das Delegacias Regionais do Trabalho, no que diz respeito à fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, está consignada no inciso I do Artigo 156 da Lei Nº 6.514 de 22 de dezembro de 1977, que alterou o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à Segurança e Medicina do Trabalho. 3 A ocorrência de qualquer morte acidental provoca a abertura de um inquérito policial, primeira peça jurídica inerente a esse tipo de ocorrência. O inquérito policial é, dentro dos autos de um processo, uma peça de caráter essencialmente informativo; pode ser definido como um conjunto de atos e diligências que visam apurar alguma coisa. Nele, após a identificação da vítima, são catalogados os dados relativos às evidências dos fatos, que situarão a ocorrência física e temporalmente, além de trazer os depoimentos de testemunhas eventualmente arroladas. Os dados que compõem o inquérito policial são complementados pelas informações geradas pela intervenção da Polícia Técnica no caso. A qualidade dessas informações agrupadas em um laudo pericial será de grande importância àqueles que se ocuparão da leitura e interpretação do relato sobre as evidências coletadas com o fito de reconstituir e compreender as circunstâncias que redundaram no acidente fatal ali tratado. À Justiça, além do interesse imediato em apurar eventuais responsabilidades, também é possível, e isso cada vez mais amiúde ocorre, a intervenção no sentido de corrigir irregularidades que possam ser apontadas em um laudo técnico (Ussier, 2002). As Instituições do Estado apresentam intersecções no que diz respeito às suas áreas de atuação. Entretanto, essas intersecções nem sempre são explícitas. O papel do agente público ora é de punição, ora de investigação, sindicância, ora de correção. O reconhecimento dos espaços comuns entre as instituições no desempenho de seu mister é primeira condição necessária ao estabelecimento de um inter-relacionamento sinérgico entre elas, através da operacionalização de modelos cooperativos de atuação. A análise aprofundada do acidente de trabalho cumpre o papel de esclarecer as causas indo além daquelas mais evidentes e próximas da ocorrência. É manifesto que a acuidade da reconstituição dos eventos repercute na qualidade e capacidade de julgamento de quem cabe fazê-lo. Entretanto, o interesse na maior acuidade na elucidação das circunstâncias envolvidas no acidente não deve atender, necessariamente, apenas o propósito de 4 apurar eventuais responsabilidades. A caracterização de situações propícias a acidentes ou de fatores potenciais de acidentes também pode ensejar a concepçãoe implementação de proteções e cautelas no ambiente de trabalho. Assim, a incorporação ao processo judicial de uma análise do acidente com visão sistêmica, que aumente a capacidade de identificação da multiplicidade de fatores envolvidos, será de grande valia para que condições de trabalho propícias a acidentes sejam transformadas, removendo-se os fatores potenciais de acidentes identificados ou para eles estabelecendo as cautelas adequadas. É certo que a principal perda provocada por um acidente fatal é irrecuperável, no entanto, seria grave omissão negar a existência de possível aprendizado decorrente da ocorrência. Conforme asseverou a Flight Safety Foundation: “Ter um acidente é infeliz. Ter um acidente e dele nada aprender é imperdoável” (Gibb; Hayward; Lowe, 2001). 1.1 Estrutura do texto Esta dissertação apresenta-se estruturada, capítulo a capítulo, da maneira que se segue: O capítulo 2 explicita os objetivos geral e específicos estipulados para este estudo. O capítulo 3 traz a discussão sobre os impactos negativos que o acidente do trabalho provoca e o conseqüente interesse na otimização da capacidade de intervenção e transformação que os agentes públicos e suas respectivas instituições detém em relação às condições de trabalho. Esse capítulo procura constituir-se uma justificação. O capítulo 4 é formado pela apresentação de elementos teóricos e práticos imprescindíveis à investigação e análise dos acidentes de trabalho; apresenta-se resumido histórico da aplicação da teoria dos sistemas na prevenção de acidentes e do desenvolvimento das árvores como ferramenta analítica (é feita uma comparação entre as duas árvores: a de falhas e a de causas), além de uma visão panorâmica sobre 5 os principais modelos causais dirigidos ao acidente do trabalho. Nesse capítulo, entre as ferramentas citadas, é dado destaque ao método da árvore de causas. No capítulo 5 são apresentados alguns rudimentos da teoria jurídica aplicada à segurança e saúde no trabalho. O capítulo 6 procura expor a abordagem adotada e os elementos que compõem o problema estudado, de forma que fique clara a opção metodológica pelo estudo de caso. O capítulo 7 é ocupado pelos resultados que são: realização da investigação e análise do acidente de trabalho ocorrido com a apresentação de um diagrama que foi chamado de fluxograma de antecedentes; o conseqüente atendimento à demanda do Ministério Público do Trabalho de forma que se lhe foram apresentados elementos importantes à elaboração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta dirigido à empresa local do acidente e com esta firmado. O principal conteúdo desse documento é apresentado em item específico desse mesmo capítulo. O capítulo 8 é reservado à discussão do trabalho realizado e o capítulo 9 traz as conclusões acerca desta dissertação. 6 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral O objetivo geral da presente dissertação é estudar a aplicabilidade do método da árvore de causas no atendimento de demanda do Poder Judiciário relativa à análise de acidente de trabalho fatal. 2.2 Objetivos específicos a) Atender demanda do Poder Judiciário relativa à análise de acidente de trabalho fatal, de maneira que os fatos sejam esclarecidos e o julgamento das partes envolvidas seja aprimorado. b) Identificar as limitações que o problema proposto importa à aplicação do método da árvore de causas e discutir as possibilidades de superação dessas limitações. c) Gerar subsídios passíveis de utilização pelo Ministério Público do Trabalho na formulação de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta ou diligências que cumpram papel semelhante junto à empresa onde ocorreu o acidente fatal objeto do inquérito. 7 3 JUSTIFICATIVA A severidade das conseqüências que o acidente de trabalho importa para os atores sociais envolvidos mais diretamente com sua ocorrência, como a vítima, sua família e respectivo grupo social lhe atribui caráter de interesse difuso e coletivo para a sociedade. Um dos impactos de repercussão imediata para a sociedade em geral se consubstancia nos encargos financeiros para o sistema de seguridade social. Tendo como agravante de contorno o fato da histórica suspeição quanto à sua incompletude em relação aos dados reportados sobre os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, as estatísticas que o Brasil apresenta nessa área trazem índices inaceitáveis para um país que quer combater a iniqüidade social e buscar o desenvolvimento sustentado. É fato amplamente divulgado e reconhecido, inclusive no âmbito internacional (Ávila; Castro; Mayrink, 2002), que obter informações acerca da totalidade dos acidentes ocorridos nas empresas é missão de difícil execução, pois há uma postura deliberada em não comunicar muitas ocorrências. Assim, vê-se que não é problema exclusivo do nosso País a ausência de um sistema eficiente de notificação dos acidentes do trabalho, que abranja 100% dos eventos passíveis de comunicação. Ávila; Castro; Mayrink (2002) afirmam que: “...No entanto, apesar dos avanços em termos de levantamento de informações, ressalte-se que os dados oficiais não englobam o mercado informal, os funcionários públicos com regime próprio de previdência e os militares. Ou seja, o real número de acidentes do trabalho certamente é maior, entretanto, não há fontes disponíveis para mensurá-lo”. Não obstante a subnotificação, os dados estatísticos do Ministério da Previdência e Assistência Social sobre acidentes do trabalho já se mostram demasiadamente elevados. Os dados principais, para o período compreendido entre 1996 e 2000 estão nas tabelas 1 e 2, a seguir: 8 Tabela 1 Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados4 segundo sua classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000. Classificação do acidente Típico5 Trajeto6 Doença do Trabalho7 Total 1996 325.870 34.696 34.889 395.455 1997 347.482 37.213 36.648 421.343 1998 347.738 36.114 30.489 414.341 1999 326.404 37.513 23.903 387.820 2000 283.193 38.982 17.470 363.868 Ano Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002). 4 Os acidentes registrados correspondem ao número de acidentes cujos processos foram abertos administrativa e tecnicamente pelo Instituto de Seguridade Social. São dados oriundos das Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT registradas nos postos da Instituição. 5 Acidentes típicos são aqueles que acontecem no exercício do trabalho ou que decorrem da extensão do conceito inserido na Lei 8.213/91. 6 Acidentes de trajeto são aqueles que acontecem no percurso entre a residência e o trabalho. 7 Doença do trabalho inclui as chamadas doenças profissionais, conforme relação específica da Previdência Social, e aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. 9 Tabela 2 Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados8 segundo conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000. Conseqüência Incapacidade Temporária Incapacidade Permanente Óbito Total 1996 375.495 18.233 4.488 448.898 1997 362.712 17.669 3.469 440.281 1998 333.234 15.923 3.793 408.636 1999 345.034 16.757 3.896 420.592 2000 304.352 14.999 3.094 376.240 Ano Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002). Segundo Baumecker; Faria; Barreto (2003) para que seja potencializada nossa capacidade de prevenção é necessário que sejam melhorados nossos conhecimentos sobre os acidentes de trabalho; para tanto são necessárias algumas providências, como: “garantir a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho para todos os universos abrangidos pelo Seguro de Acidente de Trabalho, incluindo assim os contribuintes individuais, os trabalhadores domésticos,os empregadores (que efetivamente trabalham), os trabalhadores por conta própria que totalizam 5.964.471. A forma para a emissão dessa Comunicação de Acidente de Trabalho seria a mesma dos segurados especiais (auto-emissão com avaliação da perícia) que já integram o sistema do Seguro de Acidente de Trabalho. Todos esses segurados já têm benefícios no caso de acidentes de trabalho, somente não são enquadrados como tais; definir a comunicação obrigatória dos acidentes de trabalho dos servidores públicos 8 Acidentes de trabalho liquidados representa o número de processos de acidentes de trabalho liquidados, em um determinado ano. Sempre existe uma diferença entre o número de acidentes registrados e o número de acidentes liquidados, especialmente por causa da duração dos procedimentos e de processos que são reavaliados. 10 (estatutários e militares) o que incluiria no sistema de informação mais 4.732.949 pessoas, as quais já têm o benefício por afastamento do trabalho sem o enquadramento da origem do acidente de trabalho; criar a obrigatoriedade da avaliação da origem do acidente ou da doença em todos os atendimentos da rede básica de saúde estruturando formas de comunicação que possam agregar informações sobre os acidentes no trabalho informal e também garantir avaliações cruzadas que permitam apontar para a subnotificação e para o sub-registro...”. Os números das estatísticas de acidentes incomodam pelo que relatam e pelo que deixam de relatar; evidenciam altas taxas de freqüência por um lado e, por outro, não permitem que se possa avaliar a dimensão das perdas que os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho impõem à nação. Em entrevista concedida à Revista CIPA, Pastore (2001), faz referência à proporção de 4 para 1, proposta por Heinrich (1941), que existiria entre os custos diretos e indiretos e, no intuito de obter um número que reflita uma somatória geral, agrega a essas duas classes de custos as despesas que incidem sobre a família da vítima (ao fazê-lo, Pastore passa a trabalhar com a proporção de 5 para 1 entre os custos indiretos e diretos) e a considerar, ainda, os encargos assumidos pelo Estado com o setor informal9. O gasto governamental anual com o setor informal por conta do acidente de trabalho é estimado em R$ 5 bilhões. É assim que, partindo de um montante de R$ 2,5 bilhões que, segundo Pastore, a Previdência Social arrecada das empresas e gasta anualmente com os acidentes de trabalho, ele chega à preocupante cifra de R$ 20 bilhões nos encargos financeiros que os acidentes de trabalho importam à nação. Embora cumpra papel de chamar a atenção da sociedade para o grave problema social que o acidente de trabalho representa, o cálculo apresentado por Pastore parte de premissas muito pouco consistentes, como a proporção de 4 para 1 entre os custos indiretos ou não segurados e os custos diretos ou segurados. 9 José Pastore, na mesma entrevista à Revista CIPA, afirma que, da população. “apenas 43% estão vinculados ao sistema previdenciário. Os demais 57% são apenas consumidores de serviços de saúde e assistência social”. 11 Provavelmente por conta de seu caráter histórico, a proporção aventada por Heinrich de 4 para 1 entre os custos indiretos e os custos diretos do acidente ocupou papel de destaque entre as suposições presentes na formulação de estimativas de custos propostas pelos profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho e outros que se ocuparam dessa questão. Já na década de 80, De Cicco (1983, p.06) afirmava que “inúmeros profissionais da área de segurança, de companhias de seguros e outros, por terem uma extrema carência de dados sobre o custo de acidentes, começaram a dar uma importância exagerada à referida proporção. Muitos que a adotaram o fizeram sem conhecer o seu verdadeiro significado, ou a aplicaram de forma incorreta”. Segundo Dorman (2000), a estimação dos custos indiretos como uma proporção dos custos diretos tem mostrado variação de valores menores que 1:1 até valores maiores que 20:1, dependendo da empresa e da metodologia adotada pelo pesquisador. A classificação mais tradicional dos custos pertinentes aos acidentes de trabalho os divide em duas classes: os custos diretos e os custos indiretos. Essa classificação, possivelmente a primeira a ser formalizada, foi introduzida por H. W. Heinrich, em trabalho de investigação realizado na década de 20 nos Estados Unidos da América (Heinrich, 1959 apud De Cicco, 1983). Segundo De Cicco (1983), Heinrich, que trabalhava para uma companhia de seguros, desenvolveu a pesquisa nas empresas onde acidentes haviam acontecido e buscou identificar dispêndios adicionais nos quais as empresas tinham incorrido, além dos gastos relacionados às indenizações pagas pela companhia seguradora. Heinrich considerou os gastos da companhia seguradora com a liquidação do acidente de trabalho como custo direto e àquelas perdas acumuladas pela empresa em termos de danos materiais e de perda de produção como custos indiretos. Como o primeiro encargo gerado pelo acidente de trabalho grave ou fatal é aquele a ser mobilizado pela entidade seguradora, cria-se uma referência de caráter contábil para a análise dos demais custos atribuíveis ao acidente. Assim, foi natural que os custos ditos indiretos ou segurados fossem referenciados como uma proporção 12 dos custos diretos ou segurados no estudo realizado por Heinrich. Esse estudo apontou uma razão de 4 para 1 entre os custos indiretos e diretos. Tendo como base essa classificação, há referências na literatura, conforme pode-se observar em De Cicco; Fantazzini (1985), sobre custos diretos ou segurados e custos indiretos ou não-segurados, explicitando a discriminação proposta por Heinrich em seu estudo. Segundo De Cicco (1983) essa terminologia foi proposta na década de 40, nos EUA. Essa classificação, proposta por Heinrich, estrutura os custos pela natureza dos encargos gerados pelo acidente de trabalho e tem como fulcro as perdas financeiras e materiais que, em última análise, acabam se confundindo. Fisa (1991), em material publicado pelo Ministério de Trabajo y Asuntos Sociales, da Espanha, ao abordar a questão dos custos não-segurados provocados pelo acidente de trabalho, trilha caminho semelhante e, no âmbito de um estudo de caso desenvolvido sobre o tema, relaciona os seguintes componentes dos custos: ● com o atendimento em enfermaria, que implica custos com materiais e com a dedicação do responsável pelo atendimento; ● com o traslado até um hospital, que implica o dispêndio material e com a dedicação de pessoal responsável pela remoção da vítima; ● gerados pelo tempo perdido por outros trabalhadores não acidentados (da área de produção e da área administrativa); ● provocados pela dedicação das chefias intermediárias e outros ao caso para, por exemplo, promover a investigação do ocorrido; ● gerados pela interrupção do processo produtivo; ● relativos a perdas materiais; ● provocados pelo desperdício de produto semi-acabado ou matéria-prima; ● provocado pela contratação junto a terceiros de serviços especializados, como aqueles necessários para recuperar instalações; ● gerado pelo pagamento de horas-extras para recuperar a produção; 13 ● relativos ao recrutamento e contratação de trabalhador substituto do trabalhador acidentado durante o período de afastamento, por igual salário e ● provocados por atrasos na entrega de produtos, como penalidades financeiras previstas em contrato. “Como pode ser aplicada a análise econômica à meta de criar condições mais saudáveis e seguras de trabalho?”. Essa é a pergunta inicial formulada por Dorman (2000) ao estudar os aspectos econômicos da Segurança e Saúde no Trabalho. Segundo Dorman(2000), do ponto de vista de uma preocupação econômica bem ampla, o principal dado de caráter contábil demandado pelos administradores da empresa, em relação ao desempenho da área de Segurança e Saúde no Trabalho seria o seu custo econômico líquido, apurado pela diferença entre o custo econômico das atividades prevencionistas e o custo econômico da prevenção. Entretanto, na área de Segurança e Saúde no Trabalho, esse dado tem pequeno ou nenhum significado, visto que é impossível mensurar o desempenho das atividades dirigidas à segurança e à melhoria das condições de trabalho, como um todo, apenas em bases econômicas. A substituição de um operador dentro de uma equipe de trabalho é uma variação abrupta e profunda que deve ser assimilada pelo sistema de produção e esse processo de assimilação não é susceptível de equacionamento numérico, de valoração em unidades de moeda, embora seja evidente a perda de rendimento do sistema e conseqüente prejuízo financeiro. Não obstante, permanece o interesse no estudo dos custos relativos aos acidentes de trabalho e Dorman (2000) propõe, em seus estudos preliminares sobre as questões econômicas da Segurança e Saúde no Trabalho, que se façam quatro distinções: custos econômicos versus custos não econômicos (dependendo de sua valorabilidade em termos econômicos); custos fixos versus custos variáveis (dependendo de sua variabilidade face à incidência de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho); custos diretos versus custos indiretos (dependendo se o reconhecimento deles pelos administradores faz parte da rotina) e custos internos versus custos externos (dependendo se eles são pagos pelos administradores da empresa ou por outra parte). 14 A proposição de Dorman (2000) pode ser visualizada no Quadro 1, a seguir, onde além do critério, figura o significado da distinção proposta. 15 Quadro 1 Distinções no custo de acidentes e doenças relativas ao trabalho. Distinção Critério Significado Econômico versus Não econômico Avalia se o custo toma a forma de dano em bens e serviços aos quais podem ser dados preços Determina o caso econômico para intervenção, à parte dos aspectos éticos e de Saúde Pública envolvidos Fixo versus Variável Avalia se o custo permanece constante apesar de mudanças na incidência e gravidade das lesões e enfermidades Determina se haverá incentivo econômico para um determinado administrador caso tome medidas para reduzir as taxas de freqüência e de gravidade Direto versus Indireto Avalia se o custo é medido e alocado por meio de métodos contábeis rotineiros Determina se o administrador perceberá o incentivo econômico que de fato existe Interno versus Externo Avalia se o custo do acidente é pago pela unidade econômica que o gerou Determina a diferença entre o incentivo econômico para um determinado administrador e o correspondente incentivo para a sociedade Fonte: Adaptado de (Dorman, 2000). 16 Essa contribuição posiciona a questão dos custos dos acidentes de trabalho no sentido de receber um tratamento de caráter sistêmico, rompendo com a limitação que historicamente caracterizou a abordagem dedicada ao tema. É assim que, mesmo onde não há a possibilidade de monetizar o dano ou o prejuízo, é possível a identificação qualitativa de impactos não mensuráveis pelas ferramentas contábeis. É o reconhecimento analítico de que a inexistência de encargo para a unidade econômica geradora do evento não implica inexistência de encargos. O primeiro enfoque dado aos estudos relacionados às perdas provocadas pelos acidentes de trabalho foi o econômico e, mais especificamente, dentro de limites de claro interesse empresarial mais imediato. A ampliação desse olhar para fora dos limites da empresa, como sugere a proposta de Dormam (2000), evidencia uma nova forma de abordagem e caracterização do problema que os acidentes de trabalho representam para a sociedade moderna. Conforme se observa no Quadro 1, todas as categorias propostas por Dorman (2000) impactam a sociedade frontalmente, mobilizando suas instituições e seus recursos. Juan Somavia, Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho - OIT, ao dissertar sobre a agenda da Organização Internacional do Trabalho denominada “Trabalho decente”, afirma que trabalho decente é trabalho seguro e que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar essa meta; lembra que anualmente cerca de dois milhões de homens e mulheres perdem suas vidas em acidentes ou por causa de doenças relacionadas ao trabalho que executam. Considera, ainda que seja uma estimativa conservadora, que ocorram cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho a cada ano (International Labour Organization, 2003). A Organização Internacional do Trabalho estima que quatro por cento do Produto Interno Bruto constitui perda provocada por acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Essa é uma média global; ao referir-se à situação dos países da América Latina, a Organização Internacional do Trabalho reporta-se a dados apresentados em conferência promovida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 2000, e segundo os quais, não obstante as considerações de praxe sobre a subnotificação dos acidentes de trabalho neles observada, os países em desenvolvimento sofrem grandes perdas devido às doenças relacionadas ao trabalho, 17 acidentes e óbitos, que atingem cerca de dez por cento do Produto Interno Bruto (International Labour Organization, 2003). Não há evidência estatística alguma de que economias com baixo padrão de segurança e saúde no trabalho sejam mais competitivas. As pesquisas da Organização Internacional do Trabalho sugerem exatamente o contrário, pois os países que contam com melhores condições de trabalho são aqueles que apresentam melhores índices de competitividade, conforme se observa na Figura 1, a seguir: Competitividade e Segurança 18 Fonte: Adaptado de International Labour Organization (2003). Acidente Fatais / 100.000 Trabalhadores No rue ga Re ino U nid o 30 Su íça Pa ise s B aix os Fil ân diaEU A 10 0 20 Au str áli a Ca na dá Su éci a Al em an ha Irl an da 80 In di ce 40 50 70 60 90 Br asi l Ch ile Ma lás ia Fra nça Bé lgi ca Es pa nh a Jap ão Hú ng ria Ko réi a R . Po rtu gal Ta ilâ nd ia Ch ina Mé xic o Àf ric a d o S ul Ind on ési a Ru ssi a Competitividade Figura 1. Relação entre competitividade e padrão de segurança no trabalho. A Figura 1 utiliza uma das classificações de competitividade de maior autoridade no mundo, publicado em Lausanne pelo International Institute for Management Development – IMD, no qual são consideradas as economias de 60 países, que são avaliadas por meio de 321 critérios. Os dados utilizados são de 2002. Em seu sítio na rede mundial de computadores, o IMD apresenta uma lista com os 321 critérios que são incluídos no anuário de 2003 da competitividade no mundo (International Institute for Management Development, 2003). Esses critérios são agrupados nos quatro fatores de competitividade seguintes: ● desempenho econômico; ● eficiência do governo; ● eficiência do negócio e ● infra-estrutura. À guiza de exemplificar a estruturação que o IMD dá ao conjunto de critérios utilizados, destacamos, entre os fatores de competitividade, o relativo a infra- estrutura. Esse fator é composto pelos seguintes aspectos pertinentes à infra- estrutura: ● infra-estrutura básica; ● infra-estrutura tecnológica; ● infra-estrutura científica; ● saúde e ambiente e ● instrução. Desses aspectos, escolhemos como exemplo aquele relativo à saúde e ambiente e, entre os critérios que o constituem, encontramos, entre outros, os seguintes: ● despesa total com saúde (em porcentagem do PIB); ●despesa pública com saúde (em porcentagem da despesa total com saúde); ● expectativa de vida no nascimento; ● expectativa de vida saudável; ● auxílio médico (número de habitantes por médico e por enfermeira); ● população urbana (em porcentagem da população total); ● índice humano de desenvolvimento; ● abuso do álcool e da droga; ● taxa de reciclagem de papel; ● plantas de tratamento de água e de esgoto (em porcentagem da população servida); 19 ● emissões de dióxido de carbono (emissões industriais de CO2 em toneladas métricas por milhão de dólares do PIB); ● leis ambientais; ● outros. A otimização da aplicação dos recursos que dispõe o Estado para o combate aos acidentes graves e fatais constitui iniciativa de interesse social. Assim é a possibilidade de contribuir para que a intervenção da Justiça considere e exercite a capacidade de repercutir sua ação também em prol da prevenção. Como o encaminhamento pelo Poder Judiciário de processos judiciais envolvendo acidentes de trabalho fatais à Fundacentro10 configura forma relevante de cooperação entre as instituições, é producente que se estabeleça uma forma de abordagem que atenda as expectativas de cada instituição em relação ao caso e possibilite o melhor tratamento da demanda cumprindo tarefa de interesse da sociedade. A realização de uma investigação e análise aprofundadas do acidente de trabalho permite agregar às atividades de apuração de responsabilidades empreendidas pelo Poder Judiciário algumas características de uma intervenção de caráter prevencionista, ou seja, calcada na discriminação de componentes e situações de trabalho presentes na rede de causalidade do acidente, visando sua eliminação e controle. A idéia é que com uma boa investigação, a Justiça pode fazer mais que justiça, pode gerar ganhos para a prevenção. Isso é possível quando o órgão da Justiça é municiado com o produto de uma investigação aprofundada, que não se limita às superficialidades e causas de caráter imediato do acidente objeto de inquérito, mas avança na identificação de fatores potenciais de acidentes que compareceram na sua rede de causalidade. Assim, no exercício de seu mister, o órgão da Justiça pode instar a empresa envolvida a transformar situações de trabalho, instalações e outros elementos passíveis de uma atitude preventiva. Mais que isso, a 10 A Fundacentro – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho é entidade vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, instituída pela Lei Nº 5.161 de 21 de outubro de 1966 e que tem como principal missão o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área de segurança e saúde no trabalho. 20 Justiça pode, em razão da experiência acumulada em casos específicos que guardem interesse geral, promover mudanças pautadas pela prevenção em um coletivo de empresas que possuam aqueles mesmos fatores potenciais de acidentes identificados num determinado procedimento investigatório. Cabe aqui, ainda, um esclarecimento àqueles que travarão contato com esta dissertação. Embora a mineração esteja presente em diversas partes do texto, o estudo de caso apresentado aborda acidente ocorrido durante a operação de uma empilhadeira na plataforma de expedição e recebimento de materiais de uma empresa do ramo eletro-eletrônico. A relação do método da árvore de causas com a mineração é estreita. Conforme relata Villatte (1990), entre os estudos que culminaram na publicação do “Método Prático de Pesquisa de Fatores de Acidentes – Princípios para Aplicação”, de autoria de Krawsky, Monteau e Cuny, em 1972, por meio do Informe INRS Nº 024/RE, há aqueles que foram ambientados nas minas e na siderurgia. Nesta dissertação, em seu item 4.1 (A teoria dos sistemas e as árvores), quando buscamos diferenciar a árvore de causas da árvore de falhas, o exemplo apresentado para a primeira explora acidente ocorrido com um caminhão fora-de-estrada em uma mineração a céu aberto. Binder, Almeida, Monteau (1995), apresentam em seu trabalho o texto “Método Prático de Pesquisa de Fatores de Acidente. Princípios e aplicação experimental”, de M. Monteau, G. Krawsky e X. Cuny, publicado em 1974. Esse trabalho compreende duas partes. A primeira apresenta um método de análise de acidentes e a segunda mostra o relato de aplicação experimental desse método em 169 casos de acidentes de trabalho ocorridos nas minas de ferro da região francesa de Lorraine (Villatte, 1990). Nessa aplicação foi realizado o tratamento estatístico dos dados que, segundo Binder, Almeida, Monteau (1995), “possibilita diagnosticar focos de risco, permitindo estabelecer política de prevenção eficaz”. Essa aplicação experimental consistiu nas seguintes etapas: a) Apresentação e formação. 21 Nessa etapa foi feita a exposição dos fundamentos do experimento a ser feito nas minas, realizado um exame crítico dos métodos clássicos de investigação de acidentes, uma demonstração detalhada dos princípios de aplicação do método proposto e apresentação de alguns exemplos e sua discussão. b) Coleta dos dados. A aplicação do método prático, em particular nessa etapa, exige bom conhecimento dos modos de operação habituais próprios de cada tipo de produção. Isso não constituiu problema para a efetivação do experimento porque os participantes eram todos voluntários que tinham em comum uma longa experiência de trabalho e de segurança na empresa. A coleta de dados foi efetuada imediatamente após a ocorrência do acidente pelos técnicos do serviço de segurança das empresas. c) Tratamento dos dados. Esse tratamento dos dados é constituído por duas fases, que são a construção do diagrama e a compilação dos diagramas obtidos e posterior análise estatística. É importante ressaltar que a escolha da mineração para desenvolvimento do experimento se deu em função de duas grandes razões, quais sejam: ● homogeneidade operacional do setor (semelhança de técnicas de produção e de organização da segurança no trabalho) e ● existência de condições práticas, como a existência de voluntários, para a aplicação do método proposto. Entre os ensinamentos obtidos com a experimentação realizada, é possível destacar algumas providências relativas à prevenção, aplicáveis aos diversos aspectos envolvidos no desenvolvimento de uma atividade no local de trabalho. Conforme aponta Binder, Almeida, Monteau (1995), em relação aos indivíduos e às tarefas que executam, temos: ● informar explícita e completamente aos operadores sobre os riscos presentes em decorrência de comportamentos que adotam em certas situações; 22 ● informar com exatidão aos contramestres sobre os métodos de trabalho efetivamente utilizados por seus subordinados; ● formar operadores em relação às condutas a adotar em casos de incidentes (panes, perturbações etc.); ● organizar, de modo sistemático, reciclagens para orientar a utilização de materiais novos; ● integrar à formação global a aprendizagem dos modos de operação das tarefas acessórias; ● evitar confiar substituições a operadores menos qualificados. Naquilo que é pertinente ao material e meio de trabalho, temos: ● melhorar a manutenção (não esperar a pane completa para remediar avarias de funcionamento do material, evitar reparações improvisadas); ● controlar o estado e o funcionamento do material no próprio local de sua utilização; ● transmitir as sugestões dos que utilizam as máquinas e os equipamentos aos seus fabricantes (falta de soluções ergonômicas na concepção dos mesmos); ● manter adequadamente as áreas de circulação destinadas aos pedestres. Com referência à organização do trabalho, temos: ● evitar hiatos no desenvolvimento do processo de produção (coordenação entre extração e transporte do minério); ● definir ou precisar certas funções (conserto, manutenção,transporte etc.); ● analisar de maneira aprofundada os incidentes e os desgastes de material, da mesma forma que os acidentes de trabalho, visando a identificação antecipada de medidas preventivas. Não obstante a origem do método estar associada à mineração, sua aplicação não é mais ou menos recomendada para cada caso em função do setor econômico onde o acidente a ser investigado aconteceu. Conforme comentamos no texto, no 23 item 4.2.7 (Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas) existem circunstâncias que podem criar problemas à aplicação do método da árvore de causas, mas essas circunstâncias não estão associadas ao tipo de atividade econômica. Segundo Binder, Almeida, Monteau (1995), o método da árvore de causas pode ser aplicado com bons resultados em qualquer empresa sob duas condições: ● obtenção da colaboração dos funcionários em todos os níveis; ● existência de serviço de segurança motivado e equipado. A essas duas condições acrescentaríamos a existência na empresa de uma política clara em relação à investigação e análise de acidentes, preferencialmente inserida em um sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho. Assim, à medida que os empreendimentos na área mineral vão adotando programas de gerenciamento de riscos de base sistêmica, abre-se, conseqüentemente, espaço para a implantação de métodos de investigação e análise de acidentes de trabalho que tenham a mesma base conceitual, como é o método da árvore de causas. 24 4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS À INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E O MÉTODO DA ÁRVORE DE CAUSAS A investigação e a análise de acidentes de trabalho constituem matéria complexa e são múltiplas as possibilidades de abordagem passíveis de utilização pelos profissionais que atuam na área de segurança e saúde no trabalho. Essa multiplicidade das possibilidades de estudo do acidente de trabalho importa a existência de muitas ferramentas de análise, como as patenteadas por empresas de consultoria em segurança e saúde no trabalho, como Reason® (2001) e aquelas desenvolvidas por grandes grupos empresariais, como o ICAM – Incident Cause Analysis Method, aplicado pelo grupo BHPBilliton (2003). Nesse último caso, o método pode ser para exclusivo uso interno e também vir a configurar um produto comercializável, se estendendo assim para além da empresa ou do grupo de empresas que o concebeu. A literatura traz uma série de referências a métodos de investigação e análise, como o Accident Evolution and Barrier Function Method (AEB), que concebe o acidente como fruto da interação entre dois sistemas: o sistema humano e o sistema técnico (Svenson; Lekberg; Johansson, 1999). Drummond (2003), ao abordar a problemática do acidente de trabalho, relaciona as seguintes ferramentas de investigação de acidentes: ● MES – Multilinear events sequencing; ● ECFC – Events and causal factors charting; ● FTA11 – Fault tree analysis; ● MORT – Management oversight and risk tree; ● STEP – Sequentially timed events plotting; 11 Sobre a inclusão da Análise de Árvore de Falhas entre as técnicas aplicáveis à investigação de acidentes de trabalho, a presente dissertação traz algumas considerações críticas no item 4.1 (A teoria dos Sistemas e as Árvores). 25 ● SCAT – Systemic causal analysis technique; ● CMT – Causal tree method; ● WAIT – Work accidents investigation technique. O Health and Safety Executive (2003), ao relacionar as técnicas de análise das causas básicas, divide-as em grupos, como: as técnicas de árvores e as técnicas de check list. No primeiro grupo encontramos: ● MORT – Management oversight and risk tree; ● HPIP – Human Performance Investigation Process; ● ERCAP – Event root cause analysis procedure. Na categoria das técnicas de check list, encontramos: ● HPES – Human performance evaluation systems; ● SCAT – Systematic cause analysis technique; ● TOR – Technic of operation review; ● SACA – Systematic accident cause analysis. Embora exista a possibilidade de inúmeras variantes entre as técnicas de investigação de acidentes, há alguns aspectos condicionantes do processo de coleta de informações que são comuns para que se obtenha aquilo que, à luz da técnica aplicada, seja considerado um bom resultado. Esses aspectos são: ● não é aconselhável que transcorra muito tempo entre o acidente e a investigação; ● o acesso ao local do acidente e registro das suas principais características é muito importante para as análises que serão feitas; ● sempre que possível colher o depoimento da vítima ou de companheiros de equipe que presenciaram o acidente; ● compreender a atividade que era realizada quando ocorreu o acidente; 26 ● evitar fazer a investigação sozinho, pois nossa capacidade de percepção, por vezes, nos reserva algumas armadilhas, de modo que o óbvio nos passa desapercebido. A década de 90 foi palco de uma tendência crescente em relação aos acidentes industriais: a política adotada para eles, segundo Gibb; Hayward; Lowe (2001), foi de promover uma investigação de caráter abrangente, permitindo o exame dos fatores sistêmicos que potencialmente contribuíram para a ocorrência, sem perder de vista o contexto no qual eles tomaram lugar. Segundo Carvalho (1984) “os modelos de estudo do comportamento humano muito restritos ao estudo individual, se podem ser úteis em alguns casos, têm o grande defeito de ser avaliados fora do ambiente ou do “sistema” de trabalho”. A tendência observada nos modelos causais é no sentido de incorporar, ao estudo do comportamento humano, o estudo de fatores organizacionais. O modelo preconizado pelo Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) trabalha com cinco categorias, conforme se observa na Figura 2 a seguir: Material Gerenciamento Tarefa Indivíduo Ambiente Fonte: Adaptado de Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003). Figura 2. A causalidade dos acidentes segundo o CCOHS. 27 O Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) identifica as seguintes razões para que os acidentes de trabalho sejam investigados: ● atendimento a exigências legais; ● determinação de custos de acidentes; ● determinação da conformidade com regulamentos de segurança aplicáveis. No entanto, o produto mais importante gerado pela investigação e análise, independentemente do cenário onde esse processo se desenvolva, é o aprendizado em relação às causas e o tipo de dinâmica e encadeamento das diversas variações até a deflagração do acidente. A possibilidade de exercitar esse aprendizado existe em todos os cenários e faz com que também seja recomendável a investigação e análise de acidentes sem qualquer lesão ou dano à propriedade (os chamados incidentes), que também irão permitir a identificação de fatores potenciais de acidentes que são passíveis de correção. A Foto 1, a seguir, exemplifica um incidente em uma mineração a céu aberto que deve ser objeto de investigação e análise. 28 Fonte: BHPBilliton (2003). Foto 1. Um incidente com veículos leve e pesado em mina a céu aberto. O Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003), ao tratar o tema relativo à análise de acidentes, faz uma série de recomendações visando dar objetividade aos procedimentos adotados. Algumas orientações merecem citação e comentário. São elas: ● Necessidade de imparcialidade: devem ser evitados os pré- julgamentos, como aqueles que induzem à crença que o acidente foi fruto da falta de cuidado do trabalhador. Se a conclusão for nesse sentido, a recomendação é de que sejam formuladas algumas questões como: o trabalhador estava distraído? Se sim, por quê? Ao questionar a distração do trabalhador, a orientação vem no sentido de não limitar a investigaçãoà atitude da vítima ou de outros trabalhadores envolvidos, buscando esclarecer a natureza da presumida distração. É com esse propósito que 29 ante a conclusão de que o trabalhador estava distraído, além de buscar entender a motivação da distração, devem ser formuladas as seguintes questões: ● Havia um procedimento de trabalho seguro sendo seguido? Se não, por que? ● Os dispositivos de segurança estavam em ordem? Se não, por que? ● O trabalhador era devidamente capacitado? Se não, por que? É provável que ao responder essas questões a investigação revele aspectos passíveis de correção, indo além da surrada “falta de atenção” dos trabalhadores. Em relação ao modelo de análise, a sugestão é que sejam utilizados cinco categorias de fatores, quais sejam: indivíduo, tarefa, material, ambiente e gerenciamento. A proposta de trabalhar com essas categorias denuncia a visão sistêmica da abordagem. Para a etapa de coleta de dados as orientações são aquelas que se fazem de praxe, como a realização de entrevistas, a coleta de evidências no local do acidente e vistas a documentos que tragam subsídios para o desejado esclarecimento do ocorrido. Acerca da formulação de conclusões quanto à causalidade, ressalta o Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) que a preocupação com elas deve existir apenas depois de concluídas as etapas de coleta de dados e de análise. Ainda em relação às conclusões, lembra que se faz necessário esclarecer se elas apresentam algum tipo de evidência (classificadas como diretas ou indiretas) ou baseiam-se em alguma suposição. A entidade governamental britânica, da área de segurança e saúde no trabalho, Health and Safety Executive - HSE, ao abordar a problemática da investigação e análise de acidentes de trabalho evidencia preocupação em evitar investigações superficiais, que se restrinjam às causas imediatas. Entre os documentos acessíveis no sítio da Health and Safety Executive (2003) inclui-se o tratado “Proposals for a new duty to investigate accidents, dangerous occurrences and diseases” que estipula alguns atributos para a consecução de uma análise bem sucedida. Esses atributos são os seguintes: 30 ● adota a abordagem sistêmica; ● contempla diversos níveis hierárquicos julgados relevantes; ● utiliza protocolos na estruturação da análise; ● identifica causas imediatas e causas básicas (ou subjacentes); ● as recomendações não se limitam à correção dos desvios associados às causas imediatas, mas atingem o grupo de causas referidas como básicas; ● implementa as recomendações e atualiza as análises de risco; ● acompanha os resultados das ações implementadas com vistas à redução de acidentes no futuro; ● propicia a retro-alimentação e o compartilhamento do aprendizado gerado pela experiência; ● alimenta banco de dados acessível. Além desses, existem outros aspectos presentes nesse mesmo tratado que explicitam a aplicação dos conhecimentos gerados pela investigação e análise dos acidentes de trabalho nas atividades reputadas como de prevenção. Entre as possibilidades existentes, o método da árvore de causas se destaca, tendo inclusive merecido citação na Enciclopédia de Segurança e Saúde Ocupacional da OIT, no desenvolvimento do verbete “análise de acidentes”. O método da árvore de causas é estruturado de acordo com uma visão compatível com a adotada nos sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho, que vêm sendo divulgados por importantes organismos estrangeiros e internacionais de pesquisa e normatização, como a Organização Internacional do Trabalho; a British Standard Institution, da Grã-Bretanha; a National Occupational Safety Association, da África do Sul e a American Industrial Hygienists Association, dos Estados Unidos da América. Essa afirmação, embora possa parecer, à primeira impressão, temerária do ponto de vista metodológico, faz sentido, pois a doutrina que dá sustentação à árvore de causas é a mesma que baliza a formulação dos diversos sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho, é a abordagem sistêmica. 31 Se a proposta de gerenciamento tem caráter sistêmico, a concepção que se tem do problema abordado também tem o mesmo caráter, afinal é necessária a compatibilidade entre o mal e o remédio e este é concebido em função dos atributos que se percebe naquele. No caso da árvore de causas sua aplicação se dá no âmbito de uma abordagem sistêmica, de forma que seus achados não serão incompatíveis com a abordagem praticada pelos sistemas de gerenciamento que são inspirados na mesma concepção do problema. A investigação de acidente é atividade de retro-alimentação para o sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho; é geradora de subsídios para o refinamento do sistema de gestão adotado pela empresa. Se a abordagem do gerenciamento é pautada pelo pensamento sistêmico, o subsídio necessário ao seu aprimoramento deve ter o mesmo caráter. Dessa maneira, ao propiciar avançar na investigação e análise do acidente para além das causas imediatas, a árvore de causas desvenda elementos que, dado suas características, podem ser utilizados para o melhoramento do sistema de gestão. A árvore de causas se mostra método que, se aplicado de forma metodologicamente correta, constitui caminho para melhor compreensão e investigação dos fatores que contribuem para as anomalias organizacionais, identificando as deficiências da segurança antes que elas causem acidentes e incrementando o desempenho da política de segurança da organização. 4.1 A teoria dos sistemas e as árvores O desenvolvimento de uma técnica ocorre, entre outras formas, para o atendimento de uma necessidade específica. Isso é particularmente evidente para vários ramos da medicina e da engenharia e, mais recentemente para a engenharia biomédica. A evolução do conhecimento pode confirmar ou negar a compreensão que se tem de um determinado fenômeno e a importância de uma investigação científica é função, dentre outros fatores envolvidos, da efetiva aplicação pelos atores sociais do conhecimento que lhes é disponibilizado na compreensão e transformação da realidade. A importância do mapeamento do código genético para a medicina é exemplo inequívoco. 32 Em relação à ação gerencial necessária à prevenção de acidentes, Heinrich (1941) afirmou ser compreensão comum que os métodos bem sucedidos para tal propósito seriam similares àqueles usados no controle da produção, de maneira que o gerenciamento industrial de então estaria bem aparelhado para solucionar seus problemas relativos à segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é evidente que esse conceito de Heinrich é um equívoco e que a segurança e saúde no trabalho, embora esteja obviamente associada à concepção do trabalho, demanda ferramentas específicas para sua gestão. Na década de 50, expressões como “engenheiro de sistemas” e “engenharia de sistemas” se tornaram correntes e os tratados sobre a metodologia dos sistemas começaram a ser publicados (Checkland, 1989). Um marco para a Teoria dos Sistemas foi a publicação em 1962 do trabalho de A. D. Hall entitulado “A Methodology for Systems Engineering”. Esse trabalho foi muito difundido no âmbito dos experimentos realizados nos Estados Unidos da América pelos Laboratórios Bell Telephone na década de 60. Foi na década de 60 que as técnicas da Engenharia de Sistemas foram apresentadas ao prevencionismo civil; até então o desenvolvimento da engenharia de sistemas era restrito aos campos da engenharia militar e aeroespacial, que apresentaram condições propícias para tanto. Conforme referido por De Cicco; Fantazzini (1985), muitas das técnicas aplicadas na Engenharia de Sistemas foram desenvolvidas para o campo aeroespacial, particularmente num momento da história da humanidade que ficou conhecido como “corrida espacial”. Os tipos de atividadesempreendidas nessas áreas implicam o trabalho com sistemas complexos, onde a tolerância para a falha é zero e é obstinada a luta pela eliminação do espaço representado pelo acaso, de maneira que a previsibilidade da operação do sistema seja a maior possível. A evolução do conhecimento relativo à compreensão do papel que a área de segurança e saúde no trabalho desempenha para o sucesso da organização empresarial é fator determinante para a mudança na atenção que as organizações empresariais vêm dispensando ao tema. Programas de gestão que integram a segurança e saúde no trabalho na matriz de gerenciamento da organização como o 33 “Atuação Responsável” da Associação Brasileira da Indústria Química – ABIQUIM são bons exemplos (Brasil, 2001). Buscar a prevenção dos infortúnios que ocorrem no ambiente de trabalho é o principal objetivo do conhecimento desenvolvido na área de segurança e saúde no trabalho. Para tanto, a Engenharia de Segurança do Trabalho foi buscar na Engenharia de Sistemas uma série de ferramentas que aplicadas à gestão das condições de trabalho ensejariam os meios necessários à preservação da integridade dos trabalhadores e dos meios de produção. A aplicação de uma abordagem sistêmica à questão da segurança e saúde no trabalho almeja, nas análises prévias de perigos e no estudo das possibilidades de ocorrência de falhas, a consideração de todos os elementos que estariam envolvidos na geração de falhas com potencial de causar danos aos trabalhadores e às instalações. Temos disponíveis uma série de técnicas12 passíveis de aplicação na gestão das condições de trabalho, para que sejam identificados os riscos que a concepção e execução do trabalho eventualmente podem acarretar, possibilitando, assim, que sejam controlados ou eliminados. Algumas dessas técnicas, como a Análise de Árvore de Falhas (AAF) e a Análise de Modos de Falhas e Efeitos (AMFE), têm base sistêmica. Entretanto, quando acontece o acidente de trabalho, mormente aqueles graves e/ou fatais, a visão sistêmica13 da questão é pouco aplicada e o tratamento que é dispensado à questão muitas vezes limita-se à cena do acidente e o modelo aplicado de forma hegemônica é de caráter monocausal, onde o acidente ocorreria por um ato inseguro do trabalhador ou por condições inseguras de trabalho. Embora a noção de sistema tenha se difundido para diversos ramos do conhecimento, Morin (1977) apud Morin (1998) afirma que “a teoria dos sistemas não escavou seus próprios alicerces, não elucidou o conceito de sistema. Assim, o 12 Entre as técnicas mais tradicionais pode-se citar a Análise Preliminar de Riscos (APR); a Análise de Modos de Falhas e Efeitos (AMFE); a Técnica de Incidentes Críticos (TIC) e a Análise de Árvores de Falhas (AAF) (De Cicco; Fantazzini 1985). 13 A visão ou abordagem sistêmica é aqui considerada como o processo de busca da compreensão de determinado fenômeno em uma perspectiva complexa, onde são considerados os elementos do sistema e suas inter-relações. 34 sistema como paradigma permanece larvar, atrofiado, não esclarecido; a teoria dos sistemas sofre, portanto, de carência fundamental: tende incessantemente a cair nos trilhos reducionistas, simplificadores, mutilantes, manipuladores de que devia libertar-se e libertar-nos”. Portanto, segundo Morin (1998) a generalidade atribuída à noção de sistema não é suficiente para dar à noção de sistema seu lugar epistemológico no universo conceitual. Com essa perspectiva, ao discutir o conceito de sistema, Morin (1998) questiona se essa visão sistêmica constitui uma teoria ou trata-se de um paradigma. A noção de sistema que o milagre da vida nos propicia, ainda que seja limitada nossa percepção, é que a organização é atributo imprescindível à vida e a complexidade da fisiologia humana é exemplo eloqüente dessa compreensão. Assim, organização é o conceito que disciplina as interações, estabelecendo estrutura e padrões funcionais para o sistema. Morin (1998) ao desenvolver o conceito de sistema busca apoio em três conceitos que entende ser indissolúveis: ● “sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e as partes); ● interação (que exprime o conjunto das relações, ações e retroações que se efetuam e se tecem num sistema); ● organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à idéia de sistema a sua coluna vertebral)”. De Cicco; Fantazzini (1985), na introdução de seus estudos sobre a Engenharia de Segurança de Sistemas, definem sistema como um arranjo ordenado de componentes que estão inter-relacionados e que atuam e interatuam com outros sistemas, para cumprir uma tarefa ou função (objetivos) num determinado ambiente. Nessa definição é relevante ressaltar a interação com outros sistemas, pois esse aspecto é imprescindível à abordagem sistêmica da organização. Uma definição para sistema que se mostra conceitualmente harmoniosa com o método da árvore de causas é aquela utilizada na apresentação dos seus 35 fundamentos14, onde ele é tido como um conjunto de partes interdependentes, articuladas em função de um fim e operantes de forma coordenada. No entendimento de Villatte (1990), sistema é um conjunto de variáveis em interação que têm um objetivo comum. Villatte (1990) nos proporciona algumas definições importantes na Teoria dos Sistemas, quais sejam: ● entradas do sistema: é tudo aquilo que é introduzido no sistema, amiúde são denominados por agentes ou fatores; ● saídas do sistema: trata-se do resultado do funcionamento do sistema, também são designados pelos termos de rendimento ou produção; ● estrutura do sistema: caracteriza as relações entre os elementos ou componentes do sistema; ● funções do sistema: são as transformações que fazem as entradas do sistema tornarem-se saídas do sistema; ● funcionamento do sistema: trata-se do programa das transformações pelas quais devem passar as entradas para chegar às saídas, é a ordem na qual as funções dos elementos do sistema devem ser postas em jogo; ● restrições do sistema: são as condições ou as regras que o funcionamento do sistema deve respeitar; ● entorno ou contexto do sistema: é tudo aquilo que está em contato com o sistema sem que dele faça parte; ● objetivos do sistema: são os resultados que devem ser alcançados, são as exigências as quais as saídas do sistema devem responder. Para Villatte (1990), qualquer sistema para estar estabelecido deve responder aos seus dois objetivos: alcançar seus objetivos externos (alcançar os objetivos para os quais foi criado) e internos (assegurar sua própria sobrevivência). 14 Alguns conceitos fundamentais à aplicação da árvore de causas, entre eles o conceito de sistema, são apresentados no item 4.2.1 (Os Fundamentos do Método). 36 Conforme enunciado por Kennedy (1962) apud Villatte (1990), “um sistema homens-máquinas é uma organização dentro da qual os elementos que a compõem são homens e máquinas que trabalham juntos para alcançar um objetivo comum e que se encontram ligados entre si mediante uma rede de comunicações. Ainda no propósito de bem conceituar um sistema homens-máquinas, McCornick (1964) apud Villatte (1990) afirma que: “um sistema homem-máquina pode ser definido como uma combinação operatória de um ou vários homens com um ou vários elementos que interatuam para obter certos resultados (saídas) a partir de insumos determinados (entradas), tendo em conta as exigências de um contexto determinado”. O sistema comporta duas importantes propriedades relacionadas a sua funcionalidade que são a estabilidade e a confiabilidade. Estabilidade é o atributo
Compartilhar