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IMAGINOLOGIA Miriãn Ferrão Maciel Fiuza Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir a diferença entre agente mutagênico e teratogênico em nível de ciclo celular. � Classificar agentes mutagênicos físicos e seus mecanismos de ação direta e indireta no DNA. � Explicar a ação da Lei de Bergonié e Tribondeau. Introdução O material genético é, constantemente, exposto a danos em suas molé- culas, e esses danos podem ser de origem interna ou externa. Os efeitos causados pelas substâncias que causam danos podem ser de pequena extensão, podendo ser recuperados pelo sistema de reparo, ou podem até ser efeitos permanentes. Neste capítulo, você vai estudar os agentes mutagênicos e teratogê- nicos capazes de alterar as sequências de DNA, conhecendo a diferença entre eles. Além disso, vai aprender a classificar os agentes mutagênicos físicos e seus mecanismos de ação direta e indireta e entender a aplica- bilidade da Lei de Bergonié e Tribondeau. Agentes mutagênicos e teratogênicos O ciclo celular é constituído de divisões celulares, ou seja, cada divisão celular é um ciclo. Esse processo é dividido em etapas principais, que são as seguintes: uma fase mitótica, também chamada de fase M, na qual ocorre a divisão; e uma fase intermediária, a chamada de interfase. A interfase se divide em três partes: a fase S, na qual ocorre a síntese de DNA; a fase G1, que é o intervalo entre a fase M e a fase S; e a fase G2, que é o intervalo entre a fase S e a fase M, como você pode ver na Figura 1. O objetivo da divisão celular é produzir duas células-filhas, para fornecer novas células para diferentes funções no organismo ou para transmitir carac- teres hereditários durante a gametogênese. Sendo assim, o controle adequado é essencial a todos os organismos, e o conhecimento dos fatores ou agentes que podem alterar esse processo se faz necessário (LODISH et al., 2014; STRACHAN; READ, 2016). Figura 1. Fases do ciclo celular. Fonte: Alila Medical Media/Shutterstock.com A replicação do DNA, normalmente, ocorre de maneira correta e ordenada, mas podem acontecer erros durante esse processo. Para evitar alterações na sequência de DNA, as células têm complexos mecanismos de reparo; entre- tanto, quando os mecanismos não conseguem compensar o dano ao material genético, podem ocorrer mutações. Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação2 Mutação é qualquer tipo de alteração na sequência de nucleotídeos ou no arranjo do DNA. As mutações podem ser classificadas em três categorias: � Mutações genômicas: afetam o número de cromossomos da célula e são originadas pela não segregação de um par cromossômico durante a meiose. � Mutações cromossômicas: modificam a estrutura de cromossomos específicos. Podem ser divididas em numéricas (que ocorrem pela perda ou acréscimo de um ou mais cromossomos) ou estruturais (que ocorrem pela quebra em um ou mais cromossomos). � Mutações gênicas: alteram genes de forma individual e podem decorrer de dois mecanismos básicos: mutações que surgem de uma falha no reparo do DNA lesionado, ou erros ocorridos durante o processo normal de duplicação do material genético. Esse tipo de mutação pode aconte- cer de forma espontânea ou induzida por agentes físicos ou químicos, denominados mutagênicos. As mutações podem ocorrer e afetar qualquer célula, em qualquer etapa do ciclo celular. Quando não for letal, pode se propagar pelo corpo em crescimento, sendo caracterizada como mutação somática, ou ainda pode se transmitir às próximas gerações, definida como mutação germinativa. As mutações em células somáticas podem originar tumores benignos ou malignos, resultar em morte celular, envelhecimento precoce e ocorrência de malformações e abortos no decorrer do desenvolvimento embrionário. Ao contrário disso, as mutações em células germinativas podem originar alterações genéticas transmissíveis, resultando em desordens genéticas, fertilidade reduzida e síndromes fetais (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; DÜSMAN et al., 2012; MCINNES; WILLARD; NUSSBAUM, 2016). 3Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação Agente mutagênico é qualquer elemento químico, físico ou biológico com capacidade de elevar a taxa de mutação normal de um organismo, resultando em mutação induzida. De acordo com a maneira como interagem com o ma- terial genético, os agentes mutagênicos podem ser classificados em agentes químicos ou físicos que causam inserções ou deleções de nucleotídeos; físicos ou químicos que modificam as bases de DNA; e químicos que se incorporam ao DNA. Portanto, as mutações gênicas podem ocorrer por substituição de base, perda ou deleção de base e por acréscimo ou inserção de base. Os principais agentes químicos são os corantes de acridina, os análogos de base, os compostos com ação direta e os alquilantes. Esses mutagênicos podem causar quebras cromossômicas, mutações pontuais e não disfunção meiótica (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; LODISH et al., 2014): � Corantes de acridina: ligam-se ao DNA, inserindo-se entre bases adja- centes, tendo como resultado, distorções da hélice de DNA e mudanças da fase de leitura durante a replicação, gerando adição ou deleção de nucleotídeos. � Análogos de bases: podem ser incorporados ao DNA durante a re- plicação, pois sua estrutura química é muito semelhante às bases nitrogenadas. � Compostos com ação direta: não são incorporados ao material gené- tico, mas atuam modificando a estrutura das bases. � Agentes alquilantes: são considerados os agentes mutagênicos mais potentes; eles são capazes de doar um grupo alquila para os grupos amino ou cetona dos nucleotídeos. Os agentes teratogênicos são definidos como qualquer fator, substância, organismo, agente físico ou estado de deficiência capaz de interferir sobre o organismo em formação, ou seja, embriões ou fetos, produzindo uma alteração na estrutura ou na função, causando assim anomalias. Os teratogênicos mais comuns são as radiações, os vírus, as drogas e doenças maternas. Fatores como a dosagem do teratógeno, o genótipo materno, o genótipo e a susceptibilidade do embrião, a atividade enzimática do feto e a interação entre teratógenos podem determinar o efeito teratogênico, pois o embrião pode responder de maneira diferente conforme essas características. Os agentes teratogênicos podem afetar o organismo em desenvolvimento por intermédio da modulação de apoptose, alteração de DNA ou taxa de crescimento celular (BORGES- -OSÓRIO; ROBINSON, 2000; STRACHAN; READ, 2016). Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação4 Os agentes mutagênicos e teratogênicos são comumente confundidos. A diferença entre eles é que, enquanto os mutagênicos são responsáveis por causar mutações induzidas em um organismo qualquer, os teratógenos atuam sobre organismos em desenvolvimento. A maior parte dos agentes mutagênicos químicos tem capacidade de al- terar o material genético em todas as etapas do ciclo celular. Entre esses, os análogos de bases têm a capacidade de atuar sobre o ciclo celular, pois, durante a replicação, podem ser inseridos no DNA. Os corantes de acridina também têm a capacidade de se ligar ao material genético durante a replicação, porém, nesse caso, causam adição ou deleção de nucleotídeos pela distorção da hélice. Além disso, os teratógenos também têm a capacidade de afetar as células em nível de ciclo celular, podendo afetar uma variedade de células, dependendo do agente. Esse efeito pode ser sobre as funções celulares ou sobre sua fase de desenvolvimento, podendo levar à morte celular, impedir a sua divisão ou alterar a sua função (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; FERNANDES, 2005). As mutações são uma importante fonte de variabilidade genética, gerando variabilidade fenotípica e proporcionando a evolução. As mutações gênicas são a origem da maior parte dos alelos novos e também das variações ge- néticasintrapopulacionais. Da mesma forma, elas também são a fonte de modificações genéticas que podem induzir a morte celular, doenças genéticas e câncer. Portanto, embora as mutações espontâneas façam parte do processo normal do organismo, as mutações induzidas devem ser evitadas, por meio da identificação e reconhecimento de agentes mutagênicos, bem como da não exposição aos mesmos (KLUG et al., 2009; MCINNES; WILLARD; NUSSBAUM, 2016). Agentes mutagênicos físicos e seus mecanismos de ação direta e indireta Os agentes mutagênicos físicos são qualquer substância de origem física com capacidade de interferir no material genético de um organismo, provocando a mutação induzida. Nesse grupo, os principais são as radiações ionizantes e as radiações ultravioleta. 5Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação As radiações ionizantes são radiações de alta energia e pequeno com- primento de onda, como raios gama, raios X, raios cósmicos e partículas emitidas por elementos radioativos (partículas alfa, beta e nêutrons). Quando essas radiações passam pela célula causam a liberação de elétrons, tornando as moléculas altamente instáveis e suscetíveis a reações químicas. Além disso, essas substâncias se intercalam com o DNA, gerando erros no pareamento de bases durante a duplicação e rompendo as ligações açúcar-fosfato, resultando em quebras cromossômicas. As radiações ionizantes podem ser divididas em dois tipos: natural e artifi- cial. As fontes de radiação naturais são os raios cósmicos, a radiação externa de materiais radioativos em algumas rochas e a radiação interna de materiais radioativos em tecidos. Por outro lado, as fontes artificiais se encontram nas radiologias terapêuticas e diagnósticas, na exposição ocupacional e na preci- pitação radioativa de explosões nucleares (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; LODISH et al., 2014). A dose de radiação se refere à quantidade de radiação recebida pelos teci- dos que foram irradiados. Essa dose é medida em função da dose absorvida de radiação ou rad (do inglês, radiation absorbed dose). Vários efeitos da radiação ionizante têm sua intensidade relacionados à quantidade de tecido exposto. Por exemplo, no organismo humano a irradiação do corpo inteiro com uma dose de 300 a 500 rads, normalmente, é letal, porém, no tratamento de câncer, podem ser administradas doses de 10 mil rads a uma pequena porção de tecido, com efeitos menos danosos. Para os seres humanos, utiliza-se a unidade rem (do inglês, roentgen equivalent man), pois essa medida reflete qualquer radiação em função dos raios X, condizente com a situação dos humanos, que podem ser expostos a uma mistura de radiações. Um rem é a dose absorvida que produz o mesmo efeito biológico que um rad de raios X em um determinado tecido. Pela preocupação em não transmitir mutações para as próximas gerações, os efeitos da radiação sobre as células germinativas são os mais importantes. Sendo assim, a dose de radiação é expressa em relação à quantidade recebida pelas gônadas. Qualquer aumento na dose de radiação ocasiona aumento proporcional na taxa de mutação, pois não existe uma dose limiar abaixo da qual as mutações não sejam induzidas (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; OKUNO, 2013). Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação6 As radiações ultravioleta, ou raios UV, têm maior comprimento de onda e são menos energéticas do que as ionizantes. As ondas mais longas, do campo da luz visível, são benignas quando interagem com a maioria das moléculas orgânicas. No entanto, as ondas de menor comprimento do que a luz visível são mais energéticas e têm potencial para desordenar essas moléculas. Um dos efeitos mutagênicos mais relevantes dos raios UV no DNA é a cria- ção de dímeros de pirimidina, que resulta em não pareamento com a adenina, alterando a conformação do DNA e impedindo a sua replicação normal. Por consequência dos dímeros, podem ser inseridos erros na sequência de bases de DNA. Se ocorrer uma dimerização extensa, pode haver efeitos letais de radiação UV sobre as células. Esses efeitos geram mutações pontuais, porém poucos defeitos estruturais. Não são considerados prejudiciais para as células germinativas, pois são absorvidos na epiderme, mas podem induzir mutações somáticas e câncer de pele (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; LODISH et al., 2014). Mecanismos de ação direta e indireta Os átomos do corpo humano estão ligados, compondo moléculas pequenas ou grandes, como a água ou o DNA, respectivamente. Quando uma partícula da radiação ionizante arranca um elétron de um dos átomos que compõem uma molécula do nosso organismo, isso pode resultar em quebra da molécula, pela desestabilização do seu conteúdo. A interação entre a radiação ionizante e o material genético pode acontecer por ação direta ou indireta. Na ação direta, o contato entre o DNA e a radiação provoca transferência de energia. Nesse mecanismo, a radiação interage de forma direta com importantes moléculas, como o DNA, podendo provocar mutação genética ou morte celular. Ao contrário disso, na ação indireta ocorre a incidência de radicais livres sobre outras moléculas. Esses radicais são formados, especialmente, pela inte- ração da radiação sobre a água, gerando quebra de ligações. Esse mecanismo é importante, tendo em vista que o corpo humano é composto por um nível superior a 70% de água. 7Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação A radiação ultravioleta, também pode afetar as moléculas de DNA por ação direta e indireta. Durante a absorção imediata, pelo contato com o DNA, pode ocorrer a formação dos dímeros de pirimidina, que podem resultar em alterações genéticas nas células, sendo considerados os maiores responsáveis por impedir a transcrição celular. A ação indireta relaciona-se também, como nas radiações ionizantes, à produção radicais livres. Estes por sua vez, atuam sobre o DNA, favorecendo a sua degradação (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; OKUNO, 2013). Os efeitos biológicos das radiações são dependentes de alguns fatores, como a localização da fonte (que pode estar dentro ou fora do organismo), do tipo de radiação (ionizante ou ultravioleta), de sua energia e das especificidades do material exposto, como exemplo, a densidade. Os efeitos podem ser clas- sificados quanto a sua natureza, em reações teciduais e efeitos estocásticos: � Reações teciduais: são o resultado de uma alta dose e aparecem so- mente acima de determinada dose, chamada dose limiar, que tem seu valor relacionado ao tipo de radiação e ao tecido irradiado. Para essas reações, quanto maior a dose, mais grave é o impacto. Um dos efeitos mais relevantes é a morte celular, e efeitos tardios podem incluir doenças vasculares cardíacas e cerebrais, além de catarata. � Efeitos estocásticos: são alterações que acometem células normais, sendo o câncer e os efeitos hereditários os principais. Pelo grande potencial de dano ao qual pode estar exposto, o DNA possui uma proteção natural contra as mutações. A redundância do código genético é um exemplo dessa proteção, pois garante que várias alterações na base de terceira posição não alterem a proteína resultante. Mesmo se ocorreram na segunda posição, as mutações que provocam a substituição de um aminoácido por outro podem não resultar em alteração da proteína. A posição em que a substituição de aminoácido ocorre na proteína também pode ser um fator de proteção contra mutações. Além disso, a mutação pode ter efeito condicional, interferindo no fenótipo apenas sob certos requisitos. Ainda, as células possuem sistemas de reparo que reduzem o efeito das radiações (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; OKUNO, 2013; SILVA, 2011). Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação8 Em abril 1986, ocorreu a catástrofe de Chernobyl, uma explosão em uma usina nuclear na União Soviética que liberou mais de 50 milhões de curies de material radioativo. Logo após o acidente, os isótopos mais significativos, biologicamente, liberados na preci- pitação foramos radioiodados, especialmente o Iodo 131 e outros iodos de vida mais curta. A absorção desses isótopos pela ingestão de água e alimentos contaminados, além de inalação, resultou em grave exposição interna da glândula tireoide. Durante 4 anos após o desastre, os exames médicos detectaram alterações substanciais no status funcional da tireoide em crianças expostas, principalmente em menores de 7 anos de idade. Além do mais, a partir de 1990, foi identificado um aumento na frequência do câncer de tireoide em crianças da República da Bielorrússia. De acordo com dados oficiais, 31 pessoas morreram imediatamente após o acidente e mais de 100 ficaram feridas. Entretanto, a organização das Nações Unidas (ONU) estima que 50 mortes possam ser atribuídas ao desastre. Em 2005, previa-se que mais de 4 mil pessoas poderiam ter morrido como resultado da exposição à radiação (NIKIFOROV; GNEPP, 1994). O desastre de Chernobyl rendeu muitos filmes e docu- mentários, alguns fictícios e outros que buscaram relatar e entender de fato o que aconteceu durante o maior de- sastre nuclear da história. Acesse o link a seguir para ver o documentário (em inglês) Zero Hour: Disaster at Chernobyl, sobre esse acidente. https://qrgo.page.link/M4aY7 Lei de Bergonié e Tribondeau A dose de radiação está estritamente relacionada à quantidade de radiação recebida pelos tecidos que foram expostos; muitos dos efeitos têm sua conse- quência associada ao volume de tecido exposto. Além disso, o dano causado pela radiação depende diretamente da radiossensibilidade das células que constituem o organismo irradiado. 9Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação Em 1906, Jean Alba Bergonié e Louis M. Tribondeau formularam a lei da radiossensibilidade celular, ou Lei de Bergonié e Louis M. Tribondeau. Eles observaram que, quanto maior a taxa de proliferação da célula, maior é a sua sensibilidade à radiação. Além do mais, relataram a existência de uma relação inversamente proporcional entre a diferenciação celular e a radiossensibilidade. Desse modo, quanto maior a diferenciação celular e menor a proliferação, mais radiorresistente é a célula; em contraponto, quanto maior a proliferação celular e menor a diferenciação, mais sensível à radiação será a célula (ALMEIDA, 2016). Pesquisas realizadas com análise sistemática de radiossensibilidade cro- mossômica identificaram a susceptibilidade diferencial dos cromossomos na indução de alterações cromossômicas. Além disso, identificaram que o produto das quebras está relacionado ao seu teor de DNA e que, tanto nos indivíduos expostos acidentalmente quanto em linfócitos irradiados in vitro, a localização do ponto de ruptura não foi considerada aleatória. Entretanto, outros estudos sugerem que os cromossomos com maior conteúdo de DNA são menos suscetíveis a alterações cromossômicas em comparação a cromossomos menores (MENDES, 2014). Os efeitos da radiação não se limitam ao DNA e seu ambiente adjacente. Os radicais livres gerados podem também alterar as proteínas e lipídios das membranas celulares (MENDES, 2014). Os linfócitos são descritos como células altamente sensíveis à radiação ionizante. O tempo entre a irradiação e a manifestação do efeito é significati- vamente menor nos linfócitos periféricos, em comparação com os localizados em outras partes do corpo, como gânglios linfáticos, timo, medula óssea e baço. Por serem as células mais radiossensíveis entre as células sanguíneas, os linfócitos são o objeto da dosimetria citogenética. Eles representam uma população celular na fase de pré-síntese de DNA do ciclo celular (fase G0); em uma pessoa saudável, dificilmente essas células estão em mitose no sangue periférico. Esse tipo de célula tem uma vida média de três anos; no entanto, o seu tráfego e a sua substituição podem ser alterados na ocorrência de apoptose de células linfáticas, após uma exposição à radiação ionizante (ALMEIDA, 2016; MENDES, 2014). Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação10 Como mencionado anteriormente, a exposição à radiação ionizante provoca quebras no DNA. Durante o processo de correção, a reparação incorreta (misrepair) de dois cromossomos e a replicação do cromossomo alterado podem resultar na formação de um cromossomo dicêntrico, no qual um único cromossomo possui dois centrômeros. Apesar de a radiação ser capaz de induzir vários tipos de modificações cromossômicas além dos cromossomos dicêntricos, como os cromossomos em anel e os fragmentos acêntricos isolados, esse biomarcador dicêntrico é considerado o mais sensível e específico para a avaliação da dose de radiação absorvida, mesmo em doses mais baixas. A dosimetria citogenética é uma técnica que quantifica a dose em indivíduos que tenham sido expostos de corpo inteiro ou, pelo menos, em dois terços do corpo à radiação ionizante. Alguns laboratórios, ao utilizarem a dosimetria, somam a avaliação de dicêntricos com a dos cromossomos em anel; contudo, o dicêntrico se mantém como principal biomarcador de dano aos cromossomos. A análise é realizada em linfócitos circulantes e convertida em dose ab- sorvida usando curvas de calibração dose-resposta previamente estabelecidas. Cada ponto da curva de calibração representa uma média da dose absorvida pelos linfócitos irradiados. A partir disso, o resultado é aproximado para uma média de dose de corpo inteiro, levando em conta que os linfócitos são móveis e estão distribuídos pelo corpo. Quando a curva é estabelecida, torna-se possível fazer uma estimativa da dose absorvida pelo organismo da pessoa exposta à radiação (FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012; MENDES, 2014). Alguns cientistas contrariaram a teoria de Bergonié, proposta em 1906, alegando que eram incapazes de acreditar que “uma dose utilizada para induzir leve eritema em um paciente poderia induzir escaras em outro”. Em suas últimas declarações, em 2005 e 2007, a Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação (ICRP) considerou que ainda não há indicações suficientes capazes de concluir que as diferenças de radiossensibilidade entre indivíduos devem ser consideradas no sistema de proteção contra a radiação. Entretanto, alguns estudos sugeriram que a radioterapia é perigosa, sendo, potencialmente, fatal para portadores homozigotos da proteína ATM, além de poder desencadear câncer em portadores heterozigotos de ATM, P53 e dos genes BRCA1 e BRCA2 com maior probabilidade do que em indivíduos radiorresistentes. Além disso, apontaram que todas as mutações genéticas que conferem radiossensibilidade ou susceptibilidade ao câncer induzido por radiação podem refletir uma proporção significativa em toda a população, entre 5 e 15%, estimada pela própria ICRP (BORDIER; GALLIMARD, 1906; FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012). 11Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação Com o avanço dos estudos e ensaios de pesquisa, o significado de radios- sensibilidade mudou, sendo que agora o termo tem dois sentidos diferentes (BORDIER; GALLIMARD, 1906; FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012): 1. A capacidade de determinado organismo ou órgão irradiado de mostrar uma reação específica de toxidade à radiação, como morte celular e inflamação dos tecidos, tratando-se da perda de capacidade pro- liferativa observada in vitro, ou seja, esta é a definição histórica de radiossensibilidade. 2. O risco de instabilidade genômica induzida por radiação e câncer, referido como “susceptibilidade ao câncer induzida por radiação”. A morte celular e a instabilidade genômica, sem reparos ou reparos incor- retos, não são absolutamente dependentes das mesmas vias moleculares, assim como os riscos de complicações teciduais induzidos por radiações e câncer não são obrigatoriamente iguais. De outra forma, pessoas com síndromes que predispõem ao câncer não são necessariamente radiossensíveis; portanto, as quebras de DNA induzidas por radiação não reparadas possivelmente estão li- gadas à radiossensibilidade e podem, casualmente, resultar em susceptibilidade ao câncer,enquanto mutações ou alterações cromossômicas não ocasionam necessariamente complicações de radioterapia (BORDIER; GALLIMARD, 1906; FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012; MENDES, 2014). Em 1985, um instituto de tratamento de câncer desativou sua unidade na cidade de Goiânia. Uma máquina de teleterapia, semelhante à radioterapia, foi deixada para trás. O equipamento utilizava cloreto de césio em pó como fonte de energia. Em 1987, dois catadores de lixo encontram o equipamento e o levaram para casa, na intenção de vender suas peças posteriormente. Ao desmontarem o equipamento, entram em contato com uma cápsula de Césio 137. Em dois dias, os indivíduos apresen- taram os primeiros sintomas de intoxicação radioativa — náuseas, vômitos, tonturas e diarreia. Durante 16 dias, o contato com o césio resultou em quatro mortes e centenas de pessoas contaminadas. Após 30 anos do acidente, 975 pessoas são monitoradas pela Superintendência Leide das Neves (SuLeide), instituição que presta assistência às vítimas. O grupo de pessoas que tiveram contato direto com a substância, bem como seus filhos, são os que inspiram mais cuidados (COSTA NETO; HELOU, 1995). Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação12 ALMEIDA, W. G. Impacto da exposição à radiação de pacientes femininos submetidos a diferentes procedimentos de tomografia computadorizada de tórax. 81 fls. 2016. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://www.con.ufrj.br/wp-content/uploads/2016/07/Wellington-Guimaraes- -Almeida.pdf. Acesso em: 5 out. 2019. BORDIER, H.; GALLIMARD, P. Une nouvelle unit é de quantit é de rayons X: l’unit é I. Discussions. Comptes-Rendus du, v. 35, 1906. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. Porto Alegre: Artmed, 2000. COSTA NETO, S. B.; HELOU, S. Conseqüências psicossociais do acidente de Goiânia. Goiânia: Editora da UFG, 1995. DÜSMAN, E. et al. Principais agentes mutagênicos e carcinogênicos de exposição humana. SaBios-Revista de Saúde e Biologia, v. 7, n. 2, p. 66−81, 2012. Disponível em: http://revista2.grupointegrado.br/revista/index.php/sabios2/article/view/943/438. Acesso em: 5 out. 2019. FERNANDES, T. C. C. Investigação dos efeitos tóxicos, mutagênicos e genotóxicos do herbi- cida trifluralina, utilizando allium cepa e oreochromis niloticus como sistemas-testes. 211 fls. 2005. 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