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1 FACULDADE DE MEDICINA MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA ASSOCIAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO SOMÁTICO E O ESTADO NUTRICIONAL EM CRIANÇAS DOS 6 AOS 10 ANOS DE IDADE DO DISTRITO DE MOAMBA José Luís Sousa Manjate Versão final MAPUTO DEZEMBRO DE 2018 2 FACULDADE DE MEDICINA MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA ASSOCIAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO SOMÁTICO E O ESTADO NUTRICIONAL EM CRIANÇAS DOS 6 AOS 10 ANOS DE IDADE DO DISTRITO DE MOAMBA José Luís Sousa Manjate JÚRI Arguente: Dra Iolanda Cavaleiro Tinga, Msc. Presidente: Dra Beatriz Manuel Chongo, MD, Msc. Supervisor: Prof. Doutor Leonardo Lúcio Nhantumbo, Ph.D Co-Supervisor: Prof. Doutor Gerito Augusto, MDV, Ph.D MAPUTO DEZEMBRO DE 2018 Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, como parte dos requisitos para a obtenção do Grau de Mestre em Saúde Pública, com orientação à Promoção de Saúde, Prevenção e Controlo de Doenças. 3 Declaração de Originalidade do Trabalho Declaro que esta dissertação nunca foi apresentada para a obtenção de qualquer grau ou num outro âmbito e que ela constitui o resultado do meu labor individual. Esta dissertação é apresentada em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública da Universidade Eduardo Mondlane. Maputo, Dezembro de 2018 (José Luís Sousa Manjate) 4 Dedicatória Este trabalho é dedicado aos meus “miúdos” (Dell e Fadjú), à mãe (minha esposa) e a dona Odete (minha mãe) pela paciência e compreensão durante muitas noites e dias de ausência e falta de atenção. 5 Agradecimentos Ao meu supervisor e eterno Professor, Prof. Doutor Leonardo Lúcio Nhantumbo pela oportunidade de aprendizagem, pela confiança, incentivo e ideias de construção de uma pessoa com perfil académico e sempre preocupado em formular e resolver problemas científicos, como também, pelo lado humano e imensurável carisma. Ao Prof. Doutor Gerito Augusto, meu co-supervisor, pelo incentivo e apoio técnico na concepção do projecto de investigação e pela convivência afável que temos tido; Ao Prof. Doutor Timóteo Daca, pelo suporte técnico e concessão de material para recolha de dados; Ao Núcleo de Investigação em Actividade Física e Saúde (NIAFS), pelo acolhimento e suporte material para recolha de dados; À minha família, em especial a minha esposa, mãe e filhos que durante a formação tiveram momentos de privação de convivência familiar e mesmo assim aceitaram pacificamente os meus propósitos; Aos meus “irmãos” e colaboradores na recolha de dados, nomeadamente Mauro Singa, António Mondlane e Timóteo Ngomane; À minha Directora nos SDEJT da Moamba, a dra Carménia Canda, pela abertura para que eu pudesse continuar a estudar e sobretudo pelo genial lado humano que ostenta; Aos meus amigos e irmãos de caminhada, Félix Chavane, Moséstia Machava, Hélio Martins e Luísa Huo, pelos momentos de troca de experiências e discussões acesas sobre diferentes temáticas no campo científico; À Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Medicina, UEM; Ao Departamento de Saúde da Comunidade; À coordenação do curso de Mestrado em Saúde Pública e a todos os professores do Mestrado pela oportunidade de aprendizagem; Aos meus colegas do Mestrado 2017-2018; Às crianças do Distrito de Moamba e seus encarregados de educação; A todos Muito Obrigado! 6 Índice Declaração de Originalidade do Trabalho .............................................................................. 3 Dedicatória ................................................................................................................................. 4 Agradecimentos ......................................................................................................................... 5 Resumo ....................................................................................................................................... 8 Abstract ...................................................................................................................................... 9 Lista de Tabelas ....................................................................................................................... 10 Lista de Figuras ....................................................................................................................... 11 Lista de Abreviaturas e Siglas ................................................................................................ 12 1. Introdução (Motivação) .................................................................................................. 13 1.1. Objectivos ................................................................................................................... 14 1.1.1. Objectivo Geral .................................................................................................. 14 1.1.2. Objectivos específicos ............................................................................................ 14 1.2. Contribuição ................................................................................................................ 15 1.3. Problema ..................................................................................................................... 15 1.4. Hipóteses ..................................................................................................................... 17 2. Revisão Bibliográfica ....................................................................................................... 18 2.1. Crescimento Somático ................................................................................................ 18 2.2. Determinantes do Crescimento ................................................................................... 19 2.2.1. Factores Biológicos do Crescimento .......................................................................... 20 2.2.2. Factores Ambientais do Crescimento ......................................................................... 21 2.2.3. Aspectos Socioeconómicos no Crescimento Somático .................................... 21 2.2.4. Aspectos Étnicos no Crescimento Somático .................................................... 22 2.2.5. Aspectos Nutricionais no Crescimento Somático ........................................... 23 2.3. Padrão do Crescimento Somático ............................................................................... 24 2.4. Factores Hormonais do Crescimento Somático .......................................................... 26 2.5. Avaliação do Crescimento Somático .......................................................................... 26 2.6. Indicadores do Crescimento Somático........................................................................ 27 2.7. Classificação do Crescimento Somático ..................................................................... 28 2.8. Estado Nutricional ...................................................................................................... 32 2.9. Antropometria na Avaliação do Estado Nutricional ................................................... 35 2.10. Composição Corporal na Avaliação do Estado Nutricional ....................................... 36 2.11. Métodos de Avaliação da Composição Corporal ........................................................ 37 2.11.1. Método de Avaliação Directa ............................................................................ 37 7 2.11.2. Método de Avaliação Indirecta e Duplamente Indirecta .................................. 37 2.12. Antropometria na Avaliação da Composição Corporal ..............................................37 2.12.1. Medidas das Pregas de Adiposidade Subcutânea .............................................. 38 2.12.2. Índice de Massa Corporal na Avaliação da Composição Corporal .................. 40 2.12.3. Medida das Circunferências Corporais ............................................................. 41 2.12.4. Pesagem Hidrostática ........................................................................................ 41 2.13. Análise da Bioimpedância Eléctrica ........................................................................... 41 2.14. Crescimento Somático e Estado Nutricional em África e Moçambique .................... 42 3. Enquadramento Conceptual do Crescimento Somático e Estado Nutricional .......... 44 4. Metodologia ...................................................................................................................... 45 4.1. Área e População de Estudo ....................................................................................... 45 4.2. Amostragem e Tamanho da Amostra ......................................................................... 45 4.3. Desenho do Estudo ..................................................................................................... 46 4.4. Variáveis ..................................................................................................................... 47 4.4.1. Antropometria ................................................................................................... 47 4.4.2. Procedimentos Estatísticos ................................................................................ 47 Tabela 6: Plano de Gestão e Análise de Dados ................................................................ 48 4.5. Limitações do Estudo .................................................................................................. 49 4.6. Considerações Éticas .................................................................................................. 49 5. Resultados e Discussão .................................................................................................... 51 6. Conclusões e Recomendações ......................................................................................... 61 6.1. Conclusões .................................................................................................................. 61 6.2. Recomendações........................................................................................................... 62 7. Referências Bibliográficas .............................................................................................. 63 Apêndices e Anexos Apêndice 1: Ficha de Recolha de Dados Apêndice 2: Termo de Consentimento Informado Apêndice 3: Declaração de Consentimento Informado Anexo A: Carta de Autorização para Realização do Estudo do SDEJT de Moamba Anexo B: Carta de Aprovação do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane Anexo C: Certificado de Autorização do Estudo do Comité Interdisciplinar de Bioética em Saúde da Faculdade de Medicina/Hospital Central Anexo D: Carta de cobertura da Faculdade de Medicina 8 Resumo Introdução: o crescimento, maturação e desenvolvimento estão directamente relacionados ao óptimo estado nutricional. Crianças malnutridas podem ter o crescimento comprometido e menor desenvolvimento intelectual, para além de agregar factores importantes para morbimortalidade. Objectivo: averiguar a associação entre o crescimento somático e o estado nutricional em crianças de ambos sexos. Metodologia: foram aferidas, transversalmente, medidas antropométricas referentes ao crescimento somático e estado nutricional, de acordo com a padronização descrita por Lohman (1988). 386 crianças do Distrito de Moamba foram seleccionadas aleatoriamente, em Junho de 2018, das quais 203 raparigas e 183 rapazes de 6 a 10 anos. Estatística descritiva foi usada para descrever os principais indicadores, para além de se testar hipóteses de associação a um nível de significância de 5%. Os dados foram analisados no SPSS 22.0. Resultados: no geral, os dados indicam que os rapazes apresentam valores médios de peso, altura e Índice de Massa Corporal (IMC) ligeiramente acima dos indivíduos do sexo feminino (peso 24,3±5,54 e 23,6±4,79; altura 1,25±0,09 e 1,24±0,08 e IMC 15,4±1,63 e 15,20±1,61), todos indicadores mostraram semelhanças entre os sexos. De outro lado, foi evidente o efeito da idade sobre todos os indicadores, porém o sexo só tem influência sobre os indicadores do crescimento somático. Foram classificados indivíduos abaixo do percentil 3, sobretudo aqueles com 6 anos de idade. A correlação entre o crescimento e o estado nutricional mostrou-se forte (altura: r2 = 0.836; p <0.001), moderada (peso: r2 = 0.753; p <0.001) e fraca (IMC: r2 = 0.403; p <0.001), porém significativa. Conclusões: os rapazes são mais altos e pesados que as meninas, porém há indivíduos abaixo do percentil 3 e entre este e o percentil 50, clamando por intervenções atempadas. Palavras – Chave: Estado Nutricional; Crescimento Somático, Crianças, Antropometria, Distrito de Moamba 9 Abstract Introduction: Growth, maturation and development are directly related to optimum nutritional status. Poorly nourished children may have compromised growth and lower intellectual development, in addition to aggregate important factors to morbidity and mortality. Objective: To investigate the association between somatic growth and nutritional status in children of both sexes. Methodology: Anthropometric measurements were made transversely regarding somatic growth and nutritional status, according to the standardization described by Lohman (1988). 386 children from Moamba Distrit were randomly selected in June 2018, of which 203 girls and 183 boys from 6 to 10 years of age. Descriptive statistics was used to describe main indicators, in addition to testing hypotheses of association at a significance level of 5%. Data were analyzed in SPSS 22.0. Results: Overall, the data indicate that boys presented mean values of weight, height and Body Mass Index (BMI) slightly above the female subjects (weight 24.3 ± 5.54 and 23.6 ± 4.79, height 1.25 ± 0 , 09 and 1.24 ± 0.08, and BMI 15.4 ± 1.63 and 15.20 ± 1.61), all indicators showed similarities between both. On the other hand, the effect of age was evident on all indicators, but sex only has influence on somatic growth indicators. Individuals were classified below the 3rd percentile, especially those with 6 years of age. Correlation between growth and nutritional status was strong (height: r2 = 0.836; p <0.001), moderate (weight: r2 = 0.753; p <0.001 and weak (BMI: r2 = 0.403; p <0.001) but significant. Conclusions: Boys are taller and heavier than girls, but there are individuals below the 3rd percentile and between this and the 50th percentile, calling for timely interventions. Key - Words: Nutritional Status; Somatic Growth, Children, Anthropometry, Moamba District. 10 Lista de Tabelas No de Tabela Descrição Tabela 1 Valores críticos para classificação do crescimento em função da estatura para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. Tabela 2 Valores críticos para classificação do crescimento em função do peso para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. Tabela 3 Valores críticos para classificação do crescimento em função do IMC para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. Tabela 4 Distribuição da amostra tendo como base a idade e o sexo. Tabela 5 Plano de Aestão e Análise de Dados Tabela 6 Distribuição da amostra por sexo e idade Tabela 7 Valores descritivos de altura, peso e IMC da globalidade da amostra em função do sexo (valor mínimo, máximo e média ± desvio-padrão). Tabela 8 Resultados do T-Test de medidas independentes resultantes da comparação da idade, peso, altura e IMCem função do sexo dos sujeitos amostrados em Moamba. Tabela 9 Valores descritivos de altura, peso e IMC da amostra em função do sexo e idade (média ± desvio-padrão) e valores de ANOVA II resultantes da comparação das médias entre os sexos em função da idade. Tabela 10 Resultados da análise de proporções da avaliação do crescimento somático e do estado nutricional da amostra em função do sexo Tabela 11 Resultados da correlação entre os indicadores do crescimento somático e do estado nutricional das crianças amostradas de ambos os sexos em função da idade 11 Lista de Figuras No de Figura Descrição Figura 1 Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador estatura em função da idade para crianças dos 5 aos 10 anos de idade do sexo feminino e masculino Figura 2 Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador peso em função da idade para crianças dos 5 aos 10 anos de idade do sexo masculino e feminino Figura 3 Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador IMC em função da idade para crianças dos 5 aos 19 anos de idade do sexo feminino e masculino Figura 4 Diagrama referente a dimensão biológica do conceito do Estado Nutricional Figura 5 Diagrama referente ao enquadramento conceptual da relação entre o crescimento somático e o estado nutricional Figura 6 Ilustração gráfica do comportamento dos valores médios do peso em função do sexo e idade Figura 7 Ilustração gráfica do comportamento dos valores médios da altura em função do sexo e idade Figura 8 Ilustração gráfica do comportamento dos valores médios do IMC em função do sexo e idade 12 Lista de Abreviaturas e acrónimos Abreviatura/Sigla Significado BMI Body Mass Index CC Composição Corporal CDC Center For Disease Control Cm Centímetros DEXA Densitometria Radiológica de Dupla Energia ESAN Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional GH Growth Hormone IDS Inquérito Demográfico e de Saúde IMC Índice de Massa Corporal INE Instituto Nacional de Estatística kg Quilograma m Metros MG Massa Gorda MISAU Ministério da Saúde de Moçambique MLG Massa Livre de Gordura NCHS National Center for the Health Statistics OMS Organização Mundial da Saúde PARP Plano de Acção para Redução da Pobreza SDEJT Serviço Distrital da Educação, Juventude e Tecnologia SETSAN Secretariado Técnico para Segurança Alimentar e Nutricional UNICEF United Nations Children's Fund WHO World Health Organization 13 1. Introdução (Motivação) Estudos debruçando-se sobre o crescimento somático têm sido realizados desde o século XVIII, entretanto, somente nos primeiros dez anos do século XX foram desenvolvidas pesquisas proeminentes de delineamento longitudinal, se bem que com algumas limitações devido à complexidade intrínseca inerente à sua tipologia, o que denota a necessidade de mais pesquisas neste campo do saber (Saranga, 2007; Silva et al., 2013). O crescimento somático, maturação e desenvolvimento estão directamente relacionados ao óptimo estado nutricional. A corroborar com esta ideia, Ramos & Morsoletto (2007 in Galiasso et al.,2014, p. 114) afirmam que “crianças desnutridas têm um desenvolvimento intelectual menor e podem não crescer adequadamente se o problema não for tratado a tempo”. Por outro lado, pesquisas científicas têm demonstrado que tanto o sobrepeso quanto o baixo peso na infância, são importantes factores de risco para morbimortalidade na vida adulta, sendo tais riscos mediados, pelo menos em parte, por baixos níveis de aptidão física (Santana et al., 2013; Oliveira, 2008). O aumento da prevalência da obesidade infantil em economias estáveis, e da desnutrição em países de média e baixa renda, acrescido pelo facto de se tratar de um factor de risco para problemas de saúde na idade adulta, faz com que a avaliação criteriosa do crescimento somático e do estado nutricional através do rastreio da composição corporal em criança seja uma importante variável de promoção da saúde (Silva et al., 2013). Em África no geral e em Moçambique em particular, para além dos problemas de desnutrição, percebe-se em distintos estudos a coexistência entre a desnutrição e a sobrenutrição, o que é testemunhado pela miscelânea entre indivíduos obesos e desnutridos (Muria, 1998; Prista et al., 2003; Bénéfice, 2006; Saranga et al., 2007; Nhantumbo et al., 2007). Por outro lado, crianças africanas vivendo em contexto urbano, assim como as que vivem nas zonas rurais, quando comparados à população de referência, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) usando vários testes de medidas corporais, apresentam indicadores antropométricos e de maturação aquém do ideal, o que, de alguma forma, denuncia um crescimento somático retardado, porém com alguma tendência de recanalização com a idade (Bénéfice, 2006, Walker & Walker, 2009; Makgae et al., 2009). Ainda que estudos realizados em Moçambique mostrem a coexistência entre a desnutrição e sobrenutrição (Muria, 1998; Prista, 2003; Saranga et al., 2007; Nhantumbo et al., 14 2007; Nhantumbo et al., 2013), relatórios produzidos no contexto moçambicano têm denunciado que a desnutrição crónica e aguda continua sendo um desafio, sobretudo devido aos seus efeitos nefastos para o crescimento e promoção da qualidade de vida das crianças. Este cenário tem maior expressão nas zonas rurais que urbanas (ESAN, 2007; PARP, 2010; UNICEF, 2014). Por conseguinte, poucos estudos abordando a relação entre o crescimento somático e estado nutricional foram achados na literatura e nenhum, especificamente, realizado na área e com a população definida para presente pesquisa. Neste enquadramento, o presente estudo foi projectado e realizado baseando-se nas evidências e colocações acima, na espectativa de reduzir o desconhecimento sobre o assunto na área e população-alvo do mesmo e, adicionalmente, por entender que o saber nesse campo é de extrema importância, pois transcende a mera contribuição no campo científico específico, afigurando-se como um instrumento de intervenção na população envolvida, bem como uma importante ferramenta no domínio da saúde pública em geral. 1.1. Objectivos 1.1.1. Objectivo Geral Avaliar a associação entre o crescimento somático e o estado nutricional em crianças de ambos os sexos dos 6 aos 10 anos de idade do distrito de Moamba. 1.1.2. Objectivos específicos (1) Determinar os indicadores do crescimento somático, nomeadamente Altura/Idade e Peso/idade); (2) Determinar o estado nutricional no seio destas crianças com base no indicador antropométrico IMC/Idade; (3) Estabelecer a relação entre os indicadores de crescimento somático e do estado nutricional em função do sexo; (4) Determinar o efeito do sexo e da idade no crescimento somático e estado nutricional no seio destas crianças; (5) Correlacionar o crescimento somático e o estado nutricional no seio da amostra considerando o sexo e a idade. 15 1.2.Contribuição Os estudos que versam sobre crescimento somático e estado nutricional realizados em Moçambique restringem-se maioritariamente à área urbana da cidade capital e sua periferia. Mais ainda, além de ser bastante escassa a pesquisa inserida nesta temática realizada com a população moçambicana vivendo em contexto rural, tanto quanto julgamos saber, não se conhecia, até à realização da presente pesquisa, nenhum estudo que tivesse sido realizado com uma amostra do distrito de Moamba, o que espelha um desconhecimento da influência da pressão ambiental sobre o crescimento linear e estado nutricional no contexto particular desta população em idade escolar. Por conseguinte, pesquisas desta natureza justificam-se em razão de o acompanhamento do crescimento somático ter-se tornado consensualmente aceite como um sensível instrumento na aferição e no acompanhamentodas condições de saúde de uma população específica, visto que contribui para o diagnóstico de possíveis problemas nutricionais, sobretudo, com relação à desnutrição energético-proteica e ao excesso de peso e obesidade. Neste enquadramento, espera-se que os resultados da presente pesquisa concorram para minorar o desconhecimento sobre o crescimento e estado nutricional em crianças do Distrito de Moamba da faixa etária em análise, contribuindo desse modo no campo científico específico, como também enquanto instrumento de intervenção na população envolvida. Igualmente, cogita-se que os resultados deste estudo sirvam de importante ferramenta no domínio da saúde pública em geral, através da definição de políticas e formulação de estratégias de vigilância epidemiológica centradas na redução de problemas nutricionais bem como das suas implicações no crescimento somático de crianças em idade escolar. 1.3. Problema O crescimento dentro do padrão de referência é considerado um dos melhores indicadores de saúde em crianças, pois este depende de factores ambientais, como alimentação, higiene, condições de habitação, acesso aos serviços de saúde, funcionando, deste modo, como um indicador indispensável do estilo de vida da criança (Torres, 2007). Baseado no reconhecimento da importância que o estilo de vida exerce sobre o crescimento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde de Moçambique 16 (MISAU) recomendam o acompanhamento do crescimento como actividade rotineira no âmbito do atendimento à criança e que as boas práticas de alimentação complementar comecem aos 6 meses de idade devendo ser promovidas nos centros de saúde e nas comunidades (WHO, 1978; WHO, 1983; WHO, 1999; MISAU, 2002). O estado nutricional e o crescimento somático têm sido amplamente referidos na literatura como importante preditores do estado de saúde de crianças e não só, como também sendo um excelente indicador da morbimortalidade (Guedes & Guedes, 1998; Oliveira, 2008). Em Moçambique, tal como já referido anteriormente, estudos têm mostrado a coexistência entre a desnutrição e sobrenutrição (Muria, 1998; Prista, 2003; Saranga et al., 2007; Nhantumbo et al., 2007) e diferentes relatórios têm denunciado que a desnutrição crónica e aguda continua sendo um desafio, sobretudo, devido aos seus efeitos nefastos para o crescimento e promoção da qualidade de vida das crianças e que este cenário tem maior expressão nas zonas rurais que urbanas (STSAN, 2007; PAMRDCM, 2010; UNICEF, 2014). Por outro lado, no Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) é destacado que o baixo peso ao nascer é um indicador sensível para morbimortalidade infantil, sendo que em Moçambique 14% das crianças nascem com baixo peso e que este cenário manifesta-se mais em crianças nascidas de mães abaixo de 20 anos de idade (Ministerio da Saude et al., 2011). Mais ainda, o comprometimento no estado nutricional em tenra idade, para além de transportar consigo deficiência micro-nutricionais, pode ocasionar problemas de crescimento a curto e longo prazos, caracterizados por dificuldades de absorção de nutrientes e limitação do crescimento ósseo respectivamente, para além de poder causar problemas cognitivos (Sawaya, 2006). Batista & Rissin (1993) afirmam que problemas nutricionais estão estritamente relacionado ao nível de pobreza das nações e que constitui um peso sócio-económico que deve merecer especial atenção das políticas do sector público. Deste modo, baseado no referencial teórico acima descrito e assumindo que seja importante que se entendam as múltiplas repercussões que as interassociações entre o crescimento e o estado nutricional encerram na saúde de crianças em idade escolar do Distrito de Moamba, sobretudo por residirem num contexto rural, que emergiu a seguinte questão de partida: 17 Em que medida o estado nutricional está associado ao crescimento somático em crianças dos 6-10 anos de idade do distrito de Moamba? 1.4. Hipóteses Ainda que a validade e universalização dos parâmetros de avaliação somática e nutricional para população de países em desenvolvimento possam ser colocadas em causa devido ao uso de normas internacionais adoptadas pela CDC/NCHS/WHO (2000) e WHO (2007), as quais se revelaram desprovidas de validade transcultural em razão de resultarem de dados provenientes do mundo industrializado (Ogden et al., 2002; Prista et al., 2003; Onis et al., 2007; Nhantumbo et al. 2013), foram formuladas as seguintes hipóteses: (1) Como consequência da pressão ambiental que caracteriza o contexto rural em Moçambique, é esperada uma associação negativa entre o crescimento somático e o estado nutricional, i.e., quanto mais atrasado o crescimento linear, mais agudo o agravo do estado nutricional; (2) Maiores prevalências de desnutrição crónica (stunting) e desnutrição aguda (wasting) em relação a eutrofia são expectáveis no seio da amostra, como reflexo de problemas nutricionais resultantes da influência ambiental a que os sujeitos estão expostos no seu quotidiano. 18 2. Revisão Bibliográfica 2.1. Crescimento Somático O crescimento do ser humano, conceitualizado de forma ampla e abrangente, é um processo dinâmico e contínuo que assume os seus eventos desde a concepção até ao final da vida. Este fenómeno consiste na substituição e regeneração de tecidos e órgãos (Ministério da Saúde, 2002). Sob o ponto de vista biológico, o crescimento somático é o processo decorrente dos mecanismos de hiperplasia, hipertrofia e agregação celular que demarcam as alterações progressivas nas dimensões do corpo como um todo ou de partes específicas do mesmo, decorrendo num espaço temporal apropriado para cada evento, desde o nascimento até a idade adulta (Verçosa, 2016). Ainda na mesma perspectiva, este é considerado também, “[…] o somatório de fenómenos celulares, biológicos, bioquímicos e morfológicos, os quais sofrem influência tanto de factores intrínsecos (genéticos), quanto de factores extrínsecos (ambientais)” (Andriola, 2016, p. 23). No contexto da intervenção precoce, o crescimento é considerado um dos melhores indicadores de saúde da criança, devido a sua estreita dependência com factores ambientais, tais como alimentação, ocorrência de doenças, cuidados sanitários e de higiene, condições de habitação e saneamento básico, reflectindo assim, as condições de vida da criança, desde a vida intra-uterina até ao estado actual (Ministério da Saúde, 2002). Consubstanciando o que foi anteriormente postulado, Maia & Lopes (2007) afirmam de forma ousada, que a importância do conhecimento do estado de crescimento de crianças e jovens de uma população transcende toda a informação acerca do seu produto interno bruto, pois releva a maior importância de que se reveste no campo de acção para educadores, pediatras, nutricionistas, pais, e gestores da coisa pública. Noutra abordagem, os mesmos autores destacam que o conhecimento inerente ao crescimento somático constitui um dos maiores valores informativos para se lidar com necessidades sanitárias das crianças, assumindo de outro lado, que a variável crescimento, por si só, não é bastante para determinar com acurácia o estado de saúde de indivíduos, senão para estudos de cariz epidemiológico (Maia & Lopes, 2007). 19 Apesar de se assumir que o crescimento inicia aquando da fertilização da célula-ovo e se estende ao longo de toda a vida, do ponto de vista de vigilância sanitária se tem restringido ao período de vida compreendido entre a fecundação e a adolescência, por representar o intervalo de modificações relevantes sob ponto de vista da estatura, peso e composição corporal (Andriola, 2016). Historicamente, o crescimento tem sido estudado há mais de 150 anos, com referências que remontam à antiga Grécia, onde nas suas representações intelectuais, científicas, sociaise médicas, os artistas demonstravam o paradigma do crescimento somático através da escultura e pintura (Roman, 2004). Por outro lado, desde a publicação das tabelas de crescimento em 1977 no suplemento da História Natural de Buffon, do primeiro estudo longitudinal feito pelo Conde de Montbeillard, que consistiu em acompanhar o seu próprio filho desde o nascimento até aos 18 anos, vários estudos do mesmo delineamento começaram a ser desenvolvidos em diferentes países, na perspectiva de evidenciar as características do crescimento de crianças, como também de produzir seus próprios indicadores de referência (Roman, 2004). Em vista disso, um dos objectivos desta revisão é trazer à tona os processos que encerram o crescimento somático e as suas principais variáveis de medição, para, a partir dessa visão, estabelecer a relação com o estado nutricional em crianças, que será igualmente esmiuçado ao longo deste mesmo capítulo. 2.2. Determinantes do Crescimento À nascença, todo o indivíduo carrega consigo um potencial genético de crescimento, que poderá ou não ser atingido, dependendo das condições de vida a que esteja submetido desde a concepção até à idade adulta (Ministério da Saúde, 2002). O processo do crescimento envolve a interacção entre factores biológicos e ambientais, tanto que seria difícil dissociar um do outro. Este se encerra em dois níveis, nomeadamente o filogenético, onde acontecem as modificações genéticas, metabólicas e malformações, que muitas vezes são correlacionadas, e o nível ontogenético, que sucede das modificações comportamentais (alimentação, cuidados de saúde, higiene e habitação) e as fisiológicas determinadas pelo meio ambiente (Roman, 2004, p. 12 & Ministerio da Saude, 2002). 20 2.2.1. Factores Biológicos do Crescimento Os factores biológicos do crescimento são marcados, essencialmente, pela herança genética. Esta é a propriedade dos seres vivos de transmitirem suas características aos descendentes, ou seja, do ponto de vista do crescimento, a herança genética é o potencial para o incremento da altura e do peso recebido do pai e da mãe (Ministério da Saúde, 2002). Dentre as funções biológicas, o crescimento somático é o que mais depende do potencial genético, porém, a qualquer momento, desde a concepção e particularmente na primeira infância, os factores ambientais podem interferir o ritmo e a qualidade deste processo, o que leva a conclusão de que o alcance biológico do crescimento depende, fundamentalmente, das condições do ambiente onde o mesmo se processa (Roman, 2004 & Ministerio da Saude, 2002). Nessa perspectiva, Malina (2002 in Roman, 2004) destaca que os genes associados à estatura e ao peso corporal do recém-nascido têm efeito sobre os genes da estatura e do peso corporal do adulto e que existe um conjunto de genes associados à estatura e ao peso corporal do adulto, para além de existir uma série independente de genes que regulam a taxa de crescimento do tamanho corporal. Para destacar a influência genética no crescimento linear, Torres (2007) refere que esta pode ser demonstrada verificando-se a variabilidade do coeficiente de correlação entre as medidas de altura dos pais e o comprimento/altura dos filhos em diferentes idades, onde por exemplo, ao nascer esse coeficiente é desprezível, fixando-se em cerca de 0.2, justificado pelo facto de o crescimento do recém-nascido reflectir mais as condições intra-uterinas do que o genótipo fetal. Após o nascimento, esse coeficiente se eleva rapidamente de modo que ao fim de um ano e meio, chega a atingir 0.5, indicando uma correlação fraca, entretanto, aproximando-se ao valor que terá na idade adulta. Entre o segundo e o terceiro aniversários até à adolescência, a correlação da altura pais/criança pode ser usada para predizer padrões para a altura de crianças, em relação à altura dos seus progenitores (Torres, 2007). Importa inferir que o crescimento somático sofre grandes variações, determinadas pela herança genética. A sua contribuição para a estatura na idade adulta chega a atingir cerca de 60%, entretanto, o peso sofre menor influência, comparado a estatura, chegando a alcançar 40% de contribuição na composição corporal final (Roman, 2004). 21 Por outro lado, “o crescimento de outros tecidos e partes do corpo encontra diferenças, como, por exemplo, o sistema linfóide (timo, nódulos linfáticos e massa linfática intestinal) e o crescimento do tecido ósseo (crescimento linear) […]” (Ministerio da Saude, 2002; Moreira, 2011). 2.2.2. Factores Ambientais do Crescimento O meio ambiente influencia o crescimento desde a vida intra-uterina, quando este não pode mais continuar devido à limitação espacial biologicamente pré-determinada (Ministério da Saúde, 2002). Roman (2004) refere que o crescimento é alcançado pela interacção dos genes e do meio ambiente, sendo que a criança precisa, essencialmente, passar pelos domínios biológicos e comportamentais, desta feita, revelando que para entender os processos de crescimento se deve admitir que a criança é um ser bio-sócio-cultural. Torres (2007) e Saranga et al. (2007) demonstraram a existência da variabilidade no crescimento de crianças de diversas nacionalidades, destacando que estas crescem num ritmo semelhante, desde que submetidas a mesmas condições de vida. Estes autores afirmam ainda, que o mesmo não acontece com crianças de mesma nacionalidade sob condições socioeconómicas diferentes, sendo que as de alto nível socioeconómico crescem num ritmo rápido, enquanto as de baixo nível crescem em ritmo mais lento. Por outro lado, Nhantumbo (2007) reforça que as exigências ambientais e o efeito da área sócio-geográfica em que as populações se encontram inseridas, em interação com os aspectos genéticos, tem determinado a morfologia corporal dos indivíduos e não só, como também a variação do crescimento somático. Este cenário prova que existe, cada vez mais, evidências sobre a uniformidade genética da espécie humana, porém a explicação para variabilidade residiria no peso crescente de outros condicionantes (Ministério da Saúde, 2002). 2.2.3. Aspectos Socioeconómicos no Crescimento Somático As diferenças socioeconómicas, fundamentadas na desigualdade da distribuição dos recursos financeiros e o acesso à educação, contribuem para exposição do estado de saúde das 22 pessoas, factor que influencia, em parte, as taxas de crescimento somático e estado nutricional dos indivíduos (Cau, 2015). Decorre daí que, os indivíduos com baixa posição socioeconómica, normalmente, apresentam-se num cenário de vulnerabilidade e com desfechos negativos sobre a sua saúde, desde a concepção, passando por todas as fases de crescimento até à fase adulta (Cau, 2015; Roman, 2004). Por exemplo, as mulheres com baixa educação e poucos recursos, sobretudo no contexto Moçambicano, estão geralmente expostas a cenários de gravidezes e nascimentos indesejados, devido ao limitado acesso à informação sobre as boas práticas de saúde e métodos contraceptivos, expondo, consequentemente, a sua própria saúde, para além de colocar em causa o crescimento do feto e das crianças (Cau, 2015). Neste contexto, Andrade et al. (2004) afiançam que os factores inerentes ao nível socioeconómico podem apresentar uma relação de causalidade, i.e., causa e efeito, podendo ser determinante nos processos de crescimento somático das crianças. Por outro lado, Roman (2004) destaca que o status socioeconómico exerce forte influência no nível de saneamento básico que a população possui, no rendimento familiar, na alimentação, nos níveis de saúde dos mesmos e na qualidade das infra-estruturas habitacionais, factores peculiarmente influentes no crescimento físico na tenra idade. 2.2.4. Aspectos Étnicos no Crescimento Somático Em relação à influência dos aspectos étnicos no crescimento somático, diferentes estudostêm mostrado que geneticamente, existem mais semelhanças que diferenças entre os seres humanos, ainda assim têm sido evidenciadas variedades de características genéticas e fenotípicas dissemelhantes entre as populações, incluindo as medidas do crescimento (Roman, 2004; WHO, 2006; Onis et al., 2007; Nhantumbo, 2007; Torres, 2007; Silva et al., 2013). A literatura da especialidade parece convergente quanto ao efeito irrelevante do factor étnico no crescimento infantil. Com efeito, os resultados de uma pesquisa multicêntrica realizada pela OMS, envolvendo crianças de cinco países em centros étnicos e culturais bastante diferentes e que preenchiam satisfatoriamente os critérios de selecção, incluindo comportamentos específicos relacionados à saúde consistentemente condicentes com as actuais recomendações de promoção de saúde, não evidenciaram quaisquer diferenças no crescimento 23 linear entre as crianças amostradas nos diferentes centros étnicos. Como se pode depreender, estes resultados reforçaram a confirmação da ideia acerca do fraco efeito étnico no crescimento infantil (WHO, 2006). 2.2.5. Aspectos Nutricionais no Crescimento Somático Dentre os factores ambientais que demarcam o crescimento das crianças, os quesitos nutricionais ocupam uma posição de realce, pois o organismo humano necessita de energia proveniente da alimentação, tanto para as suas tarefas fisiológicas diárias, quanto para desencadear o processo de crescimento (Roman, 2004; Torres, 2007; SETSAN, 2013; Ismael, 2013; UNICEF, 2015). Deste modo, os raciocínios acima convidam à compreensão de que o consumo alimentar adequado na infância é indispensável, pois está intimamente associado ao perfil de saúde, determinado pelos diferentes processos de crescimento somático e do estado nutricional, especialmente entre as crianças na primeira infância (Oliveira et al., 2005). Por isso, é de todo oportuno afirmar que uma criança nos primeiros 12 meses de vida necessita de cerca de 40% das calorias totais ingeridas para o processo de crescimento, diminuindo progressivamente a proporção dessa energia à medida que se aproxima da adolescência, podendo fixar-se em 10% (Torres, 2007). Mais ainda, mostra-se indispensável frisar que a proteína é o macronutriente fundamental para o crescimento, o que sugere que uma alimentação rica nesse nutriente propiciaria óptima velocidade do crescimento, porém sem descurar os demais nutrientes (UNICEF, 2015; Torres, 2007). Entretanto, a desnutrição proteico-energética constitui um dos problemas nutricionais mais frequentes, que interferem no crescimento de crianças, em países em desenvolvimento (Roman, 2004). Em Moçambique, diferentes relatórios têm denunciado que a desnutrição crónica e aguda continua sendo um desafio, sobretudo devido aos seus efeitos nefastos para o crescimento e promoção da qualidade de vida das crianças. Este cenário tem maior expressão nas zonas rurais que urbanas, determinando o estado de saúde física e mental desde a infância até a idade adulta (ESAN, 2007; PARP, 2010; UNICEF, 2014). 24 Roman (2004) adverte que se os problemas nutricionais ocorrerem no período pré- púbere, portanto a entrada para adolescência, em pouco tempo os prejuízos advindos poderiam resumir-se em alterações no catch-up do crescimento, comprometendo a estatura na idade adulta. Em consequência disso, muitas pesquisas têm evidenciado que a dimensão das moléstias de um estado de desnutrição no processo de crescimento depende, não somente da época de sua ocorrência e da severidade na restrição alimentar, mas principalmente, do tempo em que se permanece no estado de desnutrição (ESAN, 2007; Nhantumbo, 2007; Torres, 2007; Mahan et al., 2012). Por outro lado, importa referenciar que, dentre os aspectos que interferem no consumo proteico-energético, o peso da influência socioeconómica e cultural das famílias, sobretudo em contextos de pobreza, lidera as causas que mais contribuem para este dilema no seio das crianças (Nhantumbo, 2007; Bartolomeu & Pereira, 2010). 2.3. Padrão do Crescimento Somático Abordagem Geral O crescimento, tal como foi referido acima, começa no espaço intra-uterino e obedece uma fase inicial, denominada embrionária, caracterizada por uma intensa proliferação celular, na qual o incremento somático chega a 10 cm por mês, por volta do quarto e quinto mês de gestação. Esse período é sucedido por uma fase de menor crescimento em estatura, embora marcado por um maior aumento do peso fetal. Considera-se, deste modo, que a aceleração do crescimento intra-uterino sucede particularmente na primeira metade da gestação, havendo uma desaceleração no final do período gestacional (Lourenço & Queiroz, 2010). No início da vida extra-uterina, portanto ao nascer, o ser humano apresenta elevada velocidade de crescimento, porém à entrada do segundo aniversário começa a desaceleração (Torres, 2007; Lourenço & Queiroz, 2010; Moreira, 2011). Ainda sobre o crescimento, Lourenço & Queiroz (2010) identificam três fases que merecem especial atenção no processo do incremento somático, nomeadamente: 25 Fase 1 (lactância) Que é caracterizada por um crescimento rápido, porém desacelerado. Nesta fase, a velocidade de crescimento durante o primeiro ano de vida é a mais alta da vida extra-uterina, chegando a atingir cerca de 25 cm/ano, porém com tendência de redução significativa nos dois primeiros anos de vida; Fase 2 (infância propriamente dita) Este é o período marcado por um crescimento lento, mais estável e constante. Este é também considerado período de equilíbrio e do crescimento uniforme. Nesta fase, a velocidade de crescimento baixa, particularmente quando comparada à fase anterior. A velocidade média varia de 4 a 6 cm/ano e é chamado período infantil ou pré-puberal, pois somente se modifica na fase seguinte; Fase 3 (puberdade) Esta fase, normalmente coincide com a adolescência e é caracterizada por um crescimento rápido, com aceleração até aos 15 anos de idade e posterior desaceleração, até finalmente, o fim do processo de crescimento. Sucintamente, pode se dizer que ao percorrer do primeiro aniversário, a estatura aumenta em 50%, duplicando até aproximadamente o quarto aniversário, enquanto o peso corporal triplica, com um incremento de até quatro vezes após um ano. A partir dos doze meses de vida, o crescimento começa a tornar-se mais lento (Roman, 2004; Torres, 2007; Lourenço & Queiroz, 2010; Moreira, 2011). Anualmente, até aos 9 a 10 anos de idade, a criança aumenta o seu peso corporal em média de 2 a 3 kg, enquanto a estatura aumenta entre 6 a 8 cm após os dois anos de idade até o pico de crescimento, à entrada para a puberdade. Entre o quarto aniversário até à entrada para adolescência, o crescimento caracteriza-se como estável e lento, porém não é regular para todas as crianças, por isso que algumas podem apresentar um atraso no crescimento, podendo recuperar após algum período, sobretudo, ocorrendo um estirão no peso e altura (Roman, 2004; Torres, 2007; Lourenço & Queiroz, 2010; Moreira, 2011). Por isso, vale dizer que as crianças nos dois primeiros anos de vida e durante a adolescência podem mudar o seu canal de crescimento sem que tenham uma doença associada, 26 devido à grande variação de crescimento neste período. Porém, entre 2 e 9 anos de idade, o crescimento tenderá a se manter em um mesmo canal (percentil), o que vem a reflectir em uma harmonia no crescimento e, por consequência, a ausência de enfermidade actual (Roman, 2004; Torres, 2007; Lourenço & Queiroz, 2010; Moreira, 2011). 2.4. Factores Hormonais do Crescimento Somático O crescimento do corpo como um todo depende de vários factores, alguns dos quais descritos acima e, os factores do sistema endócrino, especificamente da acção do hipotálamo e da secreção hipofisária. Para que o corpo cresça, háuma série de eventos fisiológicos que ocorrem caracterizados pela libertação da hormona do crescimento (GH) pela hipófise anterior. Refira-se que o GH é fundamental para o crescimento normal de todos os tecidos com essa propriedade (Roman, 2004; Moreira, 2011). Ainda sobre a GH, é indispensável frisar que esta exerce importante efeito sobre o metabolismo das proteínas, gorduras e hidratos de carbono, daí a advertência de que na infância, a demasiada secreção desta hormona pode causar o gigantismo, entretanto, se a secreção for diminuta a possibilidade da ocorrência do nanismo torna-se bastante eminente (Roman, 2004; Lourenço & Queiroz, 2010). Além de seus efeitos sob o crescimento, a GH também apresenta diversos efeitos metabólicos. Sumariamente, dentre tais efeitos, pode-se destacar que aumenta a quantidade de proteína do corpo (elevando a taxa de síntese de proteínas), utiliza as reservas de gorduras e poupa os hidratos de carbono (Lourenço & Queiroz, 2010). 2.5. Avaliação do Crescimento Somático Várias pesquisas foram desenvolvidas com o objectivo de desenhar tabelas e curvas de crescimento somático, como forma de acompanhar as mudanças nas características físicas de uma população. Essas curvas e tabelas têm sido utilizadas por pesquisadores de diferentes especialidades na avaliação antropométrica de crianças e jovens (Ogden, et al., 2002; Bergmann et al., 2006; WHO, 2006; Onis et al., 2007; Nhantumbo, 2007; Bergmann et al., 2009). A OMS recomenda que, para a análise do crescimento somático deve-se usar valores de referência mundial do peso e estatura corporal, obtidos em estudos longitudinais desenvolvidos 27 pelo National Center For Health Statistics (NCHS), reconhecendo que seus resultados dizem respeito a uma população sadia e bem nutrida, que as amostras para essas referências eram de um tamanho adequado e elevado índice de representatividade em relação à população americana e, ainda, que as medidas foram realizadas obedecendo, criteriosamente, os padrões desejados (WHO, 2007; Roman, 2004; Onis et al., 2007). Para a avaliação do crescimento somático em tenra idade, a antropometria tem sido amplamente recomendada e utilizada, pois esta inclui parâmetros facilmente mensuráveis, totalmente objectivos e reprodutíveis. Por outro lado, é uma técnica de baixo custo que permite fácil treinamento, acessível e não invasiva, por isso, granjeia aceitação por parte da população avaliada (Torres, 2007). Basicamente, para avaliação do crescimento através das medidas antropométricas utiliza-se a altura (comprimento ou estatura), o peso e o perímetro cefálico. Geralmente, para avaliação de crianças utiliza-se o peso e a altura, por reflectir distintos processos do crescimento (Bergmann, 2006; Torres, 2007; Bergmann et al., 2009). Por outro lado, para que o conhecimento sobre as medidas antropométricas tenha significado é preciso relacionar com outros indicadores ou variáveis, como são os casos da idade, sexo ou outra variável antropométrica. A combinação dessas variáveis permite a construção de índices antropométricos como estatura para a idade, peso para a altura, perímetro cefálico para a idade, IMC para idade, mais ainda, a comparação desses índices entre a criança em estudo e uma população de referência, o que permite descrever a tendência do crescimento da mesma (Torres, 2007). Deste modo, os índices antropométricos constituem o indicador das condições do crescimento, quando associados a pontos de corte que permitam situar a criança dentro de uma faixa aceite como normal, de acordo com a referência de crescimento utilizada (Torres, 2007). 2.6. Indicadores do Crescimento Somático O indicador Altura em função da Idade é utilizado para avaliação do crescimento somático, por reflectir o desenvolvimento linear em relação à idade (Vasconcelos, 2000 in Bergmann, 2006). Quando este indicador antropométrico se encontra alterado tem-se um processo biológico denominado “stunting”, que significa redução na velocidade de crescimento esquelético, que pode traduzir-se em seu comprometimento desde o nascimento. 28 Este indicador tem associação com condições socioeconómicas, infecções crónicas recorrentes e aporte nutricional inadequado (Bergmann, 2006). Por sua vez, o indicador Peso em função da Idade reflecte o peso segundo a idade cronológica. O peso em si constitui a medida antropométrica mais popular e, por esse motivo, sua aplicação tem como vantagem a possibilidade de utilização de dados rotineiros, além de ser de simples e rápida aplicação (Bergmann, 2006). Esta medida é muito sensível e sua avaliação seriada permite identificar, precocemente, alterações no estado nutricional (Bergmann, 2006). Já Peso em função da Altura é um indicador que avalia a harmonia entre o aumento do peso e o da altura e, é indicado para a avaliação das recentes alterações de peso que podem se reflectir em alterações na composição corporal (Torres, 2007). Esta alteração representa um processo biológico denominado “wasting”, que indica défice na quantidade de tecido e de gordura comparativamente às quantidades esperadas para crianças com a mesma estatura e pode ser resultado tanto da perda do peso quanto de falhas no aumento do mesmo (Bergmann, 2006). 2.7. Classificação do Crescimento Somático De acordo com Andriola (2016), o crescimento pode ser avaliado por meio de curvas, as quais deverão ser comparadas a um determinado padrão de referência, actualmente recomendadas as da Organização Mundial da Saúde (2007). Essas curvas são utilizadas baseadas em dois conceitos estatísticos: o da média e desvio padrão, ou o da mediana e percentis. Neste contexto, importa destacar que a informação referente à altura e ao peso, por exemplo, apresenta distribuição gaussiana (normal), fazendo com que a média e mediana apresentem valores próximos e que ambos os lados da distribuição, acima e abaixo da média, apresentem áreas equiparáveis (Onis et al., 2007 e Ferreira, 2012; Andriola, 2016). Ainda no mesmo contexto, e de forma sucinta, a literatura da especialidade tem preconizado a utilização de várias escalas para se estabelecer a comparação de um conjunto de medidas antropométricas com um padrão de referência, sendo mais comum o percentil e o escore-z. Em termos práticos, este último significa o número de desvios-padrão que o dado obtido está afastado da sua mediana de referência (WHO, 2006). 29 Os percentis são derivados da distribuição em ordem crescente dos valores de um parâmetro, observados para uma determinada idade ou sexo; a classificação de uma criança em um determinado percentil permite estimar quantas crianças, da mesma idade e sexo, são maiores ou menores em relação ao parâmetro avaliado (Onis et al., 2007). O acompanhamento do crescimento com a utilização da curva ou gráfico de crescimento em pelo menos três medições sucessivas de peso e estatura, com intervalos compatíveis com sua velocidade de crescimento em função da idade, permite aferir se a criança está em processo de desnutrição com tendência de afastamento do seu canal de crescimento, caminhando para percentis inferiores. Esse instrumento é extremamente útil no estabelecimento de situações de risco nutricional (WHO, 2006; Onis et al., 2007). A tabela 1, referente a estatura para idade cronológica, indica claramente que abaixo do percentil 0,1 e do escore-z -3 a estatura é considerada muito baixa para idade. Por outro lado, quando os valores percentílicos e de escore –z se encontram acima de 0,1 e abaixo de 3 e acima do escore -z – 3 e abaixo do escore-z -2 é considerada baixa estatura para a idade, respectivamente. A estatura é adequada para a idade quando os valores percentílicos se encontram acima ou iguais ao percentil 3 e os valores do escore–z se encontram acima do escore–z – 2 (WHO, 2007). É relevante salientar que as diferenças entre os sexos sãoconsideradas por meio da existência de gráficos que expressam os canais de crescimento diferenciados. Tabela 1: Valores críticos para classificação do crescimento em função da estatura para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. PONTOS DE CORTE DIAGNÓSTICO <Percentil 0,1 <Escore-z -3 Muito baixa estatura para a idade > Percentil 0,1 e < Percentil 3 > Escore-z -3 e <Escore-z -2 Baixa estatura para a idade ≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para a idade Fonte: WHO (2007) Os valores de corte para o peso em função da idade são destacados na Tabela 2, onde indica que as crianças ostentam um peso muito baixo para sua idade, sempre que estiverem abaixo do percentil 0,1 e escore-z abaixo de -3; quando os valores percentílicos se encontram 30 acima do percentil 0,1 e abaixo do percentil 3 e os valores de corte para o escore-z estiverem acima do escore-z -3 e abaixo de -2, as crianças apresentam peso baixo para idade cronológica. Só se considera que os indivíduos ostentam um peso adequado sempre que tiverem valores percentílicos situados entre acima do percentil 3 e abaixo do percentil 97 e escore-z entre acima de -2 e +2. Por outro lado, as crianças podem ser classificadas como tendo peso elevado para idade, sempre que ostentarem valores acima do percentil 97 e acima do escore-z +2, porém importa ressaltar que este último índice antropométrico não é mais aconselhado para a avaliação do excesso de peso entre crianças, sendo recomendado, para o efeito, a utilização dos valores do IMC-para-idade (WHO, 2007). Tabela 2: Valores críticos para classificação do crescimento em função do peso para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. PONTOS DE CORTE DIAGNÓSTICO <Percentil 0,1 <Escore-z -3 Muito baixo peso para a idade > Percentil 0,1 e < Percentil 3 > Escore-z -3 e < Escore-z -2 Baixo peso para a idade > Percentil 3 e < Percentil 97 > Escore-z -2 e < Escore-z +2 Peso adequado para a idade > Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a idade Fonte: WHO (2007) A tabela 3 é referente aos valores de corte para o IMC para idade de crianças dos 5 aos 10 anos e indica que entre os valores abaixo do percentil 0,1 e percentil 3, bem como escore-z - 3 e -2, as crianças apresentam magreza acentuada e magreza. Entre o percentil 3 e 85, escore-z -2 a +1, os indivíduos ostentam um IMC para idade eutrófico. Entretanto, do percentil 85 até ao percentil 97 e acima do escore-z +1 até ao +2, as crianças apresentam um quadro de sobrepeso. Acima do percentil 97 e escore-z acima de +2 os indivíduos ostentam diferentes graus de obesidade, conforme ilustra a tabela abaixo (WHO, 2007). 31 Tabela 3: Valores críticos para classificação do crescimento em função do IMC para idade de crianças dos 5 aos 10 anos de idade. VALORES CRÍTICOS DIAGNÓSTICO <Percentil 0,1 <Escore-z -3 Desnutrição Aguda Grave > Percentil 0,1 e < Percentil 3 > Escore-z -3 e < Escore-z -2 Desnutrição aguda moderada > Percentil 3 e < Percentil 85 > Escore-z -2 e < Escore-z +1 Eutrofia > Percentil 85 e < Percentil 97 > Escore-z +1 e < Escore-z +2 Excesso de peso > Percentil 97 e < Percentil 99,9 > Escore-z +2 e < Escore-z +3 Obesidade > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade Grave Fonte: WHO (2007) Os valores percentílicos de referência para comparação do crescimento somático, avaliados a partir dos indicadores da estatura para idade, peso para idade e IMC para idade são indicados nos gráficos 1; 2 e 3. Nestes, pode se vislumbrar claramente os distintos canais de crescimento em que as crianças possam ostentar, tendo em conta as medidas aferidas e com base nelas, poder-se definir em que percentil a população estudada se encontra (WHO, 2007). Figura 1: Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador estatura em função da idade para crianças dos 5 aos 10 anos de idade do sexo feminino e masculino. 32 Figura 2: Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador peso em função da idade para crianças dos 5 aos 10 anos de idade do sexo masculino e feminino. Figura 3: Gráficos ilustrativos dos valores percentílicos de referência para o indicador IMC em função da idade para crianças dos 5 aos 19 anos de idade do sexo feminino e masculino 2.8. Estado Nutricional O Estado nutricional pode ser definido a partir de diferentes visões. De acordo com Lopes et al. (2008), este é o grau pelo qual as necessidades fisiológicas de nutrientes de um indivíduo são atendidas através dos alimentos ingeridos, por outro lado, constitui também o estado de equilíbrio do indivíduo entre a ingestão e o gasto ou necessidade em nutrientes para a realização de todas actividades vitais. Ainda sobre o conceito do estado nutricional, Vasconcelos (2000 in Lopes et al., 2008) advoga que este constitui a condição de saúde de um indivíduo, influenciado pelo consumo de 33 nutrientes, podendo ser aferido pela correlação de informações obtidas de estudos físicos, bioquímicos, clínicos e dietéticos. Por outro lado, Lopes et al. (2008) destacam a existência do conceito social do estado nutricional e, neste contexto, dizem ser a parte integrante da totalidade do processo social que consiste na produção, recolha e ingestão dos alimentos para posterior absorção dos nutrientes. Para estes autores, a dimensão social do conceito resume-se na síntese orgânica das relações entre homem-natureza-alimento que se estabelece no interior de uma determinada sociedade. A figura 4 resume conceptualmente a dimensão biológica do conceito do Estado Nutricional, destacando os possíveis desfechos para cada condição da díade ingestão alimentar e dispêndio nutricional. Figura 4: Diagrama referente à dimensão biológica do conceito do Estado Nutricional Fonte: Lopes et al. (2008) O estado nutricional em crianças é um excelente indicador do estado de saúde e potencial preditor de níveis de crescimento somático e de desenvolvimento de uma sociedade, para além de reflectir precocemente possível défice calórico-energético. Esta medida, a par do peso em função da idade, são muito sensíveis e sua avaliação periódica permite identificar alterações no estado nutricional e viabilizar intervenções atempadas (Bergmann, 2006). 34 Diferentes estudos têm demonstrado que o crescimento somático, maturação e desenvolvimento são directamente relacionados ao óptimo estado nutricional. Por isso, Mendes (2016) afirma que uma criança malnutrida arrasta consigo consequências que, geralmente, são irremediáveis ao longo do desenvolvimento físico e mental, ocasionando deste modo, deficiências na aprendizagem devido ao défice de inteligência, problemas de calcificação óssea e comprometimento das funções vitais. Consequentemente, é indispensável aflorar que crianças com défices calórico-proteico, em relação às quantidades necessárias e recomendadas por dia, não atingem o pleno desenvolvimento na infância, o que aumenta a probabilidade de levar consigo efeitos nocivos para a vida adulta (Mendes, 2016). Na mesma senda, Cavalcante (2004) destaca que o estado nutricional em crianças é um excelente indicador do estado de saúde e potencial preditor de níveis de desenvolvimento de uma sociedade. Reforçando a importância que os factores ambientais encerram no crescimento somático, Ashworth & Millward (1986 in Cavalcante, 2004), consubstanciam que “embora o potencial de crescimento do indivíduo seja determinado geneticamente, cada indivíduo irá desenvolver uma curva de crescimento pré-determinada se as condições de saúde e nutrição lhe forem favoráveis”. Por isso, a avaliação do estado nutricional constitui uma etapa fundamental e indispensável no estudo de crianças, pois permite verificar se o crescimento está a afastar-se do padrão esperado por doença e/ou por condiçõessociais desfavoráveis (Mello, 2002). A avaliação do estado nutricional visa verificar se o crescimento e as proporções corporais de um indivíduo ou população estão dentro dos padrões de referência, sempre apontando para a definição de atitudes de intervenção. Deste modo, quanto mais populações e/ou indivíduos forem avaliados do ponto de vista nutricional, e quanto mais seriadas forem essas avaliações, mais intervenções precoces podem ser feitas, seguramente contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população de uma forma geral (Mello, 2002). Ainda sobre a mesma temática, Santana et al. (2013) acautela que na avaliação do estado nutricional é preciso ter em atenção os extremos, ou seja, “tanto o sobrepeso quanto o baixo peso, na infância, são importantes factores de risco para mortalidade e morbilidade na vida adulta.” Neste contexto, vale enaltecer que não existe melhor forma de diminuir agravos no estado nutricional, senão for diagnosticando-os de maneira atempada e adequada (Mello, 2002). 35 2.9. Antropometria na Avaliação do Estado Nutricional Distintos estudos têm referenciado a antropometria como sendo a técnica largamente usada para avaliação e caracterização do crescimento e do estado nutricional de populações pela sua facilidade de aplicação, efectividade e baixo custo (Cavalcante, 2004; Conde & Monteiro, 2006; Nhantumbo et al., 2007; Ministério da Saúde, 2011Ministério da Saúde). A composição corporal constitui um indicador do padrão de crescimento. Esta é usada para quantificar os principais componentes do corpo humano, nomeadamente a gordura corporal, os ossos e o músculo (Sant’Anna, Priore & Franceschini, 2009). De acordo com Moreira (2009), a composição corporal pode sofrer alterações com a modificação dos hábitos alimentares, crescimento e exercício físico. O controlo dessas alterações e o conhecimento detalhado sobre as reais motivações para tal reveste-se de extrema importância, quer seja na infância, adolescência, bem como na idade adulta. As alterações da composição corporal têm tido maior expressão em dois momentos da vida, nomeadamente na infância e adolescência, devido ao crescimento corporal, demandando medidas que especifiquem o crescimento corporal e na idade adulta, onde o realce é mais focalizado na massa isenta de gordura e na gordura corporal (Moreira, 2009). O aumento da prevalência da obesidade infantil e o facto de se tratar de um factor de risco para a obesidade adulta, além de preditor de doenças cardiovasculares e outras determinadas pela malnutrição faz com que a avaliação criteriosa da composição corporal em criança seja uma importante variável de promoção da saúde (Moreira, 2009). Por conseguinte, Lohman et al. (1988) afiança que para a medição da composição corporal em crianças e adolescentes, têm-se recomendado a utilização da antropometria para estimar a massa gorda através de equações que utilizam as pregas de adiposidade tricipital e subescapular, ou tricipital e geminal, pois estes permitem a fácil aplicabilidade no ambiente escolar, como também métodos que utilizam as circunferências do abdómen e da anca. De outro lado, o índice de massa corporal (IMC), ainda que controversa a sua medição em crianças e adolescentes, tem sido amplamente utilizado e recomendado para estudos em populações de diferentes faixas etárias, incluindo crianças (WHO, 1995; WHO, 2006). 36 2.10. Composição Corporal na Avaliação do Estado Nutricional De acordo com Brandão (2010), a avaliação da composição corporal (CC) tem como objectivo fundamental a quantificação dos diferentes compartimentos corporais, tendo em consideração a sua distribuição. A CC é feita de acordo com diferentes modelos e abordagens. Miqueleto (2006) aponta que a divisão da CC pode ser feita de acordo com cinco modelos, designadamente o anatómico, o molecular, o celular, o dos sistemas ou tecidos e o do corpo todo. No entanto, existem outros modelos de abordagem da CC, quais são: (i) o modelo de divisão em dois compartimentos, nomeadamente a massa gorda e massa corporal magra; (ii) o modelo químico que consiste em quatro compartimentos, a saber: os lipídios, água, proteínas e minerais; (iii) o modelo de fluidos metabólicos que comporta quatro compartimentos, sendo estes, os fluidos extracelulares, fluidos intracelulares, sólido intracelular e sólido extracelular e, por fim, (v) o modelo anatómico com quatro compartimentos referentes ao tecido adiposo, músculo-esquelético, outros tecidos e ossos (Miqueleto, 2006). Face à existência de várias técnicas de avaliação da CC, várias pesquisas foram desenvolvidas na busca de procedimentos com validade e especificidade na avaliação da mesma (McArdle et al., 2001 in Miqueleto, 2006). Porém, independentemente da existência de diferentes técnicas e modelos de avaliação da CC, tem-se referido que por meio desta pode-se atingir vários objectivos relacionados à saúde, especialmente os relacionados ao crescimento e estado nutricional (Mello, 2002; Araújo & Campos, 2008; MISAU, 2011). De salientar que a avaliação da CC auxilia na identificação de riscos para a saúde associados aos níveis demasiado altos ou baixos de gordura corporal total, acumulação excessiva de gordura intra-abdominal; falta ou excesso de gordura corporal, mudanças na CC associada a certas doenças; mudanças na CC associada ao crescimento, desenvolvimento, maturação e idade (Brandão, 2010). Refira-se que esta avaliação mostra-se fundamental como um instrumento de intervenção nutricional, na medida em que afigura-se indispensável para possíveis correcções de agravos, para além de estimar o peso corporal ideal de indivíduos e população para posterior formulação de recomendações dietéticas (Brandão, 2010). A avaliação da composição corporal é feita recorrendo aos métodos directos, indirectos e o duplamente indirecto. O método directo consiste na dissecação de cadáveres; os métodos 37 indirectos são os de pesagem hidrostática, ressonância magnética e a absortometria radiológica de dupla energia (DEXA) e, finalmente, os duplamente indirectos que se baseiam nos métodos referenciados aos indirectos, como são as técnicas de avaliação da composição corporal por dobras cutâneas, circunferências, diâmetros corporais e bioimpedância eléctrica, que são também, vastamente conhecidos como métodos de campo, pois são de utilização prática em diferentes circunstâncias e ambientes de custo operacional mais tangível (Miqueleto, 2006; Mendes & Nascimento, 2009). 2.11. Métodos de Avaliação da Composição Corporal 2.11.1. Método de Avaliação Directa De acordo com McArdle et al. (2001), a avaliação directa da CC é feita em cadáveres, sendo que os procedimentos seguem duas técnicas básicas. A primeira consiste em dissolver o corpo numa solução química e posterior análise da quantidade de gordura presente e a outra técnica consiste em dissecar fisicamente cada um dos componentes corporais. 2.11.2. Método de Avaliação Indirecta e Duplamente Indirecta Existem várias técnicas indirectas de medição das componentes da CC, dentre as quais destacam-se a pesagem hidrostática, as medidas de pregas de adiposidade, as medidas das circunferências e a condutividade eléctrica corporal total (Lohman et al., 1988; McArdle et al., 2001; Miqueleto, 2006; Brandão, 2010). Os métodos duplamente indirectos mais utilizados são a Bioimpedância e a Antropometria. Refira-se que estes são validados a partir dos métodos indirectos, como por exemplo a pesagem hidrostática e a densitometria radiológica de dupla energia (Brandão, 2010). 2.12. Antropometria na Avaliação da Composição Corporal A antropometria é a ciência que estuda e avalia o peso, a estatura, perímetros corporais e pregas de adiposidade subcutânea, para permitir um prognóstico da CC. Para além disso, fornece informações para a predição e a aferição dos várioscomponentes corporais de indivíduos em crescimento, desenvolvimento e envelhecimento. Estas medidas são utilizadas em várias áreas, desde a avaliação do crescimento somático, estado nutricional, como também, 38 enquanto um dos meios de acompanhamento do estado de saúde de uma população (Brandão, 2010; Witriw & Castro, 2014). De acordo com Brandão (2010), a antropometria é o ramo das ciências biológicas, cujo objectivo é o estudo de caracteres dimensíveis da morfologia humana. Mais ainda, Witriw & Castro (2014) acrescentam que a antropometria permite, através das dimensões corporais, classificar os indivíduos, para além de ser uma ferramenta que permite fazer o diagnóstico nutricional. Enaltecendo o espectro de factores influentes na acurácia e confiabilidade das medidas antropométricas, Heyward e Stolarczyk (2000 in Brandão, 2010) reforçam que a exactidão e a fidelidade das medidas antropométricas dependem do equipamento, da habilidade do avaliador, de factores individuais e da equação prognóstica utilizada. Em razão da facilidade de aferição em estudos populacionais que lhes é reconhecida, a literatura de referência permite concluir, claramente, que as medidas antropométricas mais utilizadas para determinar a CC são o peso, a altura, os perímetros e as pregas de adiposidade subcutânea. 2.12.1. Medidas das Pregas de Adiposidade Subcutânea A determinação da gordura corporal através do método de pregas subcutâneas é uma das técnicas de campo mais utilizadas devido ao baixo custo e facilidade de manuseio. Partindo do pressuposto de que a medição da gordura de alguns pontos do corpo determinaria a percentagem da gordura total do corpo, o método de aferição da gordura corporal através das pregas cutâneas foi amplamente aceite (Miqueleto, 2006). A medida das pregas cutânea é obtida através da utilização de um compasso específico para o efeito, cujo formato lembra uma pinça (Miqueleto, 2006). A prega cutânea é avaliada pinçando-se, com o dedo indicador e o polegar, a pele e a gordura subcutânea, separando-a do músculo. A medida é feita com o compasso de dobras através da distância entre as suas extremidades, que por sua vez se exerce uma pressão de 10g/mm2 na dobra. Refira-se que a medida deve ser retirada dois segundos após se colocar o compasso (McArdle et al., 2001). De acordo com McArdle et al. (2001), as pregas cutâneas mais comuns para o estudo da CC são as tricipitais, subescapular, supra-ilíaca, abdominal e parte superior da coxa, destacando- 39 se que todas devem ser do lado direito do corpo, estando o indivíduo em pé. As pregas menos comuns em estudos epidemiológicos são as da pantorrilha (geminal), porção médio-lateral e posterior e do tórax próximo à axila, usadas somente em homens. As medidas das pregas de adiposidade subcutânea podem ser utilizadas em valores absolutos ou aplicando equações de regressão para o cálculo da densidade corporal ou da percentagem de massa gorda. Estas equações podem ser generalizadas, quando obtidas a partir de estudos epidemiológicos com grupos heterogéneos ou específicos, ou quando obtidas a partir de estudos de grupos homogéneos (Brandão, 2010). É importante aflorar que as equações generalizadas podem ser usadas para todos os tipos de indivíduos, mas os resultados das pesquisas científicas não são claros. Porém, as equações específicas só devem ser utilizadas em indivíduos ou grupos que tenham características muito semelhantes às do grupo do qual foram obtidos os dados para a sua elaboração (Brandão, 2010). Lohman et al. (1988) e Witriw & Castro et al. (2014) afiançam que algumas das vantagens deste método no cálculo da CC, incluem o facto de poder caracterizar a distribuição do tecido adiposo subcutâneo, ser simples e não invasivo. Saliente-se ainda, que muitas equações de regressão foram desenvolvidas de acordo com os grupos populacionais, utilizando meramente pregas de adiposidade subcutânea adiposas ou combinações de pregas de adiposidade subcutânea, com outras dimensões antropométricas. A percentagem de gordura corporal não é nada mais do que a proporção do total da massa corporal que é definida pelo peso em gordura (Brandão, 2010). Logo, a escolha de uma equação adequada para a determinação deste (peso) é fundamental e, para tal, deve-se ter em consideração as características da população alvo do estudo. Uma das formas recomendadas para se minimizar os erros da escolha das equações é a utilização de valores absolutos das pregas de adiposidade subcutânea individuais ou o somatórios de conjuntos de pregas de adiposidade subcutânea, podendo ser comparados longitudinalmente ou a padrões previamente estabelecidos e fornecer um indicativo da quantidade de gordura corporal, sem a necessidade de se recorrer às equações preditivas (McArdle et al., 2001; Brandão, 2010). Assim, a utilização dos valores individuais das pregas de adiposidade subcutânea permite verificar o comportamento da distribuição da gordura corporal, aquilatando onde o indivíduo acumula maior concentração de gordura corporal (Brandão, 2010). 40 2.12.2. Índice de Massa Corporal na Avaliação da Composição Corporal O Índice de Massa Corporal (IMC) é a relação entre o peso e o quadrado da estatura/altura. Para o seu cálculo usa-se a seguinte fórmula: IMC= Peso (kg) /Estatura2 (m2) O IMC constitui um dos procedimentos de avaliação da CC. Este preconiza que a relação entre o peso e a estatura corporal pode representar o excesso de peso por uma elevada quantidade de massa gorda. Este procedimento foi formulado, por volta de 1830 e 1850 pelo matemático Belga Adolphe Quetelet e tem sido largamente usado até aos dias actuais. Para além de ser utilizado em estudos epidemiológicos, o IMC é utilizado em avaliações clínicas para estimação das variações do peso corporal com e sem finalidades terapêuticas (Lohman et al., 1988; Miqueleto, 2006; Brandão, 2010). Em relação ao IMC, Brandão (2010) acrescenta que este afere se o peso do indivíduo está ou não adequado à altura, mas não permite a distinção da massa gorda (MG) e da massa livre de gordura (MLG). Devido a esta limitação, só deverá ser utilizado se não se puder medir as pregas de adiposidade subcutânea. O mesmo autor acrescenta, por outro lado, que este método reveste-se de grande importância prática e mostra uma boa correlação com a morbimortalidade, tanto gerais quanto relacionadas com diversas patologias, ressalvando, porém, que o IMC é apenas um dos factores que contribui para o estudo do perfil de risco de doença de um indivíduo (Brandão, 2010). Existem tabelas específicas para classificação do IMC nas diferentes faixas etárias. Para crianças e adolescentes, a determinação do IMC não deve ser feita da mesma forma que para um adulto, porque estes estão num processo dinâmico de crescimento. As tabelas de referência específicas para a classificação nutricional com o recurso ao IMC têm sido comumente adoptadas (WHO, 2006; Onis et al., 2007; WHO, 2007). Entretanto, de acordo com McArdle et al. (2001 in Miqueleto, 2006), a principal questão relacionada ao IMC assemelha-se à relatada para as tabelas de altura e peso, onde por exemplo, um valor alto de IMC nem sempre representa um elevado peso corporal constituído por excesso de gordura, podendo este peso corporal ser representado por um elevado conteúdo de massa muscular, massa óssea ou diferentes tecidos isentos de gordura. 41 2.12.3. Medida das Circunferências Corporais A medida das circunferências corporais é um método alternativo para a predição da composição corporal, sendo vastamente utilizada por profissionais da saúde por sua simplicidade de manuseio e aceitabilidade, porém sua fragilidade resulta do facto de quantificar não apenas o tecido adiposo, mas também outros tecidos e órgãos. Esta forma de avaliação é bastante aceite em dois casos, primeiro quando o avaliado apresenta
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