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2012 Ética e administração Pública Prof.a Isabella Maria Nunes Ferreirinha Copyright © UNIASSELVI 2012 Elaboração: Prof.ª Isabella Maria Nunes Ferreirinha Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 350 F383e Ferreirinha, Isabella Maria Nunes Ética e administração pública / Isabella Maria Nunes Ferreirinha. Indaial : Uniasselvi, 2012. 198 p. : il ISBN 978-85-7830- 552-9 1. Administração pública. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III aPresentação A vida vem nos apresentando situações em que as condutas morais vêm se transformando constantemente. Mas em meio às transformações das condutas morais, dos costumes, que a sociedade vem sofrendo, os valores vão se transformando em outros e em outros mais. A ética e a moral são os condutores para a sustentabilidade de uma sociedade mais humana, mais justa, mais igualitária. É o bem comum que subsidia as condições para as condutas morais, para a manutenção de valores que coadunam com o interesse coletivo. Não basta fazer, é preciso saber fazer! Esse é o princípio da UNIASSELVI, em que o processo de aprendizagem torna-se uma constante, num eterno movimento de aprender a aprender. A ética nos proporciona isso, um eterno exercício de reflexão frente ao comportamento humano e suas ações. Saber fazer requer, portanto, que as reflexões sejam fomentadas, para que as nossas ações estejam pautadas num alicerce coeso de princípios, conhecimento e criticidade. Criticidade voltada para anunciar, porque anunciar denota movimento, um novo olhar, uma nova ação, um novo saber fazer. Então, querido(a) acadêmico(a), espero que você aproveite esse Caderno de Estudos, e que se torne um disseminador de condutas éticas e morais, para que os setores de nossa sociedade se enriqueçam de profissionais capazes, eficientes, conscientes, proativos e transformadores na geração do bem comum. Bons estudos! Prof.a Isabella Maria Nunes Ferreirinha IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À ÉTICA ............................................................................................ 1 TÓPICO 1 - ÉTICA .................................................................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 CONCEITO DE ÉTICA ........................................................................................................................ 4 3 O CAMPO DA ÉTICA ......................................................................................................................... 7 4 POLÍTICA E ÉTICA ............................................................................................................................. 8 5 CÓDIGO DE ÉTICA ............................................................................................................................ 9 6 O VALOR DA ÉTICA ........................................................................................................................... 14 7 ÉTICA E FILOSOFIA ........................................................................................................................... 16 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 17 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 18 TÓPICO 2 - PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS ............................................................................ 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 21 2 IDADE ANTIGA ................................................................................................................................... 21 3 IDADE MÉDIA ..................................................................................................................................... 24 4 IDADE MODERNA ............................................................................................................................. 25 5 IDADE CONTEMPORÂNEA ............................................................................................................. 27 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 29 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 30 TÓPICO 3 - MORAL ............................................................................................................................... 31 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 31 2 CONCEITO DE MORAL ..................................................................................................................... 31 3 O CAMPO DA MORAL ...................................................................................................................... 34 3.1 A PRÁTICA MORAL ...................................................................................................................... 35 3.2 A MORAL E O COMPORTAMENTO HUMANO ..................................................................... 36 3.3 A PRÁTICA MORAL EM NOSSA SOCIEDADE ........................................................................ 38 4 MORAL, AMORAL E IMORAL ........................................................................................................41 5 PROBLEMAS MORAIS E PROBLEMAS ÉTICOS ........................................................................ 41 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 45 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 46 TÓPICO 4 - RELAÇÕES HUMANAS .................................................................................................. 49 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 49 2 RELAÇÕES SOCIAIS .......................................................................................................................... 49 2.1 URBANIDADE E CIVILIDADE .................................................................................................... 53 2.2 SOLIDARIEDADE ........................................................................................................................... 54 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL ....................................................................................................... 56 3.1 GESTÃO PÚBLICA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL ........................................................ 59 4 DIREITOS .............................................................................................................................................. 59 5 CIDADANIA ......................................................................................................................................... 61 5.1 CONCEITO DE CIDADANIA ....................................................................................................... 61 sumário VIII LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 66 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 70 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 71 UNIDADE 2 - ÉTICA PROFISSIONAL .............................................................................................. 73 TÓPICO 1 - PROFISSÃO E SUAS CONDUTAS ............................................................................... 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROFISSÃO ................................................................................................ 75 2.1 VALOR SOCIAL DA PROFISSÃO ................................................................................................ 75 2.2 RESPONSABILIDADE DA PROFISSÃO ..................................................................................... 77 3 TOMADA DE DECISÃO E ÉTICA ................................................................................................... 78 3.1 RACIONALIDADE ÉTICA ............................................................................................................ 80 3.2 ÉTICA DA CONVICÇÃO E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE ............................................. 84 4 DEVERES PROFISSIONAIS .............................................................................................................. 86 4.1 OS DILEMAS ÉTICOS..................................................................................................................... 86 4.2 ASPECTOS DA CONSCIÊNCIA ÉTICA E DA LEI .................................................................... 86 4.3 DISCRICIONARIEDADE E ÉTICA .............................................................................................. 88 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 89 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 90 TÓPICO 2 - O ATO ADMINISTRATIVO .......................................................................................... 93 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 93 2 A LEI Nº 8.112/90 ................................................................................................................................... 93 3 CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO..................................................................................... 99 3.1 COMPETÊNCIA DO ATO ADMINISTRATIVO .......................................................................100 3.2 FINALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO ............................................................................101 3.3 FORMA DO ATO ADMINISTRATIVO ......................................................................................101 3.4 MOTIVO DO ATO ADMINISTRATIVO ....................................................................................102 3.5 OBJETO DO ATO ADMINISTRATIVO ......................................................................................102 4 DEVERES DO SERVIDOR PÚBLICO ............................................................................................103 RESUMO DO TÓPICO 2 .....................................................................................................................104 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................106 TÓPICO 3 - AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS ...............................................................................107 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................107 2 OS DIFERENTES TIPOS DE ORGANIZAÇÕES.........................................................................107 3 ÉTICA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO ............................................................................108 3.1 GESTÃO E LIDERANÇA .............................................................................................................108 4 DIFERENTES TIPOS DE INTERESSES .........................................................................................110 4.1 O BEM COMUM ............................................................................................................................110 4.2 O INTERESSE INDIVIDUAL .......................................................................................................111 4.3 O INTERESSE COLETIVO ...........................................................................................................111 4.4 O INTERESSE PÚBLICO ..............................................................................................................112 4.5 O INTERESSE PROFISSIONAL ...................................................................................................112 5 TENSÕES ÉTICAS NA ORGANIZAÇÃO ....................................................................................113 5.1 VALORES NAS ORGANIZAÇÕES.............................................................................................113 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................115 RESUMO DO TÓPICO 3 .....................................................................................................................119 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................120 IX UNIDADE 3 - GESTÃO PÚBLICA E ÉTICA ...................................................................................121 TÓPICO 1 - PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA ....................................................123 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................123 2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................................................................................124 3 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................................................................124 3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ...................................................................................................125 3.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE .........................................................................................126 3.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE .................................................................................................126 3.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ..................................................................................................127 3.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ......................................................................................................127 4 OUTROS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .....................................................128 RESUMO DO TÓPICO 1 .....................................................................................................................130 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................131 TÓPICO 2 - ÉTICA E QUALIDADE EM GESTÃO PÚBLICA .....................................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................135 2 CONCEITO DE QUALIDADE .........................................................................................................135 3 PROGRAMAS DE QUALIDADE E PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CADERNO MARE ........................................................................................................137 3.1 A QUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ...............................................................138 3.2 QUALIDADE E PARTICIPAÇÃO ...............................................................................................140 4 COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA ..................................................................................................142 4.1 MISSÃO ...........................................................................................................................................144 4.2 GESTÃO DE ÉTICA - ENTIDADE - COMPETÊNCIAS/ATRIBUIÇÕES ..............................144 RESUMO DO TÓPICO 2 .....................................................................................................................148 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................149 TÓPICO 3 - O PERFIL MODERNO DO SERVIDOR PÚBLICO .................................................151 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151 2 DEVER DO SERVIDOR PÚBLICO .................................................................................................151 3 QUALIDADES DO SERVIDOR PÚBLICO ...................................................................................153 3.1 INICIATIVA ....................................................................................................................................153 3.2 HONESTIDADE .............................................................................................................................154 3.3 RESPONSABILIDADE ..................................................................................................................155 3.4 SIGILO .............................................................................................................................................156 3.5 COMPETÊNCIA ............................................................................................................................157 4 FRAGILIDADES DO SERVIDOR PÚBLICO ...............................................................................158 4.1 OPORTUNISMO ............................................................................................................................158 4.2 ORGULHO......................................................................................................................................159 5 ASSÉDIO MORAL .............................................................................................................................159 5.1 OBJETIVOS E ESTRATÉGIA DO AGRESSOR NO ASSÉDIO MORAL .................................163 5.2 EXEMPLOS DE ASSÉDIO MORAL ............................................................................................163 5.3 PROCEDIMENTOS AO ASSÉDIO MORAL ..............................................................................164 6 ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES .......................................165 7 MODELOS DE HOMEM ..................................................................................................................166 7.1 HOMEM OPERACIONAL ...........................................................................................................167 7.2 HOMEM REATIVO .......................................................................................................................167 7.3 HOMEM PARENTÉTICO .............................................................................................................168 7.4 HIERARQUIA DE NECESSIDADES ..........................................................................................168 X 8 ÉTICA E JUSTIÇA ..............................................................................................................................170 9 ÉTICA E A MELHORIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ...............................................................172 10 CÓDIGO DE ÉTICA DA ADMINISTRAÇÃO ...........................................................................175 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................178 RESUMO DO TÓPICO 3 .....................................................................................................................188 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................189 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................193 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À ÉTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender o conceito de ética e o conceito de moral; • identificar a aplicabilidade dos conceitos de ética e moral na administração pública; • verificar as transformações das condutas morais ao longo dos anos; • identificar as relações humanas e suas interações; • perceber o papel do Estado diante das relações humanas. Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles, você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado. TÓPICO 1 – ÉTICA TÓPICO 2 – PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS TÓPICO 3 – MORAL TÓPICO 4 – RELAÇÕES HUMANAS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 ÉTICA 1 INTRODUÇÃO Neste tópico iniciaremos nosso aprendizado compreendendo os conceitos de ética e moral e a sua verdadeira contribuição na prática da administração pública. Você verá o quanto o campo da ética e da moral é vasto e a sua importância para as ações administrativas. Para iniciarmos a disciplina de Ética e Administração Pública, é importante destacarmos os liminares da disciplina. Quando se fala em ética, existe umatendência natural de associarmos ao campo da filosofia, e é claro que não poderia ser diferente, pois o alicerce e o desenvolvimento da ética têm seus primórdios nos campos filosóficos. Ao longo da história da humanidade, várias têm sido as áreas que fomentam reflexões acerca da ética, até porque a humanidade necessita de acordos para que a sua interação e convivência se tornem sustentáveis. Quando falamos em administração pública, a ética torna-se parte implícita aos atos administrativos. Mesmo que não tenhamos um aprofundamento filosófico, ainda assim, as diretrizes éticas são as premissas que permeiam o campo da administração pública. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 4 FIGURA 1 – ÉTICA FONTE: Disponível em: <http://www.coladaweb.com/filosofia/moral-e-etica-dois-conceitos-de- uma-mesma-realidade>. Acesso em: 20 jan. 2012. 2 CONCEITO DE ÉTICA Ao falarmos em ética, a princípio, pode nos parecer um assunto meramente conceitual, em que as práticas encontram-se distanciadas do nosso dia a dia, mas, na verdade, ao estudarmos a ética poderemos observar que a mesma se encontra em todo momento implícita nas ações humanas. É nas ações cotidianas, sejam no nosso trabalho, na nossa família, no nosso lazer, enfim, em todo e qualquer lugar em que haja interações humanas, que podemos observar atitudes éticas ou não. Uma boa percepção de ética vem de Solomon (2006, p. 12), segundo o qual “estudar ética não é escolher entre o bem e o mal, mas é se sentir confortável diante da complexidade moral”. E ainda acrescentaria: diante da complexidade moral e humana. Nesse sentido, estudar, refletir e entender ética, a sua mais- valia, se faz ao pensarmos no contexto da nossa sociedade, nas atitudes humanas. TÓPICO 1 | ÉTICA 5 Como se já não bastasse entender o que é ética, ainda temos que saber a diferença entre ética e moral, porque a interface entre uma e outra está permanentemente articulada. Você sabe a diferença entre ética e moral? Diversas questões éticas e morais são facilmente confundidas, como coloca Valls (1994, p. 7): “A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”. Vejamos então algumas definições sobre ética dentre as referências bibliográficas pesquisadas para nos auxiliar na formação do conceito de ética: Tradicionalmente, ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética a própria vida, quando conforme aos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento. (VALLS, 1994, p. 7). “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano.” (VÁZQUEZ, 2003, p. 23). Ética é a ciência da conduta humana, segundo o bem e o mal, com vistas à felicidade. É a ciência que estuda a vida do ser humano, sob o ponto de vista da qualidade da sua conduta. Disto precisamente trata a Ética, da boa e da má conduta e da correlação entre boa conduta e felicidade, na interioridade do ser humano. A Ética não é uma ciência teórica ou especulativa, mas uma ciência prática, no sentido de que se preocupa com a ação, com o ato humano. (ALONSO, LÓPEZ e CASTRUCCI, 2010, p. 3). A Ética é um saber científico que se enquadra no campo das Ciências Sociais. É uma disciplina teórica, um sistema conceitual, um corpo de conhecimentos que se torna inteligível aos fatos morais. Mas o que são fatos morais? São os fatos sociais que dizem respeito ao bem e ao mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre o que é certo e errado, justo e injusto, o que é certo ou errado? Toda coletividade formula e adota os padrões morais que mais lhe convém. (SROUR, 2003, p. 7 e 8). Ética é derivada do grego ethos, que significa costume, hábitos e valores de determinada coletividade. A palavra moral deriva do latim mos – ou mores no plural – que também significa costume ou as normas adquiridas como hábito. Segundo o Dicionário (1989, p. 323), ética é:“1) Estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal; 2) Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser humano”. Portanto, do ponto de vista etimológico, ética e moral significam a mesma coisa, contudo há o limiar tênue entre uma e outra. E isso você poderá observar à medida que vamos nos aprofundando no assunto. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 6 “A ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, ou da moral, considerado, porém, na sua totalidade, diversidade e variedade”. (VÁZQUEZ, 2003, p. 21). A moral é o estudo dos costumes de uma determinada sociedade numa determinada época e lugar. IMPORTANT E Como destaca Srour (2003, p. 7), “A ética é perene, a moral pertence ao tempo”. O que Srour (2003) quer observar é que a ética será sempre o estudo dos valores morais, e esses se relativizam conforme a história da humanidade, haja visto alguns exemplos que hoje consideramos chocantes, mas que em algum momento da história e em algum lugar eram (e muitos ainda são) práticas morais aceitáveis: a) infanticídio: no Império Romano e na China contemporânea como exigência oficial do filho único; b) poligamia: difundida entre os povos antigos e ainda praticada em alguns países mulçumanos; c) excisão feminina ou circuncisão feminina: ainda é uma prática de países da África e Ásia. Vários outros exemplos de práticas da coletividade mundial poderiam se perfilar aqui. E chegaríamos à conclusão de que as condutas morais, independente de serem aceitáveis ou não do nosso ponto de vista, são práticas de uma sociedade. NOTA Infanticídio significa assassínio de recém-nascido ou de criança; o ato de matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo depois. O infanticídio feminino é prática que ainda acontece na China, em função da política do único filho. FONTE: Ferreira (2001, p. 417) TÓPICO 1 | ÉTICA 7 NOTA Excisão feminina ou circuncisão feminina é a mutilação genital feminina, prática realizada em meninas adolescentes para que não tenham prazer no ato sexual. 3 O CAMPO DA ÉTICA Embora a ética seja um assunto basicamente filosófico, seu campo de atuação e reflexão pode ser estendido por todas as áreas. A ética também se divide em vários campos do saber: teologia, filosofia, psicologia, direito, economia e outros. A ética como disciplina teórica busca explicar e indicar o melhor comportamento do ponto de vista moral, mas como toda teoria que não se distancia da prática, porque é a prática do comportamento humano que a sustenta e tem como função fundamental “explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes”. (VÁZQUEZ, 2003. p. 20). Os problemas teóricos da ética podem ser divididos em dois campos: 1) os problemas gerais e fundamentais - liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros; 2) os problemas específicos - aplicação concreta, ou seja, ética profissional, ética política, entre outros. FONTE: Adaptado de: Valls (1994, p. 8) Srour (2011) aborda sobre as acepções e confusões que a ética provoca. Ele considera que existam três tipos de acepções que podem causar confusões, porque ampliam demais as concepções da ética: 1- A ética é descritiva – que corresponde a juízo de valor, ou seja, quem tem boa conduta pode ser considerado como uma pessoa ética, ou seja, uma pessoa virtuosa e íntegra. Enquanto quem não condiz com as expectativas sociais pode ser considerado ‘sem ética’. Nesse sentido, Srour (2011) considera que a ética assume uma ideia simplista reduzida a um valor social, ou apenas um adjetivo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 8 2- A ética é prescritiva – a ética como “sistema de normas morais ou a um código de deveres” (SOUR, 2011, p. 19), ou seja, os padrõesmorais que deveriam conduzir categorias sociais ou organizações passam a se chamar de código de ética; nesse sentido de prescrição a ética e moral tornam-se sinônimo indistinguível. 3- A ética é reflexiva – que corresponde à teoria de um estudo sistemático como objeto de investigação que, ao transitar por diferentes áreas, pode ser considerada como: • Ética filosófica – que reflete sobre a melhor maneira de viver (ideais morais). • Ética científica – que estuda, observa, descreve e explica os fatos morais (a moralidade como fenômeno). A Ética filosófica quer refletir sobre a maneira de viver. A Ética científica quer observar e descrever a maneira de viver. ATENCAO Visto tudo isso, você pode estar pensando: então estudar ética é muito complicado? Claro que não, a ética dá a oportunidade para refletir a maneira de viver e entender os costumes do nosso tempo. A ética pode ajudar na prática da administração pública. A administração pública, imbuída de servir aos seus cidadãos e de produzir práticas morais exemplares, deve fazer uso do corpo teórico e do conhecimento da ética dentro dos padrões morais ou normas convencionadas. 4 POLÍTICA E ÉTICA De acordo com Aristóteles (1989, p. 30), “a política é um desdobramento natural da ética”. A ética preocupa-se com a felicidade do homem, que é a doutrina moral individual. Enquanto que a política preocupa-se com a felicidade da cidade, que é a doutrina moral social. TÓPICO 1 | ÉTICA 9 ÉTICA – preocupa-se com a felicidade individual do homem, e a doutrina moral individual. POLÍTICA – preocupa-se com a felicidade coletiva da cidade (polis), e doutrina moral social. ATENCAO Portanto, é a soma dessa felicidade individual e coletiva que nos interessa e que podemos chamar de bem comum, assim como aponta Aristóteles (1989, p. 12): Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas, e que inclui todas as outras, tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política. Hoje, quando se fala em política, logo vem à mente a ideia do Estado, dos políticos, das questões eleitorais, partidos políticos etc. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2001, p. 579), verificam-se cinco explicações para a palavra política: 1 Conjunto de fenômenos e das práticas relativos ao Estado ou a uma sociedade. 2 Arte e ciência de bem governar, de cuidar dos negócios públicos. 3 Qualquer modalidade de exercício de política. 4 Habilidade no trato das relações humanas. 5 Modo acertado de conduzir uma negociação, estratégia. Então, do ponto de vista dos sinônimos apresentados, a política abrange uma gama enorme de competências, mas se preferirmos o modo simplório de Aristóteles, que é cuidar de todos, cuidar do bem comum, parece resumir a verdadeira preocupação das reflexões éticas. 5 CÓDIGO DE ÉTICA Código de ética é um instrumento muito utilizado nas organizações, a fim de estabelecer os limites de atuação de seus funcionários, seja numa organização pública ou privada. É esse instrumento, a ética prescritiva caracterizada por Srour (2011), que pode contribuir na confusão entre ética e moral. Segundo a maioria dos autores, o termo correto para o código que estabelece a conduta dos profissionais deveria se chamar Código de Moral e não Código de Ética, como é costume usar. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 10 IMPORTANT E Códigos de ética deveriam se chamar códigos morais. A maioria das empresas privadas, conselhos federais, entre outras organizações, faz uso de um código de ética, como instrumento que visa colocar para toda a organização e também seu público quais são os princípios, valores e missão da empresa ou organização. Os códigos de ética, na verdade, deveriam buscar a inspiração em Rousseau (2006), que escreveu sobre o contrato social, que estabelece um acordo para que os indivíduos possam criar uma sociedade e viver em harmonia, mas no sentido da associação e não da submissão; ou ainda melhor, de acordo com Camargo (apud SÁ, 2009, p. 34): Quando a consciência profissional se estrutura em um trígono, formado pelos amores à profissão, à classe e à sociedade, nada existe a temer quanto ao sucesso da conduta humana; o dever passa então a ser uma simples decorrência das convicções plantadas nas áreas recônditas do ser, ali depositadas pelas formações educacionais básicas. Deontologia vem do grego deon, que significa dever, obrigação; logia vem de logos, que significa ciência, então seria a ciência do dever ou obrigação. Consiste no conjunto de regras e princípios que regem a conduta de um profissional, uma ciência que estuda os deveres de uma determinada profissão. FONTE: Disponível em: <http://www.garraconcursos.com.br/videoblog/wp-content/uploads/201 1/04/%C3%89tica.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2012. Conforme explica Ávila (1967, p. 145), deontologia “é a ciência que estabelece normas diretoras da atividade profissional sob o signo da retidão moral ou da honestidade; busca o bem a fazer e o mal a evitar no exercício da profissão”. TÓPICO 1 | ÉTICA 11 NOTA Deontologia é um termo criado por Jeremy Bentham (1748-1832) para designar uma ciência do “conveniente”, ou seja, uma moral fundada na tendência a perseguir o prazer e fugir da dor que, portanto, não lance mão de apelo à consciência, ao dever, etc. “A tarefa do deontólogo”, segundo Bentham, é ensinar ao homem como dirigir suas emoções de tal modo que as subordine, na medida do possível, a seu próprio bem-estar. FONTE: Abbagnano (2007, p. 280) Embora a deontologia esteja estabelecida em vários dos códigos de ética profissionais, é uma diretriz que não só diz respeito ao comportamento técnico profissional, mas, principalmente, à conduta pessoal. Nesse sentido, o diagrama representa o cumprimento de regras deontológicas, no que diz respeito à administração pública, quanto às duas esferas humanas: pessoal e profissional. FIGURA 2 – VISÃO PRÁTICA DA DEONTOLOGIA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A SOCIEDADE O SER HUMANO ESFERA PESSOAL O SER HUMANO ESFERA PROFISSIONAL CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL FONTE: Adaptado de: Guariglia; Vidiella (2011, p. 97) O Governo Federal, em junho de 1994, aprovou seu Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, denominado Decreto no 1.171 (BRASIL, 1994). Em seu capítulo I, Seção I, a lei estabelece as regras deontológicas, distribuídas em 13 itens, que vamos analisar resumidamente: UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 12 ESTUDOS FU TUROS O Decreto no 1.171, de 1994, será abordado também na Unidade 2, Tópico 2. O texto da lei que segue está resumido. Para compreender a lei é importante estudá-la em seu texto original. Para tanto, acesse o site: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/d1171.htm>. Nele, você encontra o Decreto na íntegra. ATENCAO I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são os norteadores dos servidores públicos. II - O servidor não terá que decidir entre o legal e o ilegal, o justo ou injusto, mas entre o honesto e o desonesto, como elemento ético de sua conduta. III - A moralidade da administração pública é ter o fim no bem comum. IV - A remuneração do servidor público é paga pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, e até por ele próprio, por isso que se exige a contrapartida. V - O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar. VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. VII - A publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, salvo em casos de segurança nacional, investigaçãopolicial ou de interesse superior do Estado e da administração pública. VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam esforço pela disciplina, não tratar bem a uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente e causar-lhe dano moral. Da mesma forma, deve-se preservar o patrimônio público. TÓPICO 1 | ÉTICA 13 X - É ato de grave dano moral deixar qualquer pessoa à espera de solução na prestação de serviços por parte do serviço público. XI - O servidor deve prestar atenção às ordens superiores e estar atento ao seu cumprimento, a fim de não configurar negligência. XII - A ausência do servidor do local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público e isso implica desordem nas relações humanas. XIII - O trabalho em harmonia do servidor público com suas funções e com a estrutura organizacional, em respeito aos seus colegas e concidadãos, contribui para o crescimento e engrandecimento da nação. FONTE: Adaptado de: Brasil (1994) Na Seção III, o Decreto no 1.171/94 dá as providências quanto às Vedações ao Servidor Público, em 15 itens, aqui apresentados em síntese: a) obter favorecimento no uso do cargo e função para si ou outrem; b) prejudicar a reputação de outrem; c) ser solidário a qualquer infração ao Código de Ética de sua profissão; d) dificultar o direito de qualquer pessoa; e) deixar de utilizar avanços técnicos e científicos; f) permitir que interesses de ordem pessoal (simpatia, antipatias, paixões, etc.) interfiram no trato com público e/ou colegas; g) receber qualquer ajuda financeira, doação ou vantagem no cumprimento de sua missão; h) alterar ou deturpar o teor de documentos que deva encaminhar para providências; i) iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite de atendimento em serviços públicos; j) desviar qualquer servidor para atendimento de interesse particular; k) retirar qualquer documento da repartição pública sem estar legalmente autorizado; UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 14 l) fazer uso de informações privilegiadas; m)apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente; n) dar afluência a qualquer instituição que atente contra a moral, honestidade ou a dignidade da pessoa humana; o) exercer atividade profissional sem ética ou ligar seu nome a empreendimentos de cunho duvidoso. FONTE: Adaptado de: Brasil (1994) E o Capítulo II, último do Decreto no 1.171/94, vem dispor dos procedimentos para se compor as comissões de ética nas “entidades da administração pública federal direta, indireta, autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público”. (BRASIL, 1994). Para quem pretende ingressar na carreira pública através de processo seletivo, o Decreto no 1.171/94 é tema de prova na maioria dos concursos públicos federais. ATENCAO 6 O VALOR DA ÉTICA Qual seria mesmo o valor da ética para a administração pública? A ética é o discernimento de que embora existam práticas que poderiam ser consideradas ‘morais’, por se tratarem de recorrentes na sociedade, ainda assim são práticas que não se suportam do ponto de vista ético. A corrupção, por exemplo, tem sido ato recorrente no cenário político nacional e nem por isso tornou-se moralmente e eticamente aceitável. Então podemos dizer que tudo que é legal é moral? Ou se é moral é legal? Falamos anteriormente sobre as práticas que com o passar do tempo tornavam-se costumes e hábitos. Mas não quer dizer que práticas como a corrupção passarão a ser aceitas, pela sua recorrência ou porque a sociedade já se acostumou. Práticas que prejudicam a maioria, que não preservam o bem comum, que não beneficiam a sociedade, que não preservam a felicidade apontam ao valor da ética, porque é através da ética que é possível fundamentar a moralidade e a legalidade. TÓPICO 1 | ÉTICA 15 Então é por isso que a ética tem enorme valor para a administração pública, porque seu papel é fazer reflexões acerca do comportamento humano e a preservação do bem comum e da felicidade da ‘cidade’. Nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal. ATENCAO As questões de legalidade, ilegalidade, moralidade e imoralidade, apresentadas por Srour (2003), são muito importantes para que se possa observar na prática o que há de legal e moral nas ações do nosso cotidiano. Nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal. Vejamos algumas situações apresentadas por Srour (2003, p. 59), de acordo com o quadro que segue: QUADRO 1 – LEGALIDADE E MORALIDADE Quanto à legalidade? Quanto à moral? Exemplo: LEGAL MORAL Treinamento de funcionários patrocinado por uma empresa. LEGAL IMORAL Falta de correção da tabela do Imposto de Renda por longos anos, sob a alegação de que fazê-lo seria introduzir o instituto de correção monetária. ILEGAL MORAL Desrespeito aos sinais vermelhos de madrugada nas grandes cidades pelo receio de assaltos. ILEGAL IMORAL As fraudes em licitações públicas. FONTE: Adaptado de: Srour (2003, p. 59) Estudar ética, falar de ética, refletir sobre a ética é, portanto, entender toda a dimensão da sociedade, da humanidade. A ética, por si só, não vai elaborar um manual de condutas, nem tampouco elencar um rol de atitudes certas e erradas. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 16 7 ÉTICA E FILOSOFIA A ética tornou-se um campo vasto nas diversas áreas científicas. Na área médica, por exemplo, existe uma grande preocupação quanto ao que é ético ou não nas pesquisas de campo, por se tratarem de pesquisas que lidam com o ser humano. Existe um código de moral, na verdade chamado de código de ética, que limita e/ou exige que a integridade do ser humano seja respeitada. Apesar de hoje a ética ser uma disciplina adotada em quase a totalidade de áreas existentes, seja nas ciências exatas, humanas, biomédicas, sociais, entre outras, ainda assim, para que se possa entender a complexidade de seu dinamismo e, por que não, a simplicidade de sua reflexão, não se pode fugir da sua origem filosófica. A filosofia é o arcabouço para os desdobramentos da ética, por isso que existem algumas correntes que argumentam contra o caráter científico e independente da ética. A respeito disso, Vázquez (2003, p. 25) observa: Mas, já como assinalamos, isso se aplica a um tipo determinado de ética – a normativa –, que se atribui a função fundamental de fazer recomendações e formular uma série de normas e prescrições morais; mas esta objeção não atinge a teoria ética, que pretende explicar a natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com as necessidades sociais do homem. Nesse sentido, a apropriação da ética, seja no sentido filosófico ou científico, busca na fonte filosófica a doutrina para melhor entender a ética, seja em qual área for. No intuito de perpassar pela raiz filosófica, veremos sinteticamente a trajetória filosófica da ética, no próximo tópico. 17 Nesse tópico você pôde observar: ● Os principais conceitos de ética. ● Os campos em que a ética se aplica. ● Os códigos de moral, comumente chamados de código de ética, e sua aplicabilidade na vida profissional. ● O que são regras deontológicas. ● O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. ● Legalidade e moralidade. ● A importância da ética e a filosofia. RESUMO DO TÓPICO 1 18 1 Baseado na leitura sobre ética e nos conceitos apresentados, como você, com suas palavras, conceituaria ética? 2 Apresente a definição de Código de Ética. Qual o contexto de sua realização? Qual o seu objetivo? 3 Qual a função do código de ética da administração pública – Decreto no 1.171/94? 4 Apresente o modo (onde e como) como o Código de Ética estabelece cada um dos valores norteadores da administração pública com princípios fundamentais da administração. Caro(a) acadêmico(a)! Vários concursos públicos em que se exigem conhecimentos de ética e administração pública, ou Direito Administrativo,têm como conteúdo o Decreto no 1.171/94. Teste o seu conhecimento com algumas das questões: 5 (Fundação Carlos Chagas (FCC) – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO – 2011 – Analista Superior III – Desenvolvimento e Manutenção). João, servidor público civil do Poder Executivo Federal, retirou da repartição pública, sem estar legalmente autorizado, documento pertencente ao patrimônio público. Já Maria, também servidora pública civil do Poder Executivo Federal, deixou de utilizar avanços técnicos e científicos do seu conhecimento para atendimento do seu mister. Sobre os fatos narrados, é correto afirmar que: a) ( ) Nenhuma das condutas narradas constitui vedação prevista no Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. b) ( ) Apenas João cometeu conduta vedada pelo Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. c) ( ) Apenas Maria cometeu conduta vedada pelo Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. d) ( ) Ambos praticaram condutas vedadas pelo Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. e) ( ) João e Maria não estão sujeitos a Código de Ética; portanto, suas condutas, ainda que eventualmente irregulares, deverão ser apreciadas na seara própria. FONTE: Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br/imprimir?og=1&ss=460& di=2&md=>. Acesso em: 26 mar. 2012. AUTOATIVIDADE 19 6 (Fundação Carlos Chagas (FCC) – Tribunal Regional Eleitoral - TRE/TO – 2011 – Analista Judiciário). Em face do Código de Ética do Servidor Público Federal, considere as seguintes afirmações: I - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida de cada servidor público. Entretanto, os fatos e atos verificados na conduta do dia a dia em sua vida privada não poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional. II - A ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho não é fator de desmoralização do serviço público. III - Ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal, é dever fundamental do servidor público. IV - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto. V - Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da administração pública, a serem preservados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar. Está correto o que se afirma apenas em: a) ( ) I, II e IV. b) ( ) I e III. c) ( ) II, III e V. d) ( ) II e IV. e) ( ) III, IV e V. FONTE: Disponível em: <http://www.concursocec.com.br/_files/cursos/arquivos/provas/49c 0f31e67ef548ecab93fec9eaf5404.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2012. 7 (MTE – 2003) No âmbito das regras deontológicas do Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, assinale a afirmativa falsa. a) Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas relações humanas. b) O servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores, velando atentamente por seu cumprimento e, assim, evitando a conduta negligente. 20 c) A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. d) O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo. e) A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, não se integra na vida particular de cada servidor público. FONTE: Disponível em: <http://www.garraconcursos.com.br/videoblog/wp-content/uploads/ 2011/04/%C3%89tica.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2012. 8 (Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE) - 2011 – Fundação Universidade de Brasília (FUB) - Analista de Tecnologia da Informação). Em cada um dos itens a seguir é apresentada uma situação hipotética seguida de uma assertiva a ser julgada com relação à conduta dos agentes em conformidade com o que dispõe o Código de Ética do Servidor Público. a) Um servidor público vem sendo pressionado por seu chefe a, deliberadamente, procrastinar a entrega de um relatório a fim de favorecer os interesses de terceiro. Nessa situação, o servidor agiria de acordo com o que prevê o referido código de ética se resistisse às pressões e denunciasse o chefe. ( ) certo ( ) errado b) João, servidor público, é muito religioso e não consegue admitir que Paulo, seu colega de setor, seja ateu. Sempre que Paulo está presente, João perde a paciência ao realizar seus afazeres, permitindo que sua antipatia pelo colega interfira no trato com o público. Nesse caso, João deve ser advertido em razão de sua conduta, vedada aos servidores públicos. ( ) certo ( ) errado c) Marcos exerce cargo de chefia em determinado órgão público. Ao recepcionar os servidores recém-empossados, exorta-os a cumprir fielmente seus compromissos éticos com o serviço público, afirmando que a atividade pública é a grande oportunidade para o crescimento e o engrandecimento da nação. Nessa situação, Marcos descumpre o código de ética, de acordo com o qual o servidor deve evitar comentários exagerados e ufanistas. ( ) certo ( ) errado FONTE: Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br/imprimir?og=2&ss=1310& di=25&md=>. Acesso em: 26 mar. 2012. 21 TÓPICO 2 PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O conceito de ética foi apresentado no tópico anterior, bem como foi feita uma introdução sobre ética e filosofia. Dada a grande contribuição e importância da corrente filosófica ao mundo da ética e da moral, esse tópico pretende apresentar as principais doutrinas éticas de acordo com o seu tempo. 2 IDADE ANTIGA A Idade Antiga é representada pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, e é nessa época que a ética adquire extremo valor. Esses filósofos se preocupavam com o ser no mundo físico, voltados aos problemas sociais e morais. Embora não haja propriamente coesão no pensamento e doutrina dos três, ainda assim suas ideias tornam-se próximas no sentido da reflexão acerca do homem e da cidade. O estudo da Ética pode-se dizer que teve início com os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. O livro Ética a Nicômaco é uma obra de referência, em que a ética vai determinar que a finalidade suprema é a felicidade (eudaimonia). NOTA Eudaimonia – quer dizer felicidade para a filosofia. “Em geral, estado de satisfação de alguém com sua situação no mundo”. FONTE: Abbagnano (2007, p. 455-505) Nessa época, a questão da ética era o bem supremo da vida humana e, de acordo com Passos (2004, p. 32), “não devia consistir em ter a sorte ou ser rico, por exemplo, e sim em proceder e ter uma alma boa”. Para Socrátes, a questão ética era o que bastava o homem saber, ter bondade para ser bom. O conhecimento, para Sócrates, era uma virtude, porque pensava que com o conhecimento o homem conseguia ser bom e ter a felicidade. Por esse motivo é que há um entrelaçamento entre bondade, conhecimento e felicidade. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 22 Para Platão, o conceito de cidade (polis) perfeita estava baseado em valores éticos e morais. Platão aborda que os conceitos da mente humana não são reais, mas sim imagens reflexas. Diferente de Socrátes, Platão considerava que a moral é a arte de preparar o indivíduo para a felicidade que não se encontrana vida terrena. Em Aristóteles a felicidade, finalidade suprema da ética, só pode ser alcançada se o homem fosse capaz de moderar suas paixões. Aristóteles preocupou-se com a forma como as pessoas viviam na sociedade e contribuiu muito para o entendimento da ética e a busca da felicidade individual e coletiva. De acordo com Passos (2004, p. 34), Aristóteles propunha: Sua ética era finalista, no sentido de visar um fim, no caso, que o ser humano pudesse alcançar a felicidade. Entendia a moral como um conjunto de qualidades que definia a forma de viver e de conviver das pessoas, uma espécie de segunda natureza que guiaria o homem para a felicidade, considerada a aspiração da vida humana. Sócrates foi considerado um marco da filosofia, de modo que todos os filósofos que antecederam a época dos filósofos citados são conhecidos por pré- socráticos. Os pré-socráticos também eram conhecidos como naturalistas, ou filósofos da natureza. Esses filósofos preocupavam-se mais em entender as coisas, em dar explicação para a natureza e para o mundo. NOTA Sócrates (469-399 a. C.) – é responsável pelo método da indagação, o que se restringe ao homem, sem interesse na natureza. “Identificação entre ciência e virtude, no sentido de que só é possível ensinar e aprender a virtude, e não é possível praticar o bem sem conhecê-lo”. (ABBAGNANO, 2007, p. 1085). Platão (427 – 347 a. C.) – responsável pela doutrina das ideias, sabedoria e dialética. (ABBAGNANO, 2007, p. 892). Aristóteles (394 – 322 a. C.) – responsável pelo conceito da metafísica, da lógica, inspirou várias outras tendências do mundo medieval e moderno. FONTE: Abbagnano (2007, p. 90) A ideia da polis (cidade) para a administração pública é muito importante, porque é referência na organização social da sociedade em prol do bem comum. É que os homens se reuniam e decidiam o melhor para todos, assim como aborda Passos (2004, p.32): TÓPICO 2 | PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS 23 O surgimento da polis fez com que o centro da cidade passasse a ser a praça pública, o ágora. Nela aconteciam as discussões e era permitida a participação de todos os cidadãos, quais sejam: os homens adultos, excetuando-se os escravos e os estrangeiros. Nessa nova forma de organização social e política, a democracia, o logos, ou seja, a razão, a palavra e o discurso tornaram-se mais importantes do que a condição social e econômica do indivíduo. Isso porque entendia-se que os assuntos públicos dependiam do poder de argumentação. Passos (2004), em seu livro “Ética nas organizações”, discorre e elucida resumidamente sobre as principais doutrinas éticas, apresentando como principais filósofos: ● Sócrates (469-399 a. C.): dedicou-se à busca da verdade, que deveria ser uma forma de juízo universal, capaz de dirigir a vida das pessoas, no plano pessoal e político”. Para Sócrates, “as questões morais não são puramente convenções influenciadas pelas circunstâncias, mas problemas que devem ser resolvidos à luz da razão. (PASSOS, 2004, p. 32 e 33). ● Platão (427-347 a. C.): sua teoria ética relaciona-se com a política e a razão (prudência), sua maior contribuição foi vislumbrar a cidade perfeita guiada pelos princípios morais. ● Aristóteles (384-322 a. C): “O bem moral consistia em agir de forma equilibrada e sob a orientação da razão. O ‘meio-termo’, o ponto justo, levaria à felicidade, a uma vida ‘boa e bela’, não como privilégio individual e sim coletivo”. (PASSOS, 2004, p. 35). ● Epicuro (341-270 a. C): teve sua filosofia dividida em três partes: canônica, física e ética; “uma vida feliz é impossível sem a sabedoria, a honestidade e a justiça, e estas, por sua vez, são inseparáveis de uma vida feliz”. (CARBISIER apud PASSOS, 2004, p. 35). ● Zenão (324-263 a. C.): doutrina do estoicismo, que é uma ética, uma forma de viver em que a natureza consistia na orientação central, que significava viver conforme a virtude. Vistos os principais nomes da filosofia da Idade Antiga, é interessante o seu estudo e sua contribuição à ética, na medida em que o pensamento filosófico, também como os costumes, se embebe de novas fontes, contudo sem perder o fio condutor em relação à sua reflexão quanto aos aspectos morais e às virtudes. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 24 3 IDADE MÉDIA A Idade Média, conhecida pelo Renascimento, que foi considerado um movimento literário, artístico e filosófico que teve duração entre o fim do século XIV ao fim do século XVI. Suas características principais foram o humanismo, a renovação religiosa, a renovação das concepções políticas e o naturalismo (novo interesse pela investigação da natureza). Nessa época, a situação política e social era mais complexa, por esse motivo não se podia pretender a mesma harmonia da polis. De acordo com Passos (2004, p. 37), “também por questões ideológicas houve o predomínio da teoria sobre a prática”, e o cristianismo tornou-se a religião oficial, o que influenciou as condutas morais. As concepções filosóficas destacadas por Passos (2004), ou seja, os principais filósofos, foram: ● Santo Agostinho (354-430): ‘compreender para crer, crer para compreender’. Para Agostinho, o dom divino era o único capaz de resgatar o homem de seus pecados. Nesse sentido, a ética estava ligada aos valores da moral cristã. ● Tomás de Aquino (1225-1274): a ética consiste em agir de acordo com a ordem natural, o homem tem livre-arbítrio e, orientado pela consciência, tem uma capacidade de captar, pela intuição, a ordem moral – ‘faz o bem e evita o mal’. DICAS Na Idade Média, a ética tem sua base na moral cristã. De acordo com Passos (2004, p. 39), a Idade Média inaugura uma novidade na questão da moral: ao deslocar o eixo fim último da vida humana, de um valor bom em si mesmo para um bem que está em Deus. Se, para as concepções anteriores, a felicidade era atingida no próprio ser, agora ele se encontra no plano transcendental, e atingi-la requer apreender o fim último que se encontra em Deus. A ética na Idade Média, portanto, foi considerada a fase da era cristã, em que os desígnios morais do cristianismo tornavam-se os ditames do comportamento moral. Na Idade Média, portanto, o conceito de felicidade não pode ser atingido nem pela razão, nem pela filosofia, mas pela fé cristã. TÓPICO 2 | PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS 25 4 IDADE MODERNA Como estudamos, a ética, na Idade Antiga, era explicada pela perspectiva da natureza ou pela perspectiva cristã, em que tudo vinha da natureza ou de Deus. Na Idade Moderna essa perspectiva muda e traz o homem como responsável pelas suas ações. A Idade Moderna, que ocorreu entre os séculos XVI e XIX, difere das anteriores, porque passa a existir uma complexidade ainda maior referente aos aspectos econômico, político, social e espiritual, principalmente em virtude do capitalismo, desenvolvimento científico e estados centralizados. Na Idade Moderna, a ética passa a ter uma perspectiva diferente, rompe com essa ideia suprema de felicidade e traz para a ação humana a responsabilidade de suas ações, e não como explicação divina e abstrata, assim como aprofunda Passos (2004, p. 40): A ética que surge e vigora nesse período é de tendência antropocêntrica, em que o ser humano é o seu fim e fundamento, apesar de ainda consistir na ideia de um ser universal e possuidor de uma natureza instável. Assim mesmo, ele aparece como o centro de tudo: da ciência, da politica, da arte e da moral. Na verdade, o período da Idade Moderna é rico em teorias sobre a ética, mas segundo Passos (2004), destaca-se Kant. DICAS O homem é o responsável por suas ações. Immanuel Kant foi um dos primeiros pensadores responsáveis por esse rompimento. De acordo com Guariglia e Vidiella (2011, p. 97), “Kant estabelece de maneira categórica a concepção do dever como o centro neurológico da moralidade e imprimindo assim a ética, ou seja, a ética torna-se o fim do ser humano, que é a felicidade (ideal de perfeição)”. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 26NOTA Immanuel Kant (1724-1804) – nasceu e morreu na Alemanha. Foi o grande responsável pela escola do criticismo e dentre a filosofia moderna e contemporânea. Kant nos apresentou dois imperativos em que a ética pode ser compreendida: hipotético e categórico. No imperativo hipotético as condições são subordinadas, dessa forma a ética não se explica, porque as ações humanas são consequências de um interesse. Já no imperativo categórico, em Kant, é o axioma básico para o comportamento moral, em que se pode explicar ética. Para Kant, a moralidade, o comportamento moral, vem da razão, vem do rigor do raciocínio, é uma lei inflexível, ou seja, as suas ações não são subordinadas a condições, são desprovidas de interesse, e, portanto, são de interesses gerais, podem tornar-se leis universais. NOTA “Imperativo categórico, em analogia ao termo mandamento, indica a norma da razão”. (ABBAGNANO, 2007, p. 628). Na Idade Moderna, então, se pode perceber que a razão ao cumprimento das leis, da moral, torna-se por efeito o dever do cidadão. Assim como destaca Passos (2004, p. 41): Enquanto as doutrinas éticas anteriores tinham por objetivo atingir uma felicidade ou um bem, esta é uma moral da pura razão e do puro dever. A prática moral devia basear-se apenas nas orientações da razão, deixando totalmente de lado o mundo empírico. Assim, ele construiu uma moral desinteressada, desprovida de qualquer finalidade e de qualquer motivação, que não fosse o ‘cumprimento do dever pelo dever’, pois, para ele (Kant), a única coisa verdadeiramente boa seria, como dissemos, ‘uma boa vontade’, a disposição em seguir a lei moral em detrimento de vantagens que ela pudesse proporcionar ao indivíduo. Assim, a lei moral seria incondicional e absoluta. Então, para Kant, a felicidade só seria possível se o dever se submetesse à moralidade. Dessa forma, a ética e a moral nesse tempo estão relacionadas ao cumprimento do dever. TÓPICO 2 | PRINCIPAIS DOUTRINAS ÉTICAS 27 5 IDADE CONTEMPORÂNEA A Idade Contemporânea é marcada pelo progresso científico e pela valorização do ser humano concreto. Essa época não busca a humanidade perfeita, ou seja, a ideia de cidade (polis) perfeita ou da suprema felicidade, nem tampouco a moral cristã dá conta de responder aos novos anseios. É a época da igualdade e liberdade, marcada pelos direitos fundamentais, “não pela imposição ou obrigação, com códigos a serem estabelecidos”. (PASSOS, 2004, p. 42). Destacam-se três grandes concepções: marxismo, pragmatismo e existencialismo, que brevemente podemos entender: O marxismo se refere às ideias filosóficas, políticas e sociais elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels. O marxismo entende o homem como ser social e histórico e também aborda a questão da sociedade produtiva e as lutas de classes. O pragmatismo é uma doutrina filosófica que adota a utilidade prática. O pragmatismo está ligado ao senso prático, em que a verdade está relacionada à utilidade. O existencialismo tem como ponto de partida o ser humano. O indivíduo, pelas suas ações, sentimentos, então essa doutrina preocupa-se com o ser humano em relação ao mundo. Os principais pensadores destacados por Passos (2004) são: ● Karl Marx (1818-1883): Entendia que o ser humano era ao mesmo tempo social e histórico, objetivo e subjetivo, capaz de criar e de interferir na realidade e transformá-la à sua medida. Nesse processo, ele não só contribuía a seu mundo concreto, como também à sua fundamentação valorativa. (PASSOS, 2004, p. 42). ● Friedrich Nietzsche (1844-1900): procurou estudar a origem dos valores e entender o porquê da valorização de uns atos e não de outros, ou seja, a dicotomia entre o bem e o mal. ● Charles Sanders Peirce (1854-1914): apresentou o pragmatismo como um método e não como teoria. A moral é algo quando o fim é bom; nesse sentido, quanto aos valores, são absolutos. “O que é bom ou mau é relativo, variando de situação para situação. Depende de sua utilidade para a atividade prática”. (PASSOS, 2004, p. 45). ● Habermas (1929): as argumentações morais servem para que os conflitos sejam desfeitos pelo consenso. O processo reflexivo, intersubjetivo, argumentativo, leva os participantes ao comum acordo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA 28 DICAS O ser humano é concreto, real e histórico. A Idade Contemporânea marca então uma nova forma de comunicação entre a sociedade, com base na premissa de que o homem é um ser concreto, real e histórico. E é pelo diálogo, num processo de argumentação mútuo, que pode haver o consenso entre os homens e, assim, as definições morais de conduta. 29 RESUMO DO TÓPICO 2 O Tópico 2 foi apresentado de forma breve, para que o panorama das influências teóricas e filosóficas pudesse constituir o pensamento ético e a sua contribuição aos tempos de hoje e, mais tarde, ajudar na prática da gestão pública. Assim foi possível observar que: ● A Idade Antiga foi a época do surgimento da ética. ● A Idade Média determina a ética pelos princípios da moral cristã. ● A Idade Moderna, através de Kant, traz ao homem a responsabilidade de seus atos. ● A Idade Contemporânea reflete sobre as novas formas de interação humana dentre a sua complexidade e novas relações, para assim descobrir novas formas consensuais e conceituais. 30 1 As principais doutrinas éticas apresentaram as ideias de filósofos que em seu tempo contribuíram para a ética e a moral. Resumidamente, como você escreveria sobre ética e moral em cada tempo? 2 O que representa a polis para a administração pública? 3 Quais foram os principais filósofos comentados no livro “Ética nas organizações”, de Passos (2004), e que foram apresentados nesse Caderno de Estudos como referência sobre doutrinas éticas? AUTOATIVIDADE 31 TÓPICO 3 MORAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Nesse tópico 3 da Unidade 1 abordaremos a visão conceitual da moral. Embora o Tópico 1 sobre a ética já tenha adiantado alguns aspectos da moral, como dito anteriormente, existe uma interface entre moral e ética que é indissociável. O importante desse tópico, portanto, é dar destaque ao conceito de moral e você compreender o comportamento humano em relação ao que é moral. 2 CONCEITO DE MORAL De acordo com Srour (2003), a ética é perene e a moral é mutável. A ideia de ética é que ela não muda, a ética faz reflexões acerca dos costumes, que é o campo da moral. Para melhor compreendermos, no Brasil, temos a história da mulher como um bom exemplo de mudança de costumes e, por conseguinte, mudança de valores morais. Até a década de 30 a mulher não podia votar e nem ser votada, portanto o sufrágio feminino foi uma conquista de equiparar a mulher ao homem e torná-la um membro da sociedade como qualquer um, ou seja, uma pessoa participativa aos desígnios políticos do país. No cenário político nacional, a primeira mulher a se tornar deputada federal foi em 1933, e somente em 1979 foi eleita a primeira senadora. Em 2011 o país elege pela primeira vez uma mulher como Presidente da República. Se você observar os anos - 1933, 1979 e 2011 -, verá o quanto demora para que os valores se transformam e, ao mesmo tempo, depois de estabelecida a mudança, esses valores tornam-se tão familiares que nem mais pensamos nessa trajetória de conquista e transformação. 32 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA FIGURA 3 – A CONQUISTA DA MULHER FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_downz5jC7EU/SdjYjhkp8AI/ AAAAAAAAAMQ/1fH40DR7WIU/s400/Image180.gif>. Acesso em: 15 jan. 2012. No mundo do trabalho a mulher conquistou espaço tardiamente, e por esse motivo, várias são ainda as desigualdades entre a mulher e o homem no mundo do trabalho. Existem diversas pesquisas que apontam mulheres e homens com mesmo nível de escolaridade e mesma função e que têm salários diferentes. Não se pretende aqui fazer nenhum tipo de apologia à mulher, muito pelo contrário, a mulher é só um bom exemplo para que possamos perceber o quanto ela se transformou perante a sociedade. Antesela não votava e nem era votada, antes ela não trabalhava fora de casa, antes a sua vida limitava-se a cuidar de filhos e marido. E hoje? IMPORTANT E A moral é temporal e é reflexo dos costumes da sociedade. TÓPICO 3 | MORAL 33 Portanto, a moral são os costumes, são as práticas do comportamento humano e as práticas aceitáveis de uma sociedade. Então, como esses costumes, práticas e culturas mudam? Mudam quando a própria sociedade clama por mudanças ou quando, a partir de um movimento de um grupo, procura-se conscientizar o resto da sociedade da importância de pensar e agir diferente. Foi dado o exemplo da mulher, mas muitos são outros exemplos que se enquadrariam nesse momento para ilustrar essa transformação de valor e costume, a exemplo do homossexualismo, doenças que carregavam preconceitos e hoje não mais, entre outros grandes exemplos. Então se pode dizer que a moral é mutável, como diziam os romanos – “o tempora, o mores” – ou seja, os costumes mudam com o tempo. Srour (2003, p. 56) elenca alguns itens para a compreensão do que vem a ser moral: ● É um sistema de normas culturais que pauta as condutas dos agentes sociais de uma determinada coletividade e lhes diz o que é certo ou não fazer. ● Depende da adesão de seus praticantes aos pressupostos e valores que lhe servem de fundamentos. ● Representa um posicionamento diante das questões polêmicas ou sensíveis e constitui um discurso que justifica interesses coletivos. ● Organiza expectativas coletivas ao selecionar e definir melhores práticas a serem observadas. ● Tem natureza simbólica, essência histórica e caráter plural, e seus cânones variam à medida que espelham as coletividades históricas que o cultivam. Srour (2003, p. 57) ainda resume a moral comparativamente à ética: Por isso mesmo, as morais são as nervuras sensíveis das culturas e dos imaginários sociais, as peças de resistência que armam as identidades organizacionais, códigos genéticos das condutas sociais requeridas pelas coletividades. Assim sendo, enquanto as morais correspondem às representações mentais que dizem aos agentes sociais o que se espera deles, quais comportamentos são recomendados e quais não o são, a ética diz respeito à disciplina teórica e ao estudo sistemático dessas morais e de suas práticas efetivas. Portanto, o quadro que segue auxilia na formulação de um comparativo entre ética e moral, para que essas palavras-chave possam ajudar na diferenciação de uma e outra. 34 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA QUADRO 2 – COMPARATIVO ENTRE ÉTICA E MORAL ÉTICA MORAL Perene Temporal Universal Cultural Regra Conduta da regra Teoria Prática FONTE: A autora A ética é perene porque as suas reflexões são num curso contínuo e eterno, sempre haverá reflexões sobre a ética. Já a moral é temporal, porque de acordo com o tempo, os costumes e valores de uma sociedade se modificam. A ética é universal porque as suas reflexões independem da cultura, sociedade ou tempo histórico, as suas reflexões cabem em qualquer lugar e em qualquer tempo, porque se referem ao comportamento humano. A moral é cultural porque em cada sociedade, em cada lugar, os costumes e valores serão diferentes. A ética é regra, porque não existe mutabilidade em suas reflexões, as suas reflexões é que podem ser realizadas perante as mudanças. A moral é conduta de regra, porque é preciso relacionar os valores para que a moral possa instituir a sua conduta. A ética é teoria porque está situada no campo das reflexões, enquanto a moral se refere às práticas do comportamento humano, seus costumes, seus hábitos e seus valores. Essas as principais diferenças entre ética e moral, que ajudam para auxiliar na compreensão quanto às suas ramificações e desdobramentos. 3 O CAMPO DA MORAL O campo da moral, pela sua mutabilidade, se torna um campo vasto, em que se possibilita uma multiplicidade de ações. Até porque a moral é oriunda das ações e interações humanas. A moral, portanto, está em toda parte, nas escolas, nas igrejas, nos hospitais, nas organizações privadas e públicas. É através da moral que os códigos de convivência são estipulados, para que as pessoas se comportem adequadamente e também para que haja harmonia na interação humana e da instituição. Do ponto de vista dessas ações humanas existem dois universos que se constroem perante o fim de suas ações: universal e particular. TÓPICO 3 | MORAL 35 Na administração pública, os atos administrativos devem estar voltados ao universal, porque as suas ações sempre devem preservar o interesse coletivo, portanto no meio da administração pública não cabem atos administrativos voltados ao interesse particular. O campo da moral é vasto, a moral é o alicerce para que a sociedade possa estipular as suas regras de convivência. Portanto, condutas morais não são exclusividade da administração pública, as condutas morais estão presentes a todo tempo e em qualquer lugar. 3.1 A PRÁTICA MORAL Se você for um servidor público, legislador, ou quem sabe um responsável na elaboração de políticas públicas, ou simplesmente um cidadão, deve se perguntar: Quem são as pessoas que irão se beneficiar com a minha ação? Quais são as atitudes mais apropriadas para que um maior número de pessoas possam se beneficiar com as minhas atitudes? A minha ação é de interesse próprio ou de interesse coletivo? Essas perguntas e tantas outras ajudam a sinalizar em qual campo da moral se encaminham as nossas ações. Segundo Srour (2011), existem dois universos que se podem tomar como o início para melhor compreensão da prática moral: particularismo e universalismo. FIGURA 4 – UNIVERSALISMO E PARTICULARISMO UNIVERSALISMO PARTICULARISMO • É consensual porque interessa a todos: o bem de uns e o bem de outros não rivalizam. • Os interesses pessoais, grupais ou gerais se realizam sem prejudicar ninguém. • É abusivo porque o bem de uns causa mal aos outros. • Os interesses pessoais ou grupais se realizam à custa dos interesses alheios. FONTE: Srour (2011, p. 9) O universalismo dita as condutas morais positivas, em que existe o consenso para que o bem comum seja preservado. Nesse sentido, mesmo quando existem ações voltadas ao interesse de uma minoria ou de um grupo específico, ainda assim esses interesses não vão se confrontar com o interesse dos demais. Não há uma rivalidade de interesses, pelo contrário, a satisfação dos interesses se dá de forma consensual. 36 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA No particularismo, os interesses pessoais ou de um grupo se prevalecem em detrimento do interesse de outros, por isso são práticas negativas. Não há um consenso de quem precisa mais, para que as práticas nesse universo sejam realizadas de forma consensual e em preservação do bem comum. Pelo contrário, existe uma rivalidade de interesses para que a vontade de uns se realize independente da necessidade de um ou de outro ser maior. A administração pública, com certeza, está na esfera do universalismo, e é por isso que ela existe e é dessa forma que ela deve servir aos cidadãos. Mas o servidor público, que é o condutor da prática do serviço público, poderá se encontrar na polaridade da escolha entre universalismo e o particularismo, em pequenas atitudes do seu cotidiano. 3.2 A MORAL E O COMPORTAMENTO HUMANO De acordo com Alonso, López e Castrucci (2010, p. 29), “a ética é a arte de administrar a própria liberdade, de administrar os chamados atos humanos”. Por essa concepção pode-se dizer que exista uma discricionariedade ou livre-arbítrio no uso da liberdade. Parece que não. A liberdade é restrita se a analisarmos ao pé da letra, a liberdade de administrar cabe aqui como deferência à felicidade coletiva. Na verdade, o que os autores querem dizer é que por trás de toda liberdade existe uma condição moral e um fim no bem comum, como afirmam: “Uma primeira afirmação da ética consiste em que a liberdade não está para fazer qualquer coisa, ou a serviço do agir sem rumo ou irresponsável, mas deve estar
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