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Humanidades Reflexões Contemporâneas Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Ana Barbara Aparecida Pederiva Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História • Conhecer o desenvolvimento das sociedades e culturas ao longo da História; • Conhecer, resumidamente, as principais características dos homens e das sociedades – da Anti- guidade até a Contemporaneidade. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História. UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Contextualização Analise a seguinte charge. Disponível em: https://bit.ly/35sKRPW Por que será que em diferentes períodos históricos e, infelizmente, até a atualidade, o ser humano possui dificuldade em compreender e respeitar o outro, diferente de si? Nesta Unidade compreenderemos a importância da Antropologia na análise das diferentes sociedades e culturas, para que possamos contribuir com a mudança desta mentalidade preconceituosa e incentivar o respeito às diversidades. Bom estudo! 8 9 Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Várias são as áreas da Ciência que estudam os seres humanos, mas, especificamente nesta Disciplina, verificaremos como as Ciências Sociais, com destaque para a Antropo- logia, compreende o ser humano. A Antropologia dedica-se a estudar de forma ampla (com vertentes e métodos espe- cíficos) o ser humano, por suas características culturais, físicas, biológicas, sua formação, culturas, raízes, origens etc., através de grupos sociais específicos. Articula-se com outras áreas do conhecimento, tais como a História, Geografia, Sociologia, Filosofia, entre outras. Nessa perspectiva, compreende o ser humano como “ser cultural”, “fazedor” de cul- tura e, com isto, analisa as culturas humanas no espaço e tempo para compreender as suas diferenças e semelhanças. Compreende que o comportamento cultural humano é aprendido socialmente. A produção erudita, em sua face científica e/ou artística, vem despertando cada vez mais a atenção dos antropólogos, dentro e fora do Brasil. A antro- pologia das chamadas “sociedades complexas” nos últimos anos arrisca enfrentar as sociedades ocidentais, não apenas a partir de seus aspectos “marginais”, “alternativos”, “domésticos” ou “privados” (como o xamanismo urbano, as curas alternativas, os grupos minoritários, a família, a cultura popular, as novas formas de religiosidade etc.), mas também de seus nú- cleos “centrais”: a ciência, a universidade, a produção cultural e artística, o Estado, os partidos políticos, a Igreja Católica etc. [...] Claro está que tal empreitada analítica impõe um diálogo estreito e fecundo com outros campos do conhecimento – a sociologia, a história, a filosofia, a crítica literária, entre outros –, o que não significa a desconsideração da es- pecificidade e vitalidade da perspectiva antropológica (etnográfica, diria Latour) nas análises realizadas nesses novos domínios. Fonte: https://bit.ly/3wzNYBq Etnografia : é um método de trabalho da Antropologia que, através da observação e des- crição detalhada – realizadas em trabalhos de campo –, analisa e compreende os seres humanos em seu cotidiano. Etnografia é também conhecida como: observação participante, pesquisa interpretativa, pesquisa hermenêutica, dentre outras. Compreende o estudo, pela observação direta e por um período, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas: um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma unidade social representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos elementos, por exemplo: uma escola toda ou um grupo de estudo em uma determinada sala de aula. A etnografia estuda preponde- rantemente os padrões mais previsíveis das percepções e comportamento manifestos em sua rotina diária dos sujeitos estudados. Estuda ainda os fatos e eventos menos previsíveis ou manifestados particularmente em determinado contexto interativo entre as pessoas ou grupos. Em etnografia, holisticamente, observa-se os modos como esses grupos sociais ou pessoas conduzem suas vidas com o objetivo de revelar o significado cotidiano, nos quais as pessoas agem. O objetivo é documentar, monitorar, encontrar o significado da ação. Fonte: https://bit.ly/3q4xPSn Como a Antropologia estuda as culturas humanas no espaço e tempo, a sua rela- ção com a História é permanente. As definições para a História são muitas e distintas, 9 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História mas as mais utilizadas são as que entendem que a História é uma ciência que estuda os homens e as suas ações no tempo e, ainda, definem-nas como o estudo das transforma- ções e permanências nas sociedades ao longo do tempo. Tamanha é a riqueza das experiências e das interpretações do tempo através do curso da história que se acaba sucumbindo à impressão de que qualquer intento de lhe atribuir uma definição que se pretendesse exaustiva revelar- -se-ia precária e antecipadamente anacrônica. São raros os conceitos que podem ostentar uma prodigalidade tão grande de abordagens, todas como que a mostrar a inesgotabilidade do tema. (BORNHEIM, 1992, p. 103) Os pesquisadores no século XIX definiram uma periodização cronológica, onde os pe- ríodos históricos são os seguintes: Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moder- na e Idade Contemporânea. Tal divisão foi realizada pelos considerados “acontecimentos marcantes”. Mesmo com as várias críticas que ainda são realizadas, essa periodização acontece ainda atualmente. Portanto, partiremos dessa cronologia para compreendermos os seres humanos, as sociedades e culturas ao longo da História. Para saber mais sobre a periodização da História e as suas críticas. Disponível em: https://bit.ly/2SxD7cK Os primeiros ancestrais do homem surgiram aproximadamente há cerca de 4 milhões de anos. Os australopitecos eram diferentes dos demais primatas, pois tinham uma postu- ra ereta, locomoção bípede e uma arcada mais próxima da atual espécie humana. Habi- taram várias regiões da África e Ásia. Com o processo evolutivo surgiu o chamado Homo Sapiens, uma espécie da qual descenderia o Homo Neanderthalensis, que viveu entre 230 e 30 mil anos atrás. O Neanderthalensis produzia utensílios, armas e realizava rituais funerários simples. Já o Homo Sapiens surgiu há cerca de 150 mil anos e já dominava o fogo, tendo desenvolvido a linguagem, além de construir diversos instrumentos necessá- rios para a sobrevivência. A partir daí formaram-se organizações sociais consideradas mais completas, colocando fim ao chamado Período Paleolítico, que terminou em 8000 antes de Cristo (a.C.), dando início ao Período Neolítico (8000-5000 a.C.) e a Idade dos Metais, que foi de 5000 a.C. até o surgimento da escrita, encerrando a chamada Pré-História. Australopitecos Homohabilis Homo erectus Homo sapiens sapiens Homem Neandertal Figura 1 Fonte: Adaptada de Getty Images 10 11 O termo Pré-História foi criado em 1851 e utilizado para se referir ao período da vida hu- mana que antecede a invenção da escrita. O período pré-histórico durou aproximadamente 5 milhões de anos. Ele tem início com os primeiros registros históricos e se estende até aproximadamente 4000 a.C. Existem estudiosos que não usam o termo Pré-História. Eles optam por denominar essa época de história dos povos pré-letrados ou povos ágrafos. Devido à ausência de documentos desse período, tudo o que se sabe sobre Pré-História é fruto de estudos multidisciplinares das áreas de antropologia, arqueologia e paleontologia. Arqueólogos, antropólogos, paleontólogos e geneticistas utilizam fósseis e objetos encon- trados para realizar estudos a fim de traçar a cultura, os costumes e os credos de humanos que viveram na terra nessa época. Com base nas evidências deixadas nas cavernas, como as pinturas rupestres, vestígios de utensílios e ferramentas, os pesquisadores chegaram à conclusão de quealgumas habilidades humanas foram desenvolvidas durante o período pré-histórico. Existe uma divisão da era pré-histórica que classifica os períodos em: Paleolí- tico ou Período da Pedra Lascada, Neolítico ou Período da Pedra Polida e Idade dos Metais. Saiba mais sobre, disponível em: https://bit.ly/3gE3C8c A Idade Antiga se iniciou em 4000 a.C., com o surgimento da escrita e seu fim foi definido com o declínio do Império Romano do Ocidente, em 476 depois de Cristo (d.C.). Entre as diversas civilizações da Antiguidade destacaremos neste breve resumo a mesopo- tâmica, egípcia, grega e romana. A Mesopotâmia, palavra derivada do grego que significa terra entre rios, é uma região localizada no Oriente Médio, entre os rios Tigre e Eufrates, que abrange grande parte do atual Iraque, parte do Irã, Jordânia, Kuwait, Líbano, Síria e Turquia. Na região, os rios, por nascerem nas áreas montanhosas do Norte mesopotâmico com destino às planícies, depositam grandes quantidades de aluviões, limo misturado com cal, tornando as terras bastante férteis para a agricultura e criação de animais domésticos. Eridu, con- siderada a primeira cidade da história, foi fundada na região por volta de 5400 a.C. e deu início a uma confederação de Cidades-Estados independentes chamada de Suméria. Os avanços civilizatórios promovidos pelos sumérios não se limitam à agricultura, organização sociopolítica e ao belicismo, mas lançam também os primeiros passos da escrita, ciência e do direito. Muitos pesquisadores atribuem aos sumérios várias invenções, tais como o molde de tijolo, a roda de oleiro, de carroça, o arado, veleiro, arco, cofre, a cúpula e fundição em cobre e bronze. Atribui-se também aos sumérios as primeiras religiões. O governo das Cidades-Estados sumerianas era teocrático, ou seja, o rei considerado governador supremo era representante da vontade divina. Atribui-se a esses povos o primeiro idioma escrito, assim como a escrita cuneiforme. Os acádios conquistaram a Suméria por volta de 2270 a.C. Com relação à civilização babilônica, podemos resumir da seguinte forma: o primeiro reino babilônico (1894-1595 a.C.) teve o seu apogeu com o reinado de Hamurabi (1798-1750 a.C.) e o período ne- obabilônico (605-539 a.C.) teve o seu momento de prosperidade durante o reinado de Nabucodonosor II (605-562 a.C.). Os babilônios deixaram um vasto e importante legado de artefatos artísticos e arquitetônicos. Os amoritas, povos semitas que ocuparam o Sul mesopotâmico, estabeleceram-se na Cidade de Babilônia, ao Sul da atual Bagdá. Naque- le contexto, a cidade de Babilônia foi assumindo o posto de centro cultural e econômico e foi lá criado o Código de Hamurabi (PAZ; PEREIRA, 2016). 11 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História O Código de Hamurabi foi o primeiro código de leis da história e vigorou na Mesopotâmia, quando Hamurabi governou o primeiro império babi- lônico, entre 1792 e 1750 a.C. Esse código se baseava na Lei do Talião, que punia um criminoso de forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”. O Código de Hamurabi era consti- tuído por 281 preceitos gravados em uma pedra negra e cilíndrica de dio- rito. Atualmente, essa pedra está exposta no Museu do Louvre, em Paris (França) [...]. Os amoritas foram um dos povos que habitaram a região e instalaram um império. De 2000 a 1750 a.C., os amoritas construíram o primeiro império babilônico. A cidade de Babilônia se tornou a mais importante e o centro do poder amorita na Mesopotâmia. As leis eram transmitidas de geração para geração, de forma oral. Com o domínio dos amoritas e a diversidade de povos que atravessavam a Mesopotâmia, era necessário a criação de um código de leis que ordenassem as relações sociais no império babilônico. O Código de Hamurabi foi criado para aten- der essa necessidade. O rei Hamurabi começou a escrevê-lo em 1772 a.C., em uma pedra, por meio da escrita cuneiforme [...]. Fonte: https://bit.ly/3gDXGMr Figura 2 – Código de Hamurabi Fonte: Wikimedia Commons A civilização egípcia se iniciou em 3200 a.C., no Vale do Rio Nilo, quando os reinos do Baixo Egito e Alto Egito (o Nilo dividia o Egito em Baixo Egito, ao Norte; e Alto Egi- to, ao Sul.) foram unificados pelo faraó Menés (fundador da primeira dinastia egípcia). 12 13 As principais características da civilização egípcia foram o politeísmo, governo teocrá- tico, a criação da escrita (demótica e hieroglífica), do alfabeto e papel. O Egito Antigo era dividido em nomos (regiões administrativas), de modo que havia trabalho escravo e trabalho compulsório (convocação feita pelo faraó para a construção de obras públicas). Figura 3 Fonte: Wikimedia Commons A Grande Esfinge com a Pirâmide de Miquerinos ao fundo, parte da Necrópole de Gizé, erguida durante o Império Antigo. Estes são alguns dos monumentos mais emblemá- ticos do Antigo Egito. A civilização grega era organizada em Cidades-Estados, chamadas de poles (plural de pólis) e o conjunto dessas cidades formava a Hélade. As duas pólis mais importan- tes da Grécia Antiga foram Esparta e Atenas que, por suas rivalidades, deram origem à Guerra de Peloponeso. Os gregos ficaram conhecidos pelas suas contribuições à humanidade, tais como o desenvolvimento da filosofia (Sócrates, Platão e Aristóteles), pelo teatro (Eurípedes, Sófocles e Aristófanes), entre outras manifestações. Figura 4 – O Partenon, templo dedicado a Palas Atena, na Acrópolis de Atenas Fonte: Wikimedia Commons 13 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História A civilização romana ocorreu com a união dos povos gregos, etruscos e italiotas que habitaram a Península Itálica. Podemos destacar na civilização romana a literatura (filosófica, jurídica e política). A civilização romana em sua fase inicial baseava-se na agricultura, contudo, em função das dificuldades que esta apresentava por causa do solo pouco favorável, aos poucos o comércio passou a ser o setor mais dinâmico. Ligada a isso estava a política imperialista que tornou o Mar Mediterrâneo um lago romano. Assim, as grandes conquistas territoriais e o consequente afluxo de riquezas provocaram profundas alterações, cheias de consequências, na sociedade e na econo- mia. Como consequências podemos destacar as invasões de outros povos considerados “bárbaros”, o enfraquecimento da camada de pequenos e médios proprietários rurais e a concentração de terras nas mãos de poucos indivíduos, não havia condições eco- nômicas e sociais para prosseguirem as conquistas, o sistema escravista e imperialista não podia mais se autorreproduzir. Era a crise. Como aquela era uma sociedade urbana, naturalmente a crise se manifestava mais claramente nas cidades. Assim, os mais ricos se retiraram para as suas grandes sociedades rurais (villae). A questão da mão de obra rural foi solucionada por um regime de tripla origem, nascendo o colonato. A terra passou a ser dividida em duas partes: a reserva senhorial e os lotes campo- neses. Os lotes eram entregues aos indivíduos em troca de uma parcela do que eles aí produzissem e da obrigação de trabalharem na reserva senhorial sem qualquer tipo de remuneração – gestação do feudalismo que pode ser considerado naquele contexto, um novo sistema de organização social. Figura 5 – Loba Capitolina amamenta os gêmeos Rômulo e Remo Fonte: Wikimedia Commons Segundo a mitologia romana, Rômulo e Remo são dois irmãos gêmeos, um dos quais, Rômulo, foi o fundador da Cidade de Roma e seu primeiro rei. Conta a lenda que Rômulo e Remo eram filhos do deus grego Ares, ou Marte, seu nome latino, e da mortal Reia Sílvia (ou Rhea Silvia), filha de Numitor, rei de Alba Longa. Saiba mais sobre lendo a matéria na íntegra, disponível em: https://bit.ly/3gyN2Yt 14 15 Figura 6 Fonte: Wikimedia Commons O fórum romano foi, durante a maior parte do período da Roma Antiga, o centro político, jurídico, religioso e econômico da Cidade e o centro nevrálgico de toda a civilização romana. A Igreja foia única instituição que sobreviveu à crise do Império Romano com a sua organização administrativa praticamente intacta. Desde 451, o cristianismo era a religião oficial dos imperadores romanos. Suas origens eram urbanas, portanto, expandiu-se, de início, conquistando as cidades. A organização da Igreja, depois das primeiras persegui- ções, tomou como modelo a administração do Império, a sua centralização e hierarquia, tornando-se um Estado dentro do Estado romano. A Cidade tornou-se a unidade essen- cial da administração eclesiástica, sob a liderança do bispo, cuja autoridade incluía o território ao seu redor (diocese). As dioceses agrupavam-se em províncias. No topo da hierarquia situavam-se os pa- triarcas, encarregados de um conjunto de províncias e sediados nas cidades mais impor- tantes. A situação da Igreja em meio à crise do mundo romano pode ser explicada por seu papel econômico e social; à medida que as suas necessidades materiais cresciam e que o Estado não deixava de lado as suas funções assistenciais, a Igreja passou a fazê-lo. Legitimava-se, assim, o seu papel social, sem que o seu enriquecimento fosse conde- nado, já que os bens eclesiásticos estavam a serviço de Deus para atender aos pobres e desvalidos. Ao mesmo tempo crescia a piedade dos fiéis – ricos e pecadores – capazes de comprar o perdão através de esmolas e doações territoriais. A sobrevivência da Igreja ocorreu também por causa da visão de mundo que veiculava, pois oferecia a milhares de homens decepcionados e inquietos a promessa de uma vida melhor, ao mesmo tempo em que pregava a libertação e o abandono das preocupações terrenas (MENDONÇA, 1987). Com o fim do Império Romano, a antiga unidade ocidental foi substituída pelo pluralis- mo de povos e culturas, leis e reinos. O grande problema para a Igreja Romana passou a ser a garantia de sua sobrevivência e a manutenção do cristianismo em meio aos bárbaros. Bárbaros: pagãos ou cristianizados sob uma modalidade não oficial da religião, o aria- nismo, que lhes fora transmitido por monges dissidentes da interpretação ortodoxa da fé. A conversão dos invasores era a árdua tarefa da Igreja para impor-se no Ocidente. 15 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Os rumos do cristianismo medieval ocidental e a sua igreja dependiam da definição de uma base temporal de apoio entre os germanos, o que foi conseguido através de uma aliança com o reino franco. Assim, quando Clóvis, no século V, unificou as tribos francas, fazendo o maior evento da história da França – Gália (dinastia merovíngia) –, o maior evento para a história cristã foi a conversão desse soberano à ortodoxia (doutri- na religiosa tida como verdadeira Igreja Católica) romana pelo batismo. Nesse período ocorreu a Cruzada contra o paganismo, a heresia e difusão do cristianismo foi, portanto, a grande missão do clero ocidental. A ideia era penetrar na massa da população rural, converter os povos pagãos e, com isso, houve multiplicação das paróquias rurais e dos mosteiros e das expedições missionárias partindo da Gália. Surgiu, então, forte aristo- cracia eclesiástica: por tornarem-se grandes proprietários de terras e por serem os sacer- dotes os funcionários preferidos pela realeza, pois detinham o monopólio da cultura es- crita, do conhecimento da leitura e das tradições clássicas. Mesmo assim, os bispos eram tão controlados quanto qualquer funcionário leigo, sendo até mesmo nomeados pelo rei. Não havia ainda uma ideia clara da separação entre Igreja e Estado. O que existia era um novo tipo de política, onde ambos se fundiam pela estreita união do poder sacerdotal e do poder real, cujo produto seria o Império Carolíngio (MENDONÇA, 1987). Em 743, Childerico III, da dinastia merovíngia, foi coroado rei. Em 751, Pepino, o Breve, com o apoio do Papa, destronou Childerico e se fez coroar rei, dando início à dinastia carolíngia. Os reis carolíngios e a Igreja Cristã sempre estiveram ligados. Em 768, Pepino, o Breve, dividiu o reino entre os seus filhos Carlomano e Carlos Magno. Quando Carlomano morreu em 771, Carlos Magno passou a governar sozinho. O rei- nado de Carlos Magno foi longo e cheio de realizações. Através de campanhas militares expandiu o reino e deu-lhe segurança. Em 773 anexou ao reino franco os territórios italianos que eram de controle dos bárbaros. O Papa Leão III, ameaçado de morte por seus inimigos políticos, percebeu no novo reino e no seu chefe um poderoso aliado, ca- paz de protegê-lo e de fazer da própria Igreja um império em expansão. No natal do ano 800 o Papa fez renascer o Império Romano do Ocidente ao colocar sobre a cabeça de Carlos Magno a coroa dos antigos imperadores romanos. O Estado e a Igreja estavam personificados na pessoa do imperador (MENDONÇA, 1987). A economia no Império era essencialmente agrícola, mas a segurança militar criou condições para o desenvolvimento comercial em direção ao Norte da Europa. Carlos Magno cercou-se de homens cultos, professores de gramática, retórica, filosofia, mate- mática e música. Os nobres eram obrigados a se alfabetizar, pois a maioria não sabia ler ou escrever. Os intelectuais sob a proteção de Carlos Magno, traduziram obras antigas, romanas e gregas. Esse período ficou conhecido como Renascimento Carolíngio. A ideia de Império que o Papado emprestou aos carolíngios foi a seguinte: um só po- der real que, por ser divino, era quase um sacerdócio, governando os homens em nome da Justiça de Deus e junto com o Episcopado. Para conseguir controlar um conjunto diverso de povos e tradições que foram unificados, Carlos Magno procurou transformar a religião no “cimento” da coesão de seu vasto território. Para controlar os rumos da fé e o seu território, Carlos Magno restaurou a hierarquia da Igreja e a tornou mais rica, dando mais poder aos bispos e criando cargos e instrumentos eficazes de fiscalização: visitações (todas as igrejas da diocese) e sínodos (reuniões periódicas dos clérigos). A Igreja tornou-se a “espinha dorsal” na construção carolíngia (MENDONÇA, 1987). 16 17 A Idade Média refere-se a uma divisão do tempo que engloba praticamente 1.000 anos de história do Continente Europeu. Essa classificação para o período (“Média”) foi uma forma de os homens dos séculos XIV e XV, dos reinos italianos, mostrarem que eram inovadores, modernos e transformadores. O nome Idade Média, usado para referir-se a esse período (entre 476 e 1453 d.C.) foi uma invenção dos renascentistas que acreditavam que estavam rompendo com um período culturalmente atrasado do mundo ocidental, dominado pelo pensamento da Igreja católica. Portanto, entre a Idade Moderna e a Idade Antiga havia uma idade intermediária e assim nasceu o conceito de Idade Média. E ssa classificação, na verdade, é uma simplificação preconceituosa, pois “engessa” uma cultura como inferior a outra e resume as trajetórias de diversos povos que viviam na Europa como uma só história. Como vimos, a Idade Média teve como marcos de seu começo e fim duas datas que se referem ao Império Romano. Seu início foi marcado pela tomada de Roma pelos germa- nos: a derrubada do Império Romano do Ocidente que ocorreu no ano de 476 d.C. O fim da Era Medieval é dado pelo ataque de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, tomada pelos turcos em 1453 d.C. Para melhor compreensão desse vasto período, costuma-se usar uma subdivisão tem- poral entre Alta e Baixa Idade Média. A Alta Idade Média corresponde ao primeiro mo- mento, quando ocorreu a formação de diversas sociedades na Europa e se passou entre os séculos V e X. Foi nesse período que se formaram os feudos, estabeleceram-se as relações de suserania e vassalagem e o poder da Igreja Católica constituiu-se e se fortale- ceu. O período da Baixa Idade Média foi aproximadamente do século X ao XV. A partir dessa época, novas ideias e práticas foram surgindo e houve um processo de decadência das instituições feudais, que se formaram ao longo dos cinco séculos anteriores.Durante a Idade Média podemos destacar o s feudos, que eram extensas propriedades de terras, mantidas isoladas para garantir a proteção das pessoas que ali viviam dos ataques de ini- migos externos. A s relações sociais no feudalismo eram baseadas em “laços de fidelidade” e dependência mútua e, como vimos, o poder da Igreja assim se destacava: • Clero: tinham a obrigação de rezar, cuidar dos órfãos, enfermos e cuidar da educação dos filhos dos senhores feudais; • Reis: nobres que tinham a obrigação de governar (elaboração das leis e execução da Justiça); • Senhores feudais: nobres que tinham a obrigação de defender os que viviam em suas terras; • Servos: pessoas que viviam e trabalhavam em função de seus senhores e que deles recebiam proteção; • Homens livres e/ou vilões: pobres proprietários de uma pequena propriedade rural; comerciantes. A s relações de dependência desde a sua origem tiveram um aspecto econômico. Atra- vés das pessoas, o senhor queria atingir bens. Existia um ato cerimonial (homenagem), onde o senhor feudal (suserano) entregava ao vassalo um objeto que significava um bem, por exemplo, a investidura, que era um ramo de folhas. As investiduras funcionavam como símbolos das terras concedidas. Depois do século IX o benefício ou feudo deveria 17 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História ser mantido pelo vassalo até a sua morte ou a do senhor. A relação vassálica só perduraria à custa da repetição de uma homenagem. Precária era um contrato de contornos bens definidos, com concessões combinadas mediante um pagamento. O benefício era consentido mediante serviço, em proveito das pessoas ligadas às casas senhoriais e, principalmente, dos vassalos. Durante o século IX, quando os copistas pensavam em benefício, pensavam em feudo. Assim, feudo significava bem concedido em troca – não de obrigações de pagar, mas de obrigações de se fazer, uma instituição que inicialmente tinha um caráter muito geral e depois tornou-se instituição de classe. Depois do século IX o benefício ou feudo deveria ser mantido pelo vassalo até a sua morte ou a do senhor. A relação vassálica só perduraria à custa de uma repetição de homenagem (BLOCH, 1982). Figura 7 Fonte: Wikimedia Commons Durante a Alta Idade Média a economia esteve praticamente centrada na agricultura, o que ocorria porque os feudos produziam grande parte dos produtos que necessitavam consumir e a circulação de pessoas era restrita em uma Europa povoada por fortifica- ções isoladas umas das outras. No entanto, nem sempre esse cenário correspondeu à Europa inteira. Com relação aos impostos, no manso senhorial – que eram as terras do feudo de uso do senhor e representavam um terço da área total – os servos e vilões tinham que 18 19 trabalhar vários dias por semana, em uma prática chamada de corveia. No manso servil – que eram as terras pertencentes ao feudo, de uso dos camponeses, mas não de sua propriedade – parte do que era produzido ia para o senhor feudal (taxa que ficou conhecida como talha). Os servos também pagavam a banalidade, um imposto pelo uso dos fornos e moi- nhos que o senhor controlava. Havia também um pagamento relativo ao número de servos que moravam nos feudos e era cobrado individualmente, “por cabeça” (ou em latim, per capita): era a captação além de herdar a servidão dos pais, quando estes morriam, os filhos ainda deveriam pagar a mão morta para continuarem servindo ao mesmo senhor. As relações sociais e de produção não estavam concentradas somente nos feudos, com os senhores e vassalos. A partir do século X, os povos que não se encaixavam nesse esquema, que viviam de outras atividades, tais como comércio e negócios, começaram a morar no entorno dos feudos, nas áreas de passagem e feiras. Como a Idade Média foi marcada pela forte influência da Igreja, era de se esperar que quem fosse contrário aos seus dogmas e doutrinas era perseguido. Em meados do século XII a Igreja Romana sentiu-se ameaçada por várias críticas que eram feitas aos dogmas sobre os quais se apoiava a doutrina cristã. As críticas iam contra a verdade absoluta da mensagem da Igreja, contestavam a doutrina oficial do catolicismo. Esses indivíduos eram chamados de hereges. O aumento dessas contestações fez com que a Igreja nomeasse bispos para visitarem 2 vezes ao ano as paróquias suspeitas de heresia. Os bispos tinham, portanto, o título de inquisidores ordinários. Para que a caça aos hereges surtisse efeito, era necessário o apoio do Estado, dos soberanos temporais, demonstrando a importância política dessas perseguições, em uma época em que o Estado e a Igreja estavam unidos. A Inquisição Medieval foi uma instituição idealizada e dominada pelo Papa, mesmo assim, contava com o apoio dos soberanos. Portanto, foram cruzadas religiosas contra os hereges nos séculos e contra a ameaça ao poder. Os lugares onde existiam hereges eram chamados de infectos. Os eclesiásticos que eram enviados a esses lugares constituíam a chamada Inquisição Delegada. Domingos de Gusmão, criador da ordem dos dominicanos, organizou, em 1219, uma confraria (ir- mandade, associação religiosa) chamada de Milícia de Jesus Cristo para a preservação da pureza do catolicismo. Os milicianos de São Domingos foram os primeiros a utilizar técnicas de crueldade e violência. A Inquisição Medieval exterminou comunidades intei- ras, dizimou populações e queimou milhares de indivíduos. A base da Inquisição era: delação, denúncia, rumores etc. Em 1314 ocorreu o primeiro auto de fé, onde 6 pessoas foram queimadas vivas. Os hereges eram punidos de diferentes formas: a excomunhão (exclusão da Igreja), o con- fisco de todos os bens, exílio, a prisão perpétua, os açoites e a morte na fogueira. Sal- var a alma era muito importante, mesmo que para isso tivessem que queimar a carne. Nicolau Eymerich escreveu um manual que serviu de guia para os inquisidores, criando as normas do funcionamento da Inquisição Moderna (NOVINSKY, 1992). 19 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Figura 8 Fonte: Wikimedia Commons Representação de um “auto de fé” da Inquisição espanhola, que teria sido presidido por Domingos de Gusmão, o fundador da Ordem dos Dominicanos. A pintura, de Pedro Berruguete, foi encomendada pela própria Inquisição e é, sem dúvida, uma cena forjada. Embora muitos dominicanos mais tarde se envolvessem nos processos da Inquisição, o fundador da Ordem já era falecido quando aquela foi estabelecida. No início do século XIV, o Papa Bonifácio VIII proclamou um jubileu para cele- brar o novo centenário do nascimento de Jesus Cristo e contou com uma multidão de romeiros. Nessa época, perturbações de variadas espécies conturbaram a vida na Europa: fome, guerra, peste, revoltas camponesas, desordens internas na Igreja. Estavam em movimento as forças que marcariam o fim da Idade Média. A insatisfação era geral, em cada camada da sociedade havia motivos para insatisfação: servos, bur- gueses, senhores feudais etc. 20 21 Eduardo I ocupava o trono da Inglaterra e Filipe, o Belo, reinava na França e os dois viviam em permanente disputa pela posse das terras da França, então “nas mãos” dos ingleses. Ambos resolveram taxar os bens do clero dentro dos seus reinos. Em 1296, o Papa Bonifácio VIII lançou a bula Clericis Laicos, na qual ameaçava de excomunhão qualquer governante que taxasse o clero e o homem da igreja, mesmo assim, Eduardo e Felipe saíram ganhando. Alguns meses mais tarde o Papa lançou a bula Unam Sanctam, vaticinando a necessi- dade de que todos os seres humanos se submetam ao pontífice romano; por este motivo, Felipe resolveu depor o Papa, alegando que a sua eleição havia sido ilegal. Pela avançada idade, o Papa passou alguns dias em sua terra natal, fora de Roma, de modo que Anagni acabou preso por soldados de Felipe, levando à morte do prisioneiro. Em 1305 o Papa eleito era um francês, Clemente V. Depois de Clemente, mais 6 papas sucessivos foram franceses e nunca pisaramem Roma. O Papado dependia da Monarquia francesa. Em 1337 teve início a Guerra dos Cem Anos, entre Inglaterra e França e os motivos foram acusações de pirataria no Canal da Mancha; os soberanos brigavam por causa da suserania mantida pelos ingleses sobre terras da França; surgia o espírito do nacionalismo. No mesmo contexto, milhares de pessoas morreram com a chamada Peste Negra (bubônica). No Norte da França ocorreu a Jacquerie, nome tirado de jacques, apelido de camponês. Reunindo-se em bandos, os camponeses incendiaram os castelos e atacaram os nobres senhores, mas a insurreição foi esmagada. A servidão gradualmente ia morrendo e o servo do campo e artesão da cidade forja- ram uma aliança, isto é, a igualdade humana passou a ser pregada, o igualitarismo. Em 1453 acabou a Guerra dos Cem Anos com a vitória dos franceses. Os turcos tomaram Constantinopla e foi iniciado o período das grandes navegações (FREMANTLE, 1965). Figura 9 Fonte: Wikimedia Commons 21 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Na transição da Idade Média para a Moderna ocorreu importante progresso comer- cial, com o crescimento das cidades e avanço da manufatura. A partir daí, já na Idade Moderna, foi possível o desenvolvimento do mercantilismo, sistema comercial que estava no cerne do capitalismo. Seguindo a divisão cronológica da História, no contexto descrito foi iniciada a Idade Moderna, que se estendeu de 1453 a 1789, um período de muitas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais. Você Sabia? As principais características e acontecimentos da Idade Moderna são: • As grandes navegações/expansão marítima; • Capitalismo; • Mercantilismo; • Absolutismo; • Iluminismo; • Tomada da Bastilha, em 1789. Podemos dizer que, em termos econômicos, a Idade Moderna foi considerada o perí- odo de transição do modo de produção feudal para o de produção capitalista. As práticas econômicas do mercantilismo contribuíram para a expansão do comércio europeu, que teve relação direta com o colonialismo, estabelecido após a chegada dos europeus à América, em 1492. Para melhor compreender esse processo precisamos retornar um pouco no tempo: na Europa no século XII ocorreu a expansão da agricultura e do comércio. A expansão agrícola foi resultado de novas regiões cultivadas, com a derrubada de florestas, secagem de pântanos e o incentivo da expansão comercial, de modo que o excedente da produ- ção agrícola poderia ser trocado/comercializado. Houve especialização das funções e dos produtos agrícolas em cada região, incentivando o comércio de diferentes produtos entre os domínios rurais. A busca de produtos destinados ao consumo de luxo da aristo- cracia também incentivava a agricultura e o comércio. A partir do século XIII, as fronteiras da Europa foram se delineando e houve o “nas- cimento” do Estado como organização política centralizada. Com as Cruzadas houve expansão da chamada Europa Cristã e o resultado foi a reconquista de territórios e a ocupação de novos espaços geográficos. Como vimos, a crise do século XIV ocorreu por vários motivos, entre os quais o declínio da população, a peste negra, escassez de alimentos por causa das variações do clima e as condições do solo. No século XIV houve maior exploração dos campo- neses e ocorreram várias revoltas. A saída para a crise seria expandir novamente a base geográfica e de população a ser explorada, de modo que Portugal e Espanha se destacaram – ao menos inicialmente. 22 23 Figura 10 Fonte: Getty Images Os portugueses foram os pioneiros na expansão marítima por vários motivos que antecederam as viagens, por exemplo: • Escola de Sagres e o infante Dom Henrique no incentivo à expansão e às navegações; • Portugal se afirmava na Europa como um país autônomo e com tendência a voltar-se para fora; • Experiência no comércio de longa distância – envolvimento com o mundo islâmico; • Posição geográfica, ou seja, país próximo às ilhas do Mar Atlântico e à Costa da África. A expansão marítima portuguesa foi incentivada por diferentes grupos – enquanto projeto nacional: • Comerciantes: por bons negócios; • Coroa: por novas fontes de receita e exploração; • Nobres: para servirem ao rei (prestígio); • Igreja: para servir a Deus, cristianizando povos “bárbaros ou selvagens”; • Povo: na tentativa de uma vida melhor. Os portugueses empenharam-se em desenvolver novos instrumentos e técnicas de navegação, tais como as caravelas – leves e velozes –, o quadrante e astrolábio, mais o conhecimento baseado na experiência. Naquele contexto, a atração por ouro e especiarias predominava. Com relação às especiarias, podemos dizer que eram produtos raros e utilizados em pequenas quanti- dades. O alto valor desses produtos se explica pelos limites das técnicas de conservação existentes na época e por hábitos alimentares. O ouro era uma moeda de troca confiável e utilizada para a decoração de templos, palácios e na confecção de roupas. Durante a Idade Média, as pessoas não imaginavam que as navegações e os des- cobrimentos/invasões fossem levar ao desenvolvimento do capitalismo comercial. 23 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Cristóvão Colombo era considerado um louco e as lendas sobre o Novo Mundo eram comuns: monstros marinhos, paraíso em terra etc. A arte da navegação era imprecisa, com a falta de equipamentos técnicos, de modo que qualquer sinal da natureza era trans- formado em presságio. As igrejas foram os suportes básicos em que se acentuou todo o projeto colonizador. A Igreja não era apenas um lugar de oração, mas um objeto capaz de impor ordem a tudo o que estava à sua volta: aldeias, vilas ou cidades. Inicialmente, a forma de colonização desejada pela Igreja era antilucrativa. Assim, conflitos entre religio- sos e colonos ocorriam constantemente (com a distorção nas práticas do cristianismo). Os portugueses levaram para as colônias símbolos de dominação cultural. Logo, a nossa identidade foi forjada ao longo do período colonial, isto é, o “Novo Mundo”, mesmo depois das independências, guardava o jeito do “Velho Mundo ibérico”. Podemos destacar naquele contexto o processo de assimilação cultural iniciado pelo confronto de culturas. Apesar de terem descoberto o Novo Mundo e as suas riquezas, Portugal e Espanha não conseguiram transformar as suas economias com vistas à industrialização (SILVA, 1989). Com relação às transformações no sistema econômico e evolução do capitalismo, podemos dizer que o capitalismo é: [...] a denominação do modo de produção em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de produção. O capital pode tomar a forma de dinheiro ou de crédito para a compra da força de trabalho e dos materiais necessários à produção, a forma de maquinaria física (capital em sentido estrito), ou, finalmente, a forma de estoques de bens acabados ou de trabalho em processo. Qualquer que seja a sua forma, é a propriedade privada do capital nas mãos de uma classe, a classe dos capitalistas, com a exclusão do restante da população, que cons- titui a característica básica do capitalismo como modo de produção. [...] As origens do capitalismo são reconstituídas de diferentes formas: alguns explicam-nas pelo crescimento do capital mercantil e do comércio exterior, outros veem sua causa na difusão das transações monetárias no interior do feudalismo pela comutação da renda e das obrigações feudais. Esse debate diz respeito à transição do feudalismo para o capitalismo e está referido principalmente à experiência da Europa Ocidental, onde o capitalismo surgiu originalmente. Quaisquer que sejam as causas a que se atribuem tais origens, o período que vai aproximadamente do século XV até o século XVIII é geralmente aceito como a fase do capital mer- cantil do capitalismo. O comércio de além-mar e a colonização realizada por monopólios autorizados pelos Estados coloniais desempenharam um papel fundamental nessa fase do capitalismo na Holanda, na Espanha, em Portugal,na Inglaterra e na França. O comércio marítimo tornou-se mais barato que o comércio terrestre graças à invenção de navios rápidos, e áreas até pouco sequer conhecidas pela Europa viram-se ligadas por um comércio que compreendia escravos, metais preciosos e manufaturas simples. A fase industrial teve início com o aparecimento de máquinas mo- vidas por energia não humana e é conhecida como Revolução Industrial. Tendo se iniciado na Inglaterra, na indústria de fiação de algodão, essa re- volução estendeu-se a diferentes indústrias, universalizando principalmente o uso da máquina a vapor, e a diferentes regiões da Europa Ocidental e da América do Norte. Essa fase é contemporânea do crescimento da ciência 24 25 da Economia Política e da ideologia do laissez-faire. Foi marcada pela luta no sentido de reduzir ou eliminar o papel do Estado no controle do mercado do trabalho, do comércio exterior e do comércio interno. As teorias de Adam Smith e David Ricardo foram armas poderosas nessa batalha (ver economia vulgar). Pelo menos na Inglaterra, a batalha ideo- lógica pelo laissez-faire foi vencida na década de 1840 com a revogação das Corn Laws, a aprovação do Banking Act e a abolição dos Naviga- tion Acts. A reforma da Poor Law racionalizou a assistência do Estado aos pobres e indigentes, de acordo com as doutrinas do laissez-faire. O papel do Estado no capitalismo, embora minimizado na ideologia do laissez-faire e modesto na experiência inglesa, continuou substancial no desenvolvimento posterior do modo de produção capitalista na França, na Alemanha, na Itália e na Rússia. O único outro caso que faz parale- lo com a experiência inglesa nesse sentido é o dos Estados Unidos da América. Há, porém, uma tendência para caracterizar essa fase média do capitalismo – capitalismo industrial num período de crescimento rápido e de progresso técnico, consistindo em pequenas empresas de propriedade individual, com um mínimo de participação do Estado e concorrência generalizada – como uma fase de algum modo natural. E assim, fases subsequentes foram denominadas de capitalismo monopolista, capita- lismo financeiro, capitalismo tardio etc. A fase do capitalismo dos mo- nopólios (capitalismo financeiro) dataria mais ou menos da passagem do século, quando os processos industriais de grande escala se tornavam possíveis com o advento da Segunda Revolução Industrial. Ora, se é fato que cada uma das características acima relacionadas deva ser consi- derada como um aspecto essencial do capitalismo, vários autores já en- contraram razões para anunciar o desaparecimento desse sistema. Ideó- logos do laissez -faire (Friedman, Hayek) assinalaram o desenvolvimento da negociação coletiva e da legislação no sentido de regular as consequ- ências adversas da atividade econômica como indícios do abandono do capitalismo clássico. Autores marxistas viram o tamanho crescente dos monopólios ou o papel dominante do Estado como sinais da má saúde ou do envelhecimento do capitalismo. O papel desempenhado pelos Estados nacionais ao darem assistência ao capitalismo na procura de mercados no exterior, muitas vezes em colônias controladas politicamente, foi con- siderado por Lenin como algo que assinalava a fase do imperialismo, que chamou de fase superior do capitalismo. O papel, cumprido internamen- te pelo Estado, de minorar o problema da realização por meio de gastos públicos na era pós-keynesiana foi considerado, por economistas liberais (SHONFIELD, 1965; GALBRAITH, 1967), o anúncio de uma nova era do capitalismo; alguns social-democratas também adotaram esse ponto de vista (por exemplo, Crosland, 1956). (BOTTOMORE, 2013) O mercantilismo (sistema comercial), exclusivo comercial, metalismo, os pactos coloniais, monopólios comerciais e a balança comercial favorável estabeleceram os alicerces econômicos da transição da Idade Média para a Moderna. O absolutismo era uma forma estabelecida de governo, que definia o rei como “eleito de Deus”. O ilumi- nismo, a Reforma Religiosa, Contrarreforma e Reforma Protestante trouxeram grandes transformações sociais e de mentalidades. Ao mesmo tempo, a acumulação do capital e o desenvolvimento científico contribuíram para que a Inglaterra desenvolvesse a sua 25 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História indústria (Revolução Industrial), provocando grandes mudanças nas relações de trabalho e formas de produção. O Renascimento Cultural foi muito importante, com intensa produção nas artes plás- ticas, na literatura e nas Ciências. Naquele contexto, a Revolução Francesa (burguesa e liberal) marcou o início do fim do absolutismo e do Antigo Regime em toda a Europa, além da ascensão da burguesia ao poder. Os ideais da Revolução Francesa se espalharam por toda a Europa e chegaram às Américas. Figura 11 – Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789 Fonte: Wikimedia Commons Para aprofundar os seus conhecimentos sobre a Idade Moderna, leia estas obras: ANDERSON, P. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1995. BURKE, P. A cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. FERRO, M. História das colonizações. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ______. A Era do Capital. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1979a. ______. As origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global, 1979b. Seguindo a cronologia histórica, podemos dizer que a Idade Contemporânea com- preende, portanto, o período entre a Revolução Francesa à atualidade. Neste contexto, podemos destacar a consolidação do sistema capitalista e dos burgueses no poder po- lítico. Consequentemente, as condições de vida dos trabalhadores urbanos pioravam, gerando uma série de manifestações, movimentos sociais, a formação de sindicatos, do movimento operário etc. No século XIX, Alemanha e Itália despontaram como países fortes e industrializados, levando França e Inglaterra a temerem a perda dos mercados. Os países que não possuíam tradição de desenvolvimento das indústrias começaram a competir por expansão e mais terras. 26 27 No início do século XX, o “clima belicoso” estava nos ares das potências capitalistas, o que levou à Primeira e Segunda Guerras Mundiais, com imensos prejuízos materiais e humanos. Após a Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos começaram a se consolidar como potência mundial. Ainda nesse contexto, a União Soviética lutava para sobrevi- ver e o capitalismo principiava uma crise, de modo que após a euforia consumista do “american way of life”, tivemos a “quebra” da Bolsa de Valores de Nova Iorque, seguida por falências, desempregos etc. Figura 12 – Crise de 1929 Fonte: adamsmith.org Com a Modernidade, o ritmo da sociedade mudou, tornando-se mais acelerado. Surgiram, então, novas subjetividades e sensibilidades. A rapidez, velocidade e novidade passaram a ser valorizadas. Os gostos, costumes, as formas de se expressar, a vestimenta, alimentação, ou seja, os estilos de vida foram se alterando, isto é, o conjunto de prá- ticas que o indivíduo abraça, que dão forma material para as narrativas particulares, transformaram-se. O que mudou : [...] não se situa no âmbito da política, mas no da cultura, e não entendida aristocraticamente, mas como os códigos de conduta de um grupo ou um povo. É todo o processo de socialização o que está se transformando pela raiz ao trocar o lugar de onde se mudam os estilos de vida. (MARTIN- -BARBERO, 1997) Surgiu a ideia de que somente nas grandes metrópoles havia privacidade, a chamada so- lidão na multidão, pois as relações pessoais tornaram-se cada vez mais abstratas e o meio de trabalho passou a ser fundamental na adoção de um estilo de vida, na sua definição. Após a Crise, depois da Primeira Guerra Mundial, das denominadas agitações ope- rárias (com o crescimento do socialismo e a criação do Partido Comunista), ocorreu a formação de grupos de “direita” (Partidos Fascista e Nazista) e a instalaçãode ditaduras fascistas (Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha e Salazar em Portugal). Posteriormen- te, após a sangrenta Segunda Guerra Mundial, a Europa ficou destruída e o mundo dividiu-se entre capitalismo e socialismo. A tensão entre esses dois blocos resultou na denominada Guerra Fria, de modo que nas décadas de 1960, 1970 e 1980 diversos movimentos pacifistas clamavam pelo desarmamento no mundo. Desfile nazista em Munique, em 1923. Disponível em: https://bit.ly/35j26TL 27 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História As mudanças do século XX influenciaram as transformações do XXI. Portanto, na Contemporaneidade pudemos acompanhar a Terceira e Quarta Revoluções Industriais, que possuem como principais características a substituição da mecânica analógica pela digital, o uso de microcomputadores, a criação da internet, invenção da robótica, novas fontes de energia (nuclear, solar, eólica), o desenvolvimento da engenharia genética, biotecnologia, de telefones celulares, sistemas que combinam máquinas a processos digi- tais, internet das coisas, inteligência artificial, entre outros recursos. O desenvolvimento tecnológico foi o principal responsável pelas mudanças nas formas de produção e comu- nicação dos conhecimentos, afetando diretamente todas as áreas, incluindo o mundo do trabalho, a educação, o lazer, os hábitos, valores, as relações interpessoais etc. PRIMEIRA SEGUNDA TERCEIRA QUARTA Mecanização, força hidráulica, máquina a vapor Produção em massa, linha de montagem, eletricidade Computador e automação Sistemas ciber-físicos Revoluções Industriais Figura 13 Fonte: Adaptada de Getty Images Finalizando esta breve reflexão, podemos perceber que a Antropologia, quando uni- da à História, Sociologia, Filosofia, Geografia etc., pode proporcionar variadas informa- ções sobre as sociedades ao longo do tempo, nos diferentes períodos históricos, a fim de oferecer o conhecimento das diferentes culturas para que auxiliemos a nossa sociedade a compreender a importância do respeito às diversidades. 28 29 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura A recusa da interação: um ensaio historiográfico sobre etnocentrismo e racismo na Grécia Antiga https://bit.ly/3wvmHQT Cidadãos e cidadãs na cidade grega clássica. Onde atua o gênero? https://bit.ly/3gunkEH Loucura imperial na Roma Antiga https://bit.ly/35s92Oo Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas https://bit.ly/3vzDiBr Imperialismo, Estado e hierarquização social na Baixa Núbia durante o reino novo egípcio (1550-1070 a.C.) https://bit.ly/35oKMwP A senhora da casa ou a dona da casa? Construções sobre gênero e alimentação no Egito Antigo https://bit.ly/3vxh5Eh 29 UNIDADE Seres Humanos: Sociedades, Culturas e História Referências BLOCH, M. A sociedade feudal. São Paulo: Edições 70, 1982. BORNHEIM, G. A invenção do novo. In: NOVAES, A. (Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. São Paulo: Jorge Zahar, 2013. FREMANTLE, A. Ventos de mudança. In: Idade da fé. Biblioteca de história universal Life. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1965. HIGA, C. C. Código de Hamurabi. Brasil Escola. [20--]. 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