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Antecedentes Históricos e Origem da Psicologia

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Antecedentes Históricos e Origem da Psicologia
INTRODUÇÃO
A PSICOLOGIA POSSUI UM LONGO PASSADO, AINDA QUE SUA REAL HISTÓRIA SEJA CURTA.
Assim inicia-se a famosa obra Psicologia: um compêndio elementar, do alemão Hermann Ebbinghaus. Esta frase, com mais de um século de existência, anima pesquisas e discussões históricas no campo psicológico, e serve como um bom ponto de partida para pensarmos como estudar a história da Psicologia, tanto como um saber científico, teórico e experimental, como uma prática profissional.
Neste estudo, veremos como a Psicologia, apesar de ter sua fundação como ciência experimental apenas no final do século XIX, possui antecedentes históricos que datam desde a Idade Antiga. Isto significa dizer que, apesar de sua história ser traçada em 150 anos de desenvolvimento de uma área de conhecimento mais ou menos definida, podemos buscar na história uma série de temas, problemas e conceitos que, de uma forma ou outra, participaram ativamente ou indiretamente na constituição do saber que chamamos de Psicologia hoje em dia.
A Psicologia, como a conhecemos, é um saber eminentemente baseado em autores de países europeus. Este estudo pretende apresentar as raízes da Psicologia na cultura europeia, em especial na Antiguidade Grega Clássica, Período Romano e Idade Medieval da Europa. Em seguida, do século XVI ao século XVIII, discutiremos os autores que animaram os debates na Filosofia e que culminaram na formulação da Psicologia científico-experimental, que se organiza no final do século XIX e dá vazão, no início do século XX, aos diversos projetos e abordagens que conhecemos atualmente.
MÓDULO 1
Definir antecedentes históricos longínquos da Psicologia como área de conhecimento ampla e originalmente pensada como um ramo da Filosofia
GRÉCIA ANTIGA
Foto: PixabayQuando falamos de Idade Antiga no Ocidente, estamos nos referindo a um período que vai de aproximadamente 4.000 a.C. (surgimento da escrita fenícia) até 476 d.C. (queda do Império Romano). Isso significa um período de quase cinco mil anos.
Neste tópico, vamos nos concentrar apenas na Grécia e Roma Antiga. É possível, entretanto, buscar antecedentes em outras regiões e períodos. Existem autores, por exemplo, que interpretam artefatos como os “livros dos sonhos”, produzidos pelo povo assírio entre o sexto e quinto milênio antes de Cristo, como evidências de discursos ou narrativas sobre uma interioridade (HOTHERSALL, 2006). Tais livros constituíam tábuas de argila com descrições de sonhos e revelavam detalhes da vida íntima de quem os escreveu. Porém tais relatos são escassos se comparados à vasta bibliografia que possuímos sobre nossos antecedentes gregos, romanos e medievais.
A Grécia Antiga é considerada o berço da civilização ocidental, e, portanto, nela encontramos uma série de antecedentes históricos da Psicologia. Não se trata de afirmar que tais conhecimentos são similares à Psicologia tal qual a conhecemos hoje, mas trata-se de mostrar como, neste berço da cultura ocidental, certos temas e questões de interesse surgiram, por exemplo a noção de alma ou a noção de temperamentos. A partir daí, concepções de mundo, da natureza e do ser humano foram se desenvolvendo, modificados em períodos posteriores, através dos séculos, segundo contextos históricos específicos, e retomados por autores contemporâneos.
Podemos falar de antecedentes gregos em três grandes frentes: nas artes, pela poesia e pela tragédia; na Filosofia, pelas discussões sobre o mundo e o homem; e na Medicina, pelo que sabemos sobre as concepções de cura dos antigos médicos gregos
POESIA E TRAGÉDIA
A poesia era um componente muito importante para a construção da concepção de mundo entre os gregos. Era uma forma de transmitir modelos de comportamento e ideias através das declamações. Pela poesia, os jovens gregos eram alfabetizados e compreendiam uma visão de mundo através das histórias vividas pelos personagens.
Poesia épica
Tratava de feitos dos grandes heróis em suas jornadas e dos mitos fundantes da Grécia, dos deuses e seus caprichos, reflexos de caprichos dos mortais (MASSIMI, 2016, p. 27-28).
Poesia lírica
Era assim chamada porque as declamações eram acompanhadas ao som da lira (instrumento musical). Falava dos sentimentos do homem e pregava uma vida a ser intensamente vivida 
Nas tragédias, as famosas peças teatrais gregas retratavam o ser humano numa dupla posição:
Por um lado, um ser de infinitas possibilidades, almejando a grandeza.
Por outro lado, um ser mortal, definido pela finitude e fragilidade.
Nessa condição, surge muitas vezes o tema do adoecimento, em que os personagens enlouqueciam e, fora de si, eram tomados pela fúria que os levava a cometer atos impensáveis.
A tragédia Medeia, escrita por Eurípedes (480 a.C.-406 a.C.), é um bom exemplo. Medeia é a personagem que dá o título à peça. Resumidamente, num dado ponto, ela é traída por seu marido, o herói Jasão, e é tomada por uma fúria homicida, revelando que no ser humano há paixões que fogem ao controle racional (MASSIMI, 2016).
Talvez a tragédia de maior importância para a Psicologia seja Édipo Rei, que é parte de uma trilogia que inclui as tragédias Antígona e Édipo em Colono. Escritas por Sófocles (497/496 a.C.-406/405 a.C.), tratam da história de um homem, Édipo, órfão adotado por um rei, que escuta do Oráculo de Delfos uma profecia: “mataria seu pai e se casaria com sua mãe”. No intuito de escapar deste trágico destino, Édipo toma ações e cursos em sua vida, mas acaba por cumpri-lo, matando seu pai (que encontrou como um andarilho numa estrada) e tomando o trono de Tebas (casando-se com Jocasta, sua mãe). Édipo termina seus dias vendo sua mãe e esposa tirar a própria vida e, então, fura os próprios olhos.
O tema aqui é justamente “o conhecimento de si”, que Édipo obteve ao consultar o Oráculo de Delfos. Na tentativa de fugir desse conhecimento, acabou exatamente por causá-lo.
ATENÇÃO
É importante destacar que a clássica interpretação de Sigmund Freud sobre esta tragédia jaz não em seu sentido e discussão aqui apresentados, mas numa interpretação bastante peculiar à teoria psicanalítica. Portanto, a trilogia de Sófocles tem dupla importância para os psicólogos: pelo tema do autoconhecimento e destino e por ter inspirado um dos mais importantes conceitos da Psicanálise, o Complexo de Édipo.
FILOSOFIA E CONCEITO DE “ALMA”
A palavra “Psicologia” é um neologismo que surge no século XVI em universidades protestantes na Alemanha. Era utilizada pelos teólogos para discutir o que seria uma sciencia de anima ou ciência da alma (VIDAL, 2010). Daí a construção das palavras:
PSYCHÉ (ALMA)
LOGIA (TRATADO, ESTUDO)
Se no século XVI teólogos discutiam a alma e suas faculdades, é importante traçar como, na Grécia, este conceito já existia, a fim de compreendermos como ele se transformou através dos séculos. Para os gregos, “alma” tinha diferentes significados. Assume-se que o termo psique unificava ao menos duas concepções algo distintas entre si: de um lado, tratava-se de um princípio vital do corpo; de outro, de um princípio separado e livre (MASSIMI, 2016).
Portanto, a alma para os gregos era um princípio vital que estava ligado ao corpo e à natureza. Era ao mesmo tempo um princípio colocado no corpo pelos deuses, remetendo a uma alma imortal que persistiria para além da morte.
Esta dualidade animaria debates entre diversos filósofos, alguns dos mais importantes: Sócrates, Platão e Aristóteles. Cada um discutindo o tema da alma em suas vastas obras e acrescentando alguma nova contribuição.
• SÓCRATES (469 A.C.-399 A.C.)
Foi um dos principais filósofos da Grécia antiga. Mestre de Platão, conhecemos suas ideias através dos registros feitos por este discípulo. Nos diálogos de Platão, Sócrates aparece várias vezes como personagem. A alma aparece em Sócrates como “centro intelectual e moral do homem, com personalidade própria” (MASSIMI, 2016, p. 51).
Para Sócrates, a Filosofia era uma forma de fazer as pessoas buscarem o significado das coisas belas, justas e verdadeiras, através de uma prática constante quepoderia ser condensada na noção de “conhecer a si mesmo”. Para “conhecer a si mesmo”, era necessário aprender a ouvir uma “voz interior”, que seria de origem divina, implantada pelos deuses nos homens. Sócrates, portanto, tematizou na Filosofia a necessidade de ouvirmos a voz da nossa consciência, abrindo caminho para que essa interioridade fosse tematizada por seus principais discípulos, Platão e Aristóteles.
 PLATÃO (428/427 A.C.-348/347 A.C.)
Foi o autor de muitos textos que conhecemos sobre Sócrates, e ele mesmo escrevia em forma de diálogos suas ideias. Suas concepções sobre a alma aparecem em diálogos como Alcibíades Maior, Fédon, República e Timeu, em todos eles diferentes concepções da alma foram progressivamente discutidas. Em nosso estudo, focaremos apenas em Timeu, por apresentar a noção da tripartição da alma (MASSIMI, 2016).
Para o filósofo, a alma humana tinha ligações com as partes do corpo e, portanto, três grandes partes:
A CABEÇA
Parte divina e imortal, da lógica, que dominava as demais.
O PEITO
Parte irascível, dada a paixões que movem o corpo, sedia a parte mortal da alma.
A PARTE INFERIOR DO VENTRE
Parte da nutrição, onde reside uma alma que se preocupa com alimentar o resto do corpo.
Essa tripartição tem reflexo em nossas concepções modernas de que a cabeça é a “razão” e, no corpo, está a “emoção” — localizada no peito, onde normalmente nos remetemos quando tratamos de ações emocionadas.
• ARISTÓTELES (384 A.C.-322 A.C.)
Foi um dos filósofos mais importantes da Grécia Antiga e incorporado em tradições teológicas até a Idade Média. Sobre a alma, continuou a discussão de seu mestre Platão, mas introduzindo uma diferença: para ele, havia três aspectos da alma, mas organizados de forma distinta. O filósofo estabelece que não apenas os humanos têm alma, mas todos os seres vivos. Porém, com uma classificação (MASSIMI, 2016):
Plantas: alma vegetativa (responsável pela nutrição e reprodução).
Animais: alma vegetativa e sensitiva (responsável pela sensibilidade e a locomoção).
Humanos: se diferem por terem uma alma com um terceiro aspecto, o racional, o aspecto do pensamento.
As noções de Aristóteles impactam não apenas concepções modernas de Psicologia (ao assumir a racionalidade do homem como sendo peculiar a ele), mas também como esta noção organiza os seres vivos: quando olhamos para um cão, por exemplo, e dizemos que ele não é um animal racional, estamos nos remetendo, de uma forma ou outra, a esta concepção de alma que vem desde Aristóteles.
MEDICINA NA GRÉCIA ANTIGA
A questão da Medicina é importante ser retomada porque nos traz uma concepção não apenas de Saúde, tema adjacente à prática do psicólogo em quase todas as suas funções profissionais, como também pela noção de uma “personalidade”, que pode ser remetida à noção de temperamento.
Devemos a Hipócrates (460 a.C. – 377 a.C.) a noção de que o corpo humano possui quatro humores básicos: a bílis negra, a bílis amarela, o sangue e a fleuma (fluidos relacionados ao baço, fígado, coração e sistema respiratório, respectivamente). Tais humores são os correspondentes dos elementos da natureza (terra, fogo, água e ar), e o desequilíbrio e desarmonia entre eles é o que levaria às enfermidades.
Tal arranjo dos humores seria também responsável pelos temperamentos (HOTHERSALL, 2006):
EXCESSO DE BÍLIS NEGRA (TERRA)
Mau humor, ser rabugento e melancólico.
EXCESSO DE BÍLIS AMARELA (FOGO)
Ser irritadiço, irascível e maníaco.
EXCESSO DE SANGUE (ÁGUA)
Ser alegre, otimista e feliz.
EXCESSO DE FLEUMA (AR)
Eram apáticos, tristes e preguiçosos.
Vemos como teorias da personalidade moderna herdam a forma de classificar os tipos da teoria humoral de Hipócrates, e observamos como certos adjetivos que caíram de desuso, como fleumático (frieza de ânimo, impassível) e bilioso (furioso, colérico) remontam a esta teoria.
ROMA ANTIGA E CRISTIANISMO PRIMITIVO
Embora representasse uma civilização diferente da grega, Roma (de 753 a.C. até sua queda em 476 d. C.) acabou por incorporar muitas das questões filosóficas dos gregos, levando adiante discussões e problemas que entrariam na Idade Medieval, tanto pela Filosofia como pela Teologia, através dos santos católicos.
Alguns exemplos dessa continuidade estão nos mitos gregos. O de Eros e Psiqué, contado pelo romano Apuleio (125-170), relata a história da mortal Psiqué, que se apaixona por Eros, o deus do Amor, e posteriormente se torna imortal como deusa que personifica a alma. Temos, então, uma história referenciando a mitologia grega, porém escrita por um cidadão romano.
Outro exemplo se encontra em Claudio Galeno (129-217), médico que retoma algumas ideias de Hipócrates. Especialmente, para Galeno, o clima e a alimentação eram cruciais no desenvolvimento do temperamento humano; chegou a desenvolver uma tipologia própria dos temperamentos, dividindo-os (MASSIMI, 2016) em: sanguíneos, coléricos, melancólicos e fleumáticos. A influência de Hipócrates em Galeno é clara, reforçando a continuidade de temas que sofreram contribuições específicas no contexto da época.
Um exemplo de antecedentes da Psicologia no período romano, no final da Idade Antiga, está na Teologia, conforme era discutida por autores como Santo Agostinho (354-430). Conhecido como Agostinho de Hipona, por residir na província de mesmo nome governada pelos romanos e localizada na costa norte do Continente Africano (região que hoje corresponde a Argélia), Santo Agostinho fez parte da Escola Patrística, perto do fim do período cristão primitivo.
SANGUÍNEOS, COLÉRICOS, MELANCÓLICOS E FLEUMÁTICOS
Conforme Galeno, cada pessoa já nasceria com certa combinação ou “tempero” dos quatro humores básicos. Embora pudesse ocorrer de os quatro humores estarem perfeitamente equilibrados em algumas pessoas, na maioria dos casos haveria a predominância de um ou dois deles. Isso contribuiria tanto para a formação de tipos físicos diferentes como de personalidades diferentes.
PATRÍSTICA
A Patrística consistia em diversos padres, teólogos e alguns santos que fundamentaram a fé católica nos primeiros três séculos do cristianismo, e o fizeram muitas vezes debatendo com filósofos gregos, como Platão e Aristóteles.
Santo Agostinho é notório por sua interlocução com Platão, porém desenvolve um pensamento original que discute diversos temas (PENNA, 1991). Aqui vamos apontar brevemente apenas o tema da memória, que possui interesse particular por ter partido de uma discussão Metafísica e teológica e ter chegado a conclusões próximas de algumas teorias modernas.
Especialmente, Santo Agostinho discute como o homem é um “escravo da memória”, por esta ser uma faculdade da alma que é ativa e que, em muitos momentos, domina o homem com reminiscências que ele não controla. Em alguns sentidos, tal noção é interpretada como uma espécie de antecipação de temas que seriam discutidos por Sigmund Freud, em sua teoria psicanalítica (CONKE, 2014). Santo Agostinho faz uma série de descrições do funcionamento da memória em diversos escritos, discutindo como essa faculdade da alma é essencial para construir a noção do tempo no homem.
IDADE MEDIEVAL
Para finalizar nossa discussão sobre antecedentes históricos da Psicologia, trataremos brevemente da Idade Medieval (de 476 a 1453), um período de mil anos que é até hoje discutido em profundidade. Se outrora a Idade Medieval foi acusada de ser uma “Idade das Trevas”, com pouco ou nenhum avanço no conhecimento ou na ciência, hoje sabemos que tal concepção é um erro (LE GOFF, 2014): não apenas nesse período encontramos inúmeros avanços tecnológicos e culturais (como o arado para agricultura, multiplicação dos moinhos para produção de farinha e pão, o uso cada vez maior de ferro como material, o surgimento das Universidades etc.), como observamos que tais avanços são, muitas vezes, as origens do desenvolvimento social europeu que se atribuiu, em larga escala, ao Renascimento (meados do século XIV ao fim do século XVI).
Vamos falar de um pensador que revela tanto o ambiente intelectual europeu medieval como a continuidade da discussão da Filosofiagrega clássica através da Teologia, inspirando filósofos da Era Moderna: ele é São Tomás de Aquino (1225-1274). Responsável por operar uma conciliação entre as Escrituras Sagradas cristãs e a Filosofia grega, especialmente em Aristóteles, este santo funda não apenas uma tradição na Filosofia — conhecida como tomismo, que colocava a Metafísica a serviço da Teologia —, como se apresenta como um dos principais representantes da Escolástica, tradição que sucede a Patrística e que segue a conciliação com os ensinamentos das Escrituras com a Filosofia Clássica dos gregos, focando não apenas em Aristóteles. Tal conciliação visava construir a partir da cosmovisão dos filósofos gregos um entendimento que se adequasse ao cânone da fé cristã católica.
São Tomás de Aquino é de grande importância para a Psicologia por retomar Aristóteles, que, como vimos, propõe uma divisão da alma em vegetativa, sensitiva e racional. Entretanto, ao retomar o filósofo grego à luz da teologia e do contexto cristão, opera uma releitura que atualiza o conhecimento da Filosofia grega clássica e o transmite (especialmente a noção de pessoa e de alma) para todo o Ocidente cristão (MASSIMI, 2016)
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. O ESTUDO DOS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PSICOLOGIA ENVOLVE VISITAR CONTEXTOS HISTÓRICOS TÃO LONGÍNQUOS QUANTO A IDADE ANTIGA, QUE VAI DE 4.000 A. C. ATÉ 476 D. C. NESSE PERÍODO, ENCONTRAM-SE ANTECEDENTES DIVERSOS DE ESPECIAL IMPORTÂNCIA PARA A PSICOLOGIA. PODEMOS DIZER QUE O ESTUDO DESSES ANTECEDENTES NA ANTIGUIDADE É VÁLIDO PARA A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA PORQUE ELES:
Apresentam temas e questões que surgem e são ressignificados nos séculos seguintes.
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2. ALGUNS AUTORES GREGOS PERMANECERAM COMO REFERÊNCIA NO FIM DA IDADE ANTIGA E DURANTE A IDADE MEDIEVAL, QUE SE DEU DO SÉCULO V ATÉ O SÉCULO XV. ARISTÓTELES E PLATÃO SÃO EXEMPLOS DE FILÓSOFOS GREGOS QUE PERMANECERAM ESTUDADOS ATÉ O FIM DA IDADE MÉDIA ENTRE PADRES E TEÓLOGOS CRISTÃOS. PODEMOS AFIRMAR QUE ESSES PADRES E TEÓLOGOS RETOMARAM OS FILÓSOFOS GREGOS PORQUE:
Era de interesse da Teologia a conciliação entre os saberes clássicos gregos e a fé cristã.
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MÓDULO 2
Localizar nas discussões filosóficas da Europa, no período da Idade Moderna, os temas do racionalismo e empirismo na Filosofia, por meio do pensamento de Christian Wolff e Immanuel Kant
IDADE MODERNA
Com o término da Idade Medieval, após a queda de Constantinopla, conquistada pelo Império Turco-Otomano no ano de 1453, inicia-se o período que os historiadores chamam de Idade Moderna, que durará então do final do século XV até o século XVIII. Nesse período, ocorre na Filosofia um longo debate que culminará na proposta de Psicologia criada pelo filósofo alemão Christian Wolff que, por sua vez, sofrerá forte crítica de outro grande filósofo alemão, Immanuel Kant.
Esse debate entre o Racionalismo e o Empirismo manifestam-se, no trabalho de Wolff, nas propostas de uma Psicologia Racional e uma Psicologia Empírica, ambas com questões e problemas distintos. As críticas que Kant fará a essas propostas serão conhecidas como vetos kantianos e se tornarão cruciais para que, ao longo do século XIX, uma série de pressupostos da Fisiologia Sensorial seja adaptada para resolver o problema da cientificidade da Psicologia, proposto por Kant e resolvido pelos psicofisiologistas, assunto do terceiro módulo.
RACIONALISMO E EMPIRISMO
Pode se dizer que durante a Idade Moderna, instalou-se na Filosofia, especialmente no ramo chamado de epistemologia, a discussão entre o Racionalismo e o Empirismo. Veja a diferença entre ambos a seguir (PENNA, 1991):
Racionalismo
Se posiciona epistemologicamente como uma abordagem que prioriza o conhecimento adquirido pelo sujeito através do intelecto, em detrimento das experiências ou das sensações. Um argumento racionalista comum diz que os sentidos enganam nossa percepção da realidade, que apenas através da dedução lógica podemos assumir certas verdades sobre o mundo.
Empirismo
Se posiciona epistemologicamente como uma abordagem que prioriza a obtenção do conhecimento sensível pela experiência, ao contrário daquele obtido por deduções puramente lógicas. Um argumento empirista comum é o de que na experiência se tira a prova de diversas teorias sobre o funcionamento da natureza, em detrimento de puras especulações sem base na realidade sensível.
EPISTEMOLOGIA
Ramo da Filosofia que se preocupa com o conhecimento, discutindo que tipos de conhecimento podem ser considerados válidos e de que forma podem ser obtidos.
Podemos observar como a ciência moderna se fundamenta numa espécie de síntese entre as duas posições:
Já o racionalismo muitas vezes inspira uma explicação para várias medidas e experiências difusas das ciências aplicadas, que podem ser sintetizadas por uma matematização específica dos resultados experimentais obtidos, resultando em leis.
De um lado, o empirismo inspira o viés experimental da ciência moderna, que tira a prova de hipóteses através de cuidadosos experimentos, apontando como os fenômenos da natureza se comportam em diferentes situações.
Veremos, em seguida, alguns filósofos modernos tomados como exemplos de cada uma das duas abordagens. É importante destacar que evidentemente existem muitos outros autores, porém, fica a critério da curiosidade do leitor buscar mais referências que ampliem sua visão sobre esse vastíssimo tema na Filosofia e sua relação específica com a história da Psicologia.
RACIONALISMO: René Descartes (1596-1650) não é apenas um dos maiores nomes do racionalismo na Filosofia, como também é considerado um dos principais expoentes da Filosofia moderna. Em muitos trabalhos, como o Discurso do Método e Meditações Metafísicas, Descartes propõe que a razão humana deve ser a principal fonte de obtenção de conhecimento, pois apenas dela podem surgir conhecimentos tidos como válidos. Um exemplo dessa proposição aplicada na prática é a origem da famosa frase Cogito, Ergo Sum, que se traduziria para “Penso, Logo Existo”. A raiz dessa afirmação está na chamada dúvida metódica
Descartes isolou-se da sociedade e, num quarto fechado, ao longo de vários dias, começou a propor dúvidas sobre todos os conhecimentos que havia previamente obtido, pretendendo reter apenas os conhecimentos e as ideias dos quais não pudesse duvidar. Ao chegar num ponto onde duvidava de tudo, percebeu que só tinha certeza de uma coisa: de que estava duvidando. Daí, surge o cogito cartesiano: podia duvidar de tudo, menos de que duvidava e que, portanto, pensava. Para Descartes, o pensamento humano é a base da Filosofia, pois nele se pode confiar com certeza (MASSIMI, 2016).
Daí que a razão é o que orienta o racionalista: ao pensar logicamente, produz conhecimento claro sobre o mundo. Ao não se deixar levar pelas sensações, que habitualmente são enganosas, o racionalista pode acessar conhecimentos que são verdadeiros. Entretanto, não se trata apenas de um pensamento sem regras, mas direcionado. Para Descartes, havia uma série de regras para produzir conhecimento verdadeiro e confiável:
· Tratar apenas do que é evidente;
· Dividir problemas em partes para buscar sua solução;
· Ordenar o pensamento do mais simples ao mais complexo;
· Controlar o percurso desse pensamento.
Imagem: Anpaoliello / Wikimedia Commons / CC 3.0
Não é à toa que, para Descartes, um dos meios mais confiáveis de obtenção de conhecimento era a Matemática, área à qual fez importantes contribuições (MASSIMI, 2016, p. 335). O plano cartesiano, utilizado pela Geometria Analítica para dispor pontos em um eixo x e um eixo y, foi inventado por Descartes. Também no cálculo infinitesimal fez contribuições, além de várias notações matemáticas suas serem até hoje amplamente utilizadas.
Baruch Spinoza (1632-1677) foi, em grande parte, inspirado por Descartes. Uma das maiores contribuições de Spinoza para a Filosofia é a distinção que opera, em parte de sua obra, entre dois tipos de conhecimento (PENNA, 1991, p. 85):O CONHECIMENTO SENSÍVEL
O CONHECIMENTO OBTIDO PELA RAZÃO
O CONHECIMENTO SENSÍVEL
É incompleto e é fonte de erros e concepções equivocadas sobre a realidade.
O CONHECIMENTO OBTIDO PELA RAZÃO
É confiável, pois a razão “revela-se em nós como um poder independente de todo o mundo exterior, que nos permite apreender a essência íntima das coisas e as relações necessárias que as ligam às outras”
Vemos em Spinoza o exemplo de um autor que apela para um argumento tipicamente racionalista: os sentidos podem nos enganar, mas a razão é perfeitamente confiável. Sintetiza o mundo sensível e permite que organizemos as coisas nas relações estabelecidas entre elas.
EMPIRISMO
Um dos grandes expoentes do empirismo na Filosofia foi John Locke (1632-1704). Para ele, a mente humana se constituía de elementos básicos que seriam as ideias, e estas, por sua vez, seriam formadas através da experiência humana. Locke utiliza-se da clássica noção de que o ser humano é como uma folha em branco, ou uma tabula rasa, que se preenche ao longo da vida. Tal preenchimento se dá tanto pelas sensações que adquirimos pela experiência quanto pela reflexão, operação interna da mente.
Imagem: Rômulo Rosa/Shutterstock.com
Um exemplo das ideias de Locke pode ser encontrado na troca de cartas que teve com um amigo, fato apresentado em seu livro Ensaio sobre o entendimento humano.
EXEMPLO
Trata-se do caso em que um homem, que havia nascido cego, subitamente recupera sua visão. Porém, um fato curioso aconteceu: o homem, que ainda cego era capaz de diferir um cubo de uma esfera pelo tato, após voltar a enxergar, era incapaz de distingui-los apenas pela observação. Poderia raciocinar e deduzir matematicamente as propriedades de um cubo ou da esfera, mas ainda não os reconheceria visualmente.
Como essa questão seria explicada? A explicação vem do Empirismo de Locke: apesar de voltar a enxergar, o homem em questão nunca tinha experimentado um cubo ou uma esfera visualmente, apenas de modo tátil. Para distingui-los com a visão, teria que experimentar esses objetos visualmente, adquirindo essas sensações específicas (HOTHERSALL, 2006).
Outro filósofo muito importante para o empirismo foi David Hume (1711-1776). Ele foi um empirista de uma vertente chamada associacionismo. Sua preocupação era, assim como Locke, com a análise de experiências e como estas se tornam sensações que se tornam ideias. Porém, Hume estava preocupado também em formalizar leis que explicassem como as sensações se associavam.
Para Hume, havia uma distinção entre ideias e impressões: as primeiras seriam cópias “fracas” da segunda; e as impressões surgiriam das sensações. Ideias e impressões, quando ocorrem juntas, tendem a se associar, daí sua filiação a um empirismo associacionista. Dessa forma, Hume argumenta que nossa mente associa impressões a ideias e que tais ideias, quando simples, associam-se umas com as outras para formar ideias mais complexas, o que explicaria os conteúdos mais elaborados do pensamento a partir de impressões sensíveis — ou seja, da experiência. Não seria, entretanto, uma associação fortuita. Hume descreve três princípios ou leis de associação (HOTHERSALL, 2006, p. 59):
ASSOCIAÇÕES DE IDEIAS POR SEMELHANÇA
CONTIGUIDADE (ESPACIAL OU TEMPORAL)
RELAÇÕES DE CAUSA E EFEITO
Vemos assim como o Empirismo distancia-se do Racionalismo, quando presume como o ser humano conhece e como pode conhecer de maneira confiável a realidade.
CHRISTIAN WOLFF E IMMANUEL KANT
Tendo em mente a distinção entre racionalismo e empirismo, podemos então discutir uma das formulações mais complexas da Psicologia no século XVIII.
Trata-se do sistema filosófico de Christian Wolff (1679-1754) que, naquele século, foi o autor que ajudou a delinear a Psicologia com status de uma disciplina da Filosofia. O complexo sistema filosófico de Wolff visava garantir a essa área uma certeza da qual gozavam os conhecimentos que dispunham da Matemática. Para Wolff, os ramos da Filosofia deveriam ser a Lógica, a Metafísica, a Filosofia Prática, a Física, a Filosofia das Artes (nesse sentido, tratava-se da Tecnologia, Artes Liberais e Medicina) e a Filosofia da Jurisprudência.
A Metafísica, em ordem de dependência, estudava (VIDAL, 2010):
ONTOLOGIA
COSMOLOGIA GERAL
PSICOLOGIA EMPÍRICA
PSICOLOGIA RACIONAL
TEOLOGIA NATURAL
Aqui, do vastíssimo e elaborado sistema filosófico de Christian Wolff, interessa-nos destacar como a Psicologia tornou-se um tema circunscrito na Filosofia como área de conhecimento, e será a partir daqui que podemos começar a discutir um projeto de Psicologia que poderia futuramente estar próximo de se separar da Filosofia.
NO SISTEMA DE WOLFF, A PSICOLOGIA EMPÍRICA SERIA UM ESTUDO DA VIDA INTERIOR DA ALMA EXCLUINDO AS RELAÇÕES FISIOLÓGICAS E CORPORAIS.
O interesse seria o estudo das faculdades da alma (a percepção, os sentidos, a imaginação, a memória, a atenção etc.). Trata-se de entender como a alma humana capta o mundo e organiza as percepções e ideias, observando como nossas faculdades trabalham a posteriori, ou seja, após tais percepções do mundo se formarem em nossa alma.
JÁ A PSICOLOGIA RACIONAL DEFINE A ALMA HUMANA COMO O PRÓPRIO PODER DE REPRESENTAÇÃO DO UNIVERSO, E ESTUDA ESSA ALMA COMO ENTE OU ESSÊNCIA A PRIORI.
Ou seja, que antes define por princípio as faculdades estudadas na Psicologia Empírica. Colocando em outras palavras, se a Psicologia Empírica se preocupa com as faculdades da alma, capazes de organizar o mundo ao nosso redor, a Psicologia Racional se preocupa em justificar e explicar a própria existência dessa alma que, por sua vez, possibilita a existência de tais faculdades em primeiro lugar. Para Wolff, a Psicologia Racional não produzia conhecimentos empíricos, mas revelava aspectos da alma para além do que permitia a observação, método próprio da Psicologia Empírica (VIDAL, 2010).
ATENÇÃO
Observa-se como o debate entre Racionalismo e Empirismo se configura no sistema de Wolff: uma Psicologia deduz racionalmente como a alma funciona e outra Psicologia estuda como essa alma possui faculdades específicas que percebem e compreendem o mundo.
Esse sistema foi duramente criticado por Immanuel Kant (1724-1804), contemporâneo de Wolff e que é considerado um dos mais importantes filósofos não apenas do período, mas também para a epistemologia. Kant estabelece em seu livro Crítica da razão pura que certos conhecimentos não podem ser ciências legítimas, uma vez que são incapazes de produzir uma evidência demonstrativa. Tais conhecimentos recaem numa Metafísica, um tipo de conhecimento que pode alegar várias coisas racionalmente, mas sem fornecer objeto ou evidência empírica de sua validade. Seria preciso operar uma síntese entre uma certa racionalidade especulativa e um certo empirismo demonstrável para atingir o status de cientificidade.
Portanto, ao analisar a Psicologia Racional e a Psicologia Empírica de Wolff, o veredito é claro: não se pode fazer ciência partindo da Psicologia Racional, dado que, sendo seu objeto a alma, incorreria fatalmente num discurso puramente metafísico, sem viés empírico que demonstre sua validade. Porém, a Psicologia Empírica tinha possibilidade de ser uma ciência, mas apenas se formalizasse seu corpo de conhecimento. Em seu livro Princípios metafísicos da ciência da natureza, Kant argumenta que, para se tornar ciência, a Psicologia Empírica deveria (FERREIRA, 2010, p. 85):
Descobrir um objeto preciso, assim como a Química tinha como objeto de estudo o elemento, sobre o qual realizava análises e sínteses.
Estudar tal objeto de modo objetivo, dado que no caso da alma, observador (humano) e observado (alma) se confundem nesse processo, necessitando de uma separação entre objeto e observador.
Produzir uma matematização sobre de tal objeto, matematização essa mais complexa que a geometria de uma linha reta.
Aqui reside justamente o problema que levará a Psicologia a organizar-se como ciência experimental. O século XIX será marcado pela busca na Fisiologia Sensorial de ferramentas para a superação desses vetos estabelecidos por Kant. E uma vez queesses vetos sejam formalmente superados, podemos falar finalmente de uma Psicologia que é científica e, pela primeira vez, separada da Filosofia, existindo como campo próprio de atuação e com problemas particulares, regidos pelos ditames da ciência experimental.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A IDADE MODERNA APRESENTA UM GRANDE DEBATE NA FILOSOFIA, ESPECIFICAMENTE ENTRE O RACIONALISMO E O EMPIRISMO. ESSE DEBATE SE REVELA IMPORTANTE PARA A PSICOLOGIA PORQUE:
Culmina na inspiração de um projeto de Psicologia Filosófica.
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2. NO SÉCULO XVIII, CHRISTIAN WOLFF RECEBE CRÍTICAS DE IMMANUEL KANT COM RELAÇÃO ÀS PSICOLOGIAS RACIONAL E EMPÍRICA QUE FAZIAM PARTE DA METAFÍSICA DE SEU VASTO SISTEMA FILOSÓFICO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE MELHOR JUSTIFIQUE AS CRÍTICAS DE KANT:
Kant criticou a Psicologia Racional por esta não ser matematizável.
MÓDULO 3
Esquematizar, na Psicofísica e Fisiologia Sensorial do século XIX, os recursos teóricos e experimentais por meio dos trabalhos de Johannes Müller, Hermann von Helmholtz, Ernst Weber e Gustav Fechner
PSICOFISIOLOGISTAS
Neste módulo, discutiremos a busca da Psicologia para superar os vetos que Immanuel Kant estabeleceu. Observaremos como, no século XIX, diferentes teorias e modelos serão incorporados no intuito de dar ao conhecimento psicológico uma organização científica, com objeto e método definidos e uma formalização matemática típica das Ciências Naturais.
Apresentaremos, em seguida, quatro autores: Johannes Müller, Hermann von Helmholtz, Ernst Weber e Gustav Fechner.
JOHANNES MÜLLER (1801-1858)
Johannes Müller foi um dos mais importantes fisiólogos alemães da primeira metade do século XIX. Suas pesquisas envolviam as funções do sistema nervoso, sensorial, endócrino e reprodutivo. Seu trabalho tornou-se relevante para a Psicologia, pois ele estabeleceu a Teoria das Energias Nervosas Específicas. Tal teoria propunha que os órgãos sensoriais, não obstante o tipo de estimulação externa que pudessem receber, sempre produziriam sensações internas específicas, ligadas ao órgão em questão. O olho, por exemplo, ao ser estimulado, teria seus nervos óticos sempre produzindo imagens luminosas.
O importante desta teoria é a noção de que uma sensação interna seria correlata a um estímulo externo. Dessa forma, tal sensação poderia ser causada via cuidadosa experimentação e, dessa forma, estudada. A sensação também resolve o primeiro veto kantiano discutido no módulo anterior, já que substituiria a alma como objeto da Psicologia Científica, além de unir:
O mundo físico externo (através dos estímulos)
O mundo fisiológico (por serem os nervos a traduzir os estímulos em sensações)
O mundo psicológico (dado que as sensações se associavam na consciência)
A sensação ainda teria a vantagem de ser um elemento mais preciso e circunscrito do que as ideias e impressões que filósofos empiristas acreditavam estar na base da associação de ideias (FERREIRA, 2010). Vemos então que na Fisiologia Sensorial surge a primeira possibilidade de superação dos vetos kantianos, tendo a possível futura Psicologia um objeto definido: a sensação.
HERMANN VON HELMHOLTZ (1821-1894)
Hermann von Helmholtz foi um médico, físico e matemático alemão orientado por Johannes Müller. Entre várias contribuições na Fisiologia, Física e até Filosofia, Helmholtz ficou conhecido por desenvolver uma teoria sobre a formação das representações psicológicas, que ele chamava de apercepções. Essa teoria foi crucial para o desenvolvimento de um novo método de estudo e análise das sensações. Tratava-se da introspecção experimental, que era baseada na noção de inferências inconscientes.
Para explicar a teoria de Helmholtz, voltemos a Christian Wolff e sua Psicologia Empírica. Quando Wolff falava que seu objetivo era observar as faculdades da alma e analisar a formação de suas sensações e ideias a posteriori, o termo “observação” aqui não se tratava de uma observação de algo no mundo “lá fora”, mas sim do “mundo interno” do filósofo. Em outras palavras, tratava-se de um estudo baseado na introspecção, um olhar para dentro, em busca de compreender esses processos internos das faculdades da alma. A essa forma específica, chamaremos de introspecção filosófica.
É aqui que o trabalho de Helmholtz começa a fazer sentido. Uma vez que se pretende analisar a formação das sensações, no sentido proposto por Müller e não da Filosofia, sabemos que essas não são puramente assimiladas pela nossa consciência.
EXEMPLO
Ao recebermos um estímulo externo vindo de uma fonte conhecida, a sensação que se forma em nossa consciência é imediatamente associada à experiência passada vinculada àquele estímulo, dado que numa longa vida recebemos inúmeras vezes tal estimulação.
ESSA VINCULAÇÃO DE UMA SENSAÇÃO A UMA EXPERIÊNCIA PASSADA HELMHOLTZ NOMEIA DE INFERÊNCIA INCONSCIENTE.
EXEMPLO
Então, por exemplo, tomemos o estímulo luminoso de uma lâmpada: após nosso sistema nervoso processar tal estímulo e a sensação de luminosidade aparecer em nossa consciência, de imediato associaremos, via uma inferência inconsciente, aquela sensação à uma lâmpada.
Porém, se o estudo da sensação visava ser o estudo de um elemento em seu estado puro, tais experiências passadas associadas por inferências inconscientes seriam um obstáculo. Logo, Helmholtz propunha um método de observação e estudo dessas sensações que visava tirar a influência de tais inferências.
Tal método só poderia ser ensinado a quem fosse versado e treinado na fisiologia sensorial necessária para reconhecer o erro do estímulo, ou seja, confundir o estímulo externo e sua correlata sensação com uma experiência passada inconscientemente a ela atrelada. O treinamento envolvia uma introspecção, que é diferente da introspecção filosófica: Helmholtz o nomeia de introspecção experimental, portanto, uma metodologia que facilitaria tanto depurar as sensações em seu estado mais bruto como também eliminar a confusão sujeito-objeto denunciada por Kant (FERREIRA, 2010). Observamos aqui a superação de mais um dos três vetos kantianos.
ERNST WEBER (1795-1878)
Ernst Weber foi um fisiólogo e anatomista alemão que lecionou na Universidade de Leipzig. Suas pesquisas em fisiologia focaram-se em sensibilidade tátil e audição. É, porém, no estudo da sensibilidade tátil que encontraremos um caminho para a superação do terceiro e último veto kantiano. Weber ficou conhecido por postular o que chamou de Lei das Diferenças Apenas Percebidas, que chamaremos aqui de DAP. Esta lei é considerada não apenas uma das bases da Psicologia Experimental, como também uma das primeiras formulações matemáticas de interesse crucial para a Psicologia.
As DAP são uma relação de proporcionalidade entre as diferenças apenas percebidas, cuja fórmula se expressa como:
DAP 
Ea e Eb são os estímulos a serem comparados. Assumindo, por exemplo, que dois pesos, um de 1kg e outro de 2kg, sejam comparados, é fácil notar a diferença entre eles. Há 1kg de diferença e este se torna perceptível facilmente. Entretanto, se assumirmos a diferença entre um peso de 21kg e um peso de 20 kg, empiricamente se torna uma diferença quase imperceptível: não se nota a diferença entre esses dois pesos como se nota no primeiro exemplo. Por mais que seja conhecida a diferença entre estímulos (novamente, 1kg), a sensação dessa diferença não ocorre.
ATENÇÃO
É importante observar que o valor absoluto da diferença é o mesmo nos dois casos (1kg), mas dada a magnitude de estímulos do segundo caso, 1kg torna-se imperceptível, mostrando que a diferença relativa, que de fato é percebida, depende da relação da diferença com os valores absolutos (FERREIRA, 2010).
EM OUTRAS PALAVRAS, QUANTO MAIOR É A MAGNITUDE DOS ESTÍMULOS, MAIS DIFÍCIL É NOTAR PEQUENAS DIFERENÇAS ENTRE ELES.
Torna-se necessária uma diferença cada vez maior para que esta seja notada. Assumindo um terceiro cenário, se fossem comparados pesos de 25kg e 20kg, por exemplo, tal diferença seria sim percebida.
Porém, como esta fórmulaajuda a Psicologia a superar os vetos kantianos? Apesar de Weber ter feito significativa contribuição para a psicofísica com essa fórmula, foi sua subsequente apropriação por Gustav Fechner que possibilitou a superação do terceiro veto kantiano, como veremos a seguir.
GUSTAV FECHNER (1801-1887)
Gustav Fechner foi um matemático, filósofo e físico alemão principal responsável pela superação completa das críticas de Kant à possibilidade de a Psicologia tornar-se científica. Dono de uma vasta obra filosófica e fisiológica, Fechner viu nas DAP de Weber a possibilidade de adaptar tal formulação de modo que se calculasse não as diferenças apenas percebidas, mas as próprias sensações internas. Vejamos seu raciocínio.
A fórmula de Fechner complexifica a fórmula das DAP. Em primeiro lugar, substitui a noção de DAP pela própria noção de Sensação, notada com um S na fórmula. Tal S seria igual a uma constante k multiplicada pelo logaritmo do limiar de percepção do estímulo, notado como LogR. A nova fórmula ficaria:
S = K.LOGR
E seria conhecida a partir desse ponto como Lei de Weber-Fecher (FERREIRA, 2010, p. 88-89).
Não nos importa aqui compreender exatamente a aplicação matemática de tal fórmula, mas sim compreender o que ela possibilitou. Podemos observar que de um lado da equação estão as sensações, que se encontram na consciência. Já do outro lado da fórmula, residem os estímulos, que fazem parte do mundo físico externo à consciência. A principal contribuição de Fechner, portanto, foi equacionar matematicamente o mundo externo a uma medida objetiva do mundo interno. Em outras palavras, Fechner conseguiu realizar a matematização que Kant havia imposto como condição para que a Psicologia tornasse um saber de fato científico.
A importância dessa fórmula não pode ser subestimada. Alguns historiadores da Psicologia marcam-na como o início do campo da Psicologia Experimental, e até mesmo com uma data específica:
(...) FOI NO DIA 22 DE OUTUBRO DE 1850, ENQUANTO ESTAVA DEITADO EM SUA CAMA PENSANDO NESTE PROBLEMA [RELAÇÃO ENTRE MENTE E MATÉRIA], QUE OS CONTORNOS DA SOLUÇÃO DO PROBLEMA VIERAM A ELE.
(BORING, 1957, p. 280)
Trata-se de um evento não apenas importante para a Psicologia, mas crucial para a compreensão de como a Psicologia atualmente se fundamenta: teve de angariar fontes e evidências empíricas para, finalmente, entrar no salão das Ciências Experimentais.
A IMPORTÂNCIA DOS PSICOFISIOLOGISTAS
A maior contribuição dos psicofisiologistas para a Psicologia do século XIX foi a superação dos vetos kantianos, conforme abordamos. Entretanto, há uma segunda contribuição importante a ser discutida, que é a de possibilitarem que os problemas filosóficos do século anterior fossem mesclados com os métodos da fisiologia sensorial. Mais do que apenas fornecerem respostas àqueles vetos impostos por Kant, os trabalhos dos autores que discutimos aqui permitiram que toda a problemática filosófica do século XVIII se mesclasse com as teorias e técnicas experimentais da Fisiologia do século XIX, abrindo caminho para o que pode ser conhecido como:
PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA DA EXPERIÊNCIA
A Psicologia como Ciência da Experiência é um projeto de Psicologia que se preocupa com a dualidade entre uma experiência objetiva (que será chamada de “mediata”) e uma experiência subjetiva (que será chamada “imediata”). Enquanto a Física cuida das experiências objetivas, a Psicologia se ocuparia das experiências subjetivas, pois estas são, por definição, criadoras de percepções falsas da realidade, ao contrário das experiências objetivas, passíveis de representação no mundo (FERREIRA; PEREIRA 2007, p. 234 ).
Aqui podemos realmente contemplar a profundidade da contribuição dos psicofisiologistas citados, pois seus trabalhos se uniram de forma a garantir cientificidade à Psicologia e criar um projeto que foi seguido nos anos posteriores, voltado a compreender o falseamento da percepção de experiências subjetivas:
A NECESSIDADE DE EXPLICAR AS CAUSAS DESTE FALSEAMENTO COLOCA-SE NA SEQUÊNCIA. PARA TAL, A EXPERIÊNCIA IMEDIATA OU PSICOLÓGICA DEVERIA SER ESTUDADA POR UMA FORMA DE EXPERIÊNCIA MEDIATA, A INTROSPECÇÃO EXPERIMENTAL, NA QUAL OS SUJEITOS – DEVIDAMENTE TREINADOS – DEVERIAM DECANTAR, DA TOTALIDADE DA EXPERIÊNCIA, OS SEUS ASPECTOS SENSORIAIS. IMPORTADO DA FISIOLOGIA, O CONCEITO DE SENSAÇÃO SE COLOCAVA COMO UMA ESPÉCIE DE UNIDADE BÁSICA DA EXPERIÊNCIA, CAPAZ DE DAR CONTA DE VARIAÇÕES DISCRETAS DE ENERGIA NO INTERIOR DOS NERVOS E PASSÍVEL DE FORMULAÇÃO MATEMÁTICA NOS MEANDROS DA COMPARAÇÃO PSICOFÍSICA COM AS GRADAÇÕES DOS ESTÍMULOS FÍSICOS. ESTA SE TORNOU A GARANTIA DE CIENTIFICIDADE DA PSICOLOGIA E LASTRO DE TODA A EXPERIÊNCIA.
(FERREIRA E PEREIRA, 2007, p. 234)
O que se segue é história. Wilhelm Wundt, no final do século XIX, irá compor o primeiro laboratório de Psicologia Experimental e, a partir dessa conquista, será possível produzir uma Psicologia que tenha um conteúdo empírico e observável e que, ao mesmo tempo, estabeleça uma matematização “mais complexa que a geometria de uma linha reta”, como impusera Kant como condição. A Psicologia proposta por Wundt será apenas um exemplo entre várias possibilidades da Psicologia como Ciência da Experiência, mas certamente se colocará como o exemplo de uma Psicologia Clássica, título que carrega em manuais de história da Psicologia até os dias de hoje.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A IMPORTÂNCIA DOS PSICOFISIOLOGISTAS PARA A PSICOLOGIA EXPERIMENTAL FOI:
Fornecer meios de superação das críticas realizadas por Kant à Psicologia Filosófica.
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2. GUSTAV FECHNER FOI RESPONSÁVEL POR ADAPTAR A FÓRMULA MATEMÁTICA DE ERNST WEBER PARA MENSURAÇÃO DA SENSAÇÃO. ENTENDE-SE QUE O IMPORTANTE RESULTADO DESSA FÓRMULA FOI:
Estabelecer uma relação entre o mundo interior das sensações e o mundo exterior dos estímulos.
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MÓDULO 4
Descrever o trabalho e o projeto de Psicologia de Wilhelm Wundt
A PSICOLOGIA DE WILHELM WUNDT
Neste último módulo, apresentaremos brevemente o projeto de Psicologia de Wilhelm Wundt (1832-1920), aquele que é considerado por muitos historiadores o fundador da Psicologia Experimental. Wundt é creditado por ter criado e dirigido o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, sediado na Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1879. Na visão de um dos mais importantes historiadores da Psicologia:
[WILHELM WUNDT] É O PRIMEIRO HOMEM A, SEM RESERVAS, SER CHAMADO DE PSICÓLOGO. ANTES DELE HAVIA MUITA PSICOLOGIA, MAS NÃO HAVIA NENHUM PSICÓLOGO. (...) QUANDO NÓS O CHAMAMOS DE ‘FUNDADOR’ DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL, QUEREMOS TANTO DIZER QUE ELE PROMOVEU A IDEIA DA PSICOLOGIA COMO UMA CIÊNCIA INDEPENDENTE COMO TAMBÉM QUE ELE É O MAIS VELHO DENTRE OS PSICÓLOGOS.
(BORING, 1957, p. 316)
Apesar dessa alegação tão intensa sobre Wundt ser o primeiro psicólogo de fato, há uma característica de seu trabalho que chama a atenção: muito pouco se sabe sobre o que ele escreveu. Nunca houve uma publicação completa de todos os escritos de Wundt (que ultrapassariam 50 volumes), além de a disponibilidade de seus livros ser baixa e as traduções escassas. Dessa forma, não há um claro entendimento de sua obra até os dias de hoje (ARAÚJO, 2010).
A seguir, iremos apresentar um panorama da obra de Wundt seguindo os trabalhos de Saulo de Freitas Araújo, professor brasileiro que empreendeu um dos maiores esforços, em nível mundial, para compreender, pesquisar e divulgar a obra original do autor. Para tanto, focaremos na fase madura do trabalho de Wundt, que se assume como a partir de 1880 até seus últimos escritos.
DEFINIÇÃO DE PSICOLOGIA
EM SEU SISTEMA DE PSICOLOGIA, DENOMINADO DE VOLUNTARISMO, WILHELM WUNDT DEFINE QUE A PSICOLOGIA É UMA CIÊNCIA EMPÍRICA QUE SE PREOCUPA COM A EXPERIÊNCIA INTERNA.
Toda experiência pode ser analisada por duas vias:
DIMENSÃO OBJETIVA
Ele a nomeia de experiência mediata (que trata dos objetos do mundo externo).
DIMENSÃO SUBJETIVA
Ele a nomeia de experiência imediata (que trata dos objetosdo mundo interno da consciência).
Assim como as Ciências Naturais (Física e Química, por exemplo) tratam dos objetos do mundo externo, a Psicologia se preocuparia com o aspecto subjetivo da experiência (ARAÚJO, 2010).
Não se trata de dizer que as dimensões internas e externas da experiência são distintas. Para Wundt, trata-se de duas perspectivas de uma mesma experiência. Os aspectos do mundo interno estão diretamente correlacionados com os aspectos do mundo externo, não havendo, portanto, uma divisão ou hierarquia: ambas as perspectivas dizem coisas sobre a experiência como um todo, apenas de posições diferentes — uma posição interna e outra externa.
Dessa forma, a principal diferença entre a Psicologia e as demais Ciências Naturais é a natureza pela qual acessa a experiência.
CIÊNCIAS NATURAIS
Tratam de objetos externos e sua compreensão é mediada por aspectos do próprio sujeito (por exemplo, ao observar um objeto cair, a apreensão do objeto é feita pelos sentidos do sujeito observador).
PSICOLOGIA
Estuda experiências que não são mediadas (por exemplo, um exame das sensações após observar uma fonte de luz é um acesso direto à sensação, sem mediação dos sentidos dado que estes já transformaram um estímulo externo em sensação interna).
Em outras palavras, são posições complementares. A Física estuda os objetos externos mediada pelos sentidos, e a Psicologia estuda as sensações internas geradas pelo contato com esses objetos e sem mediação (ARAÚJO, 2010).
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA
Wundt divide a Psicologia em dois grandes meios ou métodos de investigação. Partindo da distinção entre experimento e observação, comuns à metodologia científica, estabelece que à Psicologia cabe metodologia similar, concernente à Psicologia individual e à Psicologia dos povos (ARAÚJO, 2010):
PSICOLOGIA INDIVIDUAL
PSICOLOGIA DOS POVOS
PSICOLOGIA INDIVIDUAL
Deve ser estudada pela via dos experimentos, onde settings experimentais controlados circunscrevem com precisão o fenômeno a ser estudado, manipulando variáveis em busca de uma melhor compreensão deste. Portanto, é a Psicologia mais fisiológica, que se presta ao estudo das sensações em laboratório.
PSICOLOGIA DOS POVOS
Deve se valer de uma observação cuidadosa de fenômenos impossíveis de serem controlados ou manipulados experimentalmente. A Psicologia dos povos, por vezes chamada de volkerpsychologie em alemão, estuda fenômenos que já ocorreram, como a linguagem, o mito, a religião etc.
Dessa divisão, decorre uma Psicologia que estuda os fenômenos inferiores da consciência, no sentido de serem os mais básicos e elementares que podem ser observados num indivíduo apenas, e uma Psicologia que se preocupa com os fenômenos superiores da consciência, muitas vezes complexos, elaborados e compartilhados entre muitos indivíduos. Tal divisão não compromete a unidade da Psicologia como ciência empírica, visto que se trata de aspectos complementares de investigação: dos fenômenos elementares e básicos, emergem os fenômenos elaborados e complexos; já os fenômenos complexos retroagem organizando e dando sentido aos fenômenos elementares.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA WUNDTIANA
Há dois grandes princípios que Wundt propôs em seu sistema e que guiam seu entendimento de um projeto de Psicologia: a noção de paralelismo psicofísico e a noção de causalidade psíquica. Aqui, falaremos de dois princípios que remontam a problemas recorrentes da Psicologia e que o autor tentou dar conta com base em princípios que norteassem seu trabalho e dissolvessem tais questões.
PARALELISMO PSICOFÍSICO
É a afirmação de que o físico e o psíquico são processos paralelos que não interagem entre si e são irredutíveis: isto é, o processo psíquico não deriva do processo físico e nem o processo físico deriva do psíquico. Como a experiência pode ser conhecida a partir de duas perspectivas distintas (objetiva e subjetiva), é possível que certas partes da experiência mediata possam ter correspondência direta com a experiência imediata, sem, contudo, que uma se reduza à outra. Não se trata aqui de uma afirmação puramente Metafísica ou especulativa, mas a constatação de um fato empírico (ARAÚJO, 2010).
Tal princípio se remete diretamente à discussão do binômio mente-corpo, que sempre assombrou a Psicologia e permanece até os dias de hoje relevante. A resposta de Wundt é bem simples e elegante: mente e corpo são paralelos, porque um trata da experiência interna e o outro da experiência externa.
CAUSALIDADE PSÍQUICA
Deriva em parte do princípio do paralelismo psicofísico. Partindo do pressuposto de que há correspondência entre processos mentais e físicos, certos conteúdos específicos da experiência só podem ser compreendidos com base em um único ponto de vista, físico ou psicológico. No caso dos processos físicos, por exemplo, estados e processos cerebrais só poderiam ser analisados sob esse ponto de vista, enquanto no caso dos processos psicológicos, um exemplo de experiência apenas compreendida sob esse ponto de vista seriam aspectos qualitativos da experiência religiosa.
Logo, há uma autonomia do conhecimento psicológico em alguns pontos, o que pressupõe autonomia de certos processos mentais via uma causalidade própria. De fato, há também uma autonomia de processos físicos, pois assumimos uma causalidade física na natureza.
Wundt aqui assegura que ambas as causalidades, as específicas dos processos mentais e as específicas dos processos físicos, não são excludentes, mas apenas complementares. O fato de alguns processos mentais serem apenas observados por uma perspectiva específica não é excludente ao mesmo fato para os processos físicos. Trata-se apenas de perspectivas distintas que se somam na compreensão da mente e da consciência. O privilégio na explicação de um fenômeno por uma das duas perspectivas não desmerece ou diminui a importância da outra perspectiva em tantas outras explicações.
VOLUNTARISMO DE WUNDT X ESTRUTURALISMO DE TITCHENER
Aqui apresentamos um panorama muito amplo de sistema de Wundt, o que não impede demais investigações em outras fontes para complementar a discussão. Entretanto, cabe uma última discussão teórica no intuito de deixar clara a posição de Wundt em relação à Psicologia e como um dos principais autores desse campo de conhecimento.
O principal discípulo de Wundt foi Edward Titchener (1867-1927). Britânico, Titchener viajou para a Alemanha e foi aluno de Wundt durante o doutorado. Ao término, tentou iniciar carreira na Inglaterra, mas, sem sucesso, foi para os Estados Unidos. A partir desse ponto, Titchener se tornou um dos mais importantes divulgadores da nova ciência psicológica experimental na América. Porém, Titchener não reproduziu as ideias de Wundt, mas as alterou drasticamente. Seu sistema, o estruturalismo, difere-se do Voluntarismo de Wundt em muitos aspectos, mas persistiu por muitos anos a compreensão equivocada de que aquela Psicologia que ele divulgava era a mesma de Wundt.
A principal diferença está na proposta geral: como vimos, Wundt admite uma Psicologia individual e uma Psicologia dos povos.
Titchener considerava que só poderia ser objeto da Psicologia aquilo que estuda os elementos da consciência pela via da introspecção. Tudo o que não estava relacionado a esses elementos estruturais da consciência não deveria ser assunto da Psicologia.
Essa concepção de Titchener acabaria focando apenas numa Psicologia individual e fisiológica, e eliminaria por completo a possibilidade de uma volkerpsychologie, Psicologia dos povos, projeto ao qual Wundt devotou os últimos anos de sua vida aperfeiçoando. O estruturalismo é, portanto, muito mais restrito como sistema de Psicologia do que o Voluntarismo de Wundt, que propõe a investigação de uma gama de fenômenos que o sistema de Titchener simplesmente não abarca (ARAÚJO, 2010).
LEGADO DE WUNDT
O leitor pode vir a se perguntar:
QUAL FOI O LEGADO DE WUNDT?
Como é um nome que não se estuda muito na graduação em Psicologia, é perfeitamente lícito se questionar sobre sua importância. Ocorre que Wundt foi um ator cuja influênciase sente muito mais de forma indireta. É certo que seu sistema de Psicologia, parecendo confuso e muito complexo, seria alvo de críticas da moderna neurociência e da Psicologia Cognitiva, mas definitivamente Wundt foi responsável por abrir caminhos que garantiram à Psicologia um campo de estudo muito particular ao longo do século XX.
Wundt teve muitos alunos que visitaram seu laboratório e nele obtiveram um título de Doutor, o qual utilizaram em outras áreas e em outros lugares do mundo. Já citamos Titchener, seu mais famoso aluno, mas existem muitos outros. Alguns dos mais famosos foram Charles Spearman (1863-1945), britânico que faria contribuições de extrema importância na área da Estatística para Psicologia, chegando ao famoso fator g, conceito fundamental nos estudos sobre a inteligência humana. Outro aluno de extrema importância foi Emil Kraepelin (1856-1926), psiquiatra considerado um dos principais fundadores da Psiquiatria moderna, além de ter contribuições na Psicofarmacologia.
VOCÊ SABIA
Um número surpreendente surge quando descobrimos que, entre 1875 e 1919, Wundt orientou nada menos que 186 teses de doutorado nos mais variados temas (HOTHERSALL, 2006).
Se considerarmos que há mais de cem anos ele foi responsável por treinar uma nova geração de psicólogos e demais doutores versados na nova possibilidade de uma Psicologia existir como ciência experimental, podemos compreender a vastidão de sua obra reverberando graças a seus alunos e orientandos. Este trabalho acadêmico significou uma vasta divulgação da Psicologia e dos novos métodos experimentais, possibilitando distintas abordagens e debates que persistiram através de outros sistemas e outras práticas psicológicas.
COMENTÁRIO
Wundt talvez não tenha sido o psicólogo cujo sistema foi o mais significativo ou duradouro em termos de relevância, mas seu legado pode ser sentido pelo que ele representou para a Psicologia: a possibilidade de ser uma área de conhecimento autônoma e independente das demais ciências.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. SOBRE O VOLUNTARISMO DE WILHELM WUNDT, A AFIRMAÇÃO CORRETA É:
Dividia o funcionamento da consciência entre fenômenos inferiores e superiores.
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2. O PARALELISMO PSICOFÍSICO É UM PRINCÍPIO BÁSICO DO SISTEMA PSICOLÓGICO DE WUNDT. ESTE PRINCÍPIO PARTE DO PRESSUPOSTO QUE:
Os processos físicos e os processos psíquicos são paralelos e não interagem entre si.
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Wundt acreditava que os processos físicos e os processos psíquicos ocorriam paralelamente, porém não interagiam entre si, apesar de serem complementares. Opa! Algo não deu certo.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, os antecedentes históricos da Psicologia são variados e, assim, é difícil estabelecer quando exatamente surge a Psicologia. Ela possui raízes longínquas na cultura grega e muitos aspectos dessas raízes foram levados adiante, do fim da Idade Antiga até a Idade Medieval.
Em seguida, observamos como várias questões surgiram a partir das discussões filosóficas na Idade Moderna e de que maneira vão culminar em outras questões a serem superadas, até que a Psicologia se tornasse uma ciência experimental.
Por fim, aprendemos como essa superação se deu em conjunto com a fisiologia sensorial e como o subsequente projeto de Psicologia de Wilheim Wundt foi de especial importância para inaugurar de uma vez por todas a possibilidade da atuação da Psicologia como uma ciência empírica e experimental
AVALIAÇÃO DO TEMA:

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