Buscar

Resenha_A Falsa Dicotomia Estado x Mercado

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Economia e Relações Internacionais
Curso de Graduação em Relações Internacionais
Disciplina Estado e Economia
Prof. Dr. José Rubens Damas Garlipp
Aluna: Beatriz Guilherme Carvalho
Nº de matrícula: 11711RIT006
Resenha:
A Falsa Dicotomia Estado x Mercado
	A dicotomia entre Estado e mercado indica que ambos são vistos como instituições em separado, de modo que um não influencia no funcionamento do outro. No entanto, a falseabilidade dessa ideia está no fato de que existe uma relação simbiótica entre Estado e mercado, no sentido de que aquele dá sustentação para este. Em outras palavras, a agenda política possui uma orientação econômica, a qual pode ser pensada associada aos interesses da burguesia interna que se coloca como bloco no poder, conforme a teoria do Estado capitalista de Poulantzas. Mas, ainda cabe aqui explicar por que tal dicotomia é falsa.
	O austríaco Karl Polanyi (1886-1964) compreende que as relações mercantis se generalizam e transcendem o espaço do intercâmbio. Dessa forma, existiria, como propôs John Locke, uma exacerbação dos imperativos econômicos sobre o nível de sociabilidade humana. Nesse sentido, a esfera econômica pretende-se autônoma e superior às demais esferas (política e social), através da separação entre sociedade e economia pelo mercado autorregulado. Neste, terra, trabalho e dinheiro são as mercadorias, cujo fluxo é orientado pela lógica natural da oferta e da demanda (lei de Say). Entretanto, na visão de Polanyi, não há naturalidade no surgimento desse ordenamento; pelo contrário, a lei da oferta e da demanda é uma construção social. Diante disso, pode-se dizer que o princípio liberal do laissez-faire não é fruto de uma ordem natural, mas sim de uma intervenção sistemática do Estado que possibilitou a institucionalização de uma mentalidade mercadológica na sociedade.
	A sociedade de mercado é, por assim dizer, uma utopia liberal. Nessa corrente de pensamento (liberalismo), o indivíduo está no centro e é visto como um homem econômico. Essa é a perspectiva de Jeremy Bentham acerca da racionalidade humana: instrumental, isto é, baseada na primazia da eficácia (maximização dos ganhos mediante o menor esforço). Logo, os homens são guiados por seus auto-interesses, os quais, em última instância, conduzem ao bem estar coletivo. Dessa forma, há a transferência ao indivíduo da garantia de seu próprio bem estar, de modo que o Estado perde a sua orientação social e passa a garantir as condições individuais para acumulação. 
Nessa noção está a principal crítica de Polanyi à sociedade de mercado: este movimento do auto-interesse ao bem estar coletivo não é natural. É essa mentalidade parcimoniosa e amplamente econômica que aniquila a substância humana: a sua liberdade. Muito embora o Estado garanta as condições para a acumulação, existe uma oposição entre essa capacidade e a situação de pobreza, em razão do caráter despótico do capital sobre o trabalho. Aqueles que são detentores da força de trabalho não se encontram nas mesmas circunstâncias daqueles que detêm os meios de produção e que, muitas vezes, possuem influência na orientação da agenda política. Logo, a liberdade torna-se inalcançável.
É nesta última afirmação que se encontra o problema central na obra “A Grande Transformação” (1944) de Polanyi. Para ele, a liberdade é coibida uma vez que a sociedade se sobrepõe a e limita o indivíduo. Este fenômeno tem origem nas grandes guerras mundiais, sobretudo na primeira, quando se encerra o predomínio do mercado autorregulado. Em seguida, a crise dos anos 1930 evidencia a incapacidade do Estado em contê-la. E, por fim, a Segunda Guerra que demonstra a inviabilidade da sociedade de mercado na manutenção da ordem e da paz mundiais. Sob essa ótica, o predomínio do mercado foi responsável pela destruição de Estados por meio da guerra, pela desarticulação social, pela depressão econômica, por flutuações cambiais e por desemprego em massa. Mas a derrocada da ordem liberal abriu espaço para a “grande transformação”: o surgimento do socialismo, do fascismo e até mesmo do Estado de Bem Estar Social, enquanto novas formas de organização social. 
Se, por um lado, a intervenção do Estado no mercado é o que sustenta o liberalismo, por outro, é também o que anula os direitos individuais do homem. Diante disso, existe uma incompatibilidade entre a ordem liberal e as instituições democráticas. Na medida em que se desfaz a orientação social da agenda política, estabelecem-se condições desiguais para atingimento da liberdade individual e garantia de direitos humanos. Os governos autoritários restringem os direitos individuais, ao passo que a agenda inclinada ao mercado (market-friendly) defende a austeridade fiscal e o controle da inflação, restringindo os gastos para serviços públicos e, consequentemente, os direitos individuais. 
Se colocada no contexto dos anos 1940, a obra de Polanyi mostra-se pertinente, tendo em vista seu ponto de partida e a realização de suas ideias nos anos que se seguiram. No entanto, em relação ao panorama atual, seu pensamento parece errado, uma vez que, desde os últimos trinta anos, assiste-se ao retorno à sociedade de mercado, em termos de mentalidade e institucionalidades. A ordem liberal retorna à agenda de política macroeconômica, pela qual a solução às crises econômicas seriam solucionadas por práticas de austeridade que viabilizem o investimento privado em prol do bem coletivo. Sobre essa separação de funções entre setor público e setor privado, a economista Mariana Mazzucato tece suas críticas. Para ela, o Estado deve agir como empreendedor, investindo e inovando economicamente.
Mazzucato demonstra em seus estudos como o setor público esteve presente financeiramente e criativamente nas principais inovações tecnológicas que emergiram do setor privado nos Estados Unidos. Ela apresenta também dados acerca dos gastos públicos nos Estados que compõem o núcleo orgânico da economia mundial, como Reino Unido, Alemanha e China. Esses países atingiram o ápice de seus desenvolvimentos econômicos com base numa intervenção sistemática do Estado no setor econômica, via investimentos. Entretanto, são estes mesmos países que compõem o núcleo orgânico das normas internacionais e que impõem um modelo de desenvolvimento liberal (oposto às práticas que realizaram). Esta ordem retorna à agenda dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em razão da dinâmica desigual da economia global.
Referências:
GARLIPP, José Rubens. Contribuições de Karl Polanyi para a reconstrução do pensamento econômico contemporâneo. In: V Ciclo de Estudos: Repensando os Clássicos da Economia. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 2019. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/evento/repensando-economia-v>. 
GARLIPP, José Rubens. Estado e Economia: Resgate teórico‐histórico: Revisão das principais formulações teóricas acerca da natureza do Estado. 23 de out.-18 de dez. de 2020. Notas de Aula.
MAZZUCATO, Mariana. 2014. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor
privado. São Paulo: Portfolio‐Penguin.
POLANYI, Karl. 1944. A Grande Transformação. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2002.