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FISIOLOGIA AULA 7 ABERTURA Olá! No espectro de estados comportamentais estão o estado de vigília (acordado), que é subdividido em vigília relaxada e vigília com atenção concentrada, e o estado de sono, que é subdividido em sono leve, sono profundo e sono de movimentos rápidos dos olhos. Muitas dessas atividades mostram oscilações rítmicas de aproximadamente 24 horas de duração, que são o nosso ritmo circadiano. Nessa aula, abordaremos o nosso ciclo circadiano e suas oscilações de sono e vigília. Bons estudos. Ritmos Cicardianos REFERENCIAL TEÓRICO O ser humano tem um padrão diário alternado de repouso e de atividade. Os ritmos do ciclo sono-vigília, assim como outros ciclos biológicos, geralmente seguem um ciclo claro- escuro de 24 horas, sendo denominados ritmos circadianos. Acompanhe o capítulo "Ritmos Circadianos", da obra Biofísica e Fisiologia, e você entenderá melhor sobre os ritmos circadianos como suas características e ciclos, além da importância do sono. Faça seu estudo e você será capaz de: • Explicar o ritmo circadiano. • Listar os tipos básicos de ritmos cerebrais. • Descrever o padrão do sono normal. Boa leitura. Ritmos circadianos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Explicar o ritmo circadiano. � Listar os tipos básicos de ritmos cerebrais. � Descrever o padrão do sono normal. Introdução O ambiente em que vivemos apresenta grandes oscilações periódicas, como estações do ano, temperaturas, luminosidade do dia ou escuridão da noite. Todos os animais possuem ritmos internos que acompanham essas alterações cotidianas. Fisiologicamente, o sono dos seres humanos tem início a cada 24 horas, o que representa um ritmo circadiano. Você pode perceber isso no início da noite, quando sente maior sonolência e está mais cansado. Outras variáveis fisiológicas também seguem esses ritmos, como temperatura corporal e secreções hormonais, por exemplo. Neste capítulo, você vai aprender que todos os animais seguem ritmos e possuem ciclos de sono e vigília, desde as moscas até o ser humano. Esse padrão oscilatório é importante, pois adapta o corpo para uma nova vigília e descansa o organismo na busca da homeostase. Também vai estudar a importância do sono, suas diferenças de fases e sistemas modulatórios que agem em conjunto. Ritmo circadiano A palavra circadiano deriva do latim circa, que significa “cerca de”, e dies, que corresponde ao nosso “–diano” e significa “dia”. O ritmo circadiano diz respeito a todos os eventos que ocorrem a cada 24 horas. Muitos ritmos se repetem a cada dia, e um dos principais deles é o sono, pois, a cada 24 horas, iniciamos um novo período, geralmente no turno da noite. Outros fenômenos também apresentam essa periodicidade, como a temperatura corporal, as atividades motoras, as situações atencionais, o funcionamento endócrino, entre inúmeras circunstâncias fisiológicas. Existem outros ritmos que se repetem de modo diferente: o ritmo ultradiano representa os acontecimentos que ocorrem mais de uma vez ao dia, como o comportamento alimentar, visto que necessitamos de vários momentos de ingestão de nutrientes ao dia. Já o ritmo infradiano caracteriza a periodicidade maior do que 24 horas, como o ciclo ovulatório feminino, que ocorre geral- mente uma vez ao mês (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). O ritmo circadiano está presente não apenas em animais, mas também em espécies vegetais. O físico francês Jean-Jacques de Mairan descobriu, no século XVIII, que a planta Mimiosa pudica, popularmente conhecida como dormideira, tinha um ritmo circadiano, pois todas as noites suas folhas se fechavam, mesmo quando privada de luz durante um período. Em um contexto geral, todos os animais seguem ritmos; entretanto os momentos do dia em que dormem e acordam são diferentes, como, por exemplo, os roedores que aumentam sua atividade no final do dia e início da noite e exibem padrão de sono no turno oposto. Uma diversidade de funções fisiológicas possuem ritmicidade diária, como os períodos de alerta e a secreção do hormônio do crescimento, que possuem picos de função máxima uma vez ao dia (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). Veja exemplos de funções fisiológicas com ritmicidade diária na Figura 1. Ritmos circadianos2 null null null null null null Figura 1. Ritmos circadianos de algumas funções fisiológicas corporais. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 674). 3Ritmos circadianos Em muitas espécies, o ritmo circadiano é ditado por indicadores de tempo, denominados conforme o termo em alemão zeitgebers, que significa “aqueles que impõem o tempo”. Esses indicadores apontam os momentos do dia e da noite por meio da luminosidade diária; com isso, o nascer do sol e o anoitecer se tornam um relógio ambiental. Todavia, caso um indivíduo seja privado de indicadores de luminosidade ou escuridão (noite), o ritmo circadiano é mantido, demonstrando que, internamente, nosso corpo possui um relógio biológico. Indivíduos privados de zeitgebers ou indicadores do tempo podem continuar a seguir um ritmo. Em experimentos com pessoas em cavernas ou salas sem dicas de hora do dia (ruídos de pessoas conversando, luzes, relógios, janelas, entre outras), observou-se que o ciclo se mantém, entretanto pode haver o arraste de padrões de sono e vigília, com o prolongamento do ciclo, conforme demonstra a Figura 2 (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). Figura 2. Experimento com a colocação de um voluntário de pesquisa em uma sala; após quarto dias, as dicas de dia ou noite foram retiradas. As barras brancas representam o ciclo de vigília de um indivíduo. O eixo vertical mostra os dias de experimento. Nota-se, então, o arraste do ciclo de vigília para momentos da noite, havendo dessincronização com os zeitgebers externos. Fonte: Kandel et al. (2014, p. 995). Ritmos circadianos4 null null Mas como o nosso corpo sabe quando é dia ou noite? No próximo tópico responderemos a essa pergunta. Núcleo supraquiasmático O relógio biológico pode ser sincronizado com os zeitgebers a partir de sen- sores para luminosidade presentes no corpo. Mas onde se localizam esses sensores? Quais estruturas fazem parte do relógio biológico? Para responder essas perguntas, vamos começar falando dos sensores (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). Os sensores que detectam sinais luminosos do dia ou ausência de luz durante a noite estão contidos nos olhos, especificamente em células denomi- nadas ganglionares, na retina. Essas células possuem um pigmento interno chamado melanopsina, não encontrado em outras células dos olhos, que se excita aos poucos quando em contato com a luz. A inervação dessas células ocorre pela via aferente, retino-hipotalâmica, que trafega até o diencéfalo. O objetivo dessa via é a inervação dos núcleos supraquiasmáticos (NSQ), localizados em pares no hipotálamo, ao redor do terceiro ventrículo e acima do quiasma óptico, composto em torno de 20 mil neurônios. Acompanhe a Figura 3. O NSQ funciona como um relógio biológico que controla as atividades diárias temporalmente a cada 24 horas —o sono e a vigília, o ato de comer, beber, e atividades com ritmicidade cotidiana. Essas funções ocorrem porque o NSQ faz sinapses eferentes com regiões do encéfalo que controlam esses comportamentos, principalmente com o hipotálamo e o mesencéfalo. Simi- larmente, o NSQ controla a função circadiana dos órgãos da periferia (fígado, rins e glândulas). Isso se dá por meio de seus comandos ao sistema nervoso vegetativo (SNV), a partir de eferências do sistema nervoso central (SNC, me- dula e tronco encefálico) aos órgãos-alvo. Lesões nessa via retino-hipotalâmica dessincronizariam as informações de luminosidade com as funções vitais (o sono, a vigília, liberações hormonais, comportamento alimentar). Com isso, essas funções continuariamintactas, porém a pessoa ficaria com alguma desregulação e arraste dos horários da sua rotina normal, dormindo um pouco mais tarde, por exemplo (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). 5Ritmos circadianos null null null null Figura 3. Os núcleos supraquiasmáticos localizados no hipotálamo, acima do quiasma óptico e ao redor do ter- ceiro ventrículo. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 676). Ritmos circadianos6 Mas o que regula o funcionamento intrínseco do NSQ? O funciona- mento do NSQ é similar em muitos seres vivos, desde as moscas das frutas (Drosophila) até mamíferos, como roedores e seres humanos. O NSQ tem um controle interno para a atividade circadiana. Experimentos em animais verificaram que mesmo sem aferências da retina, o NSQ continua funcio- nando, de acordo com a periodicidade circadiana, com ciclos internos em torno de 24–25 horas. O NSQ funciona a partir do controle molecular de genes denominados período (per) e clock, que são regulados por fatores de transcrição peri- ódicos. A cada 24 horas esses genes entram em funcionamento, gerando seus produtos proteicos específicos. As moléculas produzidas, denominadas PER e CRY, por exemplo, ficam concentradas no citoplasma celular; ao longo do dia elas se direcionam para o núcleo. A partir do desempenho molecular, essa informação bioquímica é traduzida em impulsos elétricos e, com isso, os neurônios do NSQ realizam potenciais de ação cíclicos para inúmeras regiões do encéfalo, seguindo um ritmo circadiano. Estudos em animais com lesões no NSQ identificaram perdas completas na periodici- dade diária, ou seja, apresentando padrões de sono desregulado durante o dia e inúmeros episódios de “sonecas” diárias e despertares aleatórios (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010), como pode ser visto na Figura 4. 7Ritmos circadianos null Figura 4. Funções de sono e vigília (barras pretas significam sono) e temperatura corporal controladas pelo NSQ em macacos-esquilos. (a) Funções normais; note que, a cada 24 horas, há início do sono à noite e pico de temperatura corporal durante o dia. (b) Macacos-esquilos com lesões no NSQ; observe que há muitos episódios de sono durante o dia e a noite e uma grande variação de temperatura ao logo do dia. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 677). Glândula pineal O NSQ participa de vias que enviam fibras para outros locais considerados relógios biológicos. Um deles é a glândula pineal ou epífise, localizada no epitálamo (dorsal ao tálamo), próxima aos colículos superiores, no mesencéfalo. As vias envolvidas na inervação da glândula abrangem àquelas similares ao NSQ. Com isso, a glândula pineal também recebe aferências da via retino- -hipotalâmica, que segue para o diencéfalo no NSQ. Após, uma via descendente emerge para a parte torácica medular (próxima às vértebras T1 e T2). A partir daí, ocorre uma sinapse com neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso simpático (SNS), que inervam o gânglio cervical superior, promovendo uma Ritmos circadianos8 null última sinapse com neurônios pós-ganglionares. Esses últimos inervam a glândula pineal, liberando noradrenalina, ativada pela falta de iluminação no período da noite. Este estímulo neuroquímico ativa a liberação do hormônio melatonina, que está presente em diferentes espécies animais além dos seres humanos. Na espécie humana a melatonina inicia o aumento da sua concentração no período vespertino, causando uma sonolência progressiva assim que a noite vai caindo e alcançando picos durante a madrugada. Ambientes escuros podem provocar o aumento da melatonina sanguínea e, com isso, aumentar o sono. Você já deve ter sentido isso em alguma aula em que o professor escureceu a sala para a turma assistir a um filme ou slides; você pode ter lutado contra a sonolência, mas a melatonina pode ter vencido a batalha! Em animais que hibernam, como os ursos, esse hormônio atua como um temporizador infra- diano de estações do ano, permitindo a sincronização de comportamentos alimentares e reprodutivos dependendo da iluminação do ambiente. Em meses de inverno há menor incidência de raios solares e, com isso, os animais têm maiores níveis de melatonina, o que promove sua hibernação e diminuição da capacidade reprodutiva (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010). A Figura 5 ilustra o processo de liberação da melatonina. Figura 5. A glândula pineal e a ativação da liberação de melatonina. Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 628). 9Ritmos circadianos null null O jet-lag é uma perturbação do ritmo circadiano que ocorre quando há mudança de fuso horário, observado em viagens com voos transmeridianos. Isso acontece porque ocorrem dessincronizações do relógio biológico interno, visto que o corpo estava acostumado a dormir e acordar em certo horário no seu país e ele continuará a seguir esse padrão. Isso resulta em sonolência excessiva em períodos diurnos e privação de sono em períodos noturnos. Além desses efeitos, outros ritmos se tornam dessincronizados, como o comportamento alimentar (o indivíduo sente fome em horas erradas) e a temperatura corporal (frio ou calor em desacordo com a temperatura local). Essa perturbação é temporária, pois o organismo tende a se adaptar às novas dicas externas, e a sensação de “fora de fase” melhora ao passar dos dias. Fonte: Kandel et al. (2014). Tipos básicos de ritmos cerebrais Os ritmos cerebrais são refletidos em ondas, resultantes da atividade elétrica neuronal cortical durante certo tempo (normalmente, segundos). Esses ritmos têm uma frequência e formato constantes em formato de ondas, que podem ser registradas por um exame denominado eletroencefalograma (EEG). Esse procedimento não é invasivo e consiste na colocação de eletrodos sobre o escalpo de uma pessoa, com a medição de potenciais elétricos em localizações especificas do encéfalo. Essas ondas cerebrais medidas representam a atividade cortical elétrica extracelular, entretanto não são mensurados os potenciais de ação axonais (intracelulares). Esses sinais elétricos devem ultrapassar várias camadas de tecidos, como meninges, fluidos, crânio e pele, para alcançar os eletrodos e serem captados. Com isso, os sinais no EEG são o resultado de uma série exorbitante de neurônios ativos simultaneamente (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Acompanhe a Figura 6. Ritmos circadianos10 Figura 6. Captação de sinais elétricos corticais pelo EEG. Note as várias camadas de pele, ossos e meninges até os neurônios. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 648). Diferentes comportamentos, condições e doenças apresentam ritmos ce- rebrais diferenciados. Exemplos de condições que promovem a geração de ondas distintas são o sono e a vigília, o coma e a epilepsia. No próximo tópico falaremos especificamente sobre o sono. As ondas cerebrais podem ser exemplificadas como montanhas e depres- sões, sendo o tamanho dos picos sua amplitude e a frequência o número de picos por segundo, expressa em hertz (Hz). Por exemplo, uma frequência de 5 Hz representa 5 picos em 1 segundo. Então, de um modo geral, ondas de alta frequência possuem maior quantidade de picos por segundo (consideradas ondas rápidas), ao contrário das ondas de baixa frequência, que são mais lentas. Cada pessoa tem padrões de ondas individuais, e elas são agrupadas 11Ritmos circadianos em classes (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008): � Ondas alfa (8 a 13Hz): são ondas rítmicas mais bem observadas no córtex occipital, que se correlacionam com momentos calmos e de relaxamento em vigília. � Ondas beta (14 a 30 Hz): são ondas rítmicas com maior frequência. Acontecem em momentos de alerta e atenção em estímulos visuais. � Ondas gama (30 a 90 Hz): também demonstram ativação cortical e alerta. � Ondas teta (4 a 7 Hz): em adultos são consideradasanormais no período da vigília, entretanto são fisiológicas em crianças. � Ondas delta (4 Hz ou menos): são de alta amplitude e consideradas lentas. São representativas de sono profundo ou estados de anestesia. A Figura 7 ilustra algumas dessas classes de onda. Figura 7. (a) Eletrodos colocados para exame de EEG; (b) ondas cerebrais. Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 412). Os ritmos cerebrais indicam funcionamento e ativação cortical, isto é, apontam se uma pessoa está em estado de alerta na vigília ou dormindo, por exemplo. A vigília é vinculada a ondas de baixa amplitude e alta frequência, refletido neurônios com funcionamento dessincronizado, com presença de ritmos gama e beta. Ritmos circadianos12 Imagine que você está caminhando em um parque arborizado. Suas aferências sen- soriais recebem informações distintas — visuais, de temperatura, odores, sons, todos ao mesmo tempo. Com isso os neurônios corticais estão com maior nível de atividade, ou seja, estão “trabalhando” em tarefas diferentes entre si com disparos rápidos, logo, mostram-se não sincronizados (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; MARIEB; HOEHN, 2008). Ritmos cerebrais e regiões controladoras Muitos trabalhos científicos estudam os ritmos cerebrais e suas funções fi- siológicas. Esses ritmos podem ser gerados a partir do comando de regiões específicas, que agem como se fossem “maestros” de uma orquestra. Um exemplo disso é a ação do tálamo, região encefálica localizada no diencéfalo, que possui eferências para todo o córtex cerebral. Essa região atua como um marca-passo, pois algumas de suas células possuem canais iônicos dependentes de voltagem especiais, que geram potenciais de ação rítmicos de maneira autossustentável. Esses neurônios se tornam maestros e se sincronizam com outras células da região (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; QUILLFELDT, [2005]). Visualize a Figura 8. Pense neste exemplo: quando pessoas iniciam um aplauso, aquelas que começam a aplaudir depois das outras procuram entrar no ritmo, tornando-se parte de uma plateia sincronizada. Os neurônios talâmicos, neste exemplo, agiriam como os iniciadores do aplauso e as células talâmicas vizinhas, com conexões excitatórias e inibitórias, atuariam para entrar no ritmo, procurando passar a informação sincronizada ao córtex de maneira afinada (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; QUILLFELDT, [2005]). 13Ritmos circadianos Figura 8. Neurônios talâmicos que atuam como uma marca-passo de ritmos cerebrais para o córtex. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 655). Simultaneamente ao tálamo, os neurônios corticais piramidais também são os grandes responsáveis pela geração de ritmos vistos no EEG. Essas células são excitáveis e são as maiores do encéfalo; seus dendritos realizam sinapses com inúmeras outras células, possibilitando a ocorrência de ritmos cerebrais. Dessa forma, elas participam de fenômenos elétricos de plasticidade cerebral, como a potenciação de longa duração (LTP), fenômeno essencial para questões de aprendizado e memória, que dependem de ações de grupos neuronais em sincronia (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; QUILLFELDT, [2005]). Ritmos circadianos14 A consciência A consciência é um ritmo cerebral representado pelo estado de vigília. Mas o que é exatamente consciência? Ela é um estado de percepção caracterizado por inúmeras particularidades: entrada de aferências sensoriais, realização de movimento voluntário por eferências motoras, funções cognitivas mentais superiores (capacidade de raciocínio, lógica, compreensão de problemas, memória, julgamento, perseverança). Podemos exemplificar a falta de consciência em seu nível mais baixo, o coma. Nesse estado o indivíduo fica impossibilitado de responder a estímulos e graduar essas repostas de acordo com o contexto em que está inserido. Caso o indivíduo acorde do estado de coma, pode não recuperar a consciência rapidamente, pois estar consciente não é apenas estar acordado, e sim poder gerar respostas adequadas ao ambiente. A consciência depende de três fatores encefálicos básicos (MARIEB; HOEHN, 2008): 1. atividade simultânea de extensas áreas corticais; 2. atividades sobrepostas, por exemplo, ações cognitivas e motoras, como uma corrida de obstáculos — você deve correr, mas precisa calcular cognitivamente a altura do salto quando se aproximar do cavalete; 3. possuir interconexão, isto é, ter informações geradas de distintas áreas do córtex cerebral, como quando você lembra de um alimento saboroso da sua infância, inúmeras sensações são evocadas na sua memória. 15Ritmos circadianos Sistemas modulatórios de projeção difusa envolvidos nos ritmos cerebrais Alguns sistemas de projeção difusa modulam ritmos cerebrais. Esses sistemas ascendem a inúmeras regiões cerebrais e são constituídos de núcleos produtores de neurotransmissores: noradrenalina (NA); serotonina (5-HT); acetilcolina (Ach). Os sistemas são os seguintes (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; GOMES; QUINHONES; ENGELHARDT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008): � Locus ceruleus: localizado na ponte, possui neurônios produtores de NA e suas fibras emergem e inervam grande parte das regiões encefálicas: córtex, tálamo, hipotálamo, bulbo olfatório, cerebelo e medula espinhal. Regula atenção, alerta, vigília e, em menor quantidade, ciclos de sono (estágios de ondas lentas). � Núcleos da rafe: são produtores de serotonina localizados em ambos os lados da linha medial do tronco encefálico. Inervam o encéfalo difusamente também, e seus neurônios disparam rapidamente quando em vigília. Possuem o controle, em menor quantidade, do sono de ondas lentas. � Complexo de prosencéfalo basal (núcleos mediais do septo e basais de Meynert): este complexo de núcleos fornece Ach ao hipocampo e ao neocórtex. Esse neurotransmissor controla a excitabilidade neuronal durante o alerta, a vigília e os ciclos de sono (estágio REM). Um exem- plo são os indivíduos com a doença de Alzheimer, que têm destruição desses núcleos, o que resulta em distúrbios do sono, com despertares noturnos e sonolência diurna. Ambos núcleos da rafe e locus ceruleus fazem parte do sistema ativador reticular ascendente (SARA), que relacionam os centros despertadores e de alerta encefálicos Os centros do sono hipotalâmicos bloqueiam o SARA (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; GOMES; QUINHONES; ENGELHARDT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Veja mais na Figura 9. Ritmos circadianos16 Figura 9. Sistemas modulatórios de projeção difusa. Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 410). A epilepsia é um transtorno causado por descargas elétricas desordenadas de grupos neuronais específicos. Essas células ficam impossibilitadas de funcionar normalmente quando as crises ocorrem. Os sinais e sintomas são variados e podem ser leves a severos: crises convulsivas, contrações musculares fortes, mordidas na língua e perdas de consciência nos casos graves. Sua etiologia pode ser relacionada com distúrbios congênitos (como a lisencefalia, que é a ausência de sulcos e giros cerebrais), ou lesões, como traumatismos cranianos. Alguns indivíduos epilépticos descrevem situações prévias às crises, como sensações de odores, sabores e prazer, denominadas auras. Um relato de caso apontou uma paciente de 48 anos, portadora de epilepsia do lobo temporal com aura de prazer. Ela relatava que, em momentos de crise, sentia sensações similares a um orgasmo, seguida de movimentos tônico-clônicos (perda de consciência e contração das extremidades) e liberação de esfíncter vesical, após o início do sono. O uso do medicamento fenobarbital proporcionou melhora das crises. Fonte: Tanuri et al. (2000). 17Ritmos circadianos Padrão do sono normal O sono é um comportamento repetido todas as noites, logo, obedece a um ritmo circadiano. Passamos um terço de nossas vidas dormindo, um total aproximado de 25 anos. Seu iníciopode ser adiado, como, por exemplo, quando precisamos estudar ou trabalhar até tarde. Contudo ele será impreterivelmente realizado, uma vez que privações de sono extremas são prejudiciais à saúde, levando à irritabilidade, ao estresse e a distúrbios imunológicos, diminuindo as nossas defesas naturais. O sono afeta aspectos de funcionalidade fisiológica: temperatura corporal, liberação hormonal e ritmos cerebrais, pois, quando dormimos, as ondas cerebrais se modificam e são dependentes de fases específicas de sono. Pro- vavelmente, todos os animais dormem, desde invertebrados, como as moscas da fruta (Drosophila) e as abelhas, até mamíferos, como os seres humanos. O motivo pelo qual dormimos ainda não é totalmente esclarecido. O que realmente se sabe é que o sono é um estado de inconsciência parcial, que promove a redução da capacidade de resposta ao ambiente, e é um compor- tamento altamente reversível com estimulação. Alguns autores defendem que o sono é responsável pela consolidação das memórias adquiridas durante o dia (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). O sono é considerado um comportamento cíclico, dividido em dois grandes estágios: o sono NÃO REM, caracterizado por baixa atividade cerebral (logo que pegamos no sono entramos nessa fase) e o sono REM, também conhecido como sono paradoxal, por ter alta atividade cerebral, similar à vigília, e atonia muscular (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Para a avaliação do sono e seus distúrbios, o exame de polissonografia é um aliado. Ele consiste na colocação de eletrodos na cabeça do indivíduo, em regiões relacionadas com os lobos cerebrais, para a prática de EEG. Também são medidos os movimentos de olhos, por meio do eletro-oculograma (EOG), e o tônus muscular, por meio do eletromiograma (EMG). Dessa forma, os estágios do sono podem ser confirmados por particularidades cerebrais e musculares (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Ritmos circadianos18 Ciclo do sono O sono é um momento de descanso, mas não é constante. Suas fases se di- ferem entre si dentro de um ciclo de 90 minutos, que se repete ao longo da noite (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Vejamos em mais detalhes cada fase do sono NÃO REM e REM. Sono NÃO REM (N-REM): tem quatro subdivisões (N-REM 1, 2, 3, 4) e ocorre no início dos primeiros 30–45 minutos de sono. Também é denominado sono de ondas lentas, pois, ao progredir no estágio N-REM, aparece no EEG um padrão de ondas lentas, e o sono se torna cada vez mais profundo. Nesta fase o encéfalo não gera sonhos vívidos e bizarros, como observados no sono REM, e os movimentos corporais são feitos apenas para ajuste de posições. Fisiologicamente, há diminuição da temperatura corporal, da frequência cardíaca, das funções renais e do consumo energético. A atividade digestória, porém, está elevada, devido à função da divisão parassimpática. O corpo e o encéfalo parecem descansar, pois estão diminuídas a tensão muscular e a energia cerebral dispendida. O EEG mostra os disparos neuronais corticais com ritmos lentos, de grande amplitude, e com maior sincronia. Esses fenô- menos parecem acompanhar baixos processos mentais ocorridos neste sono, entretanto não se pode confirmar o que as pessoas pensam enquanto dormem (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Os estágios do sono N-REM estão listados a seguir (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). � Estágio 1 N-REM: é caracterizado por um momento transitório entre a fase de vigília e o sono, pois algumas aferências sensoriais parecem estar ainda “ligadas”. No EEG aparecem ondas alfa, e esta fase é de maior facilidade de despertar, sendo considerada um sono leve. � Estágio 2 N-REM: neste estágio há maior dificuldade de despertar do que no anterior. Tem duração de cerca de 5–15 minutos, com caracte- rísticas no EEG de fusos de sono (7 a 15 Hz) gerados pelo marca-passo talâmico, e complexos K (ondas de alta amplitude). A atividade sináptica 19Ritmos circadianos cortical e talâmica parece oscilar lentamente, consequência de uma hiperpolarização generalizada. O corpo diminui o tônus muscular, a temperatura e a frequência respiratória, e ainda há algum movimentos de olhos. � Estágio 3 N-REM: neste período, também conhecido como sono de ondas lentas, há o aparecimento de ondas delta (0,5 a 4 Hz) de grande amplitude. Esse ritmo representa uma baixa atividade encefálica com sincronização tálamo-cortical. � Estágio 4 N-REM: alguns autores têm descartado essa fase, consi- derando o sono N-REM até o estágio 3. Esta é a fase mais profunda e apresenta mais de 50% do tempo do EEG de ondas delta. No primeiro ciclo do sono o estágio 4 pode durar cerca de 20–40 minutos. A partir daí, o sono se torna mais leve e pode alternar para o estágio 3 e para o 2 por 10–15 minutos. Com a retomada de estágios 3 e 2, o indivíduo parece próximo de acordar, mas, em vez disso, há a entrada do sono REM. Sono REM: é conceituado como o sono paradoxal, isto é, com peculiaridades no EEG similares à vigília. Há presença de ritmos beta e gama com movimentos rápidos dos olhos, o que dá nome a esta fase, que vem do termo em inglês rapid eye moviment (REM). Há um aumento da frequência cardíaca e respiratória, ereção peniana e intumescimento do clitóris. Corporalmente, o tônus muscular possui atonia, com inibição de neurônios motores da medula espinhal, por meio de vias descendentes. Esse é um evento protetor, visto que, nesta fase, sonhamos de maneira mais vívida, bizarra e repleta de detalhes; sem a atonia, o indivíduo poderia se movimentar e vivenciar os sonhos, podendo ocorrer acidentes e lesões (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). Durante a noite, a quantidade de sono REM aumenta, principalmente de madrugada e pela manhã. Conseguimos notar isso, pois, ao acordar, muitas vezes podemos lembrar dos nossos sonhos (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017; KANDEL et al., 2014; LENT, 2010; MARIEB; HOEHN, 2008). A Figura 10 ilustra os estágios do sono N-REM e REM. Ritmos circadianos20 Figura 10. Estágios do sono N-REM e REM. (a) Fases do sono no EEG. (b) Durante uma noite de sono de 7 horas, as barras do gráfico mostram a permanência em cada fase do sono. Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 414). 21Ritmos circadianos Você pode ler sobre sonambulismo na p. 661 do livro Neurociências — Desvendando o Sistema Nervoso, de Mark F. Bear, Barry W. Connors e Michael A. Paradiso (2017). Você já ouviu falar em narcolepsia? Trata-se de uma doença na qual o indivíduo tem uma pequena latência para o sono e, com isso, ele dorme abruptamente, entrando direto em sono REM. A doença normalmente causa diversos incômodos aos seus portadores, que podem sofrer quedas. Não há cura, mas existe tratamento. Acompanhe a reportagem disponível no link a seguir, sobre uma portadora desse distúrbio do sono. https://qrgo.page.link/iNdEy Neste capítulo você estudou o ritmo circadiano, relacionado aos fenômenos fisiológicos que se repetem a cada 24 horas. Nosso encéfalo comanda ritmos para cada estado fisiológico, como o sono e a vigília, pois temos um funcio- namento mesmo dormindo. Viu também que, no sono N-REM, descansamos o corpo e a mente, mas já no sono REM o descanso é paradoxal, pois há alta atividade cerebral e corporal, aparecendo sonhos vívidos, fortes e cheios de detalhes. Você já deve ter acordado de um sonho com o coração parecendo que ia “saltar pela boca”, e respirou aliviado quando percebeu que estava seguro na sua cama. Todos os animais dormem, um exemplo disso são os golfinhos nariz de garrafa. O sono deles, porém, é diferente do ponto de vista do EEG, pois eles dormem com apenas meio encéfalo, e a outra partepermanece em vigília. A cada duas horas ele entra em sono N-REM em um lado do hemisfério cerebral; depois entra em vigília com ambas as partes, para posteriormente descansar o outro lado. Mas por quê? Imagine morar em águas do oceano com predadores em potencial, você precisaria ficar atento, ou como diz o ditado popular, “dormir de olho aberto”. Ritmos circadianos22 Na Figura 11, vemos os padrões de EEG registrados a partir do monitoramento de golfinhos. Figura 11. Esses padrões de EEG foram registrados a partir dos hemisférios direito e esquerdo de golfinhos enquanto eles nadavam. (a) Atividade de alta frequência em ambos os lados durante o estado acordado e alerta; (b) ritmos delta de grande amplitude do sono profundo apenas no lado direito, com rápida ativação no lado esquerdo; (c) os padrões se deslocam para o hemisfério oposto algum tempo depois. Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 663). BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. GOMES, M. da M.; QUINHONES, M. S.; ENGELHARDT, E. Neurofisiologia do sono e aspectos farmacoterapêuticos dos seus transtornos. Revista Brasileira de Neurologia, v. 46, n. 1, p. 5−15, 2010. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/0101-8469/2010/ v46n1/a003.pdf. Acesso em: 4 set. 2019. KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. QUILLFELDT, J. A. Origem dos potenciais elétricos das células nervosas. Porto Alegre, [2005]. Disponível em: www.ufrgs.br/mnemoforos/arquivos/potenciais2005.pdf. Acesso em: 4 set. 2019. TANURI, F. da C. et al. Epilepsia do lobo temporal com aura de prazer: relato de caso. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 58, n. 1, p. 178-180, 2000. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/anp/v58n1/1277.pdf. Acesso em: 4 set. 2019. VANPUTTE, C.; REGAN, J.; RUSSO, A. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. 23Ritmos circadianos PORTFÓLIO A glândula pineal, também conhecida como terceiro olho, está situada na parede posterior do teto do diencéfalo. O interesse pela glândula é bastante antigo; o filósofo René Descartes (1596-1650) atribuía a ela a função de ser a sede da alma. De lá para cá, foram feitos vários estudos, sendo alguns sem nenhum fundamento, e só os mais recentes apresentam uma contribuição científica importante. Para esta atividade responda: 1) Qual o papel fisiológico da glândula pineal sobre o estado de Sono-Vigília? 2) Explique como ela é ativada. PESQUISA Fisiologia - Ciclo Vigília-Sono A seguir, você irá assistir a um vídeo abordando os seguintes tópicos: a vigília, o sono, suas fases e características. Acesse https://www.youtube.com/watch?v=MjdhkUUKlMc N
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