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1 ISUTC INSTITUTO SUPERIOR DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES CURSOS DE LICENCIATURA EM GESTÃO E FINANÇAS E CONTABILIDADE E AUDITORIA DIREITO DE EMPRESAS E DO TRABALHO FICHA DE APONTAMENTOS E DE EXERCÍCIOS Mussa Miguel Moisés Bonomar Aly Maputo, 2018 2 Índice Nota Introdutória ...................................................................................................................................... 3 I. NOÇÕES DO DIREITO ..................................................................................................................... 4 1. Ordens Normativas ........................................................................................................................ 4 1.1. Ordem Moral ............................................................................................................................... 4 1.2. Ordem Religiosa ......................................................................................................................... 5 1.3. Ordem de Trato Social .............................................................................................................. 5 1.4. Ordem Jurídica ........................................................................................................................... 5 2. A Ordem Jurídica como Ordem Normativa ................................................................................ 6 2.1. Caracterização ............................................................................................................................ 6 3. Normas Jurídicas ......................................................................................................................... 10 3.1. Estrutura .................................................................................................................................... 10 3.2. Características das Normas Jurídicas .................................................................................. 10 3.3. Classificação das Normas Jurídicas ..................................................................................... 11 4. Conceito de Direito ....................................................................................................................... 13 4.1. Sentidos do Direito ................................................................................................................... 14 4.2. Ramos do Direito ...................................................................................................................... 16 7. Fontes do Direito .......................................................................................................................... 29 8. Hierarquia das Leis. ..................................................................................................................... 37 9. Interpretação da Lei ..................................................................................................................... 39 10. Integração de Lacunas ............................................................................................................ 42 11. Aplicação das Leis no Tempo ................................................................................................ 42 12. Relação Jurídica ....................................................................................................................... 43 3 Nota Introdutória O presente documento constitui ficha de apontamentos elaborada com o propósito de propiciar orientação aos estudantes da cadeira de Direito de Empresas e do Trabalho lecionada no Instituto Superior dos Transportes e Comunicações. 4 I. NOÇÕES DO DIREITO 1. Ordens Normativas O Homem vive em sociedade e não se concebe que possa viver isolado. Só vivendo em sociedade é que o Homem pode conservar a espécie humana, assegurar a sua subsistência, satisfazer as suas necessidades. Contudo, a convivência em sociedade só é possível se existir um conjunto de princípios ou regras que pautem as condutas humanas, que visam instituir a ordem, a paz, a segurança, a justiça e diminuir os conflitos de interesses que surgem nas relações sociais. Assim, existem várias ordens normativas que regulam a vida do homem em sociedade, das quais se destacam pela sua importância: ordem moral, ordem religiosa, ordem de trato social e ordem jurídica. Todas estas ordens normativas exprimem regras que regulam o comportamento do Homem em sociedade. 1.1. Ordem Moral A ordem moral é uma ordem de conduta humana dirigida para o bem. As regras morais são impostas ao Homem pela sua própria consciência, de tal modo que o seu incumprimento é sancionado pela reprovação emanada da sua própria consciência. Por exemplo: o remorso, o arrependimento. As regras de ordem moral distinguem-se das regras de direito, através do critério da coercibilidade, as normas jurídicas são susceptíveis de aplicação coerciva, enquanto as morais não. Há normas morais que são coincidentes com o direito "Não matar, não furtar". Também existe, entre a Moral e o Direito, situações de indiferença (regras de trânsito, sociedades comerciais) e de conflito (despenalização do aborto em determinadas situações). 5 1.2. Ordem Religiosa A ordem religiosa tem a função de regular as condutas humanas em relação a Deus. As suas normas têm proveniência divina. O não cumprimento das normas de ordem religiosa leva a punições extraterrenas. Por exemplo: punições ou castigos depois da morte. O Direito apenas se limita a garantir o livre exercício da actividade religiosa, sem assumir, o conteúdo das normas religiosas. 1.3. Ordem de Trato Social As normas de trato social destinam-se a permitir a convivência mais agradável entre as pessoas. São normas de trato social por exemplo: as regras de etiqueta e boas maneiras, regras de cortesia. Estas regras surgem espontaneamente no meio social. As regras de trato social se não forem cumpridas não põem em causa a subsistência da sociedade, contudo, todo aquele que não as cumprir está sujeito a reprovação social. Para o Direito estas normas de trato social são indiferentes. 1.4. Ordem Jurídica A ordem jurídica é constituída pelo conjunto de normas jurídicas que regulam a vida do Homem em sociedade. Estas normas provêm de uma autoridade com competência legislativa. A ordem jurídica visa atingir os valores da justiça e segurança. A ordem jurídica, ao contrário das outras ordens normativas, serve-se da coacção como meio de garantir e impor o cumprimento das normas jurídicas. Portanto, estamos agora em condições de dizer que apesar do Homem pautar a sua conduta em conformidade com as várias ordens normativas, apenas a ordem jurídica faz parte do Direito. 6 2. A Ordem Jurídica como Ordem Normativa 2.1. Caracterização a) Necessidade. A pergunta que se coloca é, será a ordem jurídica necessária? Jurisconsultos romanos diziam ―ubi homo ibi societas‖ significando que “onde há sociedade há direito”. Não é defensável, sobretudo nos dias de hoje, a existência duma sociedade sem direito, porque seria anárquica, à espécie da expressão ―no deserto sobrevive o mais forte‖. A ordem jurídica (direito), aquela ordem normativa da sociedade dirigida à organização dos aspectos fundamentais da convivência social é perfeitamente necessária porque toda a sociedade implica uma organização tendo como norte principal a paz e a convivência sociais. Portanto, não se podendo conceber uma sociedade sem direito, é manifesta a sua necessidade. b) Imperatividade. Em princípio todas as ordens normativas da sociedade são imperativas, havendo diversidades quanto à existência ou não da sanção e da garantia da sua execução com recurso à força pública. A ordemjurídica exprime-se através de imperativos, de enunciados deônticos que postulam um deve ser. A Ordem Jurídica é, tal como outras ordens normativas, imperativa. A sua imperatividade é própria, não dependendo doutra ordem normativa. Assim, o carácter imperativo da ordem jurídica não se fundamenta num mandato de qualquer ordem normativa, como seja, os imperativos da ordem religiosa, moral, ou de trato social. O Direito vincula por si mesmo, impõe autonomamente. A imperatividade da ordem jurídica é global, por ser uma característica genérica da ordem jurídica, ainda que não esteja presente em toda a regra jurídica, exprime-se por regras através das quais é realizada a organização da convivência e paz sociais a que se destina o direito. As regras jurídicas que se extraem dos preceitos legais (artigos) têm uma estrutura própria por serem constituídas por dois elementos fundamentais, designadamente: 7 Previsão: a parte da regra onde está referida a situação jurídica, o elemento de facto que serve de base à aplicação da regra, ou seja, hipótese legal. Estatuição: a parte da regra que estabelece certo efeito jurídico para a representação feita na previsão, ou seja, consequência legal. c) A Estatalidade ou Estadualidade. A estatalidade ou estadualidade do Direito tem sido apontada por certos autores em dois sentidos: No sentido de que o Estado e o Direito são uma mesma realidade; e No sentido de que o Direito, para ser, há de ter necessariamente origem Estadual. O professor CASTRO MENDES, define o direito como sendo ―sistema de conduta social, assistido de protecção coactiva‖1 i. Noção elementar do Estado A mais vulgar definição seria considerar o Estado como um povo politicamente organizado num dado território. O professor Castro Mendes ensina que ―Estado é uma sociedade politicamente organizada, fixa em determinado território que lhe é privativo e tendo como características a soberania e a independência ‖2. De qualquer das duas definições resultam três elementos fundamentais que caracterizam o Estado: O elemento pessoal: povo, população; O elemento político: organização do poder político; O elemento territorial: o território. Estes três elementos conexos com a definição do Estado, não podem dar lugar á confusão com a definição do Direito considerando qualquer deles –Estado ou Direito – uma e mesma realidade. A tese da estadualidade do Direito no sentido da coincidência das noções de Estado e de Direito, pretende que o Direito coincida com a organização do poder político na sociedade, isto é, aquilo que é o poder político do Estado seria o Direito. 1 Introdução ao Estudo do Direito, página 40 2 Introdução ao Estudo do Direito, pág. 31. 8 Não pode, de forma alguma, ser defensável tal definição do Direito convergindo com a noção do Estado. Desde logo, porque modernamente, o Estado está subordinado ao Direito, ainda que por si criado. O direito não se confunde com o Estado, como ainda, tem o papel fundamental de limitar e legitimar o poder do Estado. O professor Baptista Machado, defende que: ―significa isto que há princípios de Direito que se impõem ao próprio Estado e este não pode constituir uma ordem jurídica sem referir ao princípio superior da justiça‖.3 Igualmente a tese de que todo o Direito provém do Estado, não pode ser defensável, como transparecemos acima, isto é, é de refutar a pretensa estatalidade do Direito desde logo porque o Estado e o Direito na sua conceitualização têm sentidos diversos e porque o Estado não é detentor do monopólio de criação do Direito. As autarquias e as diversas organizações sociais produzem leis regulamentares, ou posturas. Pelo exposto, o Estado não tem monopólio de criação do Direito, ainda que se manifeste o produtor mais significativo. O Direito é um fenómeno social que emerge de comunidades infra-estatais, como a um nível supra-estatal. As comunidades primitivas, dotadas de uma organização rudimentar, desprovidas de uma autoridade central e de um sistema organizado detêm também a sua ordem jurídica, ainda que a diferenciação desta perante as restantes ordens normativas, seja menos evidente que na sociedade estatal. Concluindo e concatenando: o Estado tem, certamente, uma função de elemento aglutinador ou propulsor da normatividade jurídica nas sociedades modernas, que são cada vez mais legiferantes, mas não se confunde com ele nem detém o monopólio da edição da ordem jurídica. d) A Coercibilidade Há que questionar se a coercibilidade é característica necessária da ordem jurídica? Certos autores defendem que a coercibilidade deveria ser tomada sempre como um elemento definidor do Direito, já que a subsistência de uma ordem jurídica passa pela eficácia da sua imperatividade. Efectivamente, uma ordem jurídica desprovida de qualquer mecanismo de aplicação sancionatório do Direito, poderia assistir impotente, à sua subversão generalizada, aquilo que a própria ordem jurídica estabelece. Sem coercibilidade o Direito seria letra morta. 3 Introdução ao estudo do direito e discurso legitimador 9 A imperatividade do Direito, é sem dúvida, reforçada da imperatividade das regras jurídicas que estabelecem dados comportamentos como devidos, é realizada através de sanções. A sanção seria uma consequência indesejável dirigida pelo Direito a quem infringe o disposto nas regras. As regras que preveem a violação das condutas juridicamente tuteladas, chamam-se regras sancionatórias. Modalidades das Sanções As sanções podem ser: Sanções compulsórias; Sanções reconstitutivas; Sanções compensatórias; Sanções preventivas; Sanções punitivas. As sanções compulsórias, visam influenciar ou compelir o indivíduo no sentido de o obrigar a adoptar o comportamento devido, o comportamento suposto como sendo o correcto. As sanções reconstitutivas, recaem, sobre quem provocou uma situação indesejável por ter violado uma norma impondo a obrigação de reparação do dano, isto é, obrigando á reposição da situação anterior á violação. Sanções compensatórias, fazem recair sobre aquele que provocou uma situação a reposição por outra valorativamente equivalente à situação anterior à violação, quando a reconstituição não seja possível ou não equitativa. Sanções preventivas, compreendem medidas restritivas de liberdade ou de direitos com vista a evitar dano social que se teme que o agente possa dar causa. Sanções punitivas, visam directamente a retribuição do direito violado com uma consequência desagradável para o infractor, castigando-se o violador da regra jurídica. Esta sanção visa punir o infractor pelo seu comportamento. Vulgarmente se fala de castigo. 10 3. Normas Jurídicas Quando falamos das ordens normativas, verificamos que apenas a ordem jurídica era composta por normas jurídicas. A Norma Jurídica é uma regra de conduta imperativa, geral e abstracta, imposta de forma coerciva pelo Estado. 3.1. Estrutura A norma jurídica está estruturada de acordo com os seguintes elementos: A previsão da norma consiste na descrição da situação de facto que, a verificar-se efectivamente, produz determinadas consequências jurídicas. A estatuição da norma estabelece as consequências jurídicas produzidas pela verificação da situação descrita na previsão. Ou seja, a previsão prevê a situação, a estatuição estatui a consequência jurídica da verificação dessa situação. Tome-se por exemplo o homicídio: "Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos." Previsão da norma "Quem matar outra pessoa...." Estatuição da norma "....é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos". Outro exemplo: "Aquele que perfizer 18 anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direito, ficando a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens." Art.130º Código Civil Previsão ("Aquele que perfizer 18 anos de idade...") Estatuição ("...adquire plena capacidade de exercício de direito, ficando a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.") 3.2. Características das Normas Jurídicas Imperatividade: a norma jurídica impõe obrigatoriamente um certo comportamento. 11 Generalidade: diz-se que uma norma jurídica é uma regra de conduta geral, o geral para se contrapor ao individual. Geral é a norma jurídica que se dirige a uma pluralidade indeterminada de destinatários (pessoas). Abstracção: diz-se que uma norma jurídica é uma regra de conduta abstracta, o abstracto para contrapor ao concreto. Abstracta é uma norma jurídica que se dirige a um número indeterminado de casos e situações. Portanto uma norma jurídica não pode ser individual e concreta. Coercibilidade: consiste na susceptibilidade de aplicação coactiva de sanções, se a norma for violada. 3.3. Classificação das Normas Jurídicas Normas Imperativas ou Injuntivas: São normas que impõem condutas por acção ou por omissão. Normas Perceptivas: São normas que impõem certas condutas por acção. Ex.: As normas que obrigam a pagar impostos. Normas Proibitivas: são normas que proíbem determinadas condutas. Ex.: as normas que punem o furto, o homicídio, etc. Normas Permissivas ou Facultativas: São normas que permitem ou autorizam certos comportamentos. Normas Interpretativas: São normas que se destinam a definir o sentido e o alcance a certas condutas ou a certas expressões. Normas Supletivas: são as normas que podem ser afastadas pela vontade das partes. Ex: regime casamento de comunhão de adquiridos. Normas Gerais: são normas que constituem um regime regra. Normas Especiais: são normas que sem contrariarem o regime regra, estão contidas nas regras gerais, vêm adoptar estas normas a circunstâncias particulares. Ex.: o direito civil é um direito privado comum (norma geral) o direito comercial (especial) Normas Excepcionais: são normas que constituem uma oposição ao regime regra. Normas Universais: são aquelas que se aplicam em todo o território nacional. Normas Regionais: são aquelas que se aplicam nas regiões autónomas. Normas Locais: são aquelas que se aplicam no território de uma autarquia local. Ex.: posturas, regulamentos locais, etc. Normas Autónomas: normas que por si só têm um sentido completo. Normas não Autónomas ou Remissivas: normas, que por si só não têm um sentido completo (falta-lhe toda a parte da previsão, toda a parte da estatuição). 12 3.4. Exercícios 1 1. Fundamentando legalmente diga se são verdadeiras ou falsas, as afirmações seguintes: a) As ordens normativas jurídica e religiosa caracterizam-se da mesma forma. b) As ordens normativas de trato social e jurídica não têm alguma diferença, pois, ambas destinam-se a permitir a convivência mais agradável entre as pessoas. c) A norma jurídica é caracterizada apenas por ser imperativa, pois ela impõe obrigatoriamente uma certa conduta. d) Na classificação das normas jurídicas, as normas jurídicas proibitivas diferenciam-se das outras porque estas são aquelas que podem ser afastadas pela vontade das partes. e) As sanções reconstitutivas, fazem recair sobre aquele que provocou uma situação a reposição por outra valorativamente equivalente à situação anterior à violação. 2. As suas normas destinam-se a permitir a convivência mais agradável entre as pessoas, portanto, aquele que não as cumprir está sujeito a reprovação social. Diga de que Ordem se trata e estabeleça comparação com a ordem religiosa. 3. A sanção compensatória, faz recair sobre aquele que provocou uma situação a reposição por outra valorativamente equivalente à situação anterior à violação. Diga de que Ordem se trata e defina cada uma das suas características. 4. A estadualidade ou estatalidade é uma das características da Ordem Jurídica e refere que o Direito e o Estado constituem a mesma realidade. Diga justificando se concorda ou não na totalidade ou parcialmente com a afirmação. Através dos seus conceitos estabeleça a diferença existente entre o Direito e o Estado. Falar sobre a Ordem Normativa Jurídica e a Norma Jurídica é falar sobre a mesma realidade porque caracterizam-se da mesma forma. Diga justificando se concorda ou não. As ordens normativas por pressuporem a existência de um conjunto de normas jurídicas e o Estado, por também ter as respectivas normas jurídicas constituem a mesma realidade. 5. Identifique os elementos constantes das normas jurídicas abaixo, quanto a sua estrutura e classifique, justificando, a norma quanto a sua tipologia, indicando todas as modalidades possíveis. Entende-se por contrato de trabalho o acordo pelo qual uma pessoa, trabalhador, se obriga a prestar a sua actividade a outra pessoa, empregador, sob a autoridade e direcção desta, mediante remuneração. Considera-se como único o contrato de trabalho a prazo certo cujo período inicialmente acordado seja renovado nos termos do n.º 1 do presente artigo. 13 4. Conceito de Direito Todos nós temos uma ideia vaga do que seja direito. Normalmente ligamos direito à ideia de lei. Ligamos direito à conduta correcta. Temos estado a ouvir discursos que apontam para Estado do Direito. Mas nenhum principiante do estudo do direito tem a ideia certa do que seja com propriedade. Examinemos dois tratadistas conceituados na matéria. O professor CASTRO MENDES, define o direito como sendo ―sistema de conduta social, assistido de protecção coactiva‖ 4 Desta definição há três elementos fundamentais a reter, designadamente: a) Sistema; b) Norma; e c) Protecção coactiva. Ao falarmos do sistema é fundamental entender as normas jurídicas como um conjunto complexo, harmónico, correlacionado, coerente e hierarquizado. A norma compreende o que chamamos de preceito. Protecção coactiva significa que, o direito pode ser imposto, com recurso à força pública, sempre que necessário. Como se pode ver, o direito será constituído por regras de conduta social, por preceitos que ordenam e regulam a convivência dos Homens em sociedade mediante imposição de acções e omissões, com vista à prossecução da paz, da justiça e do bem comum. Ensina o professor ―GALVÃO TELLES,‖5 o direito como ―conjunto de regras jurídicas de conduta social, estabelecidas em vista da paz, da justiça e do bem comum e impostas pela força, quando necessário e possível.‖ Aos estudantes se recomenda optarem por quaisquer definições dos diversos tratadistas da matéria, desde que saibam fundamentar as posições que tomarem. Contudo, perfilhamos no final que o Direito é uma ordem normativa composta por normas jurídicas gerais e abstractas, obrigatórias assistidas de protecção coactiva, que regulam a vida do Homem. Direito como ordem jurídica é um conjunto de regras que se inspiram nos valores da sociedade com vista a que haja justiça e segurança social. Distingue-se das outras ordens tais como: ordem moral, ordem religiosa e ordem do trato social, pelas suas características nomeadamente: 4 Introdução ao Estudo do Direito, página 40 5 Introdução ao Estudo do Direito, vol. I pág. 24 6 Castro Mendes, pág. 4 14 A Imperatividade, que é a obrigatoriedade do cumprimento da norma jurídica; A estatalidade ou estadualidade, a norma é estabelecida pelo Estado através do órgão com poderes para tal; e A coercibilidade, que é a susceptibilidade de aplicação da norma pela força. 4.1. Sentidos do Direito Pese embora o Direito ser visto como um conjunto de normas ou sistema de conduta social assistidas de protecção coactiva, ele ainda comporta outros sentidos que abaixo passamos a abordar. 4.1.1. Sentido Epistemológico ou Científico que será o estudo das melhores formas de conseguir tecnicamente a atribuição a cada umo que é seu. 4.1.2. Direito Natural e Direito Positivo a) Direito Natural O Direito Natural, são certas normas de conduta que por serem inerentes à própria natureza do homem, são anteriores e superiores ao Estado, é uma designação próxima da de ―Direitos do Homem‖. Portanto, ele não é obra humana. As leis naturais apesar de não constarem de qualquer código são o reflexo imediato da justiça. ―Cícero, por exemplo, interrogava: poderá considerar-se legítima uma lei contrária à natureza, como a que declara permitindo o homicídio, ou porque ela promana dum tirano ou duma multidão irresponsável?‖6 b) Direito Positivo Contrariamente, o Direito Positivo é constituído pelas leis, que têm em vista a harmonia da convivência social, com existência efectiva e que se formam na sociedade em vista da organização desta, por isso, tendo a autoridade pública a prorrogativa de impô-lo à força, se necessário. 6 Castro Mendes, pág. 4 15 Ele provém da vontade mais ou menos arbitrária dos homens que normalmente procuram cria-lo tão perfeito quando possível, mas que pela fraqueza e contingências das suas forças fazem quase obra precária, senão imperfeito. Deste modo, o conjunto de normas jurídicas vigentes no nosso país, plasmadas no Código Civil, Penal, Comercial, Código de Processo Civil, Código de Estrada, dentre outros códigos, bem como toda a legislação avulsa vigente em Moçambique no nosso caso concreto, formam o direito positivo. Por outras palavras, o direito positivo é o direito elaborado pelo Homem, é obra humana, com respeito ao mecanismo de legislação que é exclusivo do Estado, quando não seja o costume. 4.1.3. Direito Objectivo e Direito Subjectivo a) Direito Objectivo É o direito legislado, ou seja, o conjunto de normas jurídicas gerais, abstractas e hipotéticas, emanadas pelo Estado e dotadas de protecção coactiva que regulam as condutas dos Homens. O direito objectivo é o Direito. O direito objectivo é assim constituído por leis, que são exteriores à vontade particularística dos indivíduos. É uma pluralidade de preceitos genéricos e abstractos que orientam os particulares, resolvendo inclusivamente os seus conflitos de interesses. O direito objectivo está acima dos indivíduos, é a norma de agir. b) Direito Subjectivo Consiste no poder ou faculdade atribuído pelo direito, isto é, atribuído ao titular de um Direito Objectivo a uma pessoa de livremente exigir de outrem um comportamento positivo (acção) ou negativo (omissão). Por outras palavras, consiste no poder jurídico atribuído pela ordem jurídica a uma pessoa, de livremente exigir ou pretender de outro, em um comportamento positivo (acção) ou um acto de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que incontestavelmente se impõem a outra pessoa – contraparte ou adversário. Só se nos depara um Direito Subjectivo quando o exercício do poder jurídico respectivo está dependente da vontade do seu titular. Exemplo: Tomemos como exemplo o artigo 1305º do Código Civil (conteúdo de direito de propriedade) que refere o seguinte: "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem...". Esta norma 16 jurídica constitui o direito objectivo e esta norma concede ao proprietário os direitos de poder usar, fruir e dispor das coisas que lhe pertencem, são os direitos subjectivos. Concluindo: Se o direito objectivo é a norma de agir, o direito subjectivo é a faculdade de agir. Ex: O direito de arrendamento é um direito de agir, é um direito-faculdade. Quando se fala do Direito que rege os Homens, Estado de Direito, Direito Internacional, tem a ver com direito objectivo, contrariamente, quando se diz eu tenho direito de fazer isto, refere-se ao direito subjectivo. A relação que existe entre direito objectivo e direito subjectivo afere-se pelo facto de o direito subjectivo só existir na medida como o direito objectivo o prevê. Os ingleses na distinção entre estes dois sentidos de direito são mais fáceis, pois para eles, Direito objectivo ou positivo, designam-no por law e direito subjectivo designam-no por right. 4.2. Ramos do Direito A ordem jurídica é una, mas o seu estudo impõe a demarcação de sectores. A esses sectores se chamam tradicionalmente aos Ramos do Direito, então, entendemos ser ramo do Direito um certo sector normativo do Direito. Apesar de o Direito ser uno e indivisível, torna-se necessário proceder-se a sua divisão de modo que ele possa regulamentar especificamente as relações sociais específicas. O conteúdo de cada ramo deve ser estruturado por intermédio de princípios gerais próprios desse ramo. Isto permite um aprofundamento coordenado das matérias nelas abrangidas. A primeira e mais tradicional divisão do Direito é a que distingue entre DIREITO PÚBLICO e DIREITO PRIVADO. Esta distinção tem sido polémica ao longo dos tempos, sendo vários os critérios de distribuição proposto pelos diversos autores. 4.2.1. Critérios de Distinção Existem 3 critérios de distinção, a saber: Critério da natureza dos interesses; Critério da qualidade dos sujeitos na relação jurídica; Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica; 17 a) Critério da Natureza dos Interesses Este critério é de base material. Assenta a distinção entre Direito Público e Direito Privado nas soluções consagradas na norma jurídica a classificar. As normas jurídicas expressam-se resolvendo conflitos de interesse entre os protagonistas da ordem jurídica. Assim, a natureza do interesse protegido pela norma daria para classificar como sendo do Direito Público ou do Direito Privado. Então, de acordo com este critério, o Direito Público teria como objectivo a satisfação de interesses públicos, pelo contrário, o Direito Privado, visaria a satisfação de interesses privados. Assim, se uma norma prossegue interesse público é do Direito Público, e será do Direito Privado se directamente protege e visa interesse privado. Este critério não é defensável pois, é difícil dizer se uma norma regula interesses da colectividade (públicos) ou se tutela interesses privados. Na verdade todas as normas jurídicas, mesmo as de Direito Privado, são criadas no interesse público, porque os interesses protegidos pelo Direito, mesmo os individuais, devem ter certa relevância pública. Exemplo: As normas que fixam as penas para os diversos crimes, procuram defender a segurança da colectividade, garantir a paz social e nessa medida tutelar interesses públicos. Por seu lado, as normas de Direito Público visam regular a conduta dos homens em sociedade e tutelam também os interesses dos particulares. Exemplo: As normas que fixam os diversos impostos protegem antes de mais um interesse do Estado, que é a obtenção de receitas públicas, mas os particulares também são beneficiados com essas receitas se o Estado lhes proporcionar serviços públicos eficientes. b) Critério da Qualidade dos Sujeitos na Relação Jurídica Este critério é de base formal. Segundo este critério para determinar se uma norma é de Direito Público ou do Direito Privado, impõe-se examinar, não o conteúdo dessa norma, mas a qualidade das partes na relação jurídica às quais a norma seria de aplicar. De acordo com este critério, o direito público, é constituído pelas normas que regulam as relações em que intervenha o Estado ou qualquer ente público em geral e o Direito Privado é constituído pelas normas que regulam as relações entre particulares. 18 Este critério também é sujeito a críticas, uma vez que o Estado e demais entes públicos podem actuar e frequentemente actuam, nos mesmos termos que qualquer particular. Exemplo: Quando o Estado desprovido do seu poder soberano, também tido por ius imperi, celebra com um ente privado um contrato de compra e venda as normas do contrato não deixem de ser de direitopúblico, para passarem a ser de direito privado. c) Critério da Posição Relativa dos Sujeitos na Relação Jurídica Este critério é igualmente de base formal. Segundo ele a distinção entre o Direito Público e Direito Privado, fundamenta-se na posição relativa dos sujeitos da relação social regulada pela norma. Para examinar se uma norma é de Direito Público ou de Direito Privado, deve começar-se por verificar-se a posição relativa das partes da relação jurídica a que a mesma se aplica. Se as partes se apresentam na relação jurídica em pé de igualdade trata-se de uma relação jurídica de Direito Privado e a norma que a ela se aplica tem essa mesma natureza. No entanto, se uma das partes ocupa uma posição de supremacia, a norma jurídica ter-se-á por Direito Público. Assim, o Direito Público disciplina as relações jurídicas que se estabelecem entre o Estado (ou outros estes públicos) e os particulares, intervindo o Estado numa posição de supremacia, isto é, como entidade dotada de poder soberano ―IMPERIUM‖; as normas de Direito Privado, regulam as relações sociais entre particulares ou em que intervenham o Estado (ou outros entes públicos) desprovidos do seu ―IMPERIUM‖; Assim, os sujeitos da relação jurídica privada estão numa relação de igualdade ou paridade. Exemplo: Quando o Estado celebra um contrato de arrendamento com o proprietário de um prédio para lá instalar um serviço, ele actua em pé de igualdade com o proprietário do prédio, não exercendo nessa relação nenhuma função soberana. Estamos perante uma relação de Direito Privado Pelo contrário, certas relações tributárias que se estabelecem entre os particulares e o Estado, e em que este intervém com o seu poder soberano, dizem-se de Direito Público. É evidente que estes dois ramos de direito, o Direito Público e o Direito Privado, não constituem dois compartimentos estanques, separados de forma absoluta. Pelo contrário, existem muitos pontos de conexão entre eles. 19 4.2.2. Aplicação das Normas de Direito Privado e Direito Público No campo da aplicação do Direito, é importante distinguir se a norma é de Direito Público ou de Direito Privado para saber se a pretensão resulta de uma relação de Direito Público ou de Direito Privado e se determinar qual o tribunal que pode julgar. Assim: A norma jurídica é de Direito Público quando visa uma relação jurídica na qual no mínimo uma das partes é uma entidade pública revestida da sua autoridade pública, intervindo nessa relação jurídica munida de tal autoridade – ius imperi, poder de mando. No que concerne às normas do Direito Privado, regulam as relações que se estabelecem entre particulares e ainda as relações em que intervêm como sujeitos, entidades dotadas de autoridades e, poderes públicos, apresentando-se desprovidos dessa autoridade, colocando-se no mesmo plano que os particulares. Os Tribunais Judicias (Civis, de trabalho, de família), são competentes para resolver os diferendos que surgem entre particulares, ou entre particulares e o Estado, estando os sujeitos numa posição de igualdade – Relação de Direito Privado. Os Tribunais Administrativos, são competentes para resolver os diferendos entre particulares e entes públicos, ou entre entes públicos diversos, estando estes munidos de poder soberano – Relação de Direito Público. 5. Ramos do Direito Público Dentro do Direito Público é vulgar distinguir nomeadamente os seguintes ramos de Direito: Direito Constitucional Direito Administrativo Direito Financeiro Direito Fiscal Direito Criminal Direito Processual Vejamos agora qual é o objecto próprio de cada um destes ramos de Direito: 20 5.1. Direito Constitucional É o primeiro ramo do Direito Público, ocupando lugar cimeiro de todo o ordenamento jurídico. É o conjunto de normas que regulam a organização fundamental do Estado e que estabelecem ainda os direitos e obrigações recíprocas do Estado, bem como os direitos e deveres dos cidadãos. O Direito Constitucional é constituído pelas normas que no seu conjunto regem os órgãos de soberania. O Direito Constitucional é o conjunto de normas que regulam a composição, designação, estrutura, relacionamento e funcionamento dos órgãos de soberania. Este ramo do Direito regula a esfera de competência do poder político, fixa-lhe as balizas, nomeadamente no que diz respeito aos Direitos fundamentais do cidadão. a) Constituição A constituição pode ser definida como a lei fundamental dum Estado ou país, que fixa os grandes princípios da organização política e da ordem jurídica em geral e os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos. As normas constitucionais ocupam assim um lugar cimeiro na hierarquia das leis. Moçambique tem uma história constitucional muito nova, pois, só depois da independência, em 1975, é que teve a sua primeira constituição. Ela sofreu alterações, com a revogação e entrada em vigor da Constituição aprovada em 1990 só depois a aprovação da Constituição em vigor desde 2004. 5.2. Direito Administrativo O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que rege a função administrativa do Estado, regula a organização interna da Administração Pública, seu funcionamento e exercício de funções específicas. Portanto é constituído pelas normas jurídicas reguladoras da organização da Administração Pública e do seu processo próprio de agir nas relações com os particulares. O Direito Administrativo moçambicano pode definir-se como o sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir da Administração Publica e disciplinam as relações pelas quais ela prossegue interesses colectivos 21 podendo usar da iniciativa do privilégio de execução prévia e da presunção legal dos actos da Administração. O privilégio de execução prévia consiste na faculdade concedida a certas pessoas ou órgãos de executarem imediatamente as medidas destinadas á satisfação das necessidades colectivas, em vez de aguardarem que um órgão judicial decida previamente sobre se é ou não legal a medida projectada. Exemplo: O Estado pode executar o património do devedor para realização dos créditos não voluntariamente satisfeitos, sem necessidade de declaração judicial prévia do seu direito. 5.3. Direito Financeiro É constituído pelo conjunto de normas jurídicas que regulam a actividade financeira do Estado O Estado para satisfazer as necessidades colectivas, desenvolve actividade financeira, tendo por objectivo a obtenção de receitas e a realização de despesas públicas. O Direito Financeiro, regula assim as formas de recolha, gestão e aplicação dos meios financeiros do Estado. Esses meios financeiros, são obtidos através de impostos e taxas, receitas patrimoniais e empréstimos públicos. 5.4. Direito Fiscal É a parte do direito público que regula a obtenção de receitas através da cobrança de impostos e taxas definidas nos termos legais, portanto, é o conjunto de normas jurídicas reguladoras do nascimento, desenvolvimento e extinção das relações jurídicas suscitados pela percepção do imposto. Tradicionalmente são apresentadas as seguintes fases do imposto: — Incidência – é a definição geral e abstracta, feita pela lei, dos actos ou situações sujeitos a impostos e das pessoas sobre as quais recai o dever de prestar. — Lançamento – consiste na série de operações administrativas, que levam à determinação da matéria colectável. — Liquidação – é um conceito que abrange as operações administrativas do lançamento e ligação propriamente dita, ou seja, a aplicação da taxa na matéria colectável, para a determinação do montante do imposto. — Cobrança – é a fase última do imposto e consiste na operação administrativa que visa a entrada do imposto nos cofres do Estado. 22 5.5. Direito Criminal ou Penal É o conjunto de normas jurídicas que procuram qualificar determinados factos como crimes e fixam os pressupostos da aplicação das sançõescriminais correspondentes (penas e medidas de segurança). Portanto, são normas que prevêem a lesão de bens jurídicos fundamentais da sociedade através de comportamentos humanos contrários ao Direito e que estabelecem uma reacção da ordem jurídica a esses comportamentos. A estes comportamentos graves, este Direito reage através de formas extremas que incluem a privação da liberdade, embora existam Estados que até tiram a vida ao infractor com recurso à pena de morte. O Direito Criminal indica não só os diversos tipos de crime, mas também as condições em que existe culpa, bem como as modalidades da culpa (dolo ou negligencia), as circunstâncias agravantes e atenuantes do crime, as condições e termos em que pode ser decretada uma medida de segurança, etc. O Direito Penal tem como princípio caracterizador fundamental a tipicidade, de acordo com o qual, nenhum acto pode ser considerado crime, assim, punido, sem que esteja previsto na lei nullum crimen sine lege, nenhuma pena pode ser aplicada sem que haja crime – nulla poena sine crimen. * O crime é um elemento central, deste ramo de Direito publico. 5.6. Direito Processual É o conjunto de normas que fixam os termos a observar na propositura e desenvolvimento de uma acção, portanto, é constituído pelo conjunto de regras que orientam a actividade jurisdicional dos tribunais, regulamentando a actuação das partes em juízo, o funcionamento dos tribunais e o formalismo dos actos conducentes à aplicação do Direito pelos tribunais. Os tribunais são órgãos de aplicação do Direito especialmente virados para a composição dos litígios, caracterizando-se pela sua imparcialidade e pela sua independência da estrutura hierarquizada do Estado. Portanto, o Direito Processual, não atribui directamente direito às partes, senão orientar às partes no sentido de como as partes devem agir para fazer valer em tribunal os seus direitos. Deste modo há tantos Direitos processuais a saber: 23 Direito Processual Civil: é um conjunto de normas que estabelecem os termos a observar na propositura e no desenvolvimento das acções civis, ou seja, nas acções fundadas no direito civil; Direito Processual Criminal ou Penal: é um conjunto de normas que estabelecem os termos a observar na instalação e no desenvolvimento da acção criminal; Direito Processual Fiscal; Direito Processual Administrativo; Direito Processual Laboral ou do Trabalho; e Outros. O Direito Processual Civil, sendo subsidiário dos outros direitos processuais, como é o seu substantivo o Direito Civil ou Comum, e a ele recorre-se subsidiariamente na falta de disposição legal aplicável no ramo do Direito Processual respectivo. Com estes fundamentos, o Direito Processual é considerado Direito Adjectivo ou Instrumental, por ser como acessório – instrumento – da realização do Direito Adjectivo. O Direito Processual regula a actividade dos tribunais quando se discute, como fazer para alguém gozar do direito que a lei substantiva fixa. Discute-se uma situação de vida regulada materialmente por outras regras jurídicas, as do Direito Substantivo, que atribuem os direitos e fixam os deveres. Neste Direito processual, um princípio desempenha papel importante, o do caso julgado. Uma decisão transitada em julgado é aquela que não pode mais ser apreciada pelo mesmo tribunal, nem mesmo pelo outro salvo casos extremos, o caso de recurso de revisão. 6. Direito Privado Como se referiu atrás o critério mais adequado para alguns autores, é o que define o Direito Privado como um conjunto de normas que regulam as relações sociais que se estabelecem entre os particulares ou entre particulares e o Estado (ou outros entes públicos) desde que estes intervenham em pé de igualdade com os particulares. Divisões do Direito Privado Direito Civil Direito Privado Especial *O ramo mais importante no Direito Privado é o Direito Civil. 24 6.1. Direito Civil O Direito Civil, é o Direito Privado Comum ou Direito-Regra, cujo campo de secção tende a abranger todas as relações de Direito Privado. É o núcleo fundamental do Direito Privado, daí que em relação aos outros ramos do Direito Privado, seja considerado um Direito subsidiário, isto é, sempre que surja um caso a resolver que não esteja previsto nesses ramos, ter-se-á que recorrer às normas contidas no Direito Civil. O Direito Civil, é constituído pelo conjunto de normas que regulam as relações que se estabelecem entre os participantes considerados como pessoas em geral * O princípio central do Direito Civil é o da livre autonomia da vontade das partes. A autonomia consiste na liberdade de cada um ordenar, dentro de certos limites gerais, o leque de relações que lhe diz respeito; consiste ainda na liberdade de exercer ou não os poderes de que é titular. * O diploma fundamental do Direito Civil é o Código Civil. O próprio Código Civil, testemunhando elevado grau de elaboração do Direito Civil, contém regras e princípios gerais que constituem uma teoria geral da lei, aplicáveis a todos os ramos do Direito e uma teoria geral da relação jurídica aplicável num âmbito que excede as fronteiras do Direito Privado. O código Civil aparece-nos subdividido em parte geral onde constam os títulos 1 e 2 e a parte especial onde constam os diversos livros. Parte Geral Titulo I – Das leis, sua interpretação e aplicação. Contém uma «teoria geral da lei» (teoria das fontes de Direito, teoria da interpretação e aplicação da lei, teoria da aplicação da lei no tempo e teoria da aplicação da lei no espaço). Titulo II – Das relações jurídicas. Contém uma «teoria geral das relações jurídicas» (a teoria geral do facto jurídico, a das pessoas, a das coisas, e a do exercício de direitos e das pessoas. 25 Subclassificação do Direito Civil O Direito Civil comporta sub-ramos que são designadamente: a) Direito das Pessoas Traça a disciplina jurídica fundamental da personalidade e da capacidade jurídicas, tanto no que diz respeito às pessoas singulares, indivíduos, como as pessoas colectivas, associações, fundações e sociedades. b) Direito das Obrigações Regula um tipo particular de relação jurídica, a que se chama obrigação, relação jurídica obrigacional ou relação jurídica de crédito. A obrigação tanto como pode resultar de um contrato como de um acto ilícito, dando lugar a responsabilidade civil, o enriquecimento sem causa e a gestão de negócios. O contrato é, no entanto, por excelência a expressão da autonomia privada. Estabelece o artigo 397 do Código Civil, ―obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação‖. Numa relação obrigacional o sujeito passivo é aquele que está obrigado à realização de certo facto ou ao cumprimento de determinada prestação – entrega de certo bem ou coisa – por exemplo, o qual se designa devedor. Por sua vez é designado por credor o sujeito activo da obrigação, aquele que tem o direito de exigir a realização de certo facto ou entrega da coisa. c) Direito das Coisas ou Direitos Reais A instituição central é a propriedade. Os Direitos Reais distinguem-se em: Direitos Reais de Gozo: propriedade, usufruto uso e habitação, direito de superfície e servidão predial; Os que atribuem ao seu titular um poder oponível a terceiros fruir uma coisa; Direitos Reais de Garantia: hipoteca, penhor e outros; Os que atribuem ao seu titular o poder de satisfazer um crédito seu, através do valor de certa coisa; e Direitos reais de aquisição: que são direitos oponíveis a terceiros, à aquisição de certa coisa. 26 d) Direito da Família Disciplina as relações jurídicas familiares assentes nas instituições públicas: do casamento; da adopção; do parentesco; e da afinidade. e) Direito das Sucessões Disciplina a sucessão por causa da morte, «mortis causae». Este Direito ocupa-se em determinaro destino a dar aos bens e dívidas de que era titular uma pessoa falecida, de cujus. O Direito Sucessório regula o ingresso de outrem nas situações jurídicas daquele que faleceu. Se o ingresso tem por base um chamamento realizado por testamento denomina-se Sucessão Testamentária ou pela lei denominando-se Sucessão Legal. Dentro da Sucessão Legal, ainda se distingue a Sucessão Legitimária que se caracteriza por não poder ser afastada pelo autor da sucessão, nomeadamente através de um testamento e a Sucessão Legítima que visa encontrar um sucessor para o falecido, para que os direitos e deveres deste não fiquem nullius, de ninguém, sem dono, na falta de familiares em que se chama o Estado à herança. f) Direito Internacional Privado É o ramo de Direito que regula as situações da vida internacional, como as da órbita relacionadas com mais que um ordenamento jurídico. O Direito Internacional Privado apresenta como característica ser em ampla medida composto por normas que contém directamente a disciplina jurídica aplicável, mas que remetem em função de certos factores de competência, para a ordem jurídica cujo Direito deve ser aplicado – normas de conflito de leis. Por exemplo, em vez de dispor sobre a forma de casamento celebrado entre pessoas de diferentes nacionalidades, artigo 50 do Código Civil, determina que ela é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado. Trata-se de uma situação em que a lei nos remete para o salto ao obscuro porque ab initio o intérprete não sabe para que disposições legais forasteiras se lhe remetem. 27 6.2. Direito Privado Especial a) Direito Comercial O Direito comercial é um Direito Privado Especial, que se mostra autónomo do Direito Civil e tem como finalidade regular a actividade mercantil. Aparentemente, a determinação do campo da lei comercial seria facilitada pelo confronto com o conceito de comércio – actividade de mediação entre a produção e o consumo de bens. No entanto, o conceito jurídico de comércio é muito mais extenso e abrange ainda a indústria. Eis os princípios que regem a actividade comercial: Celeridade; Reforço do crédito; Boa-fé; e Fim lucrativo da actividade comercial. A necessidade de celeridade de tráfego mercantil, o seu timbre lucrativo ou de proveito económico e a importância de que se reveste a boa fé, bem como a necessidade da protecção do credor comercial conduziram à criação de regras específicas que justificam o Direito Comercial. Este Direito, não é exclusivo dos comerciantes, porque por exemplo há cidadãos que podem emitir cheques para pagamento duma dada despesa. Tal acto de emissão de cheque, sendo comercial, pode ser praticado por não comerciante, trata-se de um acto de comércio objectivo, sendo subjectivo o caso de acto exclusivo do comerciante. O Direito Comercial tende a autonomizar-se também algumas áreas como sub-ramos, ao exemplo de Direito Bancário, Direito de Seguros, Direito Marítimo e outros. b) Direito do Trabalho O Direito do Trabalho estuda as normas jurídicas que regem a relações de trabalho: os direitos e obrigações dos trabalhadores face a entidade patronal e, de ambos (trabalhadores e entidade patronal), face ao Estado. O Direito do Trabalho regula apenas relações da classe subordinada e nunca da classe empregadora. 28 6.3. Outros e Novos Ramos do Direito A ordem jurídica não se esgota nos ramos do Direito acabados de indicar. No Direito Público vários outros ramos poderiam apontar-se, designadamente: o Direito dos Registos e Notariado. No Direito Privado, o Direito do Autor e o Direito de Informática. No que respeita a certas áreas novas do Direito, a clássica divisão do Direito Público e o Direito Privado não parece servir para abrigar algumas áreas normativas recentemente parecidas ou reformuladas. 6.4. Exercícios 2 1. Fundamentando legalmente diga se são verdadeiras ou falsas, as afirmações seguintes: a) O Direito Natural assenta sobre normas emitidas pelo Estado através do órgão competente para o efeito. b) Alguns autores defendem que o Direito Comercial é um Direito Público porque as suas normas são emanadas pelo Estado. Concorda? Justifique? c) O Direito Comercial, como o Direito do Trabalho, são sub-ramos do direito constitucional, pois, as suas normas, constantes do Código Comercial e Lei do Trabalho, subordinam-se a lei mãe, neste caso, a Constituição da República de Moçambique. 2. O Ministério do Trabalho pretendendo afectar um imóvel a recém Ministra nomeada celebrou um contrato de arrendamento com a senhora Jú, dona de uma fracção autónoma (flat) sita no bairro da Coop, Av. Vladimir Lenine, PH6. a) Diga justificando, em que ramo de Direito assenta o contrato? b) Estabeleça a diferença existente entre o Direito Público e o Privado. (10 pontos). 3. A Policia da República de Moçambique, pretendendo adquirir uma viatura para mais uma das suas habituais patrulhas, contratou com a Toyota de Moçambique. a) Diga justificando, em que ramo de Direito assenta o contrato? b) Estabeleça a diferença existente entre o Direito Natural e o Direito Positivo. 29 7. Fontes do Direito Fontes do Direito em sentido técnico-jurídico, consiste nos modos de formação e revelação das normas jurídicas num determinado ordenamento jurídico. As fontes do direito podem se distinguir em dois tipos, a saber: Fontes Imediatas ou Directas do Direito: São aquelas que criam normas jurídicas. Fontes Mediatas ou Indirectas do Direito: São aquelas que não criam normas jurídicas, mas contribuem para a sua formação. Tradicionalmente são enumeradas quatro fontes do direito, a saber: A lei; O costume; A jurisprudência; e A doutrina. Como iremos ver de seguida, o Código Civil estabelece nos artigos 1.º a 4.º, disposições, sobre as fontes do direito e considera a lei e as normas corporativas como únicas fonte imediata do direito em contraposição à jurisprudência, a doutrina (artigo 2º), aos usos (art.º 3º) e a equidade (artº 4º) cuja força vinculativa provém da lei, ou seja, os usos e equidade só têm relevância jurídica, quando a lei o determine. Portanto, temos apenas a lei como fonte imediata do direito. 7.1. O Costume O costume é prática de uma conduta social reiterada e constante, acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade pela comunidade. O costume é constituído por dois elementos essenciais que devem estar sempre presentes sob pena de não ser costume: Corpus (usus)- uma prática social reiterada e constante. Animus- a convicção da respectiva obrigatoriedade, como se estivesse a obedecer a uma norma geral e abstracta. Do ponto de vista da lei, o costume pode ser de três espécies: Costume Secundum Legem (segundo a lei): o costume confirma ou interpreta. A lei ignora-o, o que significa que não o considera relevante. Costume Praeten Legem (para além da lei): o costume regula aspectos não regulados pela lei. Este não é permitido pelo Direito, pois, O código civil não alude ao costume como meio de integração de lacunas da lei. 30 Costume Contra Legem (o costume contrário à lei): O costume cria uma regulamentação contrária à lei. Este costume não é admitido no ordenamento jurídico moçambicano. O Código Civil exclui o costume como fonte imediata de direito e nem sequer o reconhece como meio de integração das lacunas da lei. O legislador apenas admitiu que os usos tenham relevância jurídica quando a lei para ele remete e, portanto, nunca contra a lei - fonte mediata de Direito. Aliás, quando na lei civil nos aparece a referência ao costume é mais no sentido de uso. Diferente do costume é o uso, ou seja, o uso é a prática reiterada de uma conduta a que falta a convicção da respectiva obrigatoriedade (o animus). Contrariamente do ordenamento jurídico moçambicano, no direito internacional público, o costume é uma importante fonte de direito 7.2. Jurisprudência Jurisprudênciaé o conjunto de decisões (sentenças e acórdãos) proferidas pelos tribunais ao fazerem a interpretação e aplicação da lei aos casos concretos que lhe são submetidos. 7.2.1. Tipos de decisões judiciárias: Sentenças: são as decisões proferidas pelos tribunais singulares, ou seja, decisões proferidas por um único juiz; Acórdãos: são as decisões proferidas por tribunais colectivos, que são constituídos por um mínimo de três juízes. A Jurisprudência é apenas uma fonte mediata do Direito por apresentar um papel de relevo como contributo para a formação de normas jurídicas, cuja criação fica reservada ao poder legislativo (Assembleia da República e Governo) Para que a Jurisprudência constituísse fonte imediata do Direito era necessário que criasse Direito através da orientação seguida pelos tribunais nas decisões de casos concretos e individuais para que vinculasse todos os outros tribunais a julgarem de igual modo situações idênticas. 31 Na verdade, não vigora a regra do precedente, ou seja, a decisão proferida por um tribunal não vincula o próprio tribunal, nem os demais tribunais aquando do julgamento de casos futuros semelhantes. As decisões dos tribunais só vinculam o caso concreto sobre o qual é proferida a decisão do tribunal. Os tribunais apenas estão sujeitos à Constituição e à Lei. Excepcionalmente existem decisões do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral que criam Direito, são situações em que o tribunal constitucional aprecia e declara a inconstitucionalidade ou ilegalidade de certas normas, com força obrigatória geral. Os juízes são independentes e não têm que decidir como eles próprios ou outros o fizeram anteriormente. Os Tribunais de instância inferior não têm que julgar em conformidade com decisões de instâncias superiores. Apenas em caso de recurso (reapreciação da decisão judicial por outro tribunal hierarquicamente superior) é que a decisão proferida pelo tribunal superior vincula face à decisão recorrida, não valendo já para outros casos semelhantes. É de salientar, que há uma hierarquia judiciária: juízes superiores e inferiores, mas deve-se ter em atenção, que esta hierarquia difere da hierarquia administrativa. A hierarquia administrativa traduz-se no poder dos superiores darem ordens aos inferiores, o que tal não acontece na hierarquia judiciária, justamente pela aplicação do princípio da independência dos juízes. 7.2.2. Papel Importante Desempenhado pela Jurisprudência A jurisprudência desempenha um papel importante, sobretudo a proveniente dos tribunais superiores, em que os acórdãos têm um peso efectivo nas decisões futuras, muitas das vezes são referidos ou citados, quando se entende que o novo caso sob judicio é análogo ao que foi decidido por um desses acórdãos. Em todo o caso não vinculam os tribunais, mas contribuem para aquilo que se chama a jurisprudência uniformizada, a fim de se atingir maior segurança nas decisões e evitar desperdício da actividade jurisprudencial em casos semelhantes. 32 7.3. Doutrina Doutrina é o conjunto de estudos, opiniões e pareceres dos jurisconsultos sobre a forma adequada de interpretação, integração ou aplicação do Direito. Jurisconsultos são juristas qualificados, em geral, professores nas Universidades. A doutrina consta de tratados, manuais, comentários às leis (códigos) e à jurisprudência, monografias e estudos jurídicos vários. A doutrina não é considerada fonte imediata ou directa do Direito uma vez que ela não cria normas jurídicas e, por conseguinte, não tem carácter vinculativo. A doutrina é uma fonte mediata do direito, apesar de não criar Direito, tem uma importante relevância prática na revelação do próprio Direito, dado que as opiniões dos Jurisconsultos contribuem para esclarecer o sentido e o alcance de determinadas normas jurídicas e ajudam a colmatar algumas omissões na lei. Uma outra relevância importante da Doutrina é a influência que ela exerce na feitura das leis, nas decisões judiciais e na actuação da administração pública. 7.4. A Lei O artigo 1º do Código Civil acolhe a Lei e as normas corporativas como as únicas fontes imediatas do Direito. São normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos. Amplamente consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes. Portanto a lei como fonte imediata do direito, cria normas jurídicas, com carácter vinculativo emanadas do órgão dotado de competência legislativa. O termo lei pode ter vários significados: Tem o significado de ordenamento jurídico, como por exemplo, onde se consagra que todos os cidadãos são iguais perante a lei Tem o significado de acto legislativo como por exemplo, onde se consagra que os impostos são criados por lei. Tem o significado de norma jurídica, como por exemplo onde se refere "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Tem o significado de Direito 33 E tem ainda o significado de diploma legislativo. Para se compreender verdadeiramente o termo lei temos que ter em conta a distinção entre os vários sentidos em que ela se apresenta: 7.4.1. Sentidos da Lei 7.4.1.1. Lei em Sentido Amplo Refere-se a qualquer diploma que consagre normas jurídicas emanadas dos órgãos estaduais competentes (Assembleia da República, Governo e Assembleias Municipais, ou seja, leis, decretos-lei, regulamentos, portarias e posturas). Resumindo, a lei em sentido amplo abrange todos os diplomas que consagram normas jurídicas. 7.4.1.2. Lei em Sentido Restrito (lei propriamente dita) Refere-se aos diplomas emanados pela Assembleia da República (Lei) 7.4.2. Distinção Entre Lei e Decreto-Lei Lei: diploma emanado pela Assembleia da República (art. 143 da Constituição da República de Moçambique). Decreto-Lei: diploma emanado pelo Governo (art. 143 da Constituição da República de Moçambique). Lei Ordinária: São todos os restantes diplomas emanados pelo poder legislativo (Lei da Assembleia da República, decreto-lei do Governo) Podemos definir Lei como uma norma jurídica criada e imposta na sociedade emanada de uma autoridade competente. 7.4.3. Feitura Das Leis. 34 Vimos os tipos ou categorias de leis, que fazem parte do Direito. Agora vamos ver como as leis se fazem e como cessa a sua vigência. Para o efeito, importa recordar que o Estado goza de três poderes distintos, nomedadamente: Poder legislativo: Exercido pela Assembleia da República e pelo Governo; Poder executivo (administrativo): Exercido pelo Governo; e Poder judicial: Exercido pelos tribunais. A Lei emerge do poder legislativo. Vamos apenas ter presente as leis, da Assembleia da República, os decretos-leis e os decretos-regulamentares, do Governo. Em certas matérias só pode legislar a Assembleia da República, é a reserva absoluta de competência legislativa. Noutras matérias pode legislar a Assembleia da República ou o Governo com autorização dela, através duma lei de autorização, é reserva relativa de competência legislativa (art. 143 da Constituição da República de Moçambique). Portanto a Assembleia da República tem competência para fazer leis e o Governo tem competência para fazer decretos-leis e bem assim competência regulamentar exercida através de decretos-regulamentares; resoluções do Conselho de Ministros; portarias e despachos normativos (art. 143, 169 e 179, nº 1, 2 alíneas a), d), e), s), t) e u) e nº 3, todos da Constituição da República de Moçambique). O processo legislativo ou de elaboração das leis compreende as seguintes fases: Elaboração ou Preparação; Aprovação; Promulgação; Publicação; e Entrada em Vigor. a) Elaboração ou Preparação Em primeirolugar há que elaborar o texto da lei. Na Assembleia da República, a elaboração e aprovação da lei obedece a certas formalidades que estão reguladas e previstas na constituição. Só pode iniciar o processo legislativo, quem tiver competência de iniciativa legislativa. A iniciativa da lei compete aos Deputados, as Bancadas Parlamentares, as Comissões da AR, ao Presidente da República e ao Governo, al. b) do art 173, artigo 182 e al. c) do nº 1 do artigo 204 da Constituição da República de Moçambique. 35 b) Aprovação A seguir à elaboração segue-se à aprovação, porém, ela é precedida de discussão e votação, conforme informa o artigo 184 da Constituição da República de Moçambique. A discussão é feita na generalidade, com vista a harmonização do conteúdo substancial a legislar e a discussão na especialidade tem em vista colmatar aspectos específicos, como harmonização textual, consolidação dos articulados e outros detalhes. Após a consolidação das discussões segue-se a aprovação, sendo das leis por maioria na Assembleia da República e dos decretos-leis por maioria em Conselho de Ministros. A elaboração e votação dos decretos-lei e dos decretos regulamentares por parte do Governo é informal. c) Promulgação As leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares carecem de promulgação do Presidente da República. A promulgação é o acto pela qual o Presidente da República atesta solenemente a existência da norma e intimida à sua observância, conforme resulta do artigo 163 da Constituição da República de Moçambique. A falta de promulgação determina a inexistência do acto. d) Publicação A lei para poder ser aplicada tem que ser conhecida e para ser conhecida tem que ser publicada e a sua publicação faz-se no Boletim da República, conforme resulta da al. a), nº 1 do art 144 da Constituição da República de Moçambique. Com a publicação, a lei passa a ser obrigatória, isto não significa que ela seja desde logo aplicável, há ainda a necessidade de estabelecer o começo da sua vigência. e) Entrada em Vigor 36 Depois da lei ser publicada no Boletim da República para a sua entrada em vigor, existe um espaço de tempo. A este tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor da lei, chama-se "Período de Vacatura‖ ou ―Vacatio Legis". 7.4.4. Cessação da Vigência das Leis A lei mantém-se em vigor até que algo a faça cessar a sua vigência, porém, a lei pode deixar de vigorar por: Caducidade; ou Revogação. Outra realidade diferente e que não põe termo à vigência da lei, é a suspensão de vigência de lei, ou seja, a lei suspensa continua a existir na ordem jurídica, só que não produz quaisquer efeitos. a) Caducidade Consiste no termo de vigência da lei, que pode ser a própria lei prever uma data de cessação de vigência, ou um prazo de duração (leis temporárias) ou ainda em consequência de um facto superveniente., isto é, pelo desaparecimento definitivo da realidade a que a lei se aplicava. b) Revogação Consiste no termo da vigência da lei em consequência da entrada em vigor de uma Lei nova de valor hierárquico igual ou superior. A revogação pode ser: Revogação Expressa: quando a lei nova declara quais os preceitos que deixam de vigorar. Por exemplo quando a lei nova diz que são revogados os artigos de uma Lei ou decreto-lei, quando a lei nova diz que determinado diploma é revogado. Revogação Tácita: quando a lei nova é incompatível com a lei anterior, neste caso prevalece a lei posterior. Cabe ao intérprete a descoberta dessa incompatibilidade. Por exemplo: posteriormente a uma Lei que estabelece um prazo de cinco (5) anos para propor certa acção, é publicada outra Lei fixando para o mesmo efeito, o prazo de três (3) anos. 37 7.4.5. Hierarquia das Leis. A hierarquia das leis prende-se com o facto de que nem todas as normas têm o mesmo valor jurídico. As leis estão escalonadas hierarquicamente. Assim as normas de hierarquia superior prevalecem sobre as normas de hierarquia inferior Exemplo: Se uma norma de hierarquia inferior contrariar uma norma de hierarquia superior poderá ser considerada inconstitucional ou ilegal, consoante contrarie, respectivamente a Constituição ou qualquer outra lei. As leis especiais prevalecem sobre as leis gerais. A hierarquia das leis respeita a hierarquia dos órgãos de que são emanados. A hierarquia das leis tem uma seguinte configuração em forma de pirâmide: Constituição Normas constitucionais editadas pelo poder constituinte originário Normas constitucionais editadas pelo poder constituinte derivado ou de revisão Lei Constitucional Originária: É a lei que cria a constituição. Lei Constitucional Derivada (Lei de Revisão): É a lei que altera a Constituição. Direito Internacional Convenções e tratados inclui o Direito Comunitário Actos Normativos Leis (AR) Decretos-lei (Governo) Lei: diploma emanado pela Assembleia da República (art. 143 da Constituição da República de Moçambique). 38 Decreto-Lei: diploma emanado pelo Governo (art. 143 da Constituição da República de Moçambique). Actos Administrativos Decretos Regulamentares Resoluções do Conselho de Ministros Portarias Despachos Normativos Instruções Circulares Regulamentos e posturas locais Exercícios 3 1. Fundamentando legalmente diga se são verdadeiras ou falsas, as afirmações seguintes: f) O Conselho de Ministros como o governo de moçambique a ele cabe decidir sobre o bem-estar do país por isso querendo pode aprovar leis constitucionais. g) No quadro da criação legislativa tanto a Assembleia da República como o Governo tem a mesma competência legislativa, porque ambos criam normas jurídicas. 2. O Município de Quelimane com vista a ajudar o povo emitiu uma postura local que refere que a terra é propriedade das pessoas que a detém, contrariando o enunciado pela Constituição da República de Moçambique que diz que a terra é propriedade exclusiva do Estado. Comente a decisão do Município de Quelimane tendo em conta a hierarquia das leis e fundamente a sua resposta. 3. O Presidente da República nas suas mais altas competências, face a crise, decidiu propor a criação de uma lei de distribuição igualitária dos recursos financeiros no país. Dado a urgência não envolveu a Assembleia da Republica, tendo, por si só, a aprovado, promulgado e depois mandado publicar. Comente a decisão do Presidente da República face a competência legislativa e as fases da criação de uma lei. 4. Fundamentando legalmente diga se são verdadeiras ou falsas, as afirmações seguintes: a) A doutrina assume um papel cimeiro na criação e revelação do direito por isso é fonte imediata do direito. 39 7.4.6. Interpretação da Lei Interpretar uma lei, consiste em determinar o sentido e o alcance real da lei. 7.4.6.1. Espécies de Interpretação da Lei i. Quanto a sua Fonte e Valor Duas formas de interpretação: Autêntica; e Doutrinal. a) Interpretação Autêntica: É aquela que é realizada pelo próprio legislador, mediante uma lei igual ou de valor superior à lei interpretada. A essa lei interpretada chama-se lei interpretativa (art. 13º do Código Civil) e destina-se a interpretar uma lei anterior. A interpretação autêntica tem força obrigatória, ou seja, tem carácter vinculativo. b) Interpretação Doutrinal: É aquela que é realizada pelos: Tribunais; Administração pública; Juristas; Particulares. A interpretação doutrinal realizada pelos tribunais e pela Administração Pública, tem força vinculativa, mas apenas em relação ao caso concreto sobre o qual é proferida a decisão pelo tribunal. Nos restantes casos não têm força obrigatória. Em relação à interpretação feita pelos juristas, esta tem maior ou menor força persuasiva, consoante maior ou menor for o prestígio do jurista. 40 Elementos Fundamentais da InterpretaçãoDoutrinal São aqueles elementos que o intérprete se serve para interpretar as leis, vide artigo 9 do Código Civil. Assim temos: Elemento Gramatical ou Literal É constituído pelo texto ou "a letra da lei", por meio do qual o intérprete inicia a interpretação, através da determinação do significado das palavras utilizadas pelo legislador na lei. Princípios Orientadores: As palavras não se devem entender isoladamente mas sim no conjunto do texto; Deve-se partir do princípio que todas as palavras do texto legal têm nele uma função útil; O sentido das palavras deve ser, em princípio, o que resulta da linguagem corrente, salvo tratando-se de termos com significado técnico-jurídico, que neste caso serão estes os utilizados. Elemento Lógico Por meio do elemento lógico o intérprete vai apurar a partir do texto qual o espírito da lei e para isso recorre ao elemento sistemático, ao elemento histórico e ao elemento teleológico. Elemento Sistemático: uma lei não está isolada, por isso a sua interpretação tem que ter em consideração as relações existentes entre a lei a interpretar e as outras leis e ter também em conta todo o sistema jurídico. Elemento Histórico: Este elemento compreende os dados ou acontecimentos históricos para que expliquem a criação da lei. E então socorre-se: À história do Direito, para, confrontar a lei que se pretende interpretar com leis anteriores que regularam a mesma matéria; Aos estudos doutrinais em que o legislador se baseou para fazer a lei que se pretende interpretar e por vezes recorrer a doutrinas e leis estrangeiras; Aos projectos e anteprojectos da lei. Elemento Teleológico: consiste em saber qual foi o objectivo que motivou o legislador a elaborar a lei. Qual foi a finalidade da lei e o que ela pretende alcançar. 41 Na interpretação o elemento gramatical e o elemento lógico têm que ser sempre utilizados conjuntamente. O nº 1 do artigo 9º do Código Civil refere-se a ambos os elementos: "a letra da lei" - elemento gramatical ou literal "ao pensamento legislativo" (espírito da lei) - elemento lógico. O nº 1 do artigo 9º do Código Civil também se refere às subdivisões do elemento lógico: "unidade do sistema jurídico " - elemento sistemático "as circunstancias em que a lei foi elaborada" - elemento histórico "as condições específicas do tempo em que é aplicada" - elemento teleológico ou racional. a. Interpretação Quanto ao Resultado Interpretação Declarativa; Interpretação Extensiva; Interpretação Restritiva. i. Interpretação Declarativa Quando o sentido da letra coincide com o espírito da lei (pensamento legislativo). ii. Interpretação Extensiva Quando o sentido da letra da lei fica aquém do seu espírito. O legislador disse menos do que pretendia. O intérprete tem de fazer uma interpretação de modo a fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito. 42 iii. Interpretação Restritiva Quando o sentido da letra da lei vai além do seu espírito. O legislador disse mais do que aquilo que pretendia. O intérprete terá de restringir o texto da lei de modo a harmonizá-lo com o espírito da lei. iv. Integração de Lacunas Depois de esgotados todos os elementos interpretativos de que o intérprete se socorreu, verificou que determinado caso não cabe no conteúdo de uma lei. Portanto, estamos perante um caso omisso ou uma lacuna da lei. Neste caso temos que integrar uma lei ao caso omisso. Integrar uma lei é aplicar uma lei a um caso omisso ou a uma lacuna da lei. Se não temos uma lei como é possível aplicar uma lei ao caso omisso? Através da chamada integração de lacunas da lei previsto no artigo 10º do Código Civil. A interpretação do caso omisso ou lacuna da lei, faz-se com recurso à analogia que consiste em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de casos análogos (artigo 10º do Código Civil). E se não forem encontrados casos análogos com regulamentação própria? Neste caso temos resposta no artigo 10º do Código Civil. O intérprete iria criar uma norma geral e abstracta, como fosse o legislador e iria aplicá-la ao caso omisso. Esta norma criada pelo intérprete tem aplicação apenas para o caso concreto. Em certos casos a lei proíbe a analogia: Nas normas penais ou criminais; e Nas normas fiscais relativamente à incidência de impostos, à taxa, aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes. v. Aplicação das Leis no Tempo Prende-se com o problema das sucessões das leis no tempo. Os artigos 12º e 13º do Código Civil, contém os princípios gerais sobre a aplicação das leis no tempo no nosso ordenamento jurídico. 43 A aplicação das leis no tempo consiste em determinar qual a lei aplicável a uma determinada situação: se é a lei antiga ou se é a lei nova. Segundo o nº 1 do artigo 12 do Código Civil "A lei só dispõe para o futuro": princípio da não retroactividade (regra geral) "ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva" esta eficácia retroactiva é atribuída pelo legislador" (direito transitório). Porém, para a regra de não retroactividade há excepções: Quando decorre da lei: por vezes é a lei nova que estabelece ela própria, regras destinadas a regular a sucessão da lei. Tais regras fazem parte do Direito Transitório. Quando se trata de uma lei interpretativa, nos termos do art. 13.º do Código Civil a lei interpretativa é retroactiva, ressalvando-se, no entanto, os efeitos já produzidos: pelo cumprimento da obrigação e pela sentença transitada em julgado; e Na verificação dos prazos: aos prazos que já estiverem a decorrer aplica-se de imediato a lei nova, quer estabeleça um prazo mais curto quer estabeleça um prazo mais longo, artigo 297º do Código Civil. 8. Relação Jurídica 8.1. Noção de Relação Jurídica Durante a convivência social, o homem estabelece diversos tipos de relações, desde as de carácter social, familiares, de amizade, de confiança, de namoro e etc… No seio da convivência jurídica a realidade não é estranha pois, no seu quadro os homens, como sujeitos de direito, também estabelecem relações e essas relações particularmente podem ser jurídicas. As relações jurídicas são aquelas cujas consequências são relevantes para o direito. São relações jurídicas aquelas cujas repercussões são relevantes no direito. Os Sujeitos de Direito são os entes susceptíveis de serem titulares de direito e obrigações, de serem titulares de relações jurídicas. São sujeitos de direito as pessoas7, singulares e colectivas. 7 Pessoa física ou natural "É o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações" (Maria Helena Diniz), que para receber essa denominação de pessoa, basta nascer com vida, e desse modo adquirir personalidade. 44 A relação jurídica pode ser tomada em dois sentidos: Sentido amplo (vasto) e Sentido restrito (limitado); Relação Jurídica em Sentido Amplo é toda a relação da vida social disciplinada pelo Direito, ou seja, relevante para a ordem jurídica por produzir consequências de Direito. Por esta noção ser bastante vaga adoptaremos para o nosso estudo a seguinte: Relação Jurídica em Sentido Restrito ou Técnico é a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a um sujeito de um direito subjectivo e a imposição a outro de um dever jurídico ou de uma sujeição. 8.2. Elementos da Relação Jurídica a) Sujeitos: são pessoas entre as quais se estabelece a relação jurídica. São os titulares do direito subjectivo (sujeito activo ou credor) e das posições possíveis correspondentes - dever jurídico (sujeito passivo ou devedor). Portanto, são sujeitos de direito aquelas pessoas que podem ser ou fazer parte de uma relação jurídica. b) Objecto: é aquilo sobre o que recaem os poderes do titular do Direito (coisas ou prestações). c) Facto Jurídico: é todo o acontecimento natural ou acção
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