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FILOSOFIA GERAL E DO DIREITO - Nathalia Lipovestky [OCR]

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Prévia do material em texto

ser 
educacional 
gente criando o futuro 
FILOSOFIA GERAL E 
DO DIREITO 
,\' 
ser 
educacional 
gente c.-1ancto o futuro 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou 
transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo 
fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de a.rma.zena.mento e transmissão de 
informação, sem prévia autorização, por escrito, do Grupo Ser Educacional. 
Diretor de EAD: Enzo Moreira 
Gerente de design instrucional: Paulo Kazuo Kato 
Coordenadora de projetos EAD: Manuela Martins Alves Gomes 
Coordenadora educacional: Pamela Marques 
Equipe de apoio educacional: Caroline Guglielmi, Oanise Grimm, Jaqueline Morais, Laís Pessoa
Designers gráficos: KamiHa Moreira, Mário Gomes, Sérgio Ramos,Tiago da Rocha 
Ilustradores: Andersen Eloy, luiz Meneghel, Vinicius Manz.i 
Lipovestky, Nathalia. 
Filosofia Geral e do Direito/ Nathalia Lipovestky. -são Paulo: Ceng_age, 2020.
Bibliografia. 
ISBN 9788522129645 
1. Direito. 2. Filosofia do Direito. 3. Filosofia Geral.
Grupo Ser Educacional
Rua Treze de Maio, 254 - Santo Amaro 
CEP: 50100-160, Recife - PE 
PABX: {81) 3413-4611 
E-mail: sereducacional@sereducacionat.com
"É através da educação que a igualdade de oportunidades surge, e, com 
isso, há um maior desenvolvimento econômico e social para a nação. Há alguns 
anos, o Brasil vive um período de mudanças, e, assim, a educação também 
passa por tais transformações. A demanda por mão de obra qualificada, o 
aumento da competitividade e a produtividade fizeram com que o Ensino 
Superior ganhasse força e fosse tratado como prioridade para o Brasil. 
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, 
tem como objetivo atender a essa demanda e ajudar o País a qualificar 
seus cidadãos em suas formações, contribuindo para o desenvolvimento 
da economia, da crescente globalização, além de garantir o exercício da 
democracia com a ampliação da escolaridade. 
Dessa forma, as instituições do Grupo Ser Educacional buscam ampliar 
as competências básicas da educação de seus estudantes, além de oferecer­
lhes uma sólida formação técnica, sempre pensando nas ações dos alunos no 
contexto da sociedade:• 
Janguiê Diniz 
, 
Autoria 
Nathalia Lipovestky 
Bacharela, Mestra e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais {UFMG). Tem 
experiência em docência, pesquisa e extensão, atuando principalmente em disciplinas propedêuticas,
Hermenêutica Jurtdica, Teoria e Filosofia do Direito, Educação em Direitos Humanos e Educação a 
distância. 
SUMÁRIO 
UNIDADE 1 • Filosofia antiga .•.•.•....•.•....•...•....•.•.•....•....•...•....•.•.•....•........•....•.•.•.•..•..... ...•....•.•.•..... 11 
introdução_ ......... _ .......... ···-······-·· .. ··-··········· ···-······-······-·· .. ··········-······-·· .. ··-··············-······-······ .. 12 
1 origem da fi.losofia ....•.. ···-······-·· .. ··-··· ·· .. ··········-·· .. ··-·· ····-··· ··· ········-···· ··-·· .. ··-··············-·· .. ··-····· 13 
2 Filosofia antiga: questão cosmológica-·· .. ··········-······-·········-·········· ···-··· ···-·· .. ··-·· .. ··········-······-·· 15 
3 Filosofia antiga: questão ética ·-· · .. ·····- · · · ······· ·· ·- ·········-··· · · ·-·········· ···-······-·· .. ··-· ········· ···-··· · ··-·· 17 
PARA RESUMIR .•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.•• 28 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁ.FICAS •.•.••.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..• .•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•. .•.•.•.••.•.•.•..• 29 
UNIDADE 2 • Filosofia medieval .•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..• 31 
introdução_ ....... ··-·· .....•.... ··-·· .. ··-·· .. ··-·· ....•..... ··-·· ... ·-···.··-·· .....•.... ··-·· .. ··-·· .. ··-·· ....•..... ··-·· .... -........ 32 
1 Filosofia medieval: padres apostólicos . . . ........... ·-······-······-·-·········· ···-······-·· .. ··-·· .. ··········-······-·· 33
2 Filosofia medieval: apoJogética_ ......... -......•... ···-···· ·····-··· · ··-·········· ···-···· ··-·· .. ··-·········· ···-······-·· 33
5 Filosofia medieval: mística e a questão teológica··-······-······-·········· ···· ··-···· ··-·· .. ··-·· .. ··········-·······45
PARA RESUMIR .•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.•• 49 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁ.FICAS •.•.••.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..• 50 
UNIDADE J • Filosofia moderna .•.••.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•. .•.•.•.••.•.•.•..• 51 
Introdução_ ....... ··-·· .....•.... ··-·· .. ··-·· .. ··-·· ....•..... ··-·· ... ·-···.··-·· .....•.... ··-·· . . ··-·· .. ··-·· ....•..... ··-·· .... -........ 52 
1 Filosofia moderna: renascimento e pensamento político ...... -.......... ···-······-·· ..... ··-········· ... ··-....... 53 
2 Filosofia moderna: racionalismo.-...... -.............. -·········-······-·········· ···-······-·· .. ··-·· .. ······· ···-······-·· 57 
3 Filosofia moderna: empirismo .-......... -........... ... -......... -··· · · ·- ········ · · ···-··· ·· ·-·· .. ··-· · .. ········· ·-····· ·-·· 60 
5 Filosofia moderna: pensamento iluminista .•.......... -······-··· ···-·· .. ···•·· ···-······-·· .. ··-·········· ···-······-·· 66 
PARA RESUMIR .•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.•• 69 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁ.RCAS •.•.••.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..• 70 
UNIDADE 4 • Filosofia contemporânea ... . ................. . . ... . ...... . ............ ... . .... . . . .......... . .... . ... . . . . ...... . ... . 7J 
1.ntrodução. ··-···. ··-·· .....•.... ··-·· ..... ··-·· .. ··-·· .......... ··-··. ···-···. ··-·· . ....•.... ··-·· .. ··-·· .. ··-·· .......... ··-··. ···-··-· 72 
1 Filosofia contemporânea: Positivismo··-·· .. ····· ·····-······-·········-··· ······· ···-······-·· .. ··-·· .. ··········-······· 73 
2 Filosofia contemporânea: Marxismo····-·········· ···-· · .. ··-·········-··· ······· · ··-······-·· .. ··-·········· ... -....... 76 
3 Filosofia contemporânea: Existencial
i
smo ........ ···-······-······-·· . . . ........ ···-······-·· .. ··-·········· ···-······· 81
4 Filosofia da linguagem-··· ·· · -· · · ··· -· · .. ··-· · .. ·· -·· ·· · ···-· ·· · · · -······ -······ ·· · ···· ·-· · · ·· · -· · .. ·· -· · .. ··· · · ·· ·· · -· · · · · ·-· · 85 
PARA RESUMJR .••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.• 88 
R.En.RÊNCIAS BIBLIOGRÁRCAS ••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.•.•..•.•.•.••.•.• 89 
PREFÁCIO 
Descubra neste livro a relação entre a Filosofia Geral e a Filosofia do Direito. De 
forma bastante didática. a Filosofia será apresentada a partir de sua origem e os 
principais filósofos da Antigujdade,. passando pela Filosofia Medievat Moderna e,. por 
fim, a Contemporânea. Serão quatro unidades apresentando os principais aspectos de 
cada época, como pode-se ver a seguir. 
A primeira unidade vai tratar da Filosofia Antiga. Aqui. veremos a origem da 
Filosofia e discorreremos sobre cada filósofo da época e seus pensamentos e obras 
a partir das quais se deram as transições. Além disso, você conhecerá as concepções, 
interesses e as escolas fiJosóficas desse período crucial para a compreensão de todos 
os períodos que se seguiram. Serão apresentados também nesta primeira unidade
aspectos relacionados a questão cósmica,. questão ética e questão metafísica. 
A Filosofia Medieval será tratada na segunda unidade. Serão apresentados aqui 
os quatro periodos principais, começandopelos padres apostólicos, bem no início 
do cristianismo, nos séculos I e li,. cuja atividade consistia basicamente em buscar
disseminar a palavra de Cristo, em continuidade ao trabalho iniciado pelos próprios 
apóstolos. Na sequência, falaremos sobre os padres apologistas,. nos séculos Ili e IV, 
quando é iniciado o trabalho de apologia do cristianismo contra a filosofia grega, 
considerada pagã a partir da perspectiva cristã. Depois,. vem o terceiro momento, 
patrística,. de meados do século IV ao século VIII, onde se faz importante buscar uma 
conciliação entre razão em fé . Por último, discorreremos sobre a escolástica, entre os
séculos IX a XVI,. que fica com a tarefa de sistematizar a filosofia cristã, a essa altura já 
bastante volumosa apôs muitos séculos de elaboração.
A Filosofia Moderna será apresentada na terceira unidade. Período que 
denominamos como Idade Moderna, vai de meados do século XV ao fim do século 
XVIII e costuma-se indicar como marcos inicial e final a queda de Constantinopla 
(Império Romano do Oriente),. em 1453, e as Revoluções Liberais do final do século
XVIII, bem como a Revolução Francesa, em 1789, e a Revolução Americana em 1776. A 
descoberta da América em 1492 também pode ser considerado marco inicial e todos 
esses assuntos serão largamente tratados nesta unidade. 
A quarta unidade,. Filosofia Contemporânea, vai apresentar o Positiv
i
smo, termo 
adotado por Auguste Comte para designar uma orientação filosófica caracterizada pelo
culto à ciência e ao método cientifico. O Existencialismo e seus pontos em comum entre 
os autores existencialistas serão debatidos nesta unidade, além da dialética marxista 
e a filosofia da linguagem. Ainda serão apresentadas aqui a Escola de Frankfurt e a 
teoria crítica. 
Um livro denso e que traz a história, as transições e todas as consequências e 
contribuições da Filosofia que fará você pensar o Direito para além da ciência jurídica. 
Aprenda os fundamentos apresentados aqui e tenha sucesso nas próximas etapas de 
sua formação. Bons estudos! 
UNIDADE 1 
Filosofia antiga 
Introdução 
Olá, 
Você está na unidade Filosofia antiga. Conheça aqui a origem da filosofia bem como as
questões cosmológica, ética e metafisica. 
Bons estudos! 
13 
1 ORIGEM DA FILOSOFIA 
A respeito da origem da Filosofia, todos os livros são praticamente unânimes em afirmar que 
foi um evento que ocorreu por volta do sêcuf-o VI ou VII a.e., na Grécia. Pode parecer estranho fazer 
uma afirmação com tanta exatidão sobre um algo que ocorreu há mais de vinte e cinco séculos, mas 
isso é possive-1 exatamente porque existem comprovações históricas e arqueológicas de que o que 
chamamos de pensamento filosófico-científico surgiu com um filósofo chamado Tales. Aristóteles 
afirmou. poucos séculos depois, que Tales foi o primeiro filósofo (MARCONDES, 2008). 
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são duas as principais fontes de que dispomos para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos: 
a doxografia e os fragmentos. A doxografia consiste em sínteses do pensamento desses filósofos e
comentários a eles, geralmente breves, por autores de pe,iodos posteriores, ioclo basicamente de
Aristóteles (384·323 a.CJ a smplíôo {séc. VI). os fragmentos são citações de passagens dos próprios
filósofos prê--socrátkos encontradas também em obras posteriores. A d
i
ferença principal entre ambos 
é a seguinte: enquanto o fragmento nos dá as próprias palavras do pensador, a doxografia apre.senta 
seu pensamento nas palavras de outro. (MAROONDES, 2008, p..30). 
O período que denom
i
namos de Antiguidade (4000 a.e. a 476} comporta muitos povos e 
todos eles possuem cultura e história próprias, como os assírios, os babilônios, os chineses, os 
egípcios, os indianos, os persas, os hebreus. Esses povos também tiveram suas concepções de 
natureza e formas de explicar os fenômenos naturais, mas nenhum deles parece ter alcançado o 
grau de sofisticação necessário para que sua forma de pensar se caracterizasse como científica, 
como ocorreu com o povo grego (MARCONDES, 2008). 
A grande v
i
rada que se presencia na Grécia, com os primeiros filósofos, é a chamada passagem 
do mito ao logos. A mudança essencial que nos garante o surg
i
mento da Filosofia nesse momento 
é, portanto, quanto ao discurso de explicação da realidade. O logos é um termo em grego que 
significa discurso, ou seja, é uma explicação que apresenta razões. Por isso é possível afirmar que 
•
• 
14 
o discurso dos primeiros filósofos é um logos, poi.s eles buscavam explicar a realidade por meio de
causas naturais {pensamento humano aplicado ao entendimento da natureza). Em oposição ao
mito, portanto,. o logos é um discurso racional e crítico {MARCONOES,. 2008). Os outros povos (e 
também os gregos) recorriam ao mito para explicar a realidade, porém, na Grécia, pela primeira
vez isso se alterou de forma significativa e sistematizada. 
O pensamento mitico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da 
realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e a.s 
origens desse povo, bem como seus valores básicos. O mito caracteriza-se sobretudo pelo modo como 
estas explicações são dadas, ou seja, peb tipo de discurso que constitui. O próprio termo grego mythos 
significa um tipo bastante especial de discurso, o discurso ficional ou imaginário, sendo por vezes até
mesmo sinôni'no de "mentira'". (MARCONDES, 2008, p. 20}. 
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O mito faz, portanto, parte da cultura de um povo e pressupõe que as pessoas o ace
i
tem, 
globalmente, sem questionamento. O mito é a própria visão de mundo desse povo, excluindo a 
possibilidade de outras perspectivas que poderiam fundamentar seu questionamento, jâ que as 
pessoas desconhecem outra forma de existir e compreender a realidade: "ou o individuo é parte 
dessa cultura e aceita o mrt:o como visão de mundo ou não pertence a ela e, nesse caso, o mito 
não faz sentido para ele, não lhe diz nada" (MARCONDES, 2008, p. 20). 
O mito recorre ao sobrenatural e sempre envolve elementos relacionados ao sagrado, à
mag
i
a, ao mistério. As explicações sempre recorrem aos deuses e s.ua vontade, o mundo humano 
é governado por forças superiores e exteriores que devem ser respeitadas. Quando surge uma 
insatisfação quanto a essas explicações, surge a possibilidade de se buscar respostas drferentes, 
baseadas em evidências e na lógica, iniciando, portanto, o que chamamos de ciência. 
O pensamento mrtico tem uma característica até certo ponto paradoxat Se, por um lado, pretende 
fornecer uma explkação da realidade, por outro lado, recorre nessa explkação ao mistério e ao 
15 
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que nã.o se pode explKar, que não se pode compreender por 
estar fora do plano da compre-ensão humana. A explicação dada pelo pensamento mrtico esbarra assim 
no inexplicáwl, na impossibilidade do conhecimento (MARCONOES, 2008, p. 21).
O mito ê um recurso dialógico importante,. porque tem força e capacidade de sensibilizar e
influenciar quem o ouve. E não se trata de um discurso completamente desprovido de lógica,. 
tanto que quase sempre apresenta alguma lição a ser aprendida. Sua utilização não foi descartada
por completo e permanece até os dias atuais, de certa forma. A diferença ê que o mito deixou de 
ser a única explicação existente e surgiu uma nova forma de procurar respostas para as mesmas 
perguntas, uma forma que procura se basear no que, drferentemente do que faz o mito, está ao 
alcance da compreensão humana. O que ocorre, portanto, ê uma substituição da cosmogonia 
(explicação da origem do universo baseada em mrtos) pela cosmologia (explicação racional e
sistemática das características do universo). 
2 FILOSOFIA ANTIGA: QUESTÃO COSMOLÓGICA 
A transição do pensamento mítico ao filosófico, da qual falamos anteriormente, se operou 
por meio do grupo de pensadoresque denominamos de pré-socráticos. Essa alcunha não significa 
que formem um grupo homogêneo, mas apenas que vieram antes do filósofo Sócrates, que foi 
um divisor de águas no pensamento grego clássico. 
Figura 1- Sócrates 
Fonte: stefanel, Shutterstock, 2020. 
#ParaCegoVer: A imagem mostra uma imagem do filósofo Sócrates em escultura exposta na 
Academia Nacional de Atenas, na Grécia.
•
• 
16 
O que encontramos em comum no pensamento dos pré-socráticos ê justamente o romp
i
mento 
com os traços mitológicos e sagrados que marcavam as concepções do período anterior. De resto,. 
hâ muitas concepções, interesses e escolas diferentes dentre os pré-socráticos. Não se pode falar
em uma ideia de justiça uniforme entre os pré-socráticos, por exemplo. As ideias sobre justiça e
injustiça estão arraigadas a seus sistemas filosóficos, mas a discussão sobre justiça não constitui 
uma preocupação particular como a ético-moral ou político-jurídica (BITTAR, 2013). 
Aristóteles chama os primei:ros filósofos de physiológos, ou seja, estudiosos ou teóricos da
natureza {physis). Assim, o objeto de investigação dos primeiros filôsofos--cientista.s é o mundo natural; 
sendo que suas teorias buscam das uma explicação causal dos processos e dos fenômenos da naturais 
a partir de causas puramente naturais, isto é, encontráveis na natureza, no mundo natural, concreto, e
não fora deste, em um mundo sobrenatura� divino, como nas expl
i
cações míticas. Segundo esse tipo 
de visão, portanto, a chave da compreensão da realidade natural encontra-se nesta própria realidade 
e não fora dela (MARCONOES, 2008, p. 24). 
Os pré-socráticos foram,. então,. os primeiros filósofos e sua atuação se concentra no período 
entre 623 a .e. a 399 a.e. vamos analisar,. brevemente, as preocupações principais de alguns 
deles, para demonstrar como a cosmolog
i
a permeia todo o pensamento pré-socrático como 
característica predominante. Nesse período, existe um interesse forte em buscar descobrir o que 
seria a substância primordial, ou archê, algo que possa ser encontrado em tudo e que seja a 
origem de todas as coisas. 
A importânc
i
a da noção de arqué está exata.mente na tentativa por parte desses füôsofos de 
apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio 
básico que permeie toda a realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja um
elemento natural. Tal princípio daria precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação, permitindo
considerá-la como inaugurando a c
i
ência. (MARCONOES, 2008, p. 26). 
Tales de Mileto (623-546 a.C.) foi considerado o primeiro pensador grego. Sua dedicação 
principal era à astronomia e à geometria. Para ele, a água ê a substância primordial, a origem de 
todas as coisas,. pois permanece a mesma em todas as transformações dos corpos. Anaximandro 
de Mileto (610-547 a.C.) busca aprofundar as concepções de Tales. Para ele, a archê não pode 
ser algo material, deve ser algo que transcende o observável (realidade ao alcance dos sentidos}.
Define, então, que a archê dever
i
a ser uma massa geradora dos seres que contêm em si todos 
os elementos contrários, o que denominou de Ápeiron. Anaxímenes de Mileto (588-524 a.e.)
afirmou que a origem de todas as co
i
sas ê indeterminada e preferiu não atribuir caráter oculto ou 
transcendental para a origem de todas as coisas. Concluiu ser o ar o princípio de tudo (invisível,. 
imponderável, divindade que anima o mundo). 
Pitágoras de Samos (570-490 a.e.) funda uma sociedade filosófica poderosa e influente e 
atribui uma estrutura matemática à archê. Para Pitágoras, a essência de todas as coisas está nos 
números. Podemos observar, aqui, a importância incorporada às ideias de ordem e harmon
i
a, 
ou seja, pela primeira vez aparecem ordem e constância fundamentando o pensamento pré-
17 
socrático. Pitágoras é um nome marcante até os tempos atuais por suas contribuições na 
matemática, sendo seu teorema certamente a mais famosa delas. 
Para Heráclito de Éfeso {SOO a.e.} a realidade é dinâmica,. está em permanente transformação. 
Pertence à chamada Escola Mobilista, que se define pela noção de que há um fluxo constante 
impulsionado por forças contrárias. O mundo evolui a partir das lutas, é um devir, ou seja, uma 
eterna mudança. Estatui o fogo como principio: chamas vivas e eternas governam o movimento. É 
de Heráclito a famosa frase "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", que traduz e sintetiza 
seu pensamento. 
Parmênides de Eléia (510-470 a .e.) faz oposição a Heráclito. Afirma que há dois caminhos:
o caminho da filosofia e da razão ou o caminho da crendice e da opinião. Assim, existe o ser
e sua não-existência não ê concebível: "o ser ê; o nã�ser não ê". Esses são princípios lógicos 
de identidade e não contradição que foram posteriormente desenvolvidos por Aristóteles. Foi o 
primeiro filósofo a pensar o ser ideal no plano lógico. 
FIQUE DE OLHO 
Os pré-socráticos são comumente agrupados em escolas, divididas mais ou menos 
geograficamente.. A Escola Jônka se caracteriza pelo interesse pela physis e teorias sobre 
a natureza e dela fazem parte Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes e Heráclrt:o. A 
Escola Italiana apresenta visão de mundo mais abstrata, antecipando, em certa medida, 
o surgimento da lógjca e da metafísica. Dela fazem parte Pitágoras, Alcmeon, Filolau,
Parmênides, Zenão e Melisso. {MARCONDES, 2008). 
3 FILOSOFIA ANTIGA: QUESTÃO ÉTICA 
Embora a palavra "Ética" seja dotada de murt:os significados atualmente, vamos aqui nos deter 
ao seu sentido mais básico, que ê o de preocupação com as causas e efeitos do agir humano. 
Assim, toda a reflexão a respeito de como o comportamento humano em suas ações voluntárias 
pode levar ou não à realização de determinados fins, será objeto da Ética. O grupo denominado 
de Sofistas dá início à fase com prerrogativas como: 
• o homem ê colocado no centro das atenções (o que ê um grande mérito da sofistica);
• não formam uma ún
i
ca escola, apenas possuem afinidades de ideias e modos de vida:
ensinavam de modo itinerante a arte da retórica e da persuasão;
• suas reflexões ensejam uma relativização da justiça,. por combaterem tudo que é absolu­
to,. fixo,. eterno, inabalável;
•
• 
18 
• seus conceitos se afastam de todo tipo de ontologia, metafísica ou mistificação de valo­
res sociais;
• na prática judiciária a retórica e a oratória se mostram muito úteis, por isso a atividade
dos sofistas era muito procurada.
Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 
[!lt:.
Para os sofistas, a lei (nomos) é o que liberta o homem d a barbárie. Aquele período de 
pensamento e reflexão sobre as coisas da natureza e do un
i
verso ficou para trás e a afirmação 
agora é a de que o homem é a causa de si mesmo, não a natureza. As leis não são iguais em toda 
parte, o que mostra que são fruto da atividade humana e por isso valores e legislação variam 
dentre as diferentes culturas (BITTAR, 2013).
O pensamento sofistico promove uma relativização do conceito de justiça pela identificação 
com o conceito de legalidade: justo é o que está na lei. Esse raciocínio leva à inconstância do
conceito de justiça, pois a lei positiva pode mudar a qualquer momento (BITTAR,. 2013). 
A atividade dos sofistas foi favorecida por fatores poHticos e sociais conjunturais,. especí
f
icos 
de Atenas. Foi um momento de expansão das fronteiras gregas e de intensificação do comércio 
e do acúmulo de riquezas. A estruturação da democracia ateniense é um desses fatores,. pois
houve uma esquematização da participação popular nos instrumentos de exerácio do poder, sem 
necessidade de provar riqueza, nobreza ou ascendênc
i
a. Isso implica a necessidade da técnica de 
falar para o uso em assembleias (oratória, retórica}, que era basicamente exercício da cidadania 
através do discurso. A democracia diretamente exercida exige que o cidadão seja capaz de falar 
em público, articular suas ideiase que domine a arte da argumentação e do convencimento por 
me
i
o de sua fala. Era esse o produto oferecido pelos sofistas (BITTAR,. 2013). 
Os Sofistas de maior destaque foram Protágoras, Górgias, Prôdico,. Hípias,. Antífon,. Trasímaco,. 
Crítias,. Antístenes,. Alcidamas,. Ucófron. 
19 
Sócrates é uma figura interessantíssima porque não existe certeza a respeito de sua existência. 
Por não ter deixado nada escrito, os relatos de sua existência e atuação chegam até nós por meio 
de outros filósofos, especialmente Platão. Sócrates teria vivido no séc. V a.e. e é considerado 
um divisor de águas na filosofia antiga por centrar suas especulações na natureza humana e
em suas implicações ético-sociais. Suas interações principais são com os sofistas, de quem é o 
grande antagonista. Seus ensinamentos e discussões atacam exatamente o relativismo,. típico do 
pensamento sofistico. 
Sócrates ace
i
ta sua condenação à morte por respeito às leis de Atenas,. mesmo sendo inocente
das acusações. Recusa-se a fugir, mesmo tendo am
i
gos influentes que poderiam favorecer essa
possibilidade, por defender que obedecer a lei era o limrt:e entre civilização e barbárie. Teve a Ética 
como modo de vida e filosofia. Suas reflexões aparecem retratadas nos diálogos platônicos, em 
questões como "'o que é a justiçar, "'o que é o Bemr', "o que é o amor?", "o que é a coragemr 
e levam à condu.são de que o conhecimento reside no interior do próprio homem. Acredita 
que o mal é praticado quando não se sabe diferenciar o bem do mal, por isso é necessário o 
conhecimento. A felicidade é o controle das paixões e a busca do saber (BITTAR, 2013).
O Direito é. para Sócrates, o instrumento humano de coesão social, para a realização do bem 
comum por meio do cultivo das virtudes (desenvolvimento das potencialidades humanas). Postula 
a inderrogabilidade das leis da cidade pela vontade humana, em contraposição à efemeridade das 
leis (variáveis no tempo e no espaço) pregada pelos sofistas: moralidade e legalidade caminham 
juntas. (BITTAR, 2013). 
Sua Ética é teleológica, ou seja, visa à finalidade. A felicidade (controle das paixões e a busca do 
saber) deve ser o fim da ação, que um conhecer-se. Para Sócrates só erra quem desconhece, ou seja, 
a ignorância é o maior dos males. Erradicar a ignorância através da educação (paideia) é a tarefa do 
filósofo. Postula que a Ética do coletivo está aáma da ética do indivíduo. (BITTAR, 2013:109) 
O disápulo mais famoso de Sócrates é Platão (428 a.e a 328 a.e), nascido em uma família
nobre em Atenas e cujo verdadeiro nome era Aristodes. A alcunha surgiu em função de s.ua 
compleição física, pois Platão em grego s
i
gnrfica "ombros largos".
Platão desenvolveu uma ética sustentada pelas ideias de ordem e de harmonia como caminho
para se alcançar o bem. Platão utiliza o mito com propósitos definidos, embora afirme que o mito 
não é verificável e não tem organização interna. Para ele, o mito não é um mero emaranhado sem
lógica nem vazio de razão e serve de intermediário ao discurso filosófico (ético e político). Afirma 
que, em certo sentido, o mito é uma forma de logos se for considerado o significado de logos 
como discurso, ou seja, como o pensar manrfestado pela voz por meio de verbos e substantivos. O 
mito tem a vantagem de ser um meio de comunicação da sabedor
i
a compartilhada e possibilita a
transmissão para outras gerações com o propósito de influenciar. Um dos ma
i
s conhecidos mitos
utilizados por Platão para transmitir suas ideias é o mito da caverna, que serve como metáfora 
•
• 
20 
para os graus do conhecimento e a possibilidade da Filosofia.
Dentro da ética platônica há alguns conceitos chave, como o conceito de alma, de
conhecimento, de amor e de justiça. Estes conceitos se entrelaçam de forma mais ou menos
circular, ou seja, é quase impossível explicar um sem precisar recorrer ao outro. Para alcançar o 
conhecimento autêntico, Platão institui o método dialético, que "consiste na contraposição de 
uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja,. na afirmação de uma tese qualquer 
seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e
equívocos". (COTRIM, 2001, p. 97). 
A discussão sobre o amor é promovida na obra O Banquete e as respostas são dadas por 
Sócrates, baseado nos ensinamentos de Oiotima,. uma sacerdotisa que afirma que o amor é o 
desejo de qualquer coisa que não se tenha e à qual se aspire, ou seja, o amor é a Filosofia. O amor 
é um intermediário entre o saber e o não-saber, entre o humano e o divino. O amor participa da 
imortalidade, é capaz de transmitir aos deuses o que vem dos homens e aos homens o que vem 
dos deuses. 
A alma ê discutida no livro Fédro, onde é apresentada a divisão entre alma e corpo. A alma
tem uma história, é imortal e move a si mesma. É o mais próximo que o homem pode chegar da 
divindade, do absoluto, pois ela é a sede da racionalidade. Por isso, a alma deve ser educada. 
Educar a alma ê permitir que a alma se lembre de tudo que viu quando estava ainda no mundo 
das ideias e possibilitar que o homem seja responsável por seu destino por meio da rac
i
onalidade. 
Chegamos, assim, ao conceito de conhecimento,. que é a conjugação da formação pedagógica 
com um caminhar esp
i
ritual. 
A alma se divide em três eixos fundamentais, que são temperança,. coragem e sabedoria. 
Esses mesmos eixos são a divisão da cidade justa. Na cidade justa a ordem e a harmonia são 
respeitadas e cultivadas, de forma que a justiça é o dever que se impõe a cada um de não exercer 
mais que um emprego na sociedade,. aquele para o qual a natureza lhe deu mais aptidões. 
No cidadão, a justiça é a temperança dos desejos, a coragem das paixões e a sabedoria 
da razão; na poli.s,. ê a temperança dos produtores e comerciantes, a coragem dos soldados e
a sabedoria dos governantes. A educação para a vida justa é a educação para a polis, pois a 
educação serve para que se possa identificar o verdadeiro Bem. Ajustiça nasce do conhec
i
mento 
e ê uma forma de aproximação da divindade. A justiça é o bem em si desejável, ê a virtude que 
a todos convém. 
É importante caracterizar, ainda, dentro da questão ética no periodo da Antiguidade,. as 
chamadas Filosofias helenísticas,. com ênfase no Cinismo,. no Epicurismo e no Estoiàsmo. 
O periodo helenístico é aquele que se compreende a partir da conquista da Grécia pelos
21 
macedônicos (322 a.C.) e caracteriza-se pela interação cultural entre a cultura grega clássica e a 
cuJtura dos povos orientais conquistados com a expansão do Império Macedônico. Em Atenas, 
houve a continuação das atividades da Academia e do Liceu por discípulos de Platão e Aristóteles. 
No entanto, o foco da reflexão ética teve uma alteração em função das mudanças politicas que 
ocorreram. O cidadão não tem mais participação ou influência na vida politica da cidade e isso
acarretou um abandono da reflexão política (vida pública) pela filosofia, cujas reflexões deslocam­
se para a vida privada. As preocupações, antes coletivas tornanKe preocupações individuais a 
respeito de temas como a intimidade,. a vida interior do homem, busca de filosofias de vida, a arte 
de viver, a busca de paz de espírito e feliàdade interior (COTRIM, 2001). 
O cinismo é uma filosofia derivada da palavra grega kynos, que significa "cão•. Seu maior 
ícone, Diógenes, era conhecido como o cão e por questionar, inclusive publicamente, valores 
e tradições sociais. Foram filósofos que se propuseram a viver como cães da cidade, sem 
propriedades nem conforto. Levaram a filosofia de Sócrates ao extremo (procurar conhecer a si 
mesmo e se desprender de bens materiais) (COTRIM, 2001). 
O epicurismo foi uma Escola que deve seu nome ao pensador grego Epicuro de Samos {341 -
270 a.e.) e que elege no prazer a finalidade do agir humano. Constitui-se num momento histórico 
de decadência da Grécia e apresenta, portanto, uma filosofia de desapontamento coma política 
do seu tempo. Sua doutrina busca explicar o mundo a partir dos elementos que o integram, 
tratando de temas como a matéria, o átomo e as sensações. A vida é apenas uma interação de 
átomos no cosmos, o que quer dizer que a morte é somente sua desagregação e nada signrfica
(por estar privado de sensibilidade o que se dissolveu). O cosmos se autogoverna. (BIITAR, 2010). 
Por acredrtarem que a mitolog
i
a e as filosofias que os antecederam não forneceram respostas 
suficientes, procuram dar explicação para tudo por meio da física, indus
i
ve a explicação para a 
ética. O conhecimento humano se dá por meio das sensações, que é como o homem experimenta 
o mundo, portanto, todas as outras formas de conhecimento possíveis submetem-se aos sentidos:
a ética está onde estão os sentidos (BITTAR, 2010). 
A ação humana se dâ, necessariamente, no sentido de evitar a dor e buscar o prazer, então, 
a realização felicidade humana depende de se alcançar o prazer. O prazer é elevado a móvel 
da ação humana. Mesmo cientes de que a definição e a interpretação do que seja doloroso ou 
prazeroso variam de pessoa para pessoa, o epicurismo consegue sintetizar a noção de que toda 
dor é um mal (algo não natural) e todo prazer é um bem (algo natural) (BITTAR, 2010). 
Apenas os deuses podem alcançar o prazer absoluto e constante, ou seja, é impossível a 
ausência absoluta de dor. Mas é possível buscar suprimir o maior número de dores possível, tarefa 
do sábio. O prazer gera a tranquilidade da alma, a estabilidade das sensações e a satisfação do 
corpo. O significado de prazer dentro da filosofia epicurista é como ausência de dor. É importante 
não confundir o ep
i
curismo com uma doutrina sensualista, que estimula o cometimento de pecados
•
• 
22 
e apego às coisas terrenas. Conhecer a dor e o prazer é o que possibilita ao homem escolher causar 
dor ou prazer, o sábio deve procurar oferecer serenidade aos outros, prolongar os prazeres, reduzir 
e suportar as dores,. favorecer a que os outros participem do prazer (BITTAR, 2010). 
É a prudência, a maior das faculdades humanas, que permite ao homem discernir na escolha 
de seus comportamentos e atos no sentido de encontrar os prazeres úteis, naturais e necessários. 
Felicidade, no epicurismo, é conquistar a ataraxia: estabilidade de ânimo diante das coisas,.
prazeres, paixões e da dor. Como a orientação ética humana deriva das sensações,. ou seja, o agir 
bem se determina nas sensações e na empiria,. o epicurismo consiste numa proposta que repele a 
injustiça por ser causa de dor e atrai a justiça por ser causa de prazer: a justiça epicurista consiste 
em não causar nem sofrer dano. O homem justo é o homem tranquilo e sereno, enquanto o 
homem injusto é perturbado e desequilibrado {BITTAR, 2010). 
A Ética estoica é uma ética da ataraxia (estado de harmonia corporal, moral e espiritual). 
O homem é tico respeita o universo, as suas leis e a si próprio - conhece a si mesmo e a suas
limitações - e alcança a ataraxia por saber distinguir o bem do mal). A ataraxia é o momento 
máximo de um processo mais longo de autodepuração da alma, descoberta de sua interioridade, 
estado imperturbável diante de ocorrências externas. A ética estoica é, portanto, uma ética 
derivada da conjugação dos conhecimentos adquiridos pelo homem. {BITTAR, 2010). 
A finalidade da conduta humana é a ação e a ética estoica determina o cumprimento de 
andamentos éticos pelo dever. O conteúdo deste dever é simples de encontrar, pois as normas do
agir emanam da natureza, a que o homem não pode pretender se sobrepor. O homem discerne 
entre o que é favorável ou desfavorável em seu agir por ser capaz de intuir as normas naturais. As
virtudes cardeais que orientam a stoa são justiça, sabedoria, fortaleza e temperança (BITTAR, 2010). 
4 FILOSOFIA ANTIGA: QUESTÃO METAFÍSICA 
Na contemporaneidade, a palavra metafísica pode apresentar mais de um significado dentro 
da Filosofia e é objeto de muitas discussões acadêmicas. No entanto, é possível, devido ao recorte 
temporal do presente tópico, delimitar nossa abordagem ao conceito de metafísica como aparece 
na obra de Aristóteles, num sentido mais estrito, como a ciência do ente {aquilo que é) enquanto
ente e de seus princípios fundamentais. Discute-se, então, a essência do ser e o ato de existir do 
ser. (OLIVEIRA, 2016). 
23 
- -
mTYTr 
Figura 2 - Aristóteles
Fonte: Giannis Papanikos, Shutterstock, 2020. 
#ParaCegoVer: A imagem mostra uma estátua de Aristóteles situada na Praça de Aristóteles 
em Thessalonike,. na Grécia. 
A denominação Nmetafísica" aparece pela primeira vez para classificar um grupo de livros da 
obra completa de Aristóteles que vem após os livros da tis
i
ca. Seria, então, de plano, apenas a
coleção daquilo que está depois da física. No entanto, existe uma harmonia quanto ao conteúdo
abordado nesses livros: "muitos estudiosos acreditam que a atribuição do nome metafísica a
esses livros não é mero acaso, mas está diretamente relac
i
onada com o próprio conteúdo dos
textos,. que tratam do prinápio primeiro,. de uma forma englobante ou, ainda, de um ente 
primeiro• (GILBERT, 2004, p . 10 apud OLIVEIRA, 2016). 
É importante frisar que a metafís
i
ca fundamenta a ética, ou seja, ainda que a denominação
de metafisica tenha aparecido apenas para a obra de Aristóteles, seu conteúdo aparece em 
momentos anteriores, ainda que sem a articulação necessária. Platão também trata de temas 
próprios da metafísica, como a alma, o existir, a natureza das coisas. Veremos adiante um pouco 
da metafisica aristotélica e, inevitavelmente, ao final, chegaremos em sua ética, pois não são 
conteúdos que se separam. Muito pelo contrário, estão constantemente entrelaçados. 
A metafísica platônica consiste em sua teor
i
a das ideias ou das formas, desenvolvida com
a finalidade de estabelecer a natureza dos conceitos e das definições a serem alcançadas. Com
Platão considera-se iniciada a metafisica clássica, ou da Antiguidade, ainda que a denominação 
e a delimitação do tema só tenham aparecido posteriormente. A metafisica em Platão é, então, 
uma teoria da natureza essencial das coisas, que nos permita a.ssim realizar, quando nos perguntamos 
.,o que é x?", a análise pretendida. Saberemos quando a resposta fo
i 
obtida se ela satisfizer os critérios 
estabelecidos por esta teoria para a aplicação bem-sucedida do método, que se dá quando este nos leva
ao conhecimento desta natureza essencial da coisa. (MAROONOES, 2008, p. 56}. 
•
• 
24 
A necessidade de uma metafisica em Platão aparece da diferença de compressão sobre o 
que é a Filosofia que este apresenta em relação a seu mestre, Sócrates. Para Sócrates, a Filosofia 
tem o papel de levar o indivíduo a se compreender melhor e a sua própria realidade por meio 
de processos de transformações intelectuais e de valores, enquanto para Platão a filosofia é 
essencialmente uma teoria,. em que se é possível conhecer a verdade última da natureza das 
coisas por meio de processos de abstração e de superação da experiência concreta. Essa teoria 
do conhecimento pressupõe, requer, uma metafísica que a sustente, ou seja, uma teoria sobre a 
realidade a ser conhecida. (MARCONDES, 2008).
Aristóteles (384 - 322 a.e) nasceu em Estagira, na Macedônia, filho de Nicômaco, médico 
do rei. Estudou na Academia de Platão por cerca de 20 anos e era cotado para assumir a direção 
apôs a morte de Platão, mas foi preterido por não ser ateniense. Fundou o liceu em 335 a.e. Foi
professor de Alexandre Magno entre 345 e 340 a.e., quando este assumiu o trono macedônico e 
com a morte de Alexandre em 323 a.e. começou a sofrer perseguições (COTRIM, 2001). 
Aristóteles rejeita a teoria das ideias de Platão e postula que a realidade sensorial deve 
buscar as estruturas essenciais de cada ser. O conhecimento deve se dar por indução, ou seja, 
do particular para o geral. Procura condusões científicas universais a partir de dados sensíveis 
(COTRIM, 2001). 
As distinçõesentre ato e potência e entre substância e acidente são determinantes em toda 
a sua filosofia: 
Ato 
• ê a manifestação atual do ser, aquilo que já existe;
Potência 
• são as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não ê mas pode vir a
ser;
Substância 
• aquilo que ê estrutural e essencial do ser;
Acidente 
• aquilo que é atributo circunstancial e não essencial do ser.
A passagem de potência em ato depende do agente guiado por uma finalidade: 
Ê pois manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras {pois dizemos que conhecemos 
cada co
i
sa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa); ora, causa diz·se em quatro 
25 
sentidos; no primeiro entendemos por causa a substância e a quididade (o "porquê" reconduz-se pois 
à noção última, e o primeiro "porquê" é causa e princípio); a segunda causa é a matéria e o sujeito; a 
terceira é a de onde vem o início do movimento; a quarta causa, que se opõe à precedente, é o "'fim 
para que" e o bem (porque este é, com efeito, o fim de toda geração e movimento). (ARISTÓTELES,1984, 
p. 16).
Temos, nessa passagem, as definições das causas: a causa material, que é a matéria de que 
alguma coisa é feita; a causa format que é a forma que toma essa matéria; a causa eficiente,. que 
é o agente que produziu a coisa; a causa final, que é o objetivo ou razão de ser dessa coisa. 
Para encontrar a essência humana, Aristóteles buscou captar a função especifica do 
Humano e concluiu ser uma atividade da alma que se traduz no exercido da razão. Dessa forma,. 
a racionalidade pode ser apontada como a essência humana, ou seja, a felic
i
dade para o ser 
humano se realiza no ato de pensar: 
A questão da essência humana é uma Wlve.stigação primordia.l para a metafísica aristotélica e
conclu
i 
que a essência humana é o ato de pensar, a raôonalKlade: •aquilo que pertence a cada di
próprio pela sua própria natureza é o que há de mais poderoso e que dá um maior prazer. Desta
forma, para o Humano, isso é a existência humana de acordo com o poder da compreensão do sentido, 
porquanto é este tipo de existência que corresponde à pos.sibi1idade extrema do próprio si humano e
essa existência é também a mais feliz de todas {ARlSTÓTELES, 2009, p . 1178). 
Na obra Da Alma Aristóteles escreve um tratado de biologia geral e define a alma como a 
forma do corpo vivo, numa relação em que o corpo deve possuir determinadas qualidades físico­
químicas que o tornem apto a servir de matéria a sua alma correspondente. Há diversos tipos 
de almas, correspondentes aos diversos tipos de entes. As etapas de desenvoMmento da alma
são demarcadas pelas capacidades ou faculdades. Alguns estudiosos listam essas capacidades 
como apenas três,. deixando de fora a capacidade contemplativa,. abordada em outras obras de 
Aristóteles. (PELLEGRIN, 2009). 
Sua descrição da alma humana identifica quatro capacidades integrantes de um todo, cada 
qual com suas tendências específicas e diferentes objetivos: vegetativa,. apetitiva, deliberativa e
contemplativa. Para todos os níveis da alma há finalidades internas e externas, no sentido de que 
hâ, para cada um dos objetivos de cada aspecto da alma, uma realização do ser como um todo 
em relação ao bom cumprimento desse objetivo (LIPOVETSKY, 2017). 
O nível vegetativo da alma equivale ao funcionamento biológico do corpo, compreendendo 
os processos inconscientes e involuntários do organismo concebido como uma máquina, para 
garantir a existência mecânica da pessoa. É um aspecto da alma que o ser humano compartilha 
com as plantas, com a diferença de não se dissociar dos demais aspectos da existência humana. 
Existe um objetivo espeâfico intrínseco e distintivo de cada parte da alma e a parte vegetativa 
a cumpre exercendo bem aquilo que se espera dela: a pele, por exemplo, tem em si mesma o
propósito de proteção e regulação de temperatura, e é boa como pele na medida em que alcança
•
• 
26 
esse propósito (LIPOVETSKY, 2017). 
O nível apetitivo compreende as emoções e sentimentos, as manifestações dos desejos de 
uma pessoa, atuando como fonte de motivação e energia para viver. Embora seja uma parte da 
alma que o ser humano tem em comum com os animais irracionais, no ser humano esse aspecto 
desejoso é fundamentalmente teleológico na visão de Aristóteles:
o aspecto apetitivo do nosso ser é a tendência do organismo a buscar a sua própria reaização
através da excelência dos seus desejos. Essa realllação não é apena.s a excelente busca dos seus
desejos ou a consumação bem-sucedida deles, mas também o ter desejos que aperfeiçoem o seu ser.
(LIPOVETSKY, 2017, p. 27). 
O nivel deliberativo (ou calculativo) constitu
i
, juntamente com o nível contemplativo, a parte
racional da alma,. que nos distingue dos demais entes. A descrição do problema ético de que a 
parte racional da alma deverá controlar as inclinações desejosas e que, com isso, se viverá bem
,.
é um traço comum à psicolog
i
a moral de Platão,. Aristóteles
,. 
Kant, dentre outros. Aristóteles não 
sucumbe à dualidade de isolar as ações humanas como instintivas, de um lado, ou racionais, 
de outro, nem postula a ideia de "mente como substância pensante". A deliberação racional é 
apenas um aspecto de um todo - o ser inteiro: "deliberação ou pensamento racional é apenas 
uma das funções que os seres humanos inteiros desempenham e através da qual podem realizar­
se a si mesmos em seu ser• (UPOVETSKY, 2017, p . 28). 
A parte deliberativa da alma trata do pensar e planejar,. estrategicamente, a abordagem e
consecução das necessidades humanas, liga-se umbilicalmente à ação. Deliberamos sobre 
como alcançar propósitos práticos, cujos fins apresentam-se como objetivos externos da 
atividade deliberativa; os objetivos internos estão na satisfação de se cumprir bem um propósito
(LIPOVETSKY, 2017). 
A quarta e última parte da alma é a contemplativa. Trata-se de um aspecto adicional do 
raciocínio, com objetos distintos daqueles da parte deliberativa. Se, por um lado, o nível deliberativo 
se ocupa dos meios para alcançar objetivos e àquilo que pode ser modificado no mundo por meio 
da ação humana, por outro lado, a razão contemplativa concerne àquilo que não podemos mudar, 
ou seja, às coisas eternas e imutáveis. O nN'el contemplativo é totalmente separado da nossa vida 
ativa. Pensar sobre temas como a origem e a natureza do unjverso, a existênc
i
a ou inexistência e
a vontade dos deuses, a fonte e o sentido da moralidade etc. são parte do que confere sentido à 
vida humana, ainda que não se obtenha respostas ou que as respostas não sejam definitivas. A 
satisfação desse aspecto da alma está em contemplar bem (LIPOVETSKY, 2017). 
Hâ três gêneros de fenômenos que surgem na alma: as afecções, que são desejo, ira, medo,. 
audácia, inveja,. alegria,. amizade,. ódio, saudade, ciúme, compaixão e em geral tudo aquilo que 
é acompanhado por prazer e ou sofrimento; as capacidades, que são condições de possibilidade 
27 
para sermos afetáve
i
s por afecções; e; as d
i
sposições, que são os gêneros de fenômenos de 
acordo com os quais nos comportamos bem ou mal relativamente às afecções. As que chamamos 
de excelências são disposições de caráter, ou virtudes morais (ARISTÓTELES, 2009).
As pessoas já nascem com alguns traços de cada virtude e a educação tem o papel de reforçar 
essas boas tendências e direcionar a ação humana em rumo à posição intermediária entre dois 
extremos. A ética aristotélica não é relativista, pois é determjoada por uma regra. Essa regra, no 
entanto, não é uma lei: o critério de justeza da ação ética virtuosa é o ser humano prudente, é
o fazer aquilo que o sábio faria. Uma vez alcançada a virtude, não há a possibilidade de retorno
ao vício, de modo que o sábio nunca age mal, pois está habituado à virtude {UPOVETSKY. 2017).
A razão conduz à virtude, que é a justa medida,. um meio-termo, o ponto de equilíbrio entre 
dois excessos. O homem,. inserido na póJis, exerceem sociedade sua racionalidade através do
discurso (logos}, ao mesmo tempo que a essência humana (a felicidade) se realiza na pólis, que se 
organiza visando a reali-zação do bem, da felicidade, da eudaimonía para todos. O homem é capaz 
de deliberar e escolher o melhor para si e para o próximo.
O trabalho de Aristóteles sintetizou e sistematizou conteúdos que antes haviam sido
trabalhados, mas sem murta ordenação. Embora o denominemos de filósofo, Aristóteles foi 
um polímata
,. 
ou seja, uma pessoa que domina muito bem diversas áreas do conhecimento. 
Muitos dos conceitos que adotamos nos tempos atuais foram cunhados por Aristóteles e jamais 
alterados, pois já possuíam,. naquela época,. o nivel necessário de adequação. Seu legado para o 
mundo ocidental é valiosíssimo e será retomado como objeto de discussão na Idade Média com 
Tomás de Aquino. 
•
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António de castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. 
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução De Vincenzo Cocco. São Paulo: Abril S. A. Cultural, 
1984. 
BITTAR, E; ALMEIDA, G. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Alias, 2010.
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2001. 
UPOVETSKY, N. Efetividade da justiça no mundo contemporâneo: entre ética e economia. 
Belo Horizonte: Editora lnitia Via, 2017. 
MARCONDES, O. lnjciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 
OLIVEIRA, C. Ética e metafísica. ln: Argumentos, ano 8, n. 15- Fortaleza,jan.fjun. 2016. 
PELlfGRIN, P. Le vocabulaire d'Aristote. Paris: Ellipses, 2009.
UNIDADE 2 
Filosofia medieval 
Introdução 
Olá, 
Você está na unidade Filosofia medieval. Conheça aqui os quatro períodos principais,
começando pelos padres apostólicos. bem no início do cristianismo, nos séculos I e li, 
cuja atividade consistia basicamente em buscar disseminar a palavra de Cristo, em 
continuidade ao trabalho iniciado pelos próprios apóstolos. O segundo momento é o 
dos padres apologistas, nos séculos Ili e IV, quando é iniciado o trabalho de apologia do 
cristianismo contra a filosofia grega, considerada pagã a partir da perspectiva cristã. O 
terceiro é o momento da patrística, indo de meados do século IV ao século VIII, momento 
em que se faz importante buscar uma conciliação entre razão em fé. O quarto é o da 
escolástica, entre os séculos IX a XVI, que fica com a tarefa de sistematizar a filosofia
cristã, a essa altura jâ bastante volumosa apôs murt:os séculos de elaboração. 
Bons estudos! 
33 
1 FILOSOFIA MEDIEVAL: PADRES APOSTÓLICOS 
O traço principal que encontramos na filosofia medieval ê a relação entre a experiência 
humana e a existência do sagrado; por meio da busca de provas racionais e lógicas de que o 
sagrado existe e rege a vida humana. 
O poder político exercido pela religião nesse período histórico faz com que seja impossível 
separar a influência da religiosidade na vida cotidiana de todas as pessoas, induídos aí os filósofos. 
Outra dificuldade ê separar filosofia e teologia no pensamento medieval, pois a fé e a divindade 
são o tema principal tratado pela filosofia
1 
que se torna teológica por consequência. 
1.1 Idade das trevas 
Existem adjetivações atribuídas à Idade Média como sendo uma idade das trevas, ao 
passo que também é possível encontrar quem afirme exatamente o contrário. Trata-se de um 
período de contradições, verdadeiramente,. em que determinados campos do conhec
i
mento
se desenvolveram mais e melhor que outros,. que acabaram se caracterizando por atraso e
até retrocesso. Veremos que na filosofia a contribuição medieval é bastante rica e que há 
importantes contribuições e construções lógicas que fundamentaram o pensamento moderno e
o influenciaram de forma decisiva.
Em modo de síntese final e apenas esquemática, poderiamos dizer que a Idade Média se fez 
com luze.s e sombras, que fundamentam que, acerca dela, se tenham produzido «K'nda.s douradas.­
e •lendas negras•. Luze.se sombras provêm de todos os três factores que estiveram na sua génese e 
determinaram o seu rosto próprio. O dassicismo em ruínas foi responsável peta subsistência de um
fundo de civilização (pos
i
tivo) que, embora medievalizado (negativo), seí\lN como med
i
ação entre
a antiguidade clâsska e a modernidade. Os bárbaros foram re.sponsâveis pela regressão cultural 
(negativo), mas, ao mesmo tempo, acolheram, a seu modo, valores dâssicos e valores cristãos 
{positivo). O cristianismo revolucionou positivamente a visão e a prática da vida típicas do paganismo 
{positivo), ainda que se tenha deixado levar por excessos de vária ordem (negativo) {COUTINHO, 2008, 
p.14).
2 FILOSOFIA MEDIEVAL: APOLOGÉTICA 
Jesus Cristo nasce durante o Império Romano,. em que vigorava um polrteismo, ou seja,.
muitos deuses eram simultaneamente cultuados, e todas as práticas religiosas eram toleradas 
com certa tranquilidade. O cristianismo era, então, apenas uma dentre várias manifestações 
relig
i
osas que conviviam no Império Romano. No entanto, seus seguidores sofreram algumas
perseguições por se recusarem a praticar os cultos tradicionais do império,. pois o cristianismo os 
obrigava ao monoteísmo. 
•
• 
34 
2.1 Idade Média 
O Império Romano do Ocidente caiu no ano de 476,. após ataques constantes de povos que 
os romanos denominavam de bárbaros, dando início ao que chamamos de Idade Média, período 
em que a organização política se tomou muito inferior se comparada à organização da instituição
Igreja. A difusão do cristianismo nos primeiros séculos fica a cargo de seus primeiros seguidores,. 
que vão angariando novos fieis e fazendo com que a comunidade cristã cresça. 
Uma das grandes questões que surgem neste momento é sobre como conciliar fê e razão. 
No plano político, é sobre como conciliar a doutrina cristã e a cidadania romana no lado oriental 
do Império. Pela proximidade geográfica com a região onde florescera a Antiguidade Clássica, a 
influência cultural grega é forte,. gerando um grande contraste entre a fé cristã e o pensamento 
filosófico-científico. 
Temos, então, dois diferentes grupos de pensadores cristãos: 
• aqueles que buscam conciliar o cristianismo com a filosofia grega {pagã, do ponto de
vista cristão); e
• aqueles que repudiam por completo a filosofia pagã e fazem apologia ao cristianismo.
O período principal de efervescência apologética foi nos séculos Ili e IV (COTRIM, 2001). 
A Igreja cristã tem dois momentos muito diferentes no início de sua existência. 
($) 
FIQUE DE OLHO 
Antes do Édito de Milão, em 313, era urna instituição minoritária, perseguida e quase 
clandestina. Após313 se torna uma instituição oficial do Império. A doutrina construída pelos 
chamados padres {ou pais) da igreja se constitui progressivamente numa doutrina política, 
trazendo para o campo temporal as posições teológicas fundamentais do cristianismo 
(NEMO, 2007). 
Antes de sua oficialização pelo imperador Constantino em 313, a Igreja constituía uma espécie
de Estado dentro do Estado, uma vez que os cristãos se recusavam a cumprir determinadas 
obrigações de cidadãos por contrariarem a doutrina cristã. Quanto maior a seita cristã se tornava, 
maior a ameaça que representava. Um anticristão chamado Celso afirmou, mesmo, que eram 
como bárbaros no interior do império, ou seja, comparou a ameaça cristã à ameaça que os povos 
bárbaros representavam no entorno das fronteiras romanas (NEMO, 2oon. 
• 
36 
Os cristãos tinham um Deus que se importava com cada ser humano,. individualmente,. e cada
vida recebia um significado eterno num plano cósmico, dando forma à ideia de liberdade e de um 
amor sem fronteiras. Não se tratava mais de cumprir ritos ou sacrifícios,. mas de fazer sacrifícios 
pessoais,. como o Cristo fez para salvar a humanidade: era preciso oferecer-se ao Deus. Surge uma 
fascinante e inesperada valorização do ser humano e um inédito pensamento do amor (FERRY; 
JEPHARGNON, 2011). 
Um dos motivos que se pode apontar para o pensamento cristãose estabelecer com sucesso 
é ter preenchido os vazios deixados pela insuficiência da filosofia grega em responder à questão 
da salvação. "A promessa cr
i
stã de salvação é muito superior à promessa da salvação filosófica, 
o que fez o cristianismo prosperar, exercendo uma tentação sobre os corações e não sobre as
mentes• (FERRY; JEPHARGNON, 2011, p. 97). 
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2.2 Filosofia cristã 
O desenvolvimento da chamada filosofia cristã acontece, portanto, num cenário de 
desfacelamento do Império Romano. A ascensão da Igreja assume papel religioso, econômico, 
social. A difusão do cristianismo ocorre na base da lógica de que a fé ê a fonte da verdade e que 
o importante ê a salvação da alma; para a vida eterna.
• Assim; no campo das investigações científico-filosóficas as possibilidades ficam bastante
limitadas. Acredita-se não ser necessário buscar a verdade, pois a verdade já foi revelada
por Deus.
• Trabalhando no limite do possível, os pensadores, a partir deste momento, passam a
buscar, demonstrar racionalmente as verdades da fê, quando muito.
• Alguns religiosos nem isso admitiam, pois a filosofia grega seria a porta para o pecado e
deveria ser evitada por completo, como os apologistas.
• Alguns filósofos buscaram conciliar fé e razão para tentar convencer os descrentes a
aceitar a fé pela razão.
37 
A filosofia cr
i
stã trata, então, de questões eminentemente teológicas como a trindade, a 
dualidade liberdade vers.us salvação, a relação entre fé e razão.
3 FILOSOFIA MEDIEVAL: PATRÍSTICA 
Agostinho de Hipona viveu de 354 a 430, já nos últimos anos de sobrevivência do Império 
Romano do Ocidente e seu pensamento se alinhava com a doutrina do neoplatonismo. Converteu­
se cristão aos 33 anos e acredrtou ter encontrado a verdade total, a libertação em Jesus Cristo. 
No entanto, não se desvinculou de sua corrente de pensamento neoplatônico,. o que resultou 
numa filosofia cristã feita através do neoplatonismo. Sua obra tem como objeto central o homem 
buscar a Deus dentro de si {GllSON, 1995). 
Podemos considerar, no neoplatonismo, as se.gui'ltes características fundamentais: a) Retomando
a visão dualista do mundo, proveniente de Platão, procura supe.rar esse dualismo através da afirmação 
de um radical monismo: a dualidade do real é vista como condição derivada de uma radical unidade
originária, na qual tende a ser reassumida. b) rnscreve..se no contexto cultural de angústia existencial, 
religiosidade e misticismo generaliiados, típico dos Últimos tempos da era pré-cristã e primei:ros 
da cristã, tendo·se configurado como filosofia reJigKlsa de tendência: mística e mesmo de cariz
soteriolôgico ou salvacionim. c) como tal, ao menos do ponto de vim cristão, representa, ao mesmo 
tempo, o derradeiro grande esforço e a impotência da razão pagã para encontrar, por si mesma, uma 
resposta satisfatória para os mais graves problemas que se apresentam ao ser humano, quais são os 
problemas do mal e do sofrimento, do pecado e da morte (COUTINHO, 2008, p. 28}.. 
3.1 Fé em busca da inteligência 
Sua filosofia busca usar a fé para levar mais longe a inteligência. ou seja. aceitar pela fé as 
verdades que Deus revela, para delas adquirir inteligência (fé em busca da inteligência). valeu­
se da máxima: "compreende para crer, crê para compreender". A obra Confissões narra sua luta 
pessoal e intelectual para alcançar o que chama de caminho do verdadeiro conhec
i
mento, ou 
seja, Deus. Não acredita na possibilidade de o homem chegar a conhecer a verdade absoluta, mas 
defende que a fé deve ser a solução para o ceticismo. Assim. toda a verdade revelada deve ser 
aceita com base na fé, pois não é possível ao homem investigar e descobrir nada nesse escopo. A 
verdadeira sabedoria está, portanto, na verdade revelada (MORRISON, 2012). 
As sensações são as ações que a alma exerce sobre o corpo e nos informam sobre objetos 
instáveis, contingentes (fatos). O conhecimento nos mostra a verdade, que é necessária, imutável 
e eterna (regras). Conhecer é apreender pelo pensamento um objeto que não muda. A alma já 
contém em si mesma conhecimentos desse gênero. Afirma que os objetos sensíveis não ensinam 
verdades, porque são instáveis; contingentes, o que demonstra sua desconfiança nos dados 
•
• 
38 
provenientes dos sentidos (BITTAR, 2010). 
A grande questão que coloca é "de onde vem o conhecimento?", se os sentidos não são 
confiáveis? 
• A contingencialidade humana faz com que não possamos também ser a fonte dos nossos
conhecimentos verdadeiros. Há
1 
no entanto, algo no homem que o excede,. que é a ver­
dade, "uma realidade puramente inteligívet necessária, imutável; eterna": Deus.
• Deus é o mestre interior que responde de dentro à razão que o consulta, é mais interior
a nós que o nosso próprio interior, é algo intimo e transcendente ao pensamento. Oca­
minho para Deus em Agostinho vai sempre do exterior para o interior e do interior para o
superior, pois Ele é uma realidade íntima e transcendente ao pensamento (BIITAR, 2010).
• Se tudo que é contingente é uma mistura de ser e não-ser (não-ser é o princípio de muta­
bilidade), Deus, então, é o ser por excelência, essência pura, imutabilidade pura. E se há
no homem algo mais profundo que o homem, que é Deus, nosso pensamento é memória
de Deus.
Na relação alma e corpo, o cristão afirma que o homem é a unidade da alma e do corpo, mas 
o filósofo recai na afirmação platônica de que o homem é uma alma que se serve de um corpo. A
alma é superior ao corpo e dele não sofre influência e se une ao corpo pela ação que exerce para 
vivificá-lo. 
Corpo 
O corpo do homem não é a prisão da alma, mas tomou-se a prisão da alma através do pecado 
original. Por isso o primeiro objeto da vida moral deve ser a libertação do pecado original. Os atos 
morais são exclus
i
vidade das criaturas raciona
i
s, que são livres, po
i
s atos morais dependem da 
razão. Então, erros morais são o mau uso do livre arbítrio. O livre arbítrio pode falhar, porque não 
é um bem absoluto; é a condição do maior dos bens, a beatitude, a felicidade, o querer apreender 
o soberano Bem. O pecado é culpa do homem, só do homem, pois ao pecar o homem preferiu em
vez de usar a liberdade para buscar o bem, desviar-se de Deus para a busca de coisas inferiores e
para desfrutar de si (BITTAR, 2010). 
Alma 
A alma foi criada para reger o corpo, mas no pecado é regida por ele e entra em decadência.
A alma só sai dessa decadência com a graça da Redenção, com o socorro divino, pois a alma não é
capaz de fazer o caminho de retorno sozinha. A graça coopera com o livre arbítrio, sem ela o livre
arbítrio pode errar (BITTAR, 2010). 
Tendo stdo criado por Deus, o homem depe.nde, em última instância, da graça de Deus. O homem 
pode optar pela prâtca do bem, mas não tem o poder espiritual de fazer o bem que escolheu. Ele 
precisa do auxílio da graça divina. Enquanto o mal é causado por um ato de livre-arbí1rio, a virtude é
39 
produto não da vontade humana, mas da graça de Deus. Enquanto a lei moral pode dar a impressão de 
dizer ao homem o que ele deve fazer, ao fim e ao cabo ela realmente lhe diz o que é errado que faça.
Onde a K'i impera, a fragilidade humana se vê mais exposta (MORRtsON, 2012, p.71). 
Para fazer o bem ê preciso a graça (dom de Deus) e o livre arbitrio. A liberdade ê o poder 
de utilizar corretamente o livre arbítrio. Assim, o homem que é mais dominado pela graça de 
Deus, será o homem mais livre. A liberdade plena não nos é acessível nessa vida, mas a busca,. a
aproximação da liberdade plena é o meio de obtê-la após a morte (BITTAR, 2010). 
A obra A Cidade de Deus se fez necessária para que Agostinho pudesse justificar o cristianismo 
perante o povo romano,. uma vez que surgiram acusações de que a ruína de Roma teria sido 
causada pela recusa cristã de manter as oferendas aos deu.ses da cidade, considerados pagãos, e
que por isso a cidade teria ficado desprotegida. Disso surgea indagação central: por que o novo 
Deus cristão não salvou Roma? (MORRISON, 2012) 
Os homens que amam a Deus são unidos a Ele pelo amor que tem por Ele e entre si por 
esse amor em comum. Um povo é um conjunto de homens unidos na busca pelo amor de um 
mesmo bem. Hâ povos temporais unidos na busca por bens temporais e os cristãos vivem na
terra no meio desses povos (Cidade dos Homens). O povo formado pelos cristãos em busca da 
mesma beatitude, sejam de que cidade temporal forem,. é a Cidade de Deus. As duas cidades 
estão misturadas na terra, mas serão separadas no juízo final. 
A criação da Cidade de Deus iniciou-se progressivamente desde a criação do mundo. O livro A 
Cidade de Deus é uma construção teológica dessa história que vai desde a criação do mundo até 
o dia em que as cidades serão separadas.
O mistério que atravessa essa história é a caridade divina atuando para restaurar a criação 
divina que foi degradada pelo pecado. Porque uns se salvam e outros não
,. 
é um segredo de Deus. 
Como Agostinho foi levado a pensar sobre o valor de uma sociedade terrena em virtude da 
ruína do Império Romano, sua argumentação acaba por retirar o valor em si da vida na terra,. que 
pode ser vista como sendo apenas um meio de se obter a liberdade apôs a morte (BIITAR, 2010). 
•
• 
40 
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3.2 Jusnaturalismo 
A definição de justiça de Agostinho é jusnaturalista: "disposição do espírito, que respeitando 
a utilidade comum, que atribui a cada um seu valor" e que tem sua origem na natureza. Direito 
natural é fruto de uma força inata. Lex temporali.s ê a lei positiva; Lex aeterna é a eterna, da razão 
suprema; Lex naturalis é a natural,. racional (BITTAR
,. 
2010, p. 215). 
FIQUE DE OLHO 
Agostinho aceita a fórmula da justiça como a virtude de dar a cada um o que lhe é devido, 
o que implica uma dificuldade de definição a respeito do que é o devido a alguém, pois
poderia levar à conclusão de que o conteúdo e a definição do que é justiça pode variar
tanto quanto for o número de sociedades existentes. Desse modo, o que é justo em uma
cidade poderia ser, ao mesmo tempo, injusto em outra. E assim justo e injusto existiriam
simultaneamente, violando a lógica da não-contradição {MORRJSON, 2012).
Por isso a justiça em Agostinho é justiça humana ou justiça dWina. 
• Justiça humana
É a que se realiza entre os homens e é imperfeita, pois ê feita pelos homens
,. 
cuja natureza 
está corrompida. 
• Justiça divina
É a que tudo governa e preexiste no céu; é absoluta, imutável, perfeita, infalível, infinitamente 
41 
boa e justa. Deus produz nos homens a lei através da justiça divina, então,. nessa medida, pode-se 
até afirmar que a lei dos homens também é divina (naquilo em que não se corrompeu). 
Justiça humana e justiça divina nem sempre coincidem e muitas vezes o que é uma 
transgressão para uma, é indiferente para a outra. No entanto, não é considerada lei a que não 
é justa, a lei só é lei se for justa. O direito não pode se dissociar da justiça, ou será uma mera
instituição humana e que não pode ser chamado de direito. Justiça tem a ver com a ordem: da 
razão sobre as paixões, das virtudes sobre os vícios, de Deus sobre o homem (BITIAR, 2010). 
Se as lei.s do Estado não estiverem em harmonia com o direito e a justiça naturais, não terão o 
caráter de verdadeiras leis nem haverá, no caso, um Est.ado verdadeiro. Uma vez que ele definia uma 
comunidade como um Estado do povo, "não haverá povo se es1e não estiwr unido por um consenso do 
direi1o; 1ampouco haverá direito que não es1eja foodamen1ado na justiça. Segue-se daí que não onde 
não houver justiça, não haverá comunidade.." Desse modo, San10 Agostinho parece 1er encon1tado 
sua respos1a para a questão de um concei10 crítico e investigativo para investigar a ordem juridica 
conwnóonal. A ordem jurídica deve ter uma base, e e.s.sa base não pode ser o processo em si; a 
mera criação do direito atraWs dos órgãos do Estado não pode s
i
gnificar que eles sejam justos. Essa
qualidade de jus1a deve vir de algum outro alo: aqui, está em conformidade com a origem última da 
verdade, a vontade de Deus (MORRISON, 2012, p.73).
4 FILOSOFIA MEDIEVAL: ESCOLÁSTICA 
A escolástica é a produção filosófica que surge no ambiente cultural das escolas e das primeiras 
universidades,. a partir do século IX,. no contexto político do Império carolíngio, em que o rei carlos 
Magno promoveu uma verdadeira renascença cultural estimulando as artes e a educação. Houve 
uma retomada do período clássico e a educação romana foi usada como modelo na adoção das
matérias lecionadas. O trivium era composto de gramática, retórica e dialética; o quadrivium 
era composto de geometria, aritmética, astronomia e música. As traduções e comentários da 
obra de Aristóteles feitos pelos árabes,. especialmente Avicena e Averróis; permitiram que seu 
pensamento fosse drfundido na Europa, influenciando profundamente o pensamento escolástico 
(COTRIM, 2001). 
A busca de conciliação entre razão e fé pers.iste durante o período escolástico, que pode ser 
dividido em três fases. Na primeira delas os pensadores demonstram confiança na existência 
de uma harmonia perfeita entre fé e razão, entre os séculos IX e XII; na segunda delas, temos a 
elaboração de grandes sistemas filosóficos em que se postula a possibilidade de uma harmonia
parc
i
al entre fé e razão, entre os séculos XIII e XIV; na terceira fase encontramos a decadência da 
escolástica e a aceitação das diferenças fundamentais entre fé e razão (COTRIM, 2001). 
4.1 Tomás de Aquino 
O principal expoente da escolástica é Tomás de Aquino, que viveu de 1225 a 1274 e tem
•
• 
42 
uma obra que conjuga cristianismo e aristotelismo. Existem murtas discussões a respeito da 
originalidade da obra de Tomás de Aquino frente à de Aristóteles, alguns dizendo que se trata de 
mera repetição; outros defendendo que, pelo contrário, existe continuidade e inovação. Étienne 
Gilson afirma que 
se se trata de física, de fisiologia ou dos meteoros, santo Tomás é apenas aluno de Aristóteles; 
mas se se trata de Deus, da gênese das coisas e de seu retorno ao criador, santo Tomás é ele mesmo 
(GILSON, 1995, p.657). 
Direito e justiça têm lugar especial em sua obra, sendo abordados como parte do conjunto de 
interesses dos homens. Ajustiça em Tomás de Aquino deve ser estudada sob o ponto de vista da
ação humana, da práxis, da virtude de dar a cada um o que é devido (BITTAR, 2010). 
Figura 1- Tomás de Aquino é o principal expoente da escolástica 
Fonte: Adam Jan Figel, Shutterstock, 2020. 
#ParaCegoVer: A imagem é uma pintura de Tomás de Aquino, feita por Abraham Van 
Oiepenbeek, pintor que viveu de 1596 a 1675. 
O homem na concepção tomista é composto de corpo (que é corruptível, material e mortal) 
e alma (que é incorruptívet imaterial e imortal). Esse homem é dotado de faculdades, que ele
classifica em vegetativas, sensitivas e intelectuais. A faculdade vegetativa exerce as atividades das 
quais desconhece forma e fim, são tarefas fisiológicas. A faculdade sensitiva executa e aprende a 
forma do agir. Já a faculdade intelectuat sobrevive, executa atividades e ainda apreende a forma
43 
e o fim de suas ações. É a faculdade intelectual que diferencia o homem dos outros seres dotados
de alma (BITTAR, 2010). 
O conceito cristão tomista de indivíduo aparece, assim, como o de 
um ser dividtdo de todos os outros seres e, por sua vez, não divisível em outros seres. Portanto, ele 
ê bem d"iferente sob esse aspecto, de uma espécie, por que, se é verdade que a espéóe é formalmente 
distinta de qualquer outra espécie, ela pode, porém, ser dividida numa pluralidade de indivíduos 
distintos sem perder sua natureza. A humanidade existe em cada homem, e é indusive porque há 
homens que a espéóe humana existe. um homem, ao contrário, é distinto de todo outro homem e 
não se poderia d:ividi-lo em vários sem o destruir; é por isso que o chamamosde 'ind
i
viduo' (GILSON, 
2006, p.265). 
Essa individuação contribui para a valorização do homem enquanto ser original, para a 
construção de uma ideia de dignidade única e própria a cada ser humano,. que será completada 
apenas no século XVIII por Kant. O homem é
,. 
portanto,. ao mesmo tempo um animal racional,.
como na concepção clássica, um ser composto por corpo e espírito, como na concepção 
neoplatônica e uma criatura feita à imagem e semelhança de Deus, como na bíblia (SALGADO,. 
2011}. A construção cristã de que o homem não ê nem apenas alma, nem apenas corpo
,. mas uma 
composição necessária e única dos do
i
s será fundamental para o conceito de dignidade humana. 
O conhecimento se constrói a partir da experiência sensível com as coisas, pois para a 
escolástica nada está no intelecto que primeiro não tenha passado pelos sentidos. Assim, as 
sensações usam a razão como ponto de apoio para construir o conhecimento e com o uso racional 
das experiências ê possível ao homem discernir entre fins desejáveis e não desejáveis e eleger os 
meios para alcançá-los. O ato de conhecer consiste, para o homem, em depreender das coisas
aquilo que nelas existe de universal. O que o intelecto vai buscar dentre os bens disponiveis para
conhecer é o bem em si, de que os bens particulares participam. Assim, a liberdade em perleição 
aconteceria nesse mundo se o intelecto humano fosse capaz de conhecer o Soberano Bem, que 
não nos é alcançável. 
Então, 
somos, pois, reduzidos a procurar determinar, por um esforço incessantemente renovado do 
intelecto, entre os bens que se nos oferecem, os que se ligam ao Soberano &em por uma conexão 
necessária. E é nisso, peJo menos ne.ste mt.ndo, que consi.ste nossa liberdade. Pois que a mutável
adesão ao soberano &em nos é recusada, nossa vontade só tem de optar entre os bens particulares; 
logo, ela sempre pode querê·los ou não os querer, e querer este em vez daquele (GtLSON, 1995, p.669). 
Deus deu ao homem a liberdade de ser, agir, dec
i
dir: a vontade existe no homem para que 
ele possa escolher o caminho para realizar o bem. A liberdade consiste jus.tamente em poder 
escolher dentre os inúmeros valores que se apresentam como caminhos.. A atividade ética é
exatamente a de discernir mal e bem e buscar o bem. Na ética do coletivo, Tomás de Aquino 
•
• 
44 
segue o aristotelismo: a ética deve presidir o convívio social, a autoridade dirigente da sociedade 
deve ser prudente na busca do bem comum. 
A ética incide sobre o agir, sobre a razão prática, o que Tomás de Aqujoo denomina sinderese: 
conjunto de conhecimentos conquistados a partir da experiência habitual, com base nos quais 
se podem construir conceitos sobre o que é bom e mau, justo e injusto. No dicionário comum
sinderese significa estado de contrição; remorso; discrição; bom senso; faculdade de julgar
corretamente. No sentido tomista, a sinderese atua para que o homem encontre o caminho do 
bem (o bem é o que a todos agrada). A grande dificuldade é identificar o bem e distingui-lo do 
bem aparente, pois o mal tem aparência de bem, embora seja a privação do bem, um estado de 
ignorância do bem. As experiências sinderéticas vão formar um conjunto de prinápios e conceitos 
que permitem a tomada de decisões de acordo com hábitos, ou seja, os hábitos não são inatos e
sim conquistados pela experiência (BIITAR, 2010). 
4.2 A virtude da justiça 
O prinápio da razão prática de fazer o bem e evitar o mal será o pano de fundo da teoria 
tomista da justiça. O homem, guiando-se pelos princípios que extrai da experiência, forma sua 
lei naturat seu hábito interior. Essa lei natural é racional (vem da razão prática e sinderética); 
rudimentar (não corresponde à totalidade do direito); insuficiente e incompleta (necessita de 
uma lei humana positiva para efetiva r -se). A justiça na sociedade precisa surgir porque essa lei 
natural do homem, ética, não basta para regular o comportamento em sociedade. A justiça é uma 
virtude (meio termo entre um excesso e uma carência) que traduz o dever de dar a cada um o que 
é seu, numa relação de igualdade entre pessoas {BITTAR, 2010). 
Porém, é necessário explicar o que é próprio de cada um: cada um possui uma medida e nem 
todos são materialmente iguais. A justiça é um hábito, uma prática, não tem a ver com paixões 
interiores e sim com a exteriorização de um comportamento de dar a cada um o que é seu. A 
justiça cuida da conduta exterior do homem enquanto as outras virtudes cuidam da conduta 
interior (alteridade). 
• Ajustiça é a maior das virtudes e o direito é a busca da sua realização. Ajustiça é uma
virtude que supõe uma relação com outrem, ao contrário das outras virtudes, que aper­
feiçoam o homem em seu interior.
• Ajustiça implica igualdade, pois No que se iguala se ajusta". A virtude da justiça é pratica­
da em relação ao outro, enquanto toda.s. as outras v
i
rtudes afetam diretamente apena.s.
ao próprio agente.
• O estudo da justiça vem do estudo da Lex, termo que tem 3 acepções: divina, natural e
humana.
• A lei eterna é aquela que tudo ordena, rege a ordem universal, está em tudo.
45 
• A lei natural é a que é comum a homens e animais, uma participação rac
i
onal na lei
eterna, a natureza retrata em parte leis divinas, na natureza residem princíp
i
os de justiça
natural.
• A lei humana é uma convenção dos homens,. relativa e contingente, que deve procurar
refletir o conteúdo das leis eterna e natural, é a concretização da lei natural (BITTAR,
2010).
As criaturas participam da lei eterna segundo sua intelectualidade, segundo a perleição 
de sua natureza e pela dignidade de seu fim. A lei eterna age nas criaturas de acordo com a 
finalidade de cada espécie, de maneira que os seres irrac
i
onais apenas servem aos seres racionais.
O jusnaturalismo tomista prega uma justiça variável e contingente como a razão humana. A 
positivação do que é contrário à lei natural é um direito injusto e ilegítimo. Os conceitos de justiça 
podem ser vários, existem várias justiças, porque o que é devido a cada um é muito específico. 
Temos, assim, a justiça comutativa, para as relações entre indivíduos particulares, em 
condição de igualdade; e a justiça distributiva, para relações entre Estado e indivíduos, ou seja, a 
relação da parte com o todo, atribuindo a cada parte o que lhe é devido a partir da participação,.
capacidade ou mérito em sua atuação na sociedade. (BITTAR, 2010:259) 
Na Suma Teológica,. a justiça é definida como "o hábitus,. pelo qual, com vontade constante e
perpétua, se dâ a cada um o seu direito" (li, Q. 58, a. 1, rep.) ou, ainda,. "o ato de justiça consiste 
precisamente em dar a cada um o que é seu
n (11, q. 58, a. 11, rep.).
A alteridade ê necessária no ato de justiça porque a justiça existe para retificar atos humanos, 
então, em seu conceito mesmo a justiça implica a relação com outrem, "po
i
s nada ê igual a si 
mesmo, mas a um outron. 
5 FILOSOFIA MEDIEVAL: MÍSTICA E A QUESTÃO 
TEOLÓGICA 
O traço que marca a produção filosófica medieval ê a permanente discussão a respeito 
da relação entre razão e fé. Isso faz com que os contornos do pensamento medieval sejam, 
naturalmente, permeados pela teologia. O estudo dos pensadores do período nos faz perceber
que existe uma forte conexão entre teologia e filosofia
,. 
existindo, de certo modo
,. 
até mesmo 
uma submissão da filosofia à teologia. Essa submissão terá fim com a Modernidade, que separa 
definitivamente os dois campos de estudos, proporcionando autonomia a ambos. Paralelamente 
a isso, como reação ao caráter racionalista que a escolástica começou a assumir, encontramos 
o fortalecimento de manifestações de pensadores que podem ser agrupados dentro do que
chamamos de mística cristã, movimento que se inicia na Idade Média e cujo período de ouro dura 
até o século XVII, embora não tenhamos espaço aqui para abordá-lo em sua totalidade. 
•
• 
46 
5.1 Mística cristã 
A palavra "misticaN sofreu certa

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